terça-feira, 24 de maio de 2016

Não deixem seus filhos irados

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E vós, pais, não provoqueis vossos filhos à ira, mas criai-os na disciplina e na admoestação do Senhor” – Efésios 6.4

O filosofo Luiz Felipe Pondé disse que, provavelmente, daqui a mil anos a nossa geração será lembrada como a era do ressentimento. Parafraseando Nietzsche, que afirmou sobre essa “era do ressentimento”, Pondé justifica: nós sonhamos com um sol que se preocupe com o que a gente sente. No entanto, diz ele que, quando descobrimos que o sol não está nem aí pra nósque as estrelas não brilham pra nós, nós caímos no desespero do ressentimento.[1] Esse ressentimento é achar que todos deveriam nos amar mais do que amam e achar que todos deveriam nos reconhecer por grandes valores que não temos.

Não obstante, esse ressentimento piorou muito nos últimos tempos. Você não pode falar nada que todos se ofendem. Se fizermos uma crítica, muitos tomam como algo pessoal e se comportam como pessoas mimadas. Infelizmente isso está sendo aplicado sobre os nossos filhos também. Eles estão sendo criados como crianças mimadas. Por exemplo, após a Suécia proibir que os pais corrijissem seus filhos com palmadas, hoje eles – de modo geral – estão sofrendo muito com seus filhos, pois fizeram das crianças pequenos tiranos, deixando sérias consequências futuras.

A disciplina antiga

Quando Paulo escreveu a carta aos Efésios, ele focou a mensagem às igrejas da Ásia, mostrando sobre a nova sociedade em Cristo. Essa nova sociedade era composta por crentes que vieram de um sistema contrário às Escrituras, inclusive na questão da criação de filhos.

Segundo a lei Patria Potestes (O poder dos pais), os pais romanos tinham total autoridade sobre a família, chegando ao ponto de vendê-las, se necessário. Mas, dependendo do caso, até a pena de morte os pais poderiam aplicar. Não somente isso, quando uma criança nascia ela era colocada aos pés dos pais. Se o pai se inclinasse para a frente em direção da criança, ela seria aceita por ele. No entanto, se o pai virasse as costas e fosse embora a criança tinha que ser jogada fora.

A disciplina moderna

A questão anterior parece não ter nenhuma ligação conosco atualmente. Mas essa rejeição dos pais pela criança, hoje, pode ser retratada na questão do aborto, da mesma forma em que os pais daquela época livravam-se de certas crianças pelo simples desejo, sem motivo, ou até por questões físicas. Porém, existe um outro lado. Há pais que não apoiam o aborto, mas criam seus filhos de forma mimada achando que alguma correção física poderá trazer danos futuros à criança. O que vemos, na verdade, é uma geração de jovens e adolescentes indecisos em certos temas centrais da vida, porque não foram inseridos no mundo como deveriam ser.

Por exemplo, eu trabalho em um lugar que é tido como o “redil evangélico”. E todos os dias jovens transitam por lá para comprar livros, cds e dvds. Há jovens que se comportam corretamente. No entanto, infelizmente, há alguns jovens, principalmente homens, que não se comportam e nem se vestem como homens. Entenda, não estou dizendo que a causa deste comportamento é a falta de uma boa surra, mas faz parte da intromissão do Estado na família ditando o que devemos ou não ensinar aos nossos filhos e a omissão dos pais que aceitam isso com bom grado.

Isso faz parte desta mentalidade moderna, na qual não podemos induzir nossos filhos a serem aquilo que eles são geneticamente, pois, segundo tal conceito, o fato de uma pessoa nascer com o órgão feminino não quer dizer que ela deva se comportar como uma mulher, e vice e versa.

A falta de disciplina e orientação correta pode ser vista na defesa de menores infratores. Se olharmos para 90% das defesas feitas à esses menores criminosos os argumentos giram em torno da pessoa em si, jogando a culpa na sociedade. Ou seja, por que tal adolescente se tornou um criminoso? Porque, primeiro, a autoestima dele está baixa; e, segundo, isso é culpa da sociedade. Ou seja, como resolver o problema da criminalidade, segundo eles? Basta levantar a autoestima deste menor para que ele melhore. No entanto, essa não é a visão bíblica.

A disciplina bíblica

A disciplina bíblica parte do pressuposto de que somos pecadores e como qualquer pecador, precisamos de disciplina. Mas para entender isso temos que voltar ao Gênesis. Deus, ao criar o primeiro casal, deu a eles certas atribuições as quais chamamos de Mandato Espiritual, Social e Cultural. Após a rebelião praticada por Adão e Eva, o Homem continua a desenvolver esses Mandatos, mas agora manchados pelo pecado.

