Algumas pessoas, ainda umas que se denominam cristãs, não veem qualquer problema na legalização do casamento gay. Ora, qual o problema de duas pessoas que se amam serem reconhecidas pelo Estado, ou mesmo por alguma Igreja, sua união? Por que gozariam os heterossexuais de um direito ao casamento, enquanto esse direito seria negado aos homossexuais? Ainda, se estamos em um Estado laico, não deveriam os cristãos, mesmo sendo contra o casamento gay religioso, ser a favor das pessoas se casarem no civil? Alguns pensam: “sou contra a homossexualidade, mas a favor das pessoas se casarem”, ou “sou contra o casamento gay apenas religiosamente falando, mas não generalizo meus princípios religiosos privados para a vida secular”. Será mesmo coerente esse tipo de posicionamento? Como os cristãos devem enxergar o casamento gay?
As bases biológicas do casamento
Para começar, definamos “casamento”. Mesmo sem recorrer a argumentos essencialmente religiosos, a definição de casamento permanece sendo a união de duas pessoas de sexos diferentes. Isso porque a definição de casamento se sustenta sobre três pilares básicos: (i) sexo; (ii) quantidade e (iii) espécie. Existem dois sexos biológicos básicos na espécie humana: masculino e feminino (isso não significa que não possa haver exceções aos sexos biológicos básicos). Com base nesse aspecto biológico se estabelece o casamento como sendo entre duas pessoas (quantidade), sendo elas (um homem e uma mulher). Em seguida o casamento é delineado como sendo constituído por pessoas da espécie humana. Estes três pilares (i) sexo: homem e mulher; (ii) quantidade: duas pessoas; (iii) espécie: humana, são a essência que define o que é casamento. Sabe-se, no entanto, que o biológico não é a única coisa a se levar em conta na questão da conjugabilidade, e que nesse sentido o casamento precisa ser constituído de laços afetivos. No entanto, será um erro ignorar o biológico e assumir somente a afetividade na conceituação de casamento. A definição de casamento se sustenta sobre os três pilares biológicos e sobre a afetividade, e não apenas sobre um ou outro. Uma sociedade hedonista, em que se valoriza o amor eros e ignora a biologia humana, acaba por fazer com que o termo “casamento” perca seu rigor conceitual, o que por sua vez gera uma palavra vazia de significados, plástica e flexível, reflexo da fluidez de nossa sociedade. Casamento é, na própria definição do termo, heterossexual, pois carrega consigo a alteridade biológica. “Casamento gay” é um contradicto in adjecto, uma contradição nos próprios termos.
O campo da afetividade e a conjugabilidade
Baseado na teoria dos campos de poder de Weber, alguns teóricos tem desenvolvido a ideia da emergência de um novo campo de poder, o campo da afetividade.[1] Até o fim da Idade Média, campos de poder, como a política, a ética, a economia e a religião, estavam todos em torno da Igreja. Com o secularismo, teria havido uma delimitação mais distinguível dos campos de poder. O campo de poder da religião separou-se do campo de poder do Estado, a Ciência moderna, filha do escolasticismo, foi se tornando um campo cada vez mais independente, separando-se de pressupostos religiosos e subjetivistas. Desse modo, houve um processo que poder-se-ia chamar de uma complexificação dos campos de poder.
Um campo de poder que também surgiu na Idade Moderna teria sido o campo da afetividade. Tal campo emergiria, englobando ciências afetivas, como a Psicologia, o estudo da socioafetividade, a Teoria das Relações Humanas na Administração, o conceito de Inteligência Emocional dentre outros, além de lançar o solo para o Feminismo, os movimentos de diversidade, o Pentecostalismo e as religiões carismáticas. O surgimento deste novo campo foi de grande importância para o mundo, especialmente por uma maior consideração da dimensão afetiva do ser humano, seus aspectos psicológicos, suas emoções e sua subjetividade.
