Da recente controvérsia
Conforme o artigo 150, VI, “b”, da Constituição Federal de 1988, “é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: instituir impostos sobre: templos de qualquer culto”. No mesmo dispositivo, em seu parágrafo 4º, é disposto que tal imunidade compreende “somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas”.
A expressão “templos”, interpretada lato sensu, indica Igrejas, conventos, Seminários, veículos para atividades eclesiásticas, anexos, etc, da religião cristã e de outras. Já “patrimônio” aponta para rendas e serviços aplicados finalisticamente ao templo.
O motivo, em tese, é que, como aponta Pimenta (2017), “as religiões podem ser consideradas como de interesse social e que, na qualidade de organizações sem fins lucrativos e que, teoricamente, não comercializam produtos ou vendem serviços”.
Em sentido contrário, em 2015, por meio de uma Sugestão Popular (SUG 2/2015), a Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (ATEA) defende que, como o Estado é laico, não é razoável que se dê imunidade tributária a entidades religiosas. Outro problema apontado é que os escândalos financeiros que líderes religiosos protagonizam levam adiante a ideia de se banir a Imunidade Tributária.
Desse modo, dizem os defensores da SUG 2/2015, como os líderes enriquecem, é preciso que haja tributação. Ainda pontua que “quando certos líderes religiosos abusam do conceito de liberdade religiosa, exigindo mais e mais dinheiro dos fiéis para enriquecimento próprio, isso mostra que o único combate que deve ser feito é o do bolso”.
A matéria em pauta aguarda um parecer da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), tendo, até o momento, recebido mais de 279 mil votos, aproximadamente 141 mil votos a favor e 138 mil contrários, no site Consulta Pública, do portal e-Cidadania do Senado.
Do papel social das Igrejas
A referida Sugestão Popular (SUG 2/2015) coloca que “do ponto de vista do Estado, a igreja deve ser vista como uma empresa como outra qualquer, que luta com os concorrentes (...) para obter o maior número de clientes (fiéis) e, com isso, ter a maior receita”.
Essa acusação pode, de fato, ser aplicada em alguns casos, mas não a todos. As Igrejas e templos em geral prestam um serviço social notável, tanto assistencialmente quanto na formação e recuperação psicológica de milhares de pessoas. Não é difícil encontrar, em tais instituições, pessoas socialmente reabilitadas. Nem o Estado nem as ONG’s, historicamente, recuperam pessoas como os templos religiosos o fazem.
Essa discriminação é desconhecedora da ampla realidade religiosa do país. Por exemplo, a SUG 2/2015 argumenta que “as igrejas não podem ser consideradas associações não lucrativas”, pois, conforme o texto dirá, quer “monopolizar a crença”.
Mas quem determina ou julga isso? Na verdade, esses juízos desconsideram o papel histórico que os templos têm no país. Religiosos lutaram por liberdade de expressão, de crença, de culto, de limitação estatal, e são parte essencial da tradição nacional. Todas as instituições podem vir a manipular crenças, mas não cabe ao Estado determinar o conteúdo que cada instituição pode pregar e as pessoas acreditarem.
Desse modo, o papel social dos templos é histórico, cultural e tradicional. A permissividade dada a qualquer governo de taxar, limitar, e suprimir a atuação das entidades religiosas pode acarretar dificuldades financeiras e extinguir instituições que são memórias vivas da sociedade.
Isenção tributária?
Muitas pessoas argumentam que os templos não deveriam ter imunidade tributária, mas sim isenção. Silva Junior (2014) diferencia os institutos: “Imunidade é a proibição constitucional propostas às entidades políticas que detêm a competência tributária, de tributar determinadas pessoas (...) Já a isenção, não é a vedação, mas sim a dispensa legal do pagamento do tributo”. Ou seja, enquanto o primeiro conceito está ligado a uma vedação feita pela Constituição, o segundo pode ser previsto em lei infraconstitucional. Além disso, com a imunidade tributária não há incidência de imposto, mas com a isenção gera-se o imposto e, por previsão legal, seu crédito é excluído.
Pois bem, essa diferenciação é de vital importância. Se os templos passassem a ter isenção tributária, determinados grupos religiosos, especialmente os majoritários que têm mais apelo político, poderiam atuar pressionando por leis infraconstitucionais que assegurassem a isenção para seus templos. Consequentemente, os grupos minoritários seriam, de pronto, prejudicados devido à taxação.
Além disso, é preciso que se perceba que os contribuintes de templos já têm suas rendas tributadas, por exemplo, o Imposto de Renda. Como são as entradas de contribuições que sustentam essas instituições, “bitributar” – cobrando impostos dos templos sobre os mesmos montantes doados e já tributados – é inconstitucional.
