Pense sobre as conversas pessoais que você teve recentemente com pessoas atribuladas. Alguma delas se parece com os testemunhos da Arlene ou do Greg?
Arlene: “Era muito difícil sair da cama. Eu só queria poder ficar ali escondida debaixo da coberta e não precisar falar com ninguém. Não tinha vontade de comer e perdi muito peso. Nada mais parecia divertido. Estava cansada o tempo todo, mas, mesmo assim, não conseguia dormir bem a noite. Mas eu sabia que precisava continuar com a vida, pois tenho filhos e um emprego para cuidar. Mas parecia tão impossível, como se nada fosse mudar ou melhorar.”
Greg: “De início, eu me sentia triste o tempo todo, mesmo quando não havia qualquer razão. Então a tristeza se transformou em ira, e comecei a brigar com minha família e amigos. Me sentia muito mal a meu próprio respeito, como se eu não fosse bom o suficiente para ninguém. A situação piorou tanto que cheguei a desejar ir para cama e nunca mais acordar.
Meu irmão mais velho, em quem sempre me inspirei, percebeu que eu não estava agindo como de costume. Ele me disse, com toda sinceridade, que eu parecia deprimido e que deveria procurar por um médico. Eu sempre odiei ir ao médico. Pensei: ‘De jeito nenhum vou procurar um médico por esse motivo’.
Contudo, depois de algumas semanas, comecei a ter problemas também no trabalho. Alguns dias eu sequer fui trabalhar, pois não havia dormido na noite anterior. Quando fui demitido, percebi então que deveria ouvir meu irmão e buscar ajuda.”
A DEFINIÇÃO ATUAL DE “DEPRESSÃO”
É óbvio que os testemunhos da Arlene e do Greg se referem a apenas pequenos trechos de suas vidas, e apesar de haverem algumas diferenças em suas experiências, ambos tem similaridades suficientes para serem classificados como “clinicamente depressivos” pelos critérios atualmente utilizados. Depressão clínica, do modo que tenho usado o termo, é um termo amplo que abrange algumas classificações mais específicas utilizadas por profissionais ligados à área da saúde mental. Para que tais classificações sejam aplicadas a alguém, o estilo de vida da pessoa deve ter sido significativamente afetado pelos sintomas, como os que estão a seguir (do DSM-5, Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais 5ª edição):
- Humor deprimido na maior parte do dia, quase todos os dias;
- Acentuada diminuição do interesse ou prazer em todas ou quase todas as atividades na maior parte do dia, quase todos os dias;
- Perda ou ganho significativo de peso sem estar fazendo dieta, ou redução ou aumento do apetite quase todos os dias;
- Insônia (não conseguir dormir ou dificuldade de continuar dormindo) ou hipersonia (dormir mais do que o comum) quase todos os dias;
- Agitação (por exemplo, incapacidade de sentar-se quieto, estimulação, puxar as roupas) ou retardo psicomotor (por exemplo, discurso e movimentos vagarosos, fala baixa) quase todos os dias;
- Fadiga, cansaço, ou perda de energia quase todos os dias;
- Sentimentos de inutilidade ou culpa excessiva ou inapropriada quase todos os dias;
- Capacidade diminuída para pensar ou se concentrar, ou indecisão, quase todos os dias;
- Pensamentos recorrentes de morte (não somente medo de morrer), ideação suicida recorrente com ou sem um plano específico ou uma tentativa de suicídio;
- Sentimentos de desespero.
Episódios depressivos podem durar desde duas semanas até muitos anos, com graus variáveis de severidade. Por definição, a presença desses sintomas não é decorrente dos efeitos de nenhuma droga ou condição médica (por exemplo, hipoatividade da tireoide). A presença desses sintomas afeta negativamente os relacionamentos pessoais, responsabilidades de trabalho, etc.
Note como é ampla a abrangência desses sintomas possíveis. Alguns desses critérios são sintomas físicos (mudança de apetite, mudanças no sono, mudanças no nível de energia); alguns são sintomas mentais (sentimento de inutilidade, culpa inapropriada, indecisão, pensamentos de morte). O impacto da depressão nos relacionamentos pessoais é também algo a ser notado.