O campo afetivo trouxe também consequências no que diz respeito ao casamento. O casamento, a partir do século XVIII, passou a estar cada vez mais vinculado a noção de amor. O casamento passou cada vez a estar mais ligado às ideias de erotismo e amor-paixão, do que às ideias de contrato familiar e propriedade. Surge então na Modernidade a ideia do amor-paixão como fundamento do casamento. E de fato, não negamos a importância da esfera psicológica e afetiva do casamento.
No entanto, existe algo que podemos chamar de violência simbólica de um campo de poder. Alguns campos de poder podem lançar seus tentáculos e querer usurpar outro campo. O Mercado pode, por exemplo, interferir na Medicina, como quando a Psiquiatria passa a ter de atender interesses da indústria farmacêutica. O Estado pode querer interferir nas relações familiares, proibindo os pais de darem “palmadas” nos filhos. Um campo de poder pode também, querer reduzir toda a realidade em torno de si, como o fizeram o psicologismo, o positivismo e o biologismo. Assim, alguns podem interpretar que todos os fenômenos são psicológicos, ou passarem a enxergar o ser humano como um animal biológico tal como qualquer outro “produto do processo evolucionário”.
Ultimamente, é isso que temos visto fazer o campo afetivo. Ele se ergue sobre outros campos, querendo lançar fora as bases biológicas para a definição do casamento e prepotentemente querendo definir casamento sobre a base do sentimento. O resumo da conjugabilidade pelo afetivismo se vê naqueles que pensam “Qual o problema de duas pessoas que se amam, se casarem?” ou “Deixem as pessoas serem felizes”– como se o sentimento afetivo de amor resumisse a questão. Isso tem reverberações até no crescimento do divórcio – o separar-se porque o “amor acabou”. Assim, o casamento, tanto conceitualmente, como pragmaticamente, passa a estar resumido e sustentado tão somente pela afetividade. O fato de dois homens ou duas mulheres se amarem eroticamente, não os torna um casal, pois o casamento não se reduz a esfera afetiva.
A esfera transcendental do casamento
Para os cristãos a questão é ainda mais profunda, o casamento não tem só uma esfera biológica e afetiva, mas também uma dimensão ética-transcendental. Ele foi criado com um propósito e um sentido. A união de dois sexos diferentes é o símbolo da distinção na unidade, reflexo do arquétipo uno/múltiplo da natureza divina, comunicada na Imago Dei. A unidade essencial e a pluralidade pessoal do divino são refletidas na união conjugal dos gêneros. A alteridade dos sexos é um elemento necessário para o casamento enquanto reflexo do transcendente. É por isso que, em sua dimensão transcendental, o casamento só pode ser casamento se for heterossexual, e a união sexual entre duas pessoas do mesmo sexual é uma perversão narcísica que ignora a alteridade.
Há ainda uma esfera mítica no casamento. Ele revela um mistério, a união mística entre Cristo e a Igreja. O casamento tem uma esfera espiritual. Ele existe como encenação da união amorosa entre o Deus Filho e Seu povo eleito. O homem é o representante da autoridade de Cristo na família, e a mulher manifesta a glória da Igreja no matrimônio. Os cristãos devem ter em mente toda essa esfera ética – transcendental – espiritual, antes de darem as mãos ao reducionismo afetivo do casamento gay.
O casamento gay e o posicionamento cristão
Lúcio Oliveira pontua que “Platão, em a ‘República’ observa que tal como é a sanção pública em torno da moralidade, dos valores, do que ela acha legal e ilegal, será a formação da mentalidade ética da geração posterior.[2] Trocando em miúdos, quando as crianças em formação olharem para o mundo e virem que tudo isso é considerado normal, uma questão de ‘direito’ e até mesmo algo comemorado pelo povo - inclusive por seus pais cristãos - é bem possível que tenha sua percepção de mundo influenciada. E, não, ela não assimilará os valores de tolerância e afins. Os valores antropológicos dos pais cristãos e sua concepção a respeito do ser humano serão solapados pelo fenômeno que se desdobra na sociedade. Um bom adolescente perceberá que esses valores da ‘velha religião’ são obsoletos para o seu tempo. E estes cristãos estarão em maus lençóis quando tiverem que evangelizar seus filhos. Se é que têm esse interesse. Se é que são cristãos”.
