Martha e Maria“ 38Indo eles de caminho, entrou Jesus num
povoado. E certa mulher, chamada Marta, hospedou-o na sua casa.39Tinha ela uma
irmã, chamada Maria, e esta quedava-se assentada aos pés do Senhor a ouvir-lhe
os ensinamentos. 40Marta agitava-se de um lado para outro, ocupada em muitos
serviços. Então, se aproximou de Jesus e disse: Senhor, não te importas de que
minha irmã tenha deixado que eu fique a servir sozinha? Ordena-lhe, pois, que
venha ajudar-me.41Respondeu-lhe o Senhor: Marta! Marta! Andas inquieta e te
preocupas com muitas coisas. 42Entretanto, pouco é necessário ou mesmo uma só
coisa; Maria, pois, escolheu a boa parte, e esta não lhe será tirada.” (Lucas
10:38-42)
Marta e Maria eram irmãs que
viviam em Betânia, com o seu irmão Lázaro, na casa de Marta. Esses irmãos formam
uma família muito amada por Jesus, sendo certo que Jesus os visitou muitas
vezes, e podemos colher do registro de João 11:5 a expressão do amor do nosso
Senhor por eles. Marta era, provavelmente, uma viúva, uma vez que a informação
é à “Casa de Marta”. Ora, as mulheres não possuíam propriedade a menos que
fossem viúvas, o que aponta para o fato de ser Marta a “dona da casa” onde
morava seu irmãos Lázaro e Maria.
Aqui nesta ocasião, as Escrituras
indicam que Marta graciosamente recebeu Jesus em sua casa, possivelmente com
seus discípulos, já que é possível colher do capítulo 11 que eles não se
apartaram dele. O registro de Lucas apresenta uma Marta agitada com os
preparativos de um jantar para possivelmente 16 pessoas, Jesus, Maria, Lázaro,
os 12 discípulos e a própria Marta, enquanto Maria se senta aos pés de Jesus
para ouvi-lo.
Como anfitriã, Marta se esforçou
pela perfeição ao redor de sua casa, especialmente quando tinha um convidado
amado como Jesus vindo para os visitar. E isso era natural até certo ponto,
visto que Jesus tinha uma relação especial com eles, e com a própria Marta, a
quem Ele primeiro declarou:“25Disse-lhe Jesus: Eu sou a ressurreição e a vida.
Quem crê em mim, ainda que morra, viverá; 26 e todo o que vive e crê em mim não
morrerá, eternamente. Crês isto?” (João 11:25-26) e Marta creu! Marta respondeu
com uma das confissões de fé mais magníficas no Novo Testamento: “27Sim,
Senhor, respondeu ela, eu tenho crido que tu és o Cristo, o Filho de Deus que
devia vir ao mundo. (vs. 27)
Maria, que o ouvia, e Marta, a
anfitriã agitada, são duas mulheres especiais no registro da vida e ministério
de Jesus. São marcadas por uma atitude amorosa e de lealdade para com Jesus, em
acentuado contraste com o ódio e inveja que haviam contra Ele. Duas irmãs, que
embora tão diferentes em temperamento, ambas crentes e que foram amadas e
expressaram seu amor livremente ao Senhor. Irmãs que eram gratas por sua
redenção, amizade e companheirismo com Aquele que tem o poder sobre a vida e a
morte. Irmãs de cujas histórias podemos aprender algumas coisas nesse momento
especial de suas relações com nosso Redentor.
Em nosso texto é exposto um sério contraste de atitudes das
duas irmãs. O verso 39 diz que Maria “quedava-se assentada aos pés do Senhor a
ouvir-lhe os ensinamentos” enquanto que o 40 diz que Marta “agitava-se de um
lado para outro, ocupada em muitos serviços.”
Quando ouvimos o nome Marta, a
maioria de nós não pensa nos pontos altos da vida dela, mas, pelo contrário,
nesse ponto baixo registrado no verso 40. Lucas claramente coloca Maria em
contraste com sua irmã, dizendo: “Marta, porém, estava ocupada com muito
serviço.”
Então, ao comparar Maria e Marta,
vemos que: Maria é aquela que está sentada aos pés de Jesus, e o ouve e Marta,
por outro lado, é que estava ocupada com muito serviço, distraída.
Nós precisamos lembrar, que foi
Marta quem acolheu Cristo em sua casa e a partir dessa passagem, temos um
vislumbre do tipo de pessoas que eram Marta e Maria.
