segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Romanos 11:22-24 ensina que a salvação pode ser perdida?

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Romanos 11. 22-24 ensina que a salvação pode ser perdida? E que depois de perdida pode ser recuperada? Vejamos:

Porque, se Deus não poupou os ramos naturais, teme que não te poupe a ti também. Considera, pois, a bondade e a severidade de Deus: para com os que caíram, severidade; mas para contigo, benignidade, se permaneceres na sua benignidade; de outra maneira também tu serás cortado. E também eles, se não permanecerem na incredulidade, serão enxertados; porque poderoso é Deus para os tornar a enxertar. Porque, se tu foste cortado do natural zambujeiro e, contra a natureza, enxertado na boa oliveira, quanto mais esses, que são naturais, serão enxertados na sua própria oliveira!” Romanos 11. 22-24 - ACF

Paulo, argumentando contra a soberba gentílica (que foi um efeito colateral do orgulho israelense, por ser a nação eleita, que causou uma soberba nos gentios agora alcançados pelo evangelho, uma vez que se sentiam superiores aos judeus – que o recusaram), usa a alegoria da videira para ilustrar seu ponto de vista. Os gentios deveriam ver no exemplo da severidade divina dada aos judeus motivos para temer ao Senhor e demonstrarem gratidão ao invés de orgulho. 

O que deveria ser bastante óbvio para os gentios destinatários da epístola – o que nos inclui, é que se não fôra a graça imerecida do Senhor dada a nós, estaríamos na mesma condição. Mas a iluminação do evangelho gera nos eleitos a confirmação da soberana vocação – com um espírito humilde e obediente. “Nada pode separar o Corpo de Cristo de Seu Cabeça, e nada pode separar o cristão do amor de Deus, mas os povos gentios podem ser removidos de sua atual posição de privilégio” [1]; ou seja, o evangelho chegou aos gentios (como povo e não indivíduo), mas destes (assim como daqueles), apenas os escolhidos perseverarão.

Muitos que são chamados, mas não escolhidos; podem frequentar reuniões com cristãos verdadeiros por um tempo, mas a dureza do seu coração se manifestará em breve. “Em todo o NT a continuidade é o teste da realidade. A perseverança dos santos é doutrina firmemente alicerçada no ensino do NT (e não menos no ensino paulino), mas, o seu corolário é que são os santos que perseveram” [2]. Portanto, o chamado do evangelho é para todos. Destes, em muitos chamados, vemos a semente crescer, até que o sol a queime, ou os espinhos a sufoquem. Os santos (nas palavras de Bruce – ou escolhidos, nas de Cristo) são os que perseveram. Não são escolhidos por perseverarem, mas perseveram por serem escolhidos. Mas isto não anula a necessidade de exortação a perseverança – dada nossa natureza.

Assim, Paulo exorta a todos a examinar o que o juízo divino acarretou aos judeus (como nação); para entender que: 1 - indivíduos que por ora são vistos fora podem vir a responder positivamente a vocação (comparar Romanos 9.6 com 11.26: “Não que a palavra de Deus haja faltado, porque nem todos os que são de Israel são israelitas [...]. E assim todo o Israel será salvo” – ou seja, os judeus eleitos continuam sendo salvos desde a época do NT até em nossos dias); 2 - os gentios aqui tratados como nação devem se examinar (como indivíduos) da legitimidade da sua salvação.

As palavras de Jesus dão uma boa luz a perícope: “Toda a vara em mim, que não dá fruto, a tira (...). Se alguém não estiver em mim, será lançado fora, como a vara” (Jo 15.2a, 6a). Os que se perdem, na realidade nunca estiveram nEle. Jesus, assim como Paulo exorta a permanência nEle, exorta a permanecerem (porque de fato estão) na bondade de Deus. O crente não pode basear sua segurança em seu mérito ou em sua confiança. É em Deus que ele está seguro. Ele apenas deve crer – lembrando que a própria fé é dada e confirmada pela ação do Espírito Santo – sendo efetiva apenas nos que Deus quer (elegeu). A ordem ao cristão é que use esta fé – se não usar, será cortado (mas assim como os eleitos respondem positivamente o chamado, respondem as exortações em obediência). Todo o que não usa – porque nem a tem (e nunca esteve de fato na Videira), é cortado. Todo o que a usa – porque ela é irresistível, permanece. O querer e o realizar pertencem a Ele. A exortação mostra que a eleição não diminui nossa responsabilidade.

Em Efésios 1.4 Paulo diz que os crentes são eleitos em Cristo, assim: “está muito claro que o Senhor agiu ‘por’ e ‘em’ aqueles que estão ‘em Cristo’. Mas, está igualmente claro que aqueles ‘em Cristo’ devem também agir: devem continuar; devem produzir fruto” [3]. O comentarista afirma que se alguém desprezar (as doutrinas) da eleição ou da responsabilidade está afastado do ensino do Novo Testamento. Mas, se alguém quiser afirmar que “compreende inteiramente o relacionamento entre estes dois fatores, esqueceu-se que Deus deixou algumas coisas a serem reveladas nos séculos vindouros – cf. Ef 2.7” [4].