Assim a legalização do casamento gay não significa uma mera concessão de direitos, mas uma nova, e quase uma revolução[3], no modo de pensar da sociedade, uma sociedade que vai tomar uma prática imoral como moralmente aceitável, consentir com isso é consentir que a sociedade adote um modo de pensar que é contrário aos princípios da moral, em especial levando em consideração que os cristãos consideram a moral como absoluta, universal e objetiva, e não relativa. Ser conivente com a legalização do casamento gay seria contribuir também para que o modo de pensar da próxima geração seja modificado, de modo a prejudicar e dificultar os cristãos a continuarem a manter seu posicionamento diante da nova mentalidade social.
Além disso, cremos que a Lei de um Governo acaba por refletir a moral do seu povo, de fato, as nossas leis são alicerçadas nos princípios da moral judaico-cristã, e seria uma pena que perdêssemos esses princípios, pois eles certamente são o que sustentam os princípios de justiça social, respeito, amor e tolerância. Um dos papéis da Igreja, apontados por Cristo, é que ela deve ser “sal da Terra”, o que faz o sal senão servir de elemento que permite a preservação e a conservação? Assim defendemos que o papel dos cristãos em meio a uma sociedade que esteja gradualmente perdendo os padrões de moral, é de trabalhar para que essa moral seja conservada. Isso é justamente uma manifestação do amor cristão, que jamais consentiria com que as decisões de hoje fizessem produzir uma mentalidade social desvinculada dos princípios morais.
O casamento não é simplesmente um “direito civil inerente ao ser humano”, de fato, diferente do acesso à saúde, educação e moradia, o casamento não é um direito inalienável, e é verdade que, uma pessoa pode ser plenamente realizada sem se casar. A questão é que o Estado ao aprovar o casamento gay está concedendo benefícios a esse tipo de união, como direito a herança, repartição de bens, etc. Ao fazer isso o Estado está incentivando um tipo de prática, e não penso que os cristãos devam apoiar que o Estado incentive uma prática imoral. Cremos sim que os homossexuais têm o direito de fazer sexo com pessoas do mesmo sexo, mas uma coisa é o Estado permitir isso, outra é ele incentivar, quando dá benefícios a esse tipo de união. Ao conceder benefícios à união homossexual, legalizando o casamento, o Estado já está adotando um posicionamento moral, a saber, que o casamento homoafetivo é benéfico para a sociedade. Mas, os cristãos não concordam com esse posicionamento moral, já que cremos que a prática da homossexualidade é moralmente nociva, logo não faria sentido para o Cristianismo ser favorável a legalização do casamento gay.
A posição do Estado em favor do casamento gay não é uma posição “neutra”, ao contrário, é uma posição em benefício de uma união imoral e que prejudica o Cristianismo. Aliás, a legalização do casamento gay favorece uma concepção relativista ou utilitarista de moral em detrimento a uma concepção ética metafísica ou objetiva. No entanto, a negação da objetividade e universalidade da ética e da moral é umacontradictio in adjecto, o relativismo moral se for levado a sério conduz a resultados desastrosos. A concepção utilitarista de moral, no entanto, continua não sendo um padrão satisfatório, na medida em que os efeitos de um posicionamento não determinam sua moralidade.