Marta, creio eu, era uma dona de
casa por excelência. Quando a imagino, penso na melhor anfitriã, na melhor dona
de casa de toda a Judéia, talvez até de todo o Israel! Esta era a identidade de
Marta. Devia provocar sentimentos de admiração por seu perfeccionismo, é
possível imaginar que as mulheres de sua sinagoga local a elevaram ao patamar
de a anfitriã perfeita e sua casa provavelmente deveria ser invejada por cada
mulher em Betânia. E devemos acreditar que esse foi o problema. Afinal,
enquanto todos deveriam elogiá-la por seu frenético trabalho, no entanto,
Cristo não o fez.
É importante notar, porém, que
Jesus nunca condena o serviço de Marta. Lucas simplesmente registra que Marta
estava ocupada com muito serviço. Sabemos, biblicamente, que servir é uma coisa
boa. É esse o ensino em 1ª de Pedro 4:9-10, onde lemos: “9Sede, mutuamente,
hospitaleiros, sem murmuração. 10Servi uns aos outros, cada um conforme o dom
que recebeu, como bons despenseiros da multiforme graça de Deus.” Lucas, por
isso, não está dizendo que o serviço – especificamente, o serviço de Marta –
era ruim. O problema, é que ela se distraiu com ele, ela se excedeu e perdeu o
foco do que era importante.
Assim, é a partir disso que
gostaria de considerar com vocês algumas coisas importantes que aprendemos da
relação dessas duas irmãs com o Senhor Jesus.
1) Quando “muito serviço” não adora a
Deus
Eu creio que aqui está a raiz do problema de Marta. Não era
apenas porque ela era muito dedicada e perfeccionista, e algo a mais quanto ao
fato de ela ter perdido a noção do que era importante: o fato de que ela
“continuou trabalhando enquanto Jesus trabalhava”! Há evidência aqui de uma
retidão com base em autojustiça, e não apenas quanto à distração em relação ao
que Jesus fazia, mas quando Marta começou a se ressentir com Maria, acreditando
que ela não estava trabalhando tão duro quanto ela. De fato, um sistema
autojustiça, de retidão por obras e serviço, sempre leva a um espírito crítico
em relação aos outros.
E não para por aí. Uma outra
verdade sobre o “muito serviço”, que requer grande medida de honestidade para
ser admitida, é que a grande medida de nossa motivação não é que estamos
trabalhando para o Senhor, na verdade estamos buscando o louvor dos homens.
Difícil de admitir, não é mesmo?
Mas tem mais. Autojustiça, temor dos homens e um espírito crítico em relação
aos outros nos tornam amargos para com as pessoas que não reconhecem a grandeza
do que temos feito. Creio que encontramos isso na reação de Marta. Marta já
gritava por dentro até que veio queixar-se! Ela estava amarga, irada, uma vez
que seus planos perfeitos para a recepção de Jesus tornava-se frustrado.
Kent Hughes afirma que “há uma
tendência de pessoas que são muito dedicadas como Marta darem tudo na sua área
específica de vocação ou de interesse e permitirem que o interesse passe assim
dominar suas vidas, de maneira que elas têm pouco tempo para que a Palavra de
Deus. Sem o benefício da palavra, elas adotam uma mentalidade de estreiteza, sentenciosa
em busca de falhas. E, finalmente, a criatividade e a vitalidade que uma vez
lhe conduziram à sua área de ministério azeda”.
Então chegamos ao ponto em que
“muito serviço” não adora a Deus.
2) O importante é o que Jesus quer
Vivemos em um mundo de Martas. A
vida urbana é pródiga em produzir pessoas como ela, em uma análise honesta até
a Igreja Moderna se tornou como ela, valorizando mais os “muitos serviços” do
que a “coisa necessária”.
Os versos 41 e 42 não apenas
assinalam uma grande lição para Marta, elas são uma grande lição para as Martas
modernas, para a Igreja, para as irmãs de todo canto, e para os homens também.
Diz o texto: 41Respondeu-lhe o Senhor: Marta! Marta! Andas inquieta e te
preocupas com muitas coisas. 42Entretanto, pouco é necessário ou mesmo uma só
coisa; Maria, pois, escolheu a boa parte, e esta não lhe será tirada.”
Você pode pensar que Jesus pegou
pesado com Marta, acredito que possa fazer. Mas a verdade é que há ternura e
graça na correção de Jesus. Ele socorre essa mulher, ele atinge o coração de
seu sofrimento, de seu esmagamento e prisão na autojustiça, na terrível mania
de perfeição e performance. Darrell Bock diz que “Jesus pinta um retrato de uma
mulher esmagada …”. Em outras palavras, é se Jesus dissesse, “Marta, relaxe, de
um passo para trás e respire. Calma! Você está ansiosa e perturbada com muitas
coisas…”.
Quantas vezes todos nós
precisamos ouvir isso! Quantas vezes, ao invés de elogio e bajulação
precisávamos ouvir alguém nos mandar simplesmente parar!