A rejeição temporária dos judeus não deveria despertar nem orgulho, muito menos tropeço, mas temor a ser convertido em arrependimento – nos gentios. Se o povo eleito fôra vítima de rejeição, o que será do gentio não contrito? Calvino explica que nesta passagem (assim como em toda a carta), Paulo se dirige a cada crente individualmente, mas confronta gentios e judeus como grupos, e a rejeição/aceitação do grupo deve fazer com que cada indivíduo olhe com atenção para a sua situação. Deus não faz acepção de pessoas com relação a grupos, mas com relação a indivíduos (você pode não concordar, mas, como explicar a Esaú, Faraó, Judas, entre outros). Por isso o Israel (o que é realmente Israel) será re-enxertado. Por isso devemos sempre olhar com atenção e humildade para nossa condição.

Com base na ideia dos grupos, quando Paulo acrescenta uma condição: “se nela perseverares”; isso deve ser visto sabendo “que ele não está argüindo acerca de indivíduos que são eleitos, e sim acerca de toda a corporação” [5]. Ou seja, não é que Deus faça uma troca, persevere e serei misericordioso e lhe elegerei. “Pois a perseverança da fé, o qual consolida o efeito da graça divina em nós, emana da própria eleição” [6]. Mas sim como uma exortação aos destinatários da carta – romanos e nós também; como um grupo, que devem vigiar. Deste grupo, alguns perseverarão, outros não. 

Falando em responsabilidade humana, Murray, nos diz que Paulo não falava sobre a retidão ética obrigatória que todo cristão deve possuir, e que faz parte da perseverança. “A ideia é que ele tem de continuar no gozo da bondade de Deus; e isto é idêntico ao que lemos em Atos 13.43, onde os discípulos são exortados a perseverarem ‘na graça de Deus’. A implicação, entretanto, é que esta continuação está condicionada a humildade e à fé permanente, sobre o que recai à ênfase, nos versículos anteriores” [7]. Desta forma, aos eleitos é uma exortação de encorajamento, aos não-eleitos uma ameaça real.

Assim poderemos compreender a ameaça de corte em vista das doutrinas da eleição e perseverança. O crente, a pessoa eleita, precisa deste tipo de exortação para que não se entregue ao orgulho, tão contrário à condição da humildade requerida aos salvos. Vale ler o que Calvino complementa: “o apóstolo não está discutindo aqui a salvação específica de cada indivíduo, e, sim, está pondo gentios e judeus em confronto, uma corporação frente à outra. Então, ele não se dirige propriamente dito aos eleitos, mas àqueles que falsamente blasonavam de haver substituído os judeus” [8]. Sobre a questão da tensão enxerta/corta, novamente Calvino [9] tem algo a nos dizer: 

“Se com referência ao indivíduo surge à indagação: como é possível alguém ser cortado depois de ser enxertado? E: como, depois de ser cortado, pode ele ser enxertado novamente? – concebo três formas de enxerto e duas de corte (...). Primeira, são enxertados os filhos dos crentes, a quem cabe a promessa em decorrência do pacto feito com seus pais (na visão reformada do batismo infantil, a criança fica debaixo do conserto, mas não está absolvida nem do pecado Original, muito menos salva pelo batismo – está na mesma condição de um filho de um judeu que fora circuncidado e debaixo da promessa – nota minha). Segunda, são enxertados aqueles que recebem a semente do evangelho, a qual, ou nasce sem quaisquer raízes, ou é sufocada antes mesmo de produzir frutos. Terceira, são enxertados os eleitos, os quais são iluminados para a vida eterna pelo propósito imutável de Deus. Os primeiros são cortados quando rejeitam a promessa feita a seus pais, ou, em outros termos, movidos por ingratidão, na verdade não a recebem. Os segundos são cortados quando a semente é definhada e destruída. E assim, visto que este mal ameaça a todos no que diz respeito a sua natureza inerente, devemos reconhecer que esta advertência usada por Paulo, em certa medida, diz respeito aos crentes, para que não se entreguem a  indolência da carne. No que toca à presente passagem, deve bastar-nos que Deus ameaça os gentios com o mesmo castigo que infligira aos judeus, caso os imitassem.”

Nos versos 23-24, Paulo afirma que os “que pertencem a Israel” que não continuarem sendo incrédulos, “serão enxertados”. Isso não deveria nos gerar dúvidas. Incredulidade não é o pecado imperdoável, e através da dureza dos corações deles (judeus), é que chegou aos gentios – a nós, o evangelho. E até chegar o evangelho, também tramitávamos pela incredulidade. Assim como Deus foi poderoso para cumprir Seu propósito confirmando nossa eleição, Ele também é para enxertá-los novamente. Muitos gentios não eleitos apostataram, e muitos judeus eleitos, que por um tempo foram incrédulos, no tempo certo chegaram à verdade. A isso, cada um deve se esforçar em ser zeloso, e viver piedosamente, que andemos “como é digno da vocação com que fostes chamados” (Ef 4.1) seguindo “para o alvo, pelo prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus” (Fp 3.14).