Resposta à objeção do casamento como sendo “privado”
Alguns dizem que o casamento é uma questão de fórum privado, que duas pessoas se casarem não interfere na vida de um religioso contrário ao casamento gay. Mas será essa objeção coerente? O difícil estará em definir o que seria pertencente à vida privada, visto que de toda forma, nossa subjetividade não pode ser separada do social, e até mesmo aquilo que fazemos no âmbito privado, na medida em que se relaciona com a nossa subjetividade, e visto que esta última está intimamente relacionada com a vivência em sociedade, torna a linha entre social e privado extremamente difícil de definir. Neste caso, por exemplo, em relação aos homossexuais, sou contra a criminalização das relações homossexuais, não havendo problema civil que duas pessoas do mesmo sexo, tenham, no âmbito privado, relações entre si, por outro lado sou contra a legalização do casamento gay, na medida em que isso carrega várias questões ideológicas, que como se percebe, tem um impacto social muito significativo. Somente um cego não percebe as profundas modificações sociais e os impactos públicos, que têm a legalização do casamento gay.
Considerações finais
Precisamos levar vários pontos em questão, para que a Igreja ao invés de ser “sal da Terra”, não se converta em uma contribuidora para a degradação moral que se desdobra em nossa sociedade. A legalização do casamento gay é uma violação simbólica entre campos de poder, em que a afetividade quer reduzir sobre si as prerrogativas de dominar sobre a ética, a religião, o transcendental e o biológico. Não existe casamento gay, justamente porque o termo casamento por si só já designa uma união heterossexual. Nós, cristãos, não compactuamos com a ideia de casamento gay, nem reconhecemos a existência real de tão união conjugal. Antes, obedecemos às Escrituras, quando dizem:
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Fontes:
[1] http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-98932002000200009&lng=en&nrm=iso&tlng=pt
[2] https://www.facebook.com/lucio.antoniodeoliveira/posts/661784180588386
[3] https://www.youtube.com/playlist?list=PLGwlMYcY85qaC58YrqYDdwrFghhaQUWkU
***As bases biológicas do casamento
Para começar, definamos “casamento”. Mesmo sem recorrer a argumentos essencialmente religiosos, a definição de casamento permanece sendo a união de duas pessoas de sexos diferentes. Isso porque a definição de casamento se sustenta sobre três pilares básicos: (i) sexo; (ii) quantidade e (iii) espécie. Existem dois sexos biológicos básicos na espécie humana: masculino e feminino (isso não significa que não possa haver exceções aos sexos biológicos básicos). Com base nesse aspecto biológico se estabelece o casamento como sendo entre duas pessoas (quantidade), sendo elas (um homem e uma mulher). Em seguida o casamento é delineado como sendo constituído por pessoas da espécie humana. Estes três pilares (i) sexo: homem e mulher; (ii) quantidade: duas pessoas; (iii) espécie: humana, são a essência que define o que é casamento. Sabe-se, no entanto, que o biológico não é a única coisa a se levar em conta na questão da conjugabilidade, e que nesse sentido o casamento precisa ser constituído de laços afetivos. No entanto, será um erro ignorar o biológico e assumir somente a afetividade na conceituação de casamento. A definição de casamento se sustenta sobre os três pilares biológicos e sobre a afetividade, e não apenas sobre um ou outro. Uma sociedade hedonista, em que se valoriza o amor eros e ignora a biologia humana, acaba por fazer com que o termo “casamento” perca seu rigor conceitual, o que por sua vez gera uma palavra vazia de significados, plástica e flexível, reflexo da fluidez de nossa sociedade. Casamento é, na própria definição do termo, heterossexual, pois carrega consigo a alteridade biológica. “Casamento gay” é um contradicto in adjecto, uma contradição nos próprios termos.
O campo da afetividade e a conjugabilidade
Baseado na teoria dos campos de poder de Weber, alguns teóricos tem desenvolvido a ideia da emergência de um novo campo de poder, o campo da afetividade.[1] Até o fim da Idade Média, campos de poder, como a política, a ética, a economia e a religião, estavam todos em torno da Igreja. Com o secularismo, teria havido uma delimitação mais distinguível dos campos de poder. O campo de poder da religião separou-se do campo de poder do Estado, a Ciência moderna, filha do escolasticismo, foi se tornando um campo cada vez mais independente, separando-se de pressupostos religiosos e subjetivistas. Desse modo, houve um processo que poder-se-ia chamar de uma complexificação dos campos de poder.