Minhas irmãs, o importante é o
que Jesus quer! O importante não é o que nós queremos oferecer a Ele, mas o que
Ele quer! E naquela ocasião, o que Cristo está dizendo é: “Neste momento,
enquanto eu estou aqui, pare de correr dessa maneira, para de fazer tanta
coisa, sente-se e ouça o que eu tenho a dizer.”
Isso nos faz lembrar de Israel! Quantas vezes Israel estava
fazendo “muitas coisas”, mas não estava fazendo a “coisa necessária”. Isso diz
muito sobre relacionamentos meramente funcionais, e esse era o problema dos
israelitas na pronúncia de Malaquias. Essas palavras de Jesus nos fazem lembrar
de Deuteronômio 8:3: “Ele te humilhou, e te deixou ter fome, e te sustentou com
o maná, que tu não conhecias, nem teus pais o conheciam, para te dar a entender
que não só de pão viverá o homem, mas de tudo o que procede da boca do SENHOR
viverá o homem.”.
Você
consegue entender o quanto o “muito serviço” nos rouba a “coisa necessária”?
Desde de muitos tempos, esse tem sido um grande problema para o povo de Deus.
Ter agendas com tantas coisas e compromissos, tantas coisas “boas” que nos
roubam da companhia de Jesus e daquilo que Ele quer. E isso deve ser observado
no contexto do ativismo da Igreja e da família moderna. Fomos convencidos de
que temos que “estar na igreja” a cada atividade que se faz, estar envolvido em
cada atividade social, em cada reunião de departamentos, ou então seremos
“menos cristãos” do que outros. A Igreja Moderna faz mais do que Jesus não nos
pediu fazer do que daquilo que Jesus nos ordenou fazer.
E essa também tem sido uma das
razão de porquê tantas famílias se desfazem, se arruínam cada vez mais. O
problema é que há muito e cada vez mais o que fazer e, seguramente, esse muito
que tem sido feito, torna-se uma distração do que é verdadeiramente importante,
que é o tempo de qualidade com o Senhor em nossas famílias e igrejas. Como tem
feito falta a família reunida em paz, reunida em torno das Escrituras e não
separada em muitas atividades.
3) E o que Jesus quer mesmo?
Acredito que na maioria dos
casos, de famílias e igrejas, Jesus está lá, e nós estamos em meio a muitas
atividades, e a atividade significativa que é passar tempo a sós, no culto
individual, e com nossas famílias, no culto doméstico, e nas Igrejas, nos
cultos públicos, com o Senhor na Sua Palavra e na oração.
Assim como é concisa nossa
história, é concisa a sua lição: estar sentado aos pés de Jesus ouvindo a Sua
Palavra é a única coisa necessária na vida.
Maria parece-nos ter entendido
isso de maneira tão clara que nada a tira de sua posição. Cada vez que a
Escritura apresenta Maria nos evangelhos, ela está aos pés de Jesus. É assim em
nosso texto, foi assim quando Lázaro morre (João 11:32) e foi assim quando ela
ungiu Jesus em João 12:3. Maria estava sempre lá, aos pés de Jesus para
ouvi-lo, ela tinha a exata noção do que era que jesus queria.
Mas pastor, todos nós sabemos que
estar aos pés de Jesus para ouvi-lo é a única coisa necessária! Sim, é verdade
que todos vocês sabem, que as famílias e a igreja moderna sabem disso. Mas é
verdadeiro também que essa é uma das nossas maiores dificuldades, uma das
nossas maiores provas para virmos a ser consistentes. Não tem sido fácil
superar os obstáculos comuns da vida urbana: empregos, cursos e mais cursos,
trânsito, internet, etc e etc.
Ok, ok… mas é tão grave assim?
Sim, é grave, é muito grave! Um
mundo repleto de Martas, famílias repletas delas, Igrejas que estão cheias de
Martas e que se tornam iguais a ela, irão sofrer sérios danos, irão perder
grandes coisas ao perderem a “coisa principal”.
