quinta-feira, 21 de junho de 2012

Ceia Acridoce - Objeções





"Pois os sacramentos são visíveis sinais e selos de uma realidade interna e invisível. Através deles, Deus opera em nós, pelo poder do Espírito Santo. Por isso, os sinais não são vãos nem vazios para nos enganar, porque Jesus Cristo é a verdade deles e, sem Ele, nada seriam..." Confissão Belga, Artigo 33

De 07 a 09 de Junho aconteceu em Belo Horizonte a Consulta Nacional da Fraternidade Teológica Latino Americana, Setor Brasil. Em um dos cultos da Consulta foi realizada uma ceia incomum. Fotos postadas no Facebook mostravam duas bandejas, uma com pedaços de limão e outra com cubos de doce de leite. A explicação dada por um dos participantes, no Facebook, foi esta: "Compartilhamos o doce e o amargo da vida simbolizados pelo limão e doce de leite. Vida e comunhão é muito mais que elementos e rituais".

Muitas críticas pertinentes foram escritas sobre o acontecimento (clique nos nomes para acessar os textos): Norma BragaRenato Vargens e Allen Porto

O que pretendo aqui não é escrever mais sobre o assunto, mas abordar as costumeiras objeções que são levantadas sempre que surge esta discussão.


1ª Objeção - A presença de outros elementos na ceia de Corinto não abre espaço para elementos adicionais ao pão e ao vinho?

Tanto na instituição da Ceia, por nosso Senhor Jesus Cristo (Mt 26.26-30) quanto nas instruções de Paulo aos Coríntios (1Co 11.17-34) encontramos mais elementos que apenas pão e vinho nas mesas. Em Mateus 26, temos a instituição da Ceia em uma Páscoa. E sabemos quais eram os alimentos consumidos na Páscoa Judaica: carne assada de cordeiro ou de cabrito, pães asmos e ervas amargas (Ex 12.1-28, Nm 9.1-14). Em Corinto, os crentes se reuniam para comerem juntos uma refeição e também para participarem da Santa Ceia. Esta prática tornou-se comum na Igreja Primitiva (At 2.46). Sendo assim, nas refeições comuns, certamente havia mais alimentos do que apenas o pão e o vinho.

Todavia, na instituição da Ceia, não obstante estarem ali a carne assada e as ervas amargas, é o pão que Jesus toma, abençoa, parte e distribui aos discípulos dizendo: "Tomai, comei; isto é o meu corpo." Da mesma forma, ele pega o cálice, dá graças, passa-o aos discípulos e diz: "Bebei dele todos; porque isto é o meu sangue, o sangue da nova aliança, derramado em favor de muitos, para remissão de pecados..." Apenas os dois elementos são instituídos.

Na ceia de Corinto, embora houvesse mais alimentos na mesa, o apóstolo Paulo restringe-se ao que foi instituído: "Porque eu recebi do Senhor o que também vos entreguei..." e segue repetindo as palavras da instituição, mencionando apenas o pão e o cálice.

Aliás, a expressão "eu recebi do Senhor o que também vos entreguei" é digna de nota. Mostra o compromisso fiel de Paulo em entregar aos Corintios exatamente o que recebeu de Cristo. Mais adiante na carta, falando sobre a ressurreição, ele repete a fórmula: "Antes de tudo, vos entreguei o que também recebi: que Cristo morreu pelos nossos pecados..." (1Co 15.3). Isto é, o que Paulo estava ministrando ali na Ceia era a expressão exata do que havia recebido de Cristo, sem acréscimos, substituições ou omissões. Assim sendo, a resposta a esta objeção é não. Apenas o pão e o vinho foram alvos da instituição.

2ª Objeção – Se não se pode alterar os elementos instituídos por Cristo, com que autoridade a maioria das igrejas usa pão fermentado ao invés do pão asmo e suco de uva no lugar do vinho?

Se formos seguir este argumento de modo rigoroso, a Ceia não poderá repetir-se jamais. Teremos que produzir pão asmo (ou ázimo) com o mesmo trigo daquela época e o vinho com a exata fermentação daquela região, sem qualquer adição de componentes químicos, tão comuns nos vinhos de hoje. Certamente Jesus, ao instituir um sacramento que duraria séculos e que chegaria até aos confins do mundo, não foi específico desta forma. Ele instituiu simplesmente pão e vinho.