Um campo de poder que também surgiu na Idade Moderna teria sido o campo da afetividade. Tal campo emergiria, englobando ciências afetivas, como a Psicologia, o estudo da socioafetividade, a Teoria das Relações Humanas na Administração, o conceito de Inteligência Emocional dentre outros, além de lançar o solo para o Feminismo, os movimentos de diversidade, o Pentecostalismo e as religiões carismáticas. O surgimento deste novo campo foi de grande importância para o mundo, especialmente por uma maior consideração da dimensão afetiva do ser humano, seus aspectos psicológicos, suas emoções e sua subjetividade.
O campo afetivo trouxe também consequências no que diz respeito ao casamento. O casamento, a partir do século XVIII, passou a estar cada vez mais vinculado a noção de amor. O casamento passou cada vez a estar mais ligado às ideias de erotismo e amor-paixão, do que às ideias de contrato familiar e propriedade. Surge então na Modernidade a ideia do amor-paixão como fundamento do casamento. E de fato, não negamos a importância da esfera psicológica e afetiva do casamento.
No entanto, existe algo que podemos chamar de violência simbólica de um campo de poder. Alguns campos de poder podem lançar seus tentáculos e querer usurpar outro campo. O Mercado pode, por exemplo, interferir na Medicina, como quando a Psiquiatria passa a ter de atender interesses da indústria farmacêutica. O Estado pode querer interferir nas relações familiares, proibindo os pais de darem “palmadas” nos filhos. Um campo de poder pode também, querer reduzir toda a realidade em torno de si, como o fizeram o psicologismo, o positivismo e o biologismo. Assim, alguns podem interpretar que todos os fenômenos são psicológicos, ou passarem a enxergar o ser humano como um animal biológico tal como qualquer outro “produto do processo evolucionário”.
Ultimamente, é isso que temos visto fazer o campo afetivo. Ele se ergue sobre outros campos, querendo lançar fora as bases biológicas para a definição do casamento e prepotentemente querendo definir casamento sobre a base do sentimento. O resumo da conjugabilidade pelo afetivismo se vê naqueles que pensam “Qual o problema de duas pessoas que se amam, se casarem?” ou “Deixem as pessoas serem felizes”– como se o sentimento afetivo de amor resumisse a questão. Isso tem reverberações até no crescimento do divórcio – o separar-se porque o “amor acabou”. Assim, o casamento, tanto conceitualmente, como pragmaticamente, passa a estar resumido e sustentado tão somente pela afetividade. O fato de dois homens ou duas mulheres se amarem eroticamente, não os torna um casal, pois o casamento não se reduz a esfera afetiva.
A esfera transcendental do casamento
Para os cristãos a questão é ainda mais profunda, o casamento não tem só uma esfera biológica e afetiva, mas também uma dimensão ética-transcendental. Ele foi criado com um propósito e um sentido. A união de dois sexos diferentes é o símbolo da distinção na unidade, reflexo do arquétipo uno/múltiplo da natureza divina, comunicada na Imago Dei. A unidade essencial e a pluralidade pessoal do divino são refletidas na união conjugal dos gêneros. A alteridade dos sexos é um elemento necessário para o casamento enquanto reflexo do transcendente. É por isso que, em sua dimensão transcendental, o casamento só pode ser casamento se for heterossexual, e a união sexual entre duas pessoas do mesmo sexual é uma perversão narcísica que ignora a alteridade.
Há ainda uma esfera mítica no casamento. Ele revela um mistério, a união mística entre Cristo e a Igreja. O casamento tem uma esfera espiritual. Ele existe como encenação da união amorosa entre o Deus Filho e Seu povo eleito. O homem é o representante da autoridade de Cristo na família, e a mulher manifesta a glória da Igreja no matrimônio. Os cristãos devem ter em mente toda essa esfera ética – transcendental – espiritual, antes de darem as mãos ao reducionismo afetivo do casamento gay.