O apóstolo Paulo, escrevendo aos Efésios, mostra como é a nova sociedade em Cristo, a qual deve desenvolver esses Mandatos ordenados no Éden, mostrando que uma pessoa cheia do Espírito Santo (5.18) – tendo em vista um relacionamento com  Deus já restaurado (cap 4) – é aquela pessoa que anda dignamente em família, abrangendo o relacionamento entre o casal (5.21-33), mostrando que os filhos devem honrar a Deus por meio da obediência aos pais (6.1-3), que os pais devem cumprir com sua tarefa na criação, com disciplina e admoestação no Senhor (6.4), os empregados devem obedecer aos seus patrões (6.5-8) e que os patrões devem desenvolver seu oficio com dignidade (6.9). 

E aqui eu quero destacar um ponto interessante. Paulo, em Efésios 6, repete a palavra “pais” (no plural mesmo) duas vezes, nos versículos 1 e 4. No verso 1, quando diz que os filhos devem obedecer aos pais, ele usa a palavra grega γονευσιν, que se refere ao casal. Porém, no verso 4 ele usa πατερες, referindo-se especificamente aos homens. Pode ser que haja dois motivos para que o apóstolo se dirija somente aos homens; a) porque o homem é o cabeça do lar e a responsabilidade de ensino da família é dele, pois ele é como se fosse o sacerdote do lar, tal como Jó intercedia por seus filhos (Jó 1.5); b) talvez porque, em certos casos, os homens precisem de uma admoestação especial, mais que as mulheres. 

Como os pais podem irritar seus filhos? Qualquer forma de disciplina, quer seja física ou moral, pode fazer com que os filhos se irritem. Por exemplo, é só pedir a eles para lavar louça ou limpar o quintal que a ira é ascendida. Mas nós também erramos, porque somos pecadores e achamos que as nossas decisões erradas serão corretas para os nossos filhos. Podemos fazer com que eles fiquem irados quando agimos com excesso de proteção, igual à Dona Florinda, do seriado Chaves, quando diz ao Kiko que ele pode entrar na piscina, mas que não poderá se molhar. Irritamos os nossos filhos quando agimos com favoritismo, da mesma forma que Isaque tinha com o “queridinho do papai” Esaú e com o “queridinho da mamãe” que era Jacó (Gn 25.28). Por desestímulo, por exemplo, achamos que todo curso que nossos filhos devem fazer tem que ser rentável financeiramente para ele enriquecer, da mesma forma, quando o jovem diz aos pais que quer ir para o seminário teológico, pois entende que tem chamado pastoral. Neste caso, na grande maioria das vezes, os pais questionam sobre se o filho terá como sobreviver financeiramente, de uma forma confortável. Podemos agir também por negligência, como Davi fez com Absalão e Amnom após o estupro de Tamar (2Sm 13.20-22). Podemos irritar nossos filhos por agir asperamente ou com crueldade física, para mostrar superioridade e força superior, se esquecendo que a disciplina bíblica tem que ser feita com moderação, nunca motivada por paixões pecaminosas, mas com fim proveitoso. 

E, por fim, podemos irritar os nossos filhos por questões pecaminosas. Paulo em Efésios não mostra claramente, mas podemos entender isso pelo contexto. No capítulo 4:26,27 ele já havia tratado sobre a ira, mostrando que ela não pode perdurar até o outro dia e que, quando não tratada, pode dar lugar ao Diabo. Contudo, em Colossenses 3.21 o apóstolo repete a mesma advertência mostrando que não devemos irritar os nossos filhos para que eles não fiquem desanimados.

Como devemos agir? 

Não com ira, mas de acordo como a Bíblia nos manda. Hebreus 12 faz o contraste entre as disciplinas dos pais na carne e a disciplina que Deus aplica: Além disso, tínhamos os nossos pais segundo a carne, que nos corrigiam, e os respeitávamos; não havemos de estar em muito maior submissão ao Pai espiritual e, então viveremos? Pois eles nos corrigiam por pouco tempo, segundo melhor lhes parecia; Deus, porém, nos disciplinava para aproveitamento, a fim de sermos participantes da sua santidade. Toda disciplina, com efeito, no momento, não parece ser motivo de alegria, mas de tristeza; ao depois, entretanto, produz fruto pacífico aos que têm sido por ela exercitados, frutos da justiça. Por isso, restabelecei as mãos decaídas e os joelhos trôpegos” (9-12).

Infelizmente agimos por impulso, sem nenhum proveito em nossas disciplinas, mas Deus nos deixa o exemplo claro em Sua Palavra mostrando que a disciplina deve ter um foco proveitoso que, mesmo produzindo tristeza, no fim saberemos que foi para o nosso bem. E assim, devemos agir com nossos filhos para a glória de Deus Pai.

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Nota:
[1] A era do ressentimento, Luiz Felipe Pondé. Editora LeYa.

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Autor: Denis Monteiro
Fonte: Bereianos

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