quinta-feira, 6 de março de 2014

Em que sentido a vontade é livre?

.


Por R. K. Mcgregor Wright


Os arminianos querem que a vontade seja livre de interferência externa. Frequentemente eles dizem que, em particular, Deus nunca atropela o nosso livre-arbítrio. Essa liberdade das causas externas é suposta para salvaguardar a nossa integridade e assegurar a nossa responsabilidade. Mas o que se entende por isso — que a vontade é livre de causação? Muitas vezes, esse problema, é contornado dizendo-se que a vontade é “auto-causada”. Isso não significa que a vontade cria a si própria, mas que seus movimentos de escolher o curso de uma ação sobre outro são automotivados e espontâneos. A vontade é auto-movida em resposta ao que a mente conhece e pode causar tanto a ação em resposta às influências ou igualmente a resistência a elas. A vontade é livre para seguir ou resistir a qualquer que seja a opção que a mente lhe apresente.

O problema mais sério aqui é que esse tipo de espontaneidade é indistinguível do acaso. Precisamos apenas perguntar: “O que faz com que a vontade escolha um caminho e não outro?”. Se ela não é causada, ela é puramente acaso. Se ela é causada para agir, então ela não é livre de causação. Não faz diferença para este argumento se a causa é interna para a personalidade ou se afeta de fora; contudo, visto que os arminianos estão oferecendo o livre-arbítrio como uma categoria de explicação sobre como os seres humanos funcionam, eles são obrigados a decidir sobre o que eles querem dizer por “livre”. Se eles admitem que as ações da vontade são causadas, eles escorregam para algum tipo de determinismo, mas se eles não admitem que a vontade seja causada, eles ficam num dilema pior, que esboçaremos agora em três partes.

Em primeiro lugar, os acontecimentos do acaso não podem ser a essência do caráter. Quando dizemos que as pessoas possuem um “bom caráter”, queremos dizer que elas são pessoas moralmente predizíveis — que elas podem ser confiáveis para fazer o que é certo, mesmo que estejam sob forte influência para fazer o que é errado. Uma pessoa que age ao acaso, cujas decisões morais não podem ser distintas dos acontecimentos meramente fortuitos, não somente possui um “mau caráter”, não sendo confiável, mas de fato pode não possuir um caráter discernível. Uma personalidade totalmente ao acaso seria indistinguível de uma personalidade desintegrada ou insana. Em outras palavras, se a vontade é meramente espontânea em suas ações, caráter algum poderia ser formado.

Em segundo lugar, a menos que as ações da vontade estejam diretamente presas ao caráter, como podemos ser considerados responsáveis pelas nossas ações? Como pode uma pessoa ser considerada responsável por acontecimentos do acaso? Se os atos da vontade não são causados de modo que eles sejam realmente manifestações do caráter, como eles podem ser minhas ações mais do que o resultado do tirar a sorte com uma moeda? O fato é que não podemos ser considerados responsáveis por um acontecimento do acaso, simplesmente porque não exercemos nenhuma influência causal. Eu posso ser considerado responsável por tirar a sorte com uma moeda, visto que eu provoquei a queda da moeda, mas eu não posso ser responsável por fazê-la cair de um lado ou de outro. Em outras palavras, a verdadeira ideia de responsabilidade depende da causação. Portanto, a teoria do livre-arbítrio destrói a responsabilidade em vez de apoiá-la. O caso imaginário que vem a seguir é pertinente.

Lord Bertrand Russell, viveu como ateu a sua vida inteira desde os 14 anos de idade, até a sua morte, em 1970, aos 98. Com frequência, ele debateu e escreveu contra o cristianismo. Suponha que ele chegue ao juízo final com o seguinte argumento: “Agora, eu percebo que estava errado a respeito de não haver nenhum Deus, mas eu não vejo como tu podes mandar-me para o inferno. Afinal de contas, tu me criaste com um livre-arbítrio e nunca fizeste qualquer esforço para que eu evitasse agir de acordo com os seus ditames. Este livre-arbítrio tem sido sempre autônomo de qualquer causação anterior e de teu controle particular. Embora eu tenha pensado frequentemente que talvez fosse melhor se o meu livre-arbítrio tivesse agido de acordo com o meu intelecto, algumas vezes ele o fez, mas outras não. De fato, ele não parece agir segundo qualquer padrão. Pelo fato de que ele é uma causa não-causada de minhas ações, ele parece fazer todas as coisas ao acaso, sendo, portanto, imprevisível. Eu não tive nenhum real controle sobre ele, visto que tu o criaste autônomo. Simplesmente eu não sou responsável pelos acontecimentos fortuitos que eu não posso controlar ou prever. Como podes tu enviar-me para o inferno por causa de ações surgidas de um livre-arbítrio que, pelo fato de ele ser livre, não está também sob o meu controle?”. Deixaremos aos arminianos a tarefa de encontrar a solução para esse problema.

