.
Há duas teorias sobre o livre-arbítrio que são geralmente discutidas em relação à responsabilidade ética. A primeira é usualmente chamada “libertarianismo”, é típica da teologia arminiana. Muitos filósofos têm argumentado a favor dela, de Epícuro nos antigos tempos à C. A. Campbell, H. D. Lewis, Alvin Plantinga e muitos outros recentemente. Realmente, parece haver algo como um consenso entre os filósofos cristãos hoje de que uma pessoa não pode fazer justiça à responsabilidade moral sem pressupor uma visão libertariana da liberdade.
A visão libertariana declara que algumas decisões e ações humanas, particularmente decisões morais e religiosas, são estritamente não-causadas. Nas formas mais sofisticadas de libertarianismo, estas decisões não são nem mesmo causadas por nossos desejos ou caráter. Eles são muito insistentes sobre isto: um ato verdadeiramente livre não é um ato que realiza nosso desejo mais forte; pelo contrário, tipicamente, ele vai contra nosso desejo mais forte. O libertariano está ciente, certamente, de que nossos desejos são largamente uma função da nossa hereditariedade, meio-ambiente, decisões passadas e assim por diante. Se decisões livres são baseadas em desejos, ele pensa, elas não podem ser plenamente livres. Elas não são neste caso totalmente não-causadas.
O libertariano argumenta que tal visão é essencial para a responsabilidade moral. Porque ninguém é responsável por um ato, a menos que ele “pudesse ter agido de outra forma”. Se eu fosse amarrado a uma máquina-robótica que, usando meus braços, roubasse um banco, eu não seria culpado de roubar o banco. Eu “não poderia ter agido de outra forma”. Tal é o argumento libertariano.
Eu sempre sinto que esta posição é carente de força moral. Em primeiro lugar, ela nega o governo da soberania de Deus sobre os corações e decisões dos seres humanos, um governo que eu encontro abundantemente atestado na Escritura (veja minhas palestras sobre a Doutrina de Deus). Realmente, ao dizer que as ações humanas podem ser “não-causadas”, ela atribui, no final das contas, ao homem a causalidade; mas no Cristianismo, somente Deus é a primeira causa.
Em segundo lugar, o libertarianismo me parece ser não-inteligível em seus próprios termos, por ele faz nossas escolhas morais seremacidentais. R. E. Hobart, em seu famoso artigo da década de 1930, escreveu que, sobre o efeito de uma base libertariana, uma escolha moral é como colocar meu pé para fora da minha cama sem meu desejo de fazê-lo, e me levar para onde não quero ir. A tentativa de separar decisões de desejos é psicologicamente perversa.
Além disso, o libertarianismo, ao invés de garantir a responsabilidade moral, realmente a destrói. Como podemos ser responsáveis por decisões, se aquelas decisões são “acidentes psicológicos”, desconectados de qualquer um de nossos desejos? Realmente, tal situação seria, precisamente, negar toda responsabilidade. Certamente é difícil imaginar sendo responsável por algo que realmente não queríamos fazer.
E o libertarianismo confundiria toda a avaliação ética e legal. Para provar que alguém foi responsável por uma decisão ou ato, teríamos que provar que a decisão ou ato foi não-causada! E como poderíamos provar uma negação como esta? De fato, como atualmente praticamos ética e lei, a causação como tal nunca é um fator em julgamento, e deveras não pode ser. Certos tipos de causação (como a máquina-robótica que descrevi acima) removem a responsabilidade; mas a causação em si mesma não.
Um conceito alternativo de liberdade, consistente com a teologia reformada e sustentado por vários filósofos (os estóicos, Spinoza, Locke, Hume, Hobart, Richard Double et al) é freqüentemente chamada de “compatibilismo”, porque sobre esta base, o livre-arbítrio e o determinismo (a visão de que tosos os eventos na criação são causados) são compatíveis. O compatibilismo mantém simplesmente que ao fazer decisões morais nós somos livres para fazer o que desejamos fazer, para seguir os nossos desejos. Como tal, o compatibilismo é o oposto preciso do libertarianismo, que sustenta que a liberdade requer independência do próprio desejo.
A teologia reformada reconhece que todas as pessoas têm liberdade no sentido compatibilista. Adão, antes da Queda, agiu de acordo com os seus desejos, que então eram santos. Depois da queda, os pecadores ainda agem de acordo com os seus próprios desejos, mas aqueles desejos são pecaminosos. Os redimidos são capacitados pela graça de Deus, progressivamente, a desejar coisas que são excelentes; e eles são livres para agir de acordo com aqueles desejos. Os santos glorificados no céu terão somente desejos puros, e eles agirão de acordo com aqueles desejos.
