Muitos fãs das Crônicas de Nárnia me perguntam o que penso dos filmes baseados nos livros. De maneira geral, costumo dizer que a comunidade cristã, pelo menos nos Estados Unidos e Inglaterra, tem se manifestado e criado uma “vigilância” sobre o que aparece nas telas. Outro fator interessante é que o enteado de Lewis, Douglas Gresham, foi designado codiretor de todas as produções. Douglas tem um cuidado extremo com o patrimônio cultural de seu padrasto, tanto que ele praticamente está por dentro de tudo o que é publicado sobre Lewis, responsável por sua condução à conversão e ao chamado para a missão que ele exerce atualmente.
Dito isso, é claro que as estratégias mercadológicas e de marketing dos filmes não podem ser desprezadas, principalmente por se tratar de uma máquina de produção chamada “Walt Disney”, além de seus interesses nem sempre compatíveis com o cristianismo.
Dessa forma, logo no primeiro filme, O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupas, há cenas de batalhas bem mais hollywoodianas do que aquelas descritas no livro. Mas, mesmo assim, alguns espectadores, principalmente meninos mais novos, acharam as batalhas “fraquinhas” demais. São adolescentes acostumados com a violência de videogames e de outros filmes. Essa opinião foi suficiente para que o segundo filme, Príncipe Caspian, “caprichasse” ainda mais nesse quesito.
O segundo filme também mostra algo que seria inusitado para Lewis: o romance entre Susana e Cáspian, que só não foi para frente na terceira produção porque a mocinha simplesmente não participa dessa aventura. Isso não significa que ela não é honrosamente lembrada na imaginação de Lúcia, ao abrir o livro mágico em A Viagem do Peregrino da Alvorada. Aliás, nesse filme, há introdução de personagens e cenas inexistentes no livro.
Nesse aspecto, Príncipe Caspian é o mais fiel ao livro. Contudo, algumas modificações são até compreensíveis em uma adaptação para o cinema, que sempre envolve uma “tradução” de uma mídia para outra. Ela não seria perfeita se fosse um retrato rigoroso e fiel do suporte escrito, que despreza as características próprias da linguagem cinematográfica. Em alguns casos, a versão do cinema até amarrou “fios soltos” e fez pontes entre cenas um pouco desconexas nos livros. A legitimidade disso pode ser questionada, mas tendo a vê-la com bons olhos, desde que a essência do conteúdo e da mensagem seja mantida.
O que é difícil justificar são algumas omissões, mais visíveis no terceiro filme. Por exemplo, na cena em que Aslam faz com que Eustáquio volte para o formato humano, o livro conta que leão literalmente “esfola” as escamas do personagem com as suas garras, em um processo demorado e doloroso. No filme, ele se limita a arranhar o chão em um gesto simbólico, ou incompreensível para os desavisados, e a promover a descamação de Eustáquio com um rugido.
Ou seja, a pergunta teológica que surge é: Eustáquio tinha mesmo que passar por esse sofrimento? No filme, há apenas uma constatação da redenção de Eustáquio por Aslam em um passe de mágica. No livro, por sua vez, há um processo e uma causalidade que muito lembra outras cenas das Crônicas, como a de Edmundo nas garras da feiticeira, além de tantas outras passagens dos clássicos de Lewis, O Problema do Sofrimento e o menos conhecido, Anatomia de uma Dor. Deus fala conosco nos bons momentos, mas grita nos sofrimentos, que são o seu “megafone”. Ele é como um dentista, como um cirurgião que pode nos machucar em consequência de uma causa, ao longo do processo de cura. Tal dor não tem poder de redenção, que é prerrogativa de Aslam.
Há inúmeras outras cenas de omissão que deixaremos para as “cenas do próximo artigo”, pois vale a pena aprofundá-las. Fica aqui a pergunta, por enquanto: O que omissões como essa querem dizer? Que a cena do dragão com Aslam era complexa ou “teológica” demais para merecer o carimbo da Disney?
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