Mas e quanto ao suco de uva? Não deveria ser apenas vinho? Ora vinho e suco de uva não são, ambos, fruto da videira? Na instituição da Ceia, Cristo disse: "... porque isto é o meu sangue, o sangue da nova aliança, derramado em favor de muitos, para remissão de pecados. E digo-vos que, desta hora em diante, não beberei deste fruto da videira..." Mt 26.28,29

O erro, portanto, não está em utilizar-se de variações dentro da mesma categoria, mas em trocar o elemento instituído. Em outras palavras, o pão pode ser fermentado, ázimo, artesanal, de forma, integral, etc, desde que não desconfigure o sentido de pão que temos ao ler as Escrituras (pão asmo). O fruto da videira pode ser fermentado ou não, desde que seja fruto da videira. 

3ª Objeção - Um missionário famoso trocou os elementos da Ceia, então, podemos fazer o mesmo.

Missionários são servos do Senhor a quem devemos todo o respeito. Eles enfrentam dificuldades nos campos que, normalmente, não enfrentamos nas cidades. Todavia, eles não são infalíveis. Eles também podem errar. Um dos famosos lemas da Reforma Protestante foi o Sola Scriptura. Este lema nos ensina que as Escrituras, e só elas, são nossa regra de fé e de prática. Desta forma, mesmo que um fiel servo de Deus faça algo que não tem base bíblica, nós devemos ficar com a Bíblia e não com o homem. Os crentes de Beréia foram elogiados por Paulo por examinarem constantemente as Escrituras confirmando se o que ouviam estava correto (At 17.11). Escrevendo aos Gálatas, Paulo os orientou a duvidarem até dele mesmo se um dia aparecesse pregando um evangelho diferente daquele que, até aquele dia, pregara: "Mas, ainda que nós ou mesmo um anjo vindo do céu vos pregue evangelho que vá além do que vos temos pregado, seja anátema." (Gl 1.8). Sendo assim, o ato de uma pessoa, por mais respeitada que seja, não invalida o que está na Palavra.

4ª Objeção - Em contexto missionário, os elementos da ceia podem ser substituídos.

Tenho visto o argumento da dificuldade do missionário em certas regiões do país, ser usado bastante. Na minha percepção, ou entendemos que os elementos da ceia são aqueles mesmos e que não pode haver flexibilização, ou o céu é o limite para as contextualizações...

Creio que o que nos ajuda nesta questão é a flexibilização não dos elementos, mas da ministração da ceia. Nada nos obriga a ministrar a ceia dominicalmente, ou mensalmente. Até João Calvino, em Genebra, cedeu nesta questão. Se em uma região missionária os elementos só chegarão em 3 meses, aguarde-se a chegada deles para que o sacramento seja feito com fidelidade. Repito, nada obriga a celebração do sacramento se não há os elementos próprios à mão.

Neste sentido, uma experiência particular. Minha família, no interior do Ceará, passou algumas décadas contando com a presença de um pastor, por vezes, de 6 em 6 meses. E a ceia só era recebida quando o pastor chegava. Certamente, não é situação ideal, mas é melhor que distorcer o instituído no sacramento.

Fico pensando se algum dos que gostam de flexibilizar o sacramento da Ceia teria coragem de, na falta de água para o batismo, ministrá-lo com álcool, suco de laranja ou gasolina...

Concluo com a desconfiança de que outras objeções virão, mas certo de que não precisamos de qualquer outro elemento neste sacramento. A ceia é uma refeição espiritual completa. Nas palavras de João Calvino, nela "nos são oferecidos todos os dulçores do Evangelho" (As Institutas, 1541, IV.12)
Fonte:resitência protestante

Um comentário:

  1. Parabéns pelo post. Concordo plenamente no que diz respeito a não substituição, subtração ou acréscimo dos elementos instituídos por nosso Senhor.

    Contudo, no caso em questão, "a ceia acridoce", mais grave do que o acréscimo de elementos estranhos ("limão e doce de leite") ao Sacramento da Ceia do Senhor, é a alteração feita no significado teológico: de que as complexidades da vida ("o doce e o amargo") tem o mesmo propósito redentivo que a Ceia do Senhor, ser sinal visível de uma graça invisível - o sacrifício de Jesus Cristo.

    Abração!

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