Eu creio que a liberdade compatibilistas é o principal tipo de liberdade necessária para a responsabilidade moral. Há outros tipos de liberdade, contudo, que são também importantes teológica e eticamente. Por exemplo, eu creio que os seres humanos têm uma certa liberdade para transcender sua hereditariedade e meio-ambiente, de forma que, embora estes fatores possam constituir desafios, testes e até mesmo tentações morais, não podemos usá-los como escusas para pecar. Não podemos reivindicar que somos “determinados” pela hereditariedade e meio-ambiente, de forma que neguemos nossa responsabilidade diante de Deus.
Outro tipo importante de liberdade é a liberdade do próprio pecado. Este é o significado usual de “liberdade” na Escritura, como em João 8:32,36. Neste sentido, o homem caído está em escravidão, não sendo capaz de evitar o pecado. Somente a graça de Cristo pode libertá-lo. Neste sentido, decisões pecaminosas não são decisões livres, embora elas sejam livres no sentido “compatibilista”. Esta escravidão compromete a responsabilidade moral do pecado? Segundo as Escrituras, certamente não.
Se temos dificuldade aqui, pode ser porque falhamos em entender a natureza da escravidão do pecador. Ela é uma escravidão moral e espiritual, não uma escravidão metafísica, física ou psicológica. Se, como em minha ilustração da máquina-robótica, alguém é fisicamente forçado a fazer algo que ele não deseje fazer, então, certamente, sua escravidão remove sua responsabilidade pelo ato. Confrontada com o seu “feito”, a pessoa teria uma escusa válida: “Eu não pude evitar; eu fui fisicamente forçado a fazê-lo”. Mas imagine alguém vindo diante de um juiz humano e dizendo, para se escusar de um crime, “Eu não pude evitar, meritíssimo; eu fui forçado a fazê-lo por minha natureza. Desde o nascimento tenho sido um garoto extremamente perverso!”. Certamente há algo irônico sobre apelar à depravação para escusar atos depravados! Se o nosso acusado é realmente um “garoto extremamente perverso”, então, longe de ser uma escusa, isso é mais uma razão para prendê-lo! Meu ponto, então, é que, embora a escravidão física (e outros tipos de escravidão) possa fornecer escusas válidas para ações contrariamente más, a escravidão moral não é uma escusa. Eu não posso imaginar alguém disputando essa proposição, uma vez que ele a entenda.
Assim, há vários conceitos diferentes de liberdade: libertariano, compatibilista, transcendência moral do meio-ambiente, liberdade do pecado. Realmente, há muitos outros também. Nós falamos de “liberdade” onde quer que haja uma habilidade para sobrepujar algum obstáculo potencial. A liberdade econômica é a habilidade de comprar e investir, a despeito das dificuldades de alcançá-la. Liberdade física de vários tipos existe quando o corpo não é restringido, por exemplo, por cordas ou barras de prisão. Liberdade legal é a habilidade de fazer algo sem ser culpado de um crime, e assim por diante. É uma boa idéia nos lembrar de quão ambíguo o termo “liberdade” é. Quando alguém cria um caso sobre liberdade, nós podemos legitimamente pedir que esta pessoa defina que conceito de liberdade ela tem em mente.
E nós mesmos deveríamos tentar, com todo esforço, sermos claros. Quando você prega evangelisticamente notando a apropriada ênfase calvinista e bíblica sobre a incapacidade do homem, como você apresentará isso? Simplesmente dizer que o pecador “não pode” receber a Cristo é enganador. Em muitos sentidos ele pode, e deveria: ele é fisicamente e mentalmente capaz; ele não é forçado a permanecer um pecador contrariamente aos seus desejos; nem é “incapaz” num sentido de que temos algum conhecimento de que a graça divina será para sempre negada. A incapacidade do pecado é moral e espiritual; deveras, como temos visto, é uma incapacidade da qual ele mesmo é responsável.
Simplesmente dizer “você não pode receber a Cristo” é, na melhor das hipóteses, motivar uma resposta passiva, uma na qual simplesmente a pessoa espera Deus fazer algo. Mas esta não é a resposta requerida pela pregação do Novo Testamento, ou pela verdadeira pregação reformada. A resposta requerida é “arrependa-se, creia e seja batizado”. O pecador deve agir, e não esperar que Deus faça ele agir. Certamente se ele agir, então sabemos que Deus agiu também!
Outra área de confusão: eu não sei quantas vezes eu perguntei aos candidatos para licenciatura e para ordenação, se somos livres do decreto de Deus, e eles replicaram, “Não, porque somos caídos”. Isto é confundir libertarianismo (liberdade do decreto de Deus, habilidade para agir sem causa) com liberdade do pecado. No primeiro caso, a queda é inteiramente irrelevante. Nem antes, nem depois da queda Adão foi livre no sentido libertariano. Mas liberdade do pecado é algo diferente. Adão a tinha antes da queda, mas a perdeu como um resultado da queda.
Tradução livre: Felipe Sabino de Araújo Neto, Cuiabá-MT, 17 de Abril de 2005.
Fonte: Monergismo
.
Nenhum comentário:
Postar um comentário