O verso 23, no seu final, dá “o motivo pelo qual não falhará o enxerto” [10] – quando a incredulidade for banida, isso se dá pelo poder de Deus. A dureza da exortação de Paulo ainda reflete uma questão, os que já eram da videira, no caso de ser reintegrado, por serem ramos naturais, teriam maior facilidade de sorver a seiva. Já os gentios, os que eram oliveira braba (ou zambujeiro), por terem uma origem diferente dependem muito mais da misericórdia para usufruir da mesma seiva. Se o natural necessita do poder divino, quanto mais o não natural. Assim, por serem não-naturais, a humildade e reverência deveria ser evidente.

O “quanto mais” no verso 24 também não quer designar que seja mais fácil enxertar Israel. Reafirmo, o poder de Deus é necessário em ambos. A expressão só reforça o caráter do povo ao qual Deus fez e trouxe o pacto – o oferecendo para o mundo. Todos foram encerrados embaixo da ira (tanto judeus quanto gentios) para usar com todos de misericórdia (verso 32). Ninguém merecia. Todos dependem do poder e da graça de Deus. Mesmo sabendo que “serão enxertados na sua própria oliveira aqueles que são ramos naturais” [11]; como que filhos pródigos retornando a casa do Pai; os eleitos gentios se assemelham aos chamados pelas ruas para as bodas, diante da rejeição dos convidados. O convite é universal. Aos que depois de chamados, não apresentarem as vestes de núpcias (que o Pai dá a alguns), serão lançados fora.

Hoekema consegue fazer um panorama desta perícope da seguinte forma: “Paulo chegou a enxergar um certo método na maneira divina de agir com judeus e gentios: a queda de Israel conduziu à salvação dos gentios, e a salvação dos gentios está levando os judeus a se enciumarem. Esta interdependência da salvação dos gentios e judeus é o mistério ao qual Paulo se refere aqui – um mistério que agora foi revelado. Com a palavra ‘para que não sejais presumidos’ Paulo está advertindo seus leitores gentílicos a não se exaltarem acima dos judeus incrédulos” [12].

Assim, concluímos que:

1 – o texto não afirma que se possa perder a salvação, antes que o eleito perseverará, e as sementes que germinarem na pedra ou entre espinhos, não vingarão.

2 – Da mesma forma, afirma que a incredulidade de Israel é momentânea, e que foram rejeitados por terem sido enxertados por nascimento, não por terem sido enxertados e depois apostatado e para o propósito de dar lugar a formação da Igreja neotestamentária.

3 – Desta forma, assemelham-se a nós, enquanto não havíamos crido. Assim como nós, os “judeus foram salvos, estão sendo salvos e continuarão a ser salvos até o fim dos tempos” (13) – pelo eterno propósito e poder de Deus.

4 – O caso é que sua rejeição fora obra de Deus para que a proclamação chegasse às nações para atingir os eleitos gentios, gerando ciúmes nos judeus e com isso conduzindo os eleitos judeus ao arrependimento.

Os que dentre eles foram escolhidos para honra, receberão o dom de fé, da mesma forma que os gentios, formando todos o Israel de Deus (na Igreja não há nem judeu nem grego, apenas filhos de Deus). Paulo, querendo atingir e confirmar os gentios não perde de vista a esperança da promessa de conversão de seus patrícios. Portanto, nem a doutrina da eleição, nem a da perseverança são contraditas aqui, pelo contrário, são reforçadas.

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Referências:
(1) MACDONALD, William – Comentário Bíblico Popular Novo Testamento – Editora Mundo Cristão, p. 459;
(2) BRUCE, Frederick Fyvie – Romanos - Introdução e Comentário – Edições Vida Nova, p. 178;
(3) HARRISON, Everett F.; org. – Comentário Bíblico Moody – Mateus à Apocalipse – Editora Batista Regular, p 371;
(4) Idem;
(5) CALVINO, John – Romanos – Edições Parakletos, p. 415;
(6) Idem;
(7) MURRAY, John – Comentário Bíblico de Romanos – Editora Fiel, p. 452;
(8) CALVINO, op. cit., p. 416;
(9) Idem;
(10) MURRAY, op. cit., p. 452;
(11) Idem, p. 453;
(12) HOEKEMA, Anthony Andrew – A Bíblia e o Futuro – Editora Cultura Cristã, p 172-3;
(13) Idem, p 173.

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Autor: Alberto Oliveira
Fonte: Ecclesia Semper Reformanda Est

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