Terceiro, a pergunta a ser enfatizada é: como pode uma vontade puramente espontânea (automovida) dar início a uma ação? Se a vontade é “neutra” e não predeterminada para agir de um modo ou de outro, o que faz com que ela aja? Se ela parte do neutro, como ela pode sair desse centro morto? Se é dito que a vontade é “induzida” ou “levada” ou “influenciada” para agir, devemos insistir que essas são meramente palavras para diferentes tipos de causação.  Somos novamente forçados a enfrentar o problema do que realmente se quer dizer pela vontade ser livre de causação. Ou ele age puramente por acaso, ou parece que não o faz de maneira alguma. Isso, naturalmente, destrói totalmente a possibilidade de crescimento em santidade, que foi uma preocupação especial dos arminianos posteriores.

Há outros problemas associados com o que “influência” realmente significa. A persuasão moral e o argumento baseado na razão são causas da ação ou da direção da vontade? Alguns evangelistas arminianos seguem Finney na crença de que a vontade pode e deve ser movida à fé em Cristo pelo uso do raciocínio e dos exemplos morais. Portanto, eles fazem o uso total das evidências e usam outros argumentos apologéticos para convencer o pecador a crer, arranjando histórias morais e frequentemente emocionais para induzir a vontade à fé. O livre-arbítrio é, aparentemente, ainda capaz de fazer uma escolha livre entre a crença e a incredulidade.

Mas se a vontade age porque é convencida pela razão e induzida pela emoção ou pelo exame moral, como isso realmente difere de ser causada por um ato ou manipulação exterior? Se é objetado que ela ainda age livremente quando as evidências lhe são apresentadas (i.e., as persuasões não foram causais), por que as evidências e as razões são ainda necessárias? Seria melhor deixar a vontade autônoma decidir por si mesma, sem ser influenciada por qualquer momento. De fato, parece que, mesmo o fato de apenas ouvirmos um argumento seria uma ameaça explícita à nossa autonomia, à nossa neutralidade moral. Se eu sou dominado ou empurrado por um argumento, decidindo ir com a correnteza, o empurrão se torna uma causa da minha direção — o argumento causou a minha escolha. O fato de que eu cooperei não faz nenhuma diferença para o fato da causação.

A Bíblia deixa claro em muitas passagens que a vontade não é moralmente neutra. Em Romanos 14.23, Paulo conclui a sua explicação da razão pela qual nós sempre devemos agir de acordo com a nossa consciência declarando que “tudo o que não provém da fé é pecado”. Para Paulo, todos os movimentos morais brotam do princípio da fé ou, à revelia, da carne — meros atos da natureza pecaminosa. Portanto, não pode haver tais ações moralmente neutras, incluindo os atos da vontade. Em Hebreus 11.6, é-nos dito, de modo semelhante, que “sem fé é impossível agradar a Deus”, mas isso parece novamente levar à conclusão de que todos os atos humanos são ou não motivados pela fé. Jesus diz no evangelho de João que qualquer que não crê “já está julgado”, e que se uma pessoa continua a rejeitar Cristo, “permanece a ira de Deus [continuamente] sobre ele” (3.18, ênfase minha). Isso não é o mesmo que dizer que a situação do pecador é neutra até que ele decida por Cristo, mas que ela já está estabelecida — cada pessoa é justificada ou está presentemente debaixo de condenação. Como pode haver qualquer território de neutralidade moral num universo criado por um Deus justo?

***
Fonte: A soberania banida, R. K. Mcgregor Wright. p.49-52
.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Formulário de contato

Nome

E-mail *

Mensagem *