Veja comigo o que está em jogo aqui:
a) Não é o “muito serviço”, mas “a coisa necessária” que nos
traz o suprimento gracioso para uma vida de piedade, os meios de direção na
vida e tudo sobre as nossas necessidades. Em 2ª de Pedro 1:3, a Escritura diz
que “pelo seu divino poder, nos têm sido doadas todas as coisas que conduzem à
vida e à piedade, pelo conhecimento completo daquele que nos chamou para a sua
própria glória e virtude”, em Sua Palavra. É a “coisa necessária”, estar
assentado aos pés de Jesus, ouvindo-o, que encontramos “a sabedoria que conduz
à salvação, pela fé que há em Cristo Jesus.” E “ouvindo Jesus”, pela Escritura,
que nos equipa contra o pecado, contra a tentação (Lc 4:1-12, Sl 119:11).
b) É “a coisa necessária” que nos coloca realmente em
comunhão com Deus nos aliviando das pressões da vida e nos dando uma
perspectiva correta sobre todas as coisas. Assentar-se para “ouvir Jesus”
ouvindo a Sua Palavra faz nossos corações queimar por dentro pela presença de
Deus, pela influência do Espírito. Você pode perder quase tudo na vida, mas
você não vai perder o tempo que você gasta em comunhão com o Senhor.
c) É “a coisa necessária” que nos traz liberdade do tirania
da autojustiça, do temor dos homens e da necessidade que temos de termos nossas
performances aprovadas. Maria não sucumbiu a isso! Enquanto sabia que Marta
haveria de sair de lá furiosa e lhe cobrar, como fez, ela continuou ávida por
aprender de Jesus.
Finalmente, minhas irmãs, é
preciso dizer que o ensino do nosso texto não é a ociosidade, uma ideia de que
a vida piedosa deva ser contemplativa e descuidada de nossas muitas
responsabilidade diárias nas outras coisas de que o Senhor nos ocupa. Pelo
contrário, nós sabemos que o Senhor ordenou aos homens se empregarem no
trabalho de vários tipos. Sabemos e devemos sempre lembrar que nenhum
sacrifício é mais agradável a Deus do que quando cada um se aplica
diligentemente em sua própria vocação aplicando-se em serem excelentes fazendo
todas as coisas para a Glória de Deus e benefício do próximo.
Mas entenda o que temos
argumentado até aqui: o contraste e desequilíbrio entre “muitos serviços” e a
“coisa necessária”. Marta se excedeu em suas ocupações de tal maneira que
perdeu aquilo que era mais importante. E não apenas isso. Ela pensou melhor de
si mesmo e do que fazia desprezando o desejo piedoso de sua irmã de receber as
instruções do Senhor. Ela deu evidências de autojustiça, e mostrou-se azeda e
frustrada.
E então, você está como Marta ou
como Maria? Na vida urbana em todos estamos imersos, não nos faltam ocupações e
distrações. Vivemos a tirania do urgente e do fazer muitas coisas, ao ponto de
que cada vez temos menos tempo para nossas devocionais pessoais e familiares.
Infelizmente, a própria Igreja imergiu em um mundo de ativismo. É preciso
reconhecer que sobretudo estamos envolvidos com coisas secundárias quando se
tratam de “sentar-se para ouvir Cristo nos instruir”. Trabalho, TV, lazer,
jogos, internet, tarefas domésticas, etc, todas estas coisas podem estar
roubando seu tempo com Cristo! E Ele é o que é mais necessário em sua vida. Ele
é tudo em sua vida, a sua vida é tudo sobre Ele.
Quando Cristo é tudo sobre as
nossas prioridades, vamos experimentar um fortalecimento duradouro, resistente
e que nos revigora a alma, que reorienta todo o resto, concede nova perspectiva
sobre todas as outras coisas, nos dando uma capacidade diferente de lidar com
todas elas com sabedoria.
Lembre-se que esse mundo é
marcado por ofertas de todo o tipo, mas no final todas as coisas estão sujeitas
à grandeza e a glória de Cristo. Considere a opção de Paulo: “Sim, deveras
considero tudo como perda, por causa da sublimidade do conhecimento de Cristo
Jesus, meu Senhor; por amor do qual perdi todas as coisas e as considero como
refugo, para ganhar a Cristo.” (Fp. 3:8). Gaste tempo com Ele, gaste-se com
Ele. Isso é a coisa mais necessária!
* O Pr. Dilsilei Monteiro é bacharel em Teologia pelo Seminário Teológico Presbiteriano de Brasília e em Direito pela Universidade Federal de Goiás (Direito – UFG); Pós-graduado em Direito Público pela Universidade Castelo Branco (UCB – RJ) e Docência do Ensino Superior pela Universidade Gama Filho (UGF-RJ); Extensão em EaD e Planejamento de Cursos pela EST (EST-RS); Mestrando em Teologia Sistemática pelo Instituto Presbiteriano Mackenzie – Centro de Pós-graduação Andrew Jumper (CPAJ-SP). Atualmente é pastor auxiliar na 1ª Igreja Presbiteriana de Ceilândia (DF). Leciona disciplinas de Teologia Sistemática no Seminário Presbiteriano de Brasília e em cursos de teologia de outras instituições do Distrito Federal.
Fonte:Mulheres Piedosas
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