Das Garantias Constitucionais
A liberdade de culto é uma extensão de outros mandamentos da Constituição, como a liberdade de crença e expressão. Com isso, a garantia de imunidade tributária aos templos assegura o efetivo exercício desses direitos sem ingerência estatal. Em um Estado laico, há de se respeitar tais garantias. Aliás, tal configuração de Estado não adota oficialmente nenhuma religião oficial, mas não é ateu, tentando suprimir as vozes religiosas.
Com efeito, contra o controle dos opositores, deve-se preservar a imunidade tributária em equidade para todas as entidades religiosas, sem se prever privilégios para templos específicos, a fim de haver isonomia. O fim de tal instituto poderia levar a um maior desequilíbrio, visto que religiões majoritárias, com um “lobby” político mais poderoso, podem dispor de mais recursos para se sustentar e se proteger, enquanto as mais simples podem ser solapadas em não suportar tributos, caindo na ilegalidade e na clandestinidade. Não se pode nivelar por cima (templos abastados) e solapar as instituições menores.
Das diferentes esferas
Para conservação dos direitos fundamentais, é importante que se entenda que o Estado e as instituições religiosas são esferas sociais diferentes que não podem suprimir-se, um ao outro. Isto é, o Estado tem seu papel, assim como, as instituições religiosas, o seu. Cada um deve respeitar a esfera de atuação do outro.
Com efeito, não há uma teoria social no Brasil que possa discriminar as instituições que deixaram de atuar de modo religioso e filantrópico, para agirem, estritamente, como uma organização empresarial. Ora, ligar a televisão e ver pedidos de dinheiro por religiosos não pode ser uma teoria social para tal empreendimento.
Desse modo, sem a clara delimitação dos limites entre essas esferas pode ocorrer uma atuação de resistência e acirramento. O Estado, por meio da Lei Constitucional, deve continuar limitando-se em não imiscuir-se nas atividades religiosas, atuando apenas em casos de gravames sociais e de ilegalidades.
Considerações finais
Primeiramente, é preciso que se reconheça que, no Brasil, várias instituições eclesiásticas deixaram seu papel, de administração de seu culto religioso e ação social, passando a exercer um papel empresarial. Nem por isso, é recomendável que se meça todos os templos religiosos como tendo assumido essa via. Se toda instituição que deixa de exercer sua atuação precípua levasse a uma mudança legal, talvez o Congresso Nacional também precisasse ser taxado.
Para além disso, a questão principal é perceber que o Estado, por meio da taxação de templos, pode assumir uma política de supressão da liberdade religiosa, já vista em tantos países. Deve-se, então, respeitar a esfera de atuação dos entes religiosos, sendo que, em casos de gravames legais, aja-se para a normalização das relações sociais.
Não há, como em qualquer política estatal, uma solução perfeita. Mas rever a previsão constitucional no sentido contrário à imunidade tributária pode levar a um mal maior, em permitir que governos de viés antirreligioso atuem contra a tradição e cultura nacionais historicamente consolidadas. Talvez por isso, uma instituição como a Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (ATEA) tenha um interesse mais religioso do que de política de Estado.
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Referências bibliográficas:
MOREIRA, Roberta. Qual a abrangência da imunidade tributária aos templos de qualquer culto? Disponível em:https://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/40791/qual-a-abrangencia-da-imunidade-tributaria-aos-templos-de-qualquer-culto-roberta-moreira. Acesso em 10 de agosto de 2017.
PIMENTA, Luciana. Imunidade tributária: por que igrejas são isentas de pagar impostos? 2017. Disponível em:http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI254436,51045-Imunidade+tributaria+por+que+igrejas+sao+isentas+de+pagar+impostos. Acesso em 10 de agosto de 2017.
RIBEIRO, Bianca. Imunidade tributária: por que entidades religiosas não pagam impostos no brasil? 2016. Disponível em:http://www.politize.com.br/imunidade-tributaria-entidade-religiosa/. Acesso em 10 de agosto de 2017.
SILVA JUNIOR, Agenor da. Distinção entre isenção e imunidade tributária. 2014. Disponível em: http://www.oab-sc.org.br/artigos/distincao-entre-isencao-e-imunidade-tributaria/1535. Acesso em 15 de agosto de 2017.
Sobre o autor: Anderson Barbosa Paz é seminarista do Seminário Teológico Betel Brasileiro. Bacharelando em Direito pela Universidade Federal da Paraíba. Congrega na Igreja Presbiteriana do Bairro dos Estados em João Pessoa-PB. Atua na área de Apologética Cristã, debatendo e ensinando.
Divulgação: Bereianos
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