O casamento gay e o posicionamento cristão
Lúcio Oliveira pontua que “Platão, em a ‘República’ observa que tal como é a sanção pública em torno da moralidade, dos valores, do que ela acha legal e ilegal, será a formação da mentalidade ética da geração posterior.[2] Trocando em miúdos, quando as crianças em formação olharem para o mundo e virem que tudo isso é considerado normal, uma questão de ‘direito’ e até mesmo algo comemorado pelo povo - inclusive por seus pais cristãos - é bem possível que tenha sua percepção de mundo influenciada. E, não, ela não assimilará os valores de tolerância e afins. Os valores antropológicos dos pais cristãos e sua concepção a respeito do ser humano serão solapados pelo fenômeno que se desdobra na sociedade. Um bom adolescente perceberá que esses valores da ‘velha religião’ são obsoletos para o seu tempo. E estes cristãos estarão em maus lençóis quando tiverem que evangelizar seus filhos. Se é que têm esse interesse. Se é que são cristãos”.
Assim a legalização do casamento gay não significa uma mera concessão de direitos, mas uma nova, e quase uma revolução[3], no modo de pensar da sociedade, uma sociedade que vai tomar uma prática imoral como moralmente aceitável, consentir com isso é consentir que a sociedade adote um modo de pensar que é contrário aos princípios da moral, em especial levando em consideração que os cristãos consideram a moral como absoluta, universal e objetiva, e não relativa. Ser conivente com a legalização do casamento gay seria contribuir também para que o modo de pensar da próxima geração seja modificado, de modo a prejudicar e dificultar os cristãos a continuarem a manter seu posicionamento diante da nova mentalidade social.
Além disso, cremos que a Lei de um Governo acaba por refletir a moral do seu povo, de fato, as nossas leis são alicerçadas nos princípios da moral judaico-cristã, e seria uma pena que perdêssemos esses princípios, pois eles certamente são o que sustentam os princípios de justiça social, respeito, amor e tolerância. Um dos papéis da Igreja, apontados por Cristo, é que ela deve ser “sal da Terra”, o que faz o sal senão servir de elemento que permite a preservação e a conservação? Assim defendemos que o papel dos cristãos em meio a uma sociedade que esteja gradualmente perdendo os padrões de moral, é de trabalhar para que essa moral seja conservada. Isso é justamente uma manifestação do amor cristão, que jamais consentiria com que as decisões de hoje fizessem produzir uma mentalidade social desvinculada dos princípios morais.
O casamento não é simplesmente um “direito civil inerente ao ser humano”, de fato, diferente do acesso à saúde, educação e moradia, o casamento não é um direito inalienável, e é verdade que, uma pessoa pode ser plenamente realizada sem se casar. A questão é que o Estado ao aprovar o casamento gay está concedendo benefícios a esse tipo de união, como direito a herança, repartição de bens, etc. Ao fazer isso o Estado está incentivando um tipo de prática, e não penso que os cristãos devam apoiar que o Estado incentive uma prática imoral. Cremos sim que os homossexuais têm o direito de fazer sexo com pessoas do mesmo sexo, mas uma coisa é o Estado permitir isso, outra é ele incentivar, quando dá benefícios a esse tipo de união. Ao conceder benefícios à união homossexual, legalizando o casamento, o Estado já está adotando um posicionamento moral, a saber, que o casamento homoafetivo é benéfico para a sociedade. Mas, os cristãos não concordam com esse posicionamento moral, já que cremos que a prática da homossexualidade é moralmente nociva, logo não faria sentido para o Cristianismo ser favorável a legalização do casamento gay.
