“Quando um homem se torna melhor, compreende cada vez mais
claramente o mal que ainda existe em si. Quando um homem se torna pior, percebe
cada vez menos a sua própria maldade” (C. S. Lewis).
A humildade é um claro sinal de maturidade cristã na jornada
em busca de uma vida íntegra, pois é fruto da compreensão da nossa total
dependência de Deus. Quanto mais buscamos uma vida íntegra na presença de Deus,
mais somos confrontados pelo Espírito nas áreas da nossa alma que precisam de
conserto, perdão, libertação e cura. E esse confronto gera um espírito de
humildade, pois percebemos quem somos e o quanto necessitamos do Senhor em
nossas vidas. Outro sinal de maturidade cristã é o contentamento, pois não nos
aproximamos do sol ao meio dia sem percebermos a sua luz. Ao nos aproximarmos
do Senhor perceberemos, sempre, a Sua bondade nas pequenas e derradeiras coisas
da vida. Se você deseja avaliar o crescimento espiritual de um amigo, ou seu
próprio, observe a humildade o contentamento.
Devemos lembrar que a busca pela integridade denuncia o
pecado. Richard Baxter, teólogo e homem piedoso, autor de mais de 130 livros,
afirma em seu livro ‘O pastor aprovado’ que "é mais fácil julgar o pecado
que dominá-lo” e desafia-nos a vigiarmos para "não suceder que convivamos
com os mesmos pecados contra os quais pregamos”. Em Gn 17:1 lemos que Deus
disse a Abraão: “Eu sou o Deus todo poderoso; anda na minha presença e sê
perfeito”. Andar na presença de Deus leva-nos ao caminho da perfeição na mesma
medida que andar em Sua presença aponta de forma clara as nossas imperfeições.
No processo de santidade o pecado precisa ser denunciado.
Não nos tribunais humanos ou nas conversas de bastidores, mas no encontro do
pecador com Jesus. Um dos grandes desafios cristãos é definirmos o pecado
biblicamente (aquilo que terrivelmente nos afasta de Deus) e não
sociologicamente, em uma escala de intensidade daquilo que é mais ou menos
aceito pela sociedade. Ao falarmos de pecado vem à nossa mente o que rotulamos
como pior ou inaceitável, como o roubo, a traição e o assassinato. Outras
sociedades também possuem suas compreensões do pecado em diferentes graus de
intensidade. Entre os Konkombas de Gana o maior pecado é mentir. Entre vários
indígenas da Amazônia é ser avarento, ou sovina, como se referem. É preciso,
porém, observar que o pecado, mesmo não embutido de um simbolismo socialmente
degradante, igualmente nos afasta de Deus. Facilmente censuramos a embriaguez,
mas não confrontamos a gula. Apontamos para a falta de domínio próprio nas
explosões físicas e verbais, mas convivemos pacificamente com a inveja. Iramos
contra a corrupção pública, mas somos tolerantes com as trocas e a manipulação
política na igreja.
Quando Paulo nos advertiu dizendo que a carne luta contra o
Espírito e este contra a carne, enfatiza que não derrotaremos a carne lutando
contra a carne. A carne será derrotada ao sermos cheios do Espírito (Gl 5.17).
Isto não dilui a necessidade de estarmos alertas, pois somos encorajados a
resistir ao pecado (1Co 10:13), visto que o pecado está à porta e a nós cumpre
dominá-lo (Gn 4.7). Significa que os processos de transformação que contrariam
a carne se darão pela presença e atuação do Espírito Santo em nossas vidas – e
possivelmente uma das primeiras ações do Espírito é injetar repúdio ao pecado
em nosso coração. O maior passo para uma vida íntegra e santa é sermos cheios
do Espírito.
Homens maduros e com longo tempo de liderança do povo de
Deus sistematicamente nos alertam para o cuidado com a vida devocional. Richard
Cecil expressa que o principal defeito dos ministros cristãos está centrado na
deficiência quanto ao hábito devocional. Edward Bounds, citando Robert Murray
McCheyne em seu belo texto ‘Comece o dia em oração’ , alerta: “Eu sinto que é
muito melhor começar com Deus – ver a Sua face primeiro, elevar a minha alma
para junto do Senhor – antes de me aproximar dos outros”.
João Calvino, reformador e teólogo, registra nas ‘Institutas
da religião cristã’ que “Nós não somos nossos, portanto não definamos nossos
próprios planos e caminhos de acordo com a nossa vontade. Nós não somos nossos,
portanto lutemos para esquecer de nós mesmos e de tudo o que é nosso. Somos de
Deus, vivamos para Ele e morramos para Ele. Somos de Deus, assim deixemos que a
Sua sabedoria guie nossas ações. Somos de Deus, portanto busquemos que o maior
alvo de nossas vidas seja, em todas as coisas, irmos ao Seu encontro”.
Para os líderes cristãos uma das maiores barreiras para uma
vida devocional é o próprio ministério. Por possuirmos um envolvimento integral
com o ministério é fácil não termos tempo para a oração, leitura e reflexão
pessoal e devocional na Palavra, pois estamos ocupados trabalhando para Ele.
Tento manter minha mente dirigida pelo comentário de Jesus sobre Marta e Maria
. O trabalho que Marta realizava era legítimo, valioso e honroso. Era para o Mestre.
Ela desejava ter a casa arrumada e a comida pronta. Ela desejava servir a Jesus
e o fazia com competência. Maria, porém, estava aos Seus pés e esta escolheu a
melhor parte. O serviço que posso prestar para o Senhor jamais deve substituir
minha vida com Ele e meu tempo com Ele. A melhor parte a que Jesus se refere
não está ligada tão somente ao desejo do Mestre, mas sim à necessidade de
Maria. Ela precisava estar aos Seus pés.
A melhor parte não é apenas um ritual que agrada a Deus, mas
também um elemento que sacia a nossa alma e nos dá direção. Sem estarmos com
Ele, o serviço eventualmente também perecerá. Teremos perdido a visão do alto,
o rumo certo, as motivações bíblicas que antes estavam em nossos corações, a
brandura no relacionamento, a paixão por Ele e pelos perdidos. Teremos, enfim,
apenas uma casa bem arrumada, com uma mesa posta, bonita, e comida quente. E
só.
Devemos lidar com o pecado tanto em uma esfera subjetiva,
suas motivações e tendências, como de forma prática e objetiva. C. S. Lewis nos
fala sobre o auto engano que interage com o pecado quando afirma que “um homem
mediocremente mau sabe que não é muito bom; um homem inteiramente mau pensa que
é justo ”. Expõe, assim, a mundana tendência de lidarmos com o pecado através
de ilusões e fantasias, não da verdade.
Creio que boa parte dos problemas ligados à vida cristã,
liderança e relacionamentos, são resultado de questões espirituais. Observando
de longe percebe-se o conflito entre pessoas, a dificuldade em perdoar, a
complexidade das demandas, a intolerância pessoal e os erros recorrentes. A
raiz desses processos, porém, é espiritual. Não são consertados por livros de
autoajuda ou pelo estudo das 20 regras para tornar-se um bom cristão. São
coisas do coração. Boa parte dos conflitos que drenam nosso tempo e energia não
aconteceriam se, na luta contra o pecado, tivéssemos uma vida devocional melhor
– se estivéssemos aos Seus pés e não apenas arrumando a casa.
Ronaldo Lidório
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