Uma vez que a depressão é identificada pela presença desses sintomas — e porque um bom número desses sintomas tem a ver com o modo das pessoas pensarem, de reagirem a circunstâncias adversas, ou de se relacionarem com outros — é importante que não deixemos de perceber uma implicação lógica essencial: não tratar o pensamento pessimista, culpa, problemas relacionais, etc., irá, na verdade, contribuir para a manutenção da depressão. Isso é importante, na medida que pensamos sobre o cuidado pastoral (conselho bíblico) que você pode oferecer para alguém com depressão.
A RELAÇÃO DE DEUS PARA COM AS EXPERIÊNCIAS DE PESSOAS COM DEPRESSÃO
Do ponto de vista cristão, talvez nos perguntemos: “Onde é que se encaixa o relacionamento com Deus em um cenário de depressão?” O que chamamos de “depressão” também foi experimentado por inúmeras pessoas mencionadas na Bíblia. Por exemplo, compare os versos seguintes do Salmo 102 com os critérios listados acima:
“Por causa da tua indignação e da tua ira, porque me elevaste e depois me abateste” (V.10)
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Ana, Elias, Jeremias, e muitas outras pessoas mencionadas nas Escrituras poderiam ser classificadas como depressivas se avaliadas por profissionais de saúde mental nos dias de hoje. No entanto, contrariando o ponto de vista secular, nestes casos, a primeira consideração dessas pessoas referia-se a seu relacionamento para com o Senhor, tanto para entender sua depressão, quanto para buscar alívio dela.
A IMPORTÂNCIA DO CUIDADO PASTORAL PARA COM PESSOAS DEPRESSIVAS
Do ponto de vista bíblico, todos os sintomas associados com a depressão devem ser tratados dentro da perspectiva do relacionamento da pessoa com Deus. Apesar do fato da “espiritualidade” ter se tornado recentemente um ponto de interesse dentre os psicólogos seculares no tratamento da depressão (e outros problemas), o entendimento deles a esse respeito não é útil para cristãos. A definição secular deespiritualidade simplesmente atrai atenção para o significado, propósito, ou um desejo de estar em contato com “o divino”, mas tudo isso acaba por ser definido pela própria pessoa. De outro lado, na Bíblia, espiritualidade sempre tem a ver com o relacionamento de uma pessoa com Deus, e esse relacionamento influi em todos os aspectos da vida: como alguém se relaciona com outros, toma decisões, pensa sobre o futuro, lida com tristeza, prioriza o cuidado do corpo, entende o significado e o propósito da vida, trata a culpa, etc. (Note o paralelo com os sintomas listados acima.) Espiritualidade não é um componente separado na vida do cristão; ela energiza, molda e direciona a vida dele ou dela.
Portanto, a centralidade do relacionamento deles com Deus significa que você deve ajudar pessoas depressivas a pensar em todos os efeitos da depressão em sua vida a partir de uma perspectiva bíblica. Você pode ser a pessoa que auxilia o indivíduo depressivo a processar os aspectos mentais, relacionais, comportamentais e físicos da depressão por meio de uma perspectiva (espiritual) teocêntrica. Essa pessoa possivelmente irá buscar ajuda de outros profissionais, mas nunca presuma que o seu envolvimento com outros profissionais diminui a importância do seu papel! Na verdade, ele é realçado, especialmente se os outros não forem cristãos. Quem melhor para ajudar um crente com depressão a entender e responder aos diversos efeitos da depressão de uma maneira bíblica?
Sobre o autor: Dr. Jeff Forrey é especialista no campo de aconselhamento e educação bíblica. Foi conselheiro e professor no Center for Biblical Counseling & Education (St. Louis, MO) e no Biblical Counseling Center (Arlington Heights, IL). Ensinou aconselhamento bíblico no Evangelical Theological College, Trinity College of the Bible & Theological Seminary, Westminster Theological Seminary e Reformed Theological Seminary. Graduado no Delaware Valley College (BA, biology), Westminster Theological Seminary (MAR, counseling/theology), the University of Alabama (MSPH, health behavior) e Trinity Evangelical Divinity School (PhD, educational studies).
Fonte: Biblical Counseling Coalition
Tradução: Lucas Sabatier
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