A posição do Estado em favor do casamento gay não é uma posição “neutra”, ao contrário, é uma posição em benefício de uma união imoral e que prejudica o Cristianismo. Aliás, a legalização do casamento gay favorece uma concepção relativista ou utilitarista de moral em detrimento a uma concepção ética metafísica ou objetiva. No entanto, a negação da objetividade e universalidade da ética e da moral é umacontradictio in adjecto, o relativismo moral se for levado a sério conduz a resultados desastrosos. A concepção utilitarista de moral, no entanto, continua não sendo um padrão satisfatório, na medida em que os efeitos de um posicionamento não determinam sua moralidade.
Resposta à objeção do casamento como sendo “privado”
Alguns dizem que o casamento é uma questão de fórum privado, que duas pessoas se casarem não interfere na vida de um religioso contrário ao casamento gay. Mas será essa objeção coerente? O difícil estará em definir o que seria pertencente à vida privada, visto que de toda forma, nossa subjetividade não pode ser separada do social, e até mesmo aquilo que fazemos no âmbito privado, na medida em que se relaciona com a nossa subjetividade, e visto que esta última está intimamente relacionada com a vivência em sociedade, torna a linha entre social e privado extremamente difícil de definir. Neste caso, por exemplo, em relação aos homossexuais, sou contra a criminalização das relações homossexuais, não havendo problema civil que duas pessoas do mesmo sexo, tenham, no âmbito privado, relações entre si, por outro lado sou contra a legalização do casamento gay, na medida em que isso carrega várias questões ideológicas, que como se percebe, tem um impacto social muito significativo. Somente um cego não percebe as profundas modificações sociais e os impactos públicos, que têm a legalização do casamento gay.
Considerações finais
Precisamos levar vários pontos em questão, para que a Igreja ao invés de ser “sal da Terra”, não se converta em uma contribuidora para a degradação moral que se desdobra em nossa sociedade. A legalização do casamento gay é uma violação simbólica entre campos de poder, em que a afetividade quer reduzir sobre si as prerrogativas de dominar sobre a ética, a religião, o transcendental e o biológico. Não existe casamento gay, justamente porque o termo casamento por si só já designa uma união heterossexual. Nós, cristãos, não compactuamos com a ideia de casamento gay, nem reconhecemos a existência real de tão união conjugal. Antes, obedecemos às Escrituras, quando dizem:
“Mas a impudicícia e toda sorte de impurezas ou cobiça nem sequer se nomeiem entre vós, como convém a santos; nem conversação torpe, nem palavras vãs ou chocarrices, coisas essas inconvenientes; antes, pelo contrário, ações de graças. Sabei, pois, isto: nenhum incontinente, ou impuro, ou avarento, que é idólatra, tem herança no reino de Cristo e de Deus. Ninguém vos engane com palavras vãs; porque, por essas coisas, vem a ira de Deus sobre os filhos da desobediência. Portanto, não sejais participantes com eles. Pois, outrora, éreis trevas, porém, agora, sois luz no Senhor; andai como filhos da luz (porque o fruto da luz consiste em toda bondade, e justiça, e verdade), provando sempre o que é agradável ao Senhor. E não sejais cúmplices nas obras infrutíferas das trevas; antes, porém, reprovai-as. Porque o que eles fazem em oculto, o só referir é vergonha. Mas todas as coisas, quando reprovadas pela luz, se tornam manifestas; porque tudo que se manifesta é luz. Pelo que diz: Desperta, ó tu que dormes, levanta-te de entre os mortos, e Cristo te iluminará. Portanto, vede prudentemente como andais, não como néscios, e sim como sábios,” - Efésios 5.3-15
__________________
Fontes:
[1] http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-98932002000200009&lng=en&nrm=iso&tlng=pt
[2] https://www.facebook.com/lucio.antoniodeoliveira/posts/661784180588386
[3] https://www.youtube.com/playlist?list=PLGwlMYcY85qaC58YrqYDdwrFghhaQUWkU
Autor: Bruno dos Santos Queiroz
Divulgação: Bereianos
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