Uma nova história
Gênesis 12:1-9
O jornalista e dramaturgo irlandês George Bernard Shaw brincou dizendo: “Se os outros planetas são habitados, então devem estar usando a Terra como seu manicômio”.
Podemos achar esse comentário engraçado, mas ele nos faz lembrar de um fato triste: o mundo encontra-se num estado de caos, e as coisas não parecem estar melhorando. Qual é o problema?
A origem de tudo isso remonta aos acontecimentos registrados no Livro de Gênesis. Com exceção do relato nos capítulos 1 e 2, os onze primeiros capítulos de Gênesis registram uma sucessão de erros dos seres humanos, erros estes que estão se repetindo nos dias de hoje. Primeiro, o homem e a mulher desobedeceram a Deus e foram expulsos do jardim (cap. 3). Caim matou seu irmão, Abel, e mentiu sobre o que havia feito (cap. 4). A humanidade tornou-se tão corrompida que Deus limpou a Terra com um dilúvio (caps. 6 – 8). Noé embriagou-se, e seu filho, Cam, viu a nudez do pai (cap. 9). Rebelando-se contra Deus, os seres humanos construíram uma cidade e uma torre, e Deus precisou mandar confusão para acabar com essa rebelião (cap. 10).
Desobediência, homicídio, engano, bebedeira, nudez e rebelião parecem coisas bem atuais, não é? Se você fosse Deus, o que você faria com tais pecadores, homens e mulheres criados à sua imagem? “Provavelmente eu os destruiria!” poderia ser sua resposta.
Mas não foi isso o que Deus vez. Antes, chamou um homem e sua esposa para que deixassem seu lar e fossem para uma nova terra, de modo que pudessem dar um recomeço à humanidade. Em consequência do chamado de Deus e de sua fé obediente, Abraão e Sara, em última análise, propiciaram ao mundo a nação judaica, a Bíblia e o Salvador. Onde estaríamos hoje se Abraão e Sara não tivessem confiado em Deus?
Consideremos os elementos envolvidos em sua experiência.
- UM CHAMADO (Gn 12:1a)
Quando Deus chamou. A salvação vem porque Deus, em sua graça, chama o pecador, o qual responde pela fé (Ef 2:8, 9; 2 Ts 2:1 3, 14). Deus chamou Abraão do meio da idolatria (Js 24:2) quando se encontrava em Ur dos caldeus (Gn 11:28, 31; 15:7; Ne 9:7), uma cidade dedicada a Nanar, o deus Lua. Abraão não conhecia o verdadeiro Deus e não havia feito nada para merecer conhece-lo, mas, em sua graça, Deus o chamou. “Não fostes vós que me escolhestes a mim; pelo contrário, eu vos escolhi a vós outros” (Jo 15:16).
Abraão tinha setenta e cinco anos quando Deus o chamou, de modo que a idade não é obstáculo para a fé. Ele confiou em Deus durante cem anos (Gn 25:7), e hoje podemos aprender com sua experiência a andar pela fé e a viver de modo agradável a Deus.
Abraão era casado com Sara, sua meia irmã (Gn 20:12), e não tinham filhos. No entanto, Deus usou esse casal para fundar uma grande nação! “Porque era ele [Abraão] único, quando eu o chamei, o abençoei e o multipliquei” (Is 51:2). Por que Deus chamaria um casal nada promissor como esse para uma tarefa tão importante? Paulo dá a resposta em 1 Coríntios 1:26-31.
Como Deus chamou. “O Deus da glória apareceu a Abraão, nosso pai” (At 7:2). Não nos é dito como Deus apareceu a Abraão, mas, de acordo com o registro de Gênesis, foi a primeira de sete vezes que Deus se comunicou com Abraão. A revelação de Deus deve ter mostrado a Abraão a vaidade e insensatez da idolatria em Ur. Quem iria querer adorar um ídolo morto depois de ter um encontro com o Deus vivo? 1 Tessalonicenses 1:9, 10 e 2 Coríntios 4:6 descrevem essa experiência de salvação.
No entanto, Deus também falou a Abraão (Gn 12:1-3), e a Palavra realizou o milagre da fé. “Assim, a fé vem pela pregação, e a pregação, pela palavra de Cristo” ‘Rm 10:17). Foi um chamado para que Abraão se separasse da corrupção a seu redor, e ele obedeceu pela fé (Hb 11:8). A verdadeira fé baseia-se na Palavra de Deus e conduz à obediência. Deus não poderia abençoar e usar Abraão e Sara a menos que estivessem no lugar onde o Senhor queria que estivessem (2 Co 6:14 – 7:1).
Por que Deus chamou. Há pelo menos três motivos pelos quais Deus chamou Abraão e Sara. Em seu amor, Deus estava preocupado com a salvação deles, de modo que revelou sua glória e compartilhou com eles suas bondosas promessas. Mas, além da salvação pessoal deles, o propósito de Deus era abençoar todos os povos da Terra. Isso aconteceu quando Deus enviou seu Filho ao mundo por meio do povo de Israel. Cristo morreu pelos pecados do mundo (1 Jo 2:2; 4:14) e quer que sua Igreja conte as boas novas da salvação a toda a Terra (Mc 16:15).
Existe, porém, um terceiro motivo: a vida de Abraão é um exemplo para todos os cristãos que desejam andar pela fé. Abraão foi salvo pela fé (Gn 1 5:6; Rm 4:1-5; Gl 3:6-14) e viveu pela fé (Hb 11:8-19), e essa fé ficou evidente em sua obediência (Tg 2:14-26). Abraão obedeceu quando não sabia onde (Hb 11:9, 10), como (vv. 11, 12), quando (v. 13-16) nem por que (vv. 17-19), e nós devemos fazer o mesmo.
Abraão e Sara não eram perfeitos, mas, de modo geral, sua caminhada caracterizou-se pela fé e pela fidelidade. Quando pecaram, sofreram por isso, e o Senhor mostrou-se sempre pronto a perdoá-los quando se arrependeram. “A vida cristã vitoriosa”, disse George Morrison, “é uma série de recomeços”. Ao estudar a vida de Abraão e Sara, você verá o que é fé e como andar pela fé. Descobrirá que, quando você confia no Senhor, nenhuma provação é impossível de vencer e nenhum fracasso é permanente.
2 . UMA ALIANÇA (Gn 12:1-3)
A fé não se baseia em sentimentos, apesar de, sem dúvida, as emoções fazerem parte da experiência de fé em certas ocasiões (Hb 11:7). A verdadeira fé baseia-se na Palavra de Deus (Rm 10:17). Deus falou a Abraão e disse o que faria para ele e por meio dele, se ele confiasse e obedecesse. “Grandes vidas são moldadas por grandes promessas”, escreveu Joseph Parker, e certamente esse foi o caso de Abraão e Sara. A aliança de Deus concedeu-lhe a fé e as forças de que precisavam para uma vida toda de peregrinação.
Não somos salvos ao fazer promessas a Deus. Somos salvos ao crer nas promessas de Deus. Foi Deus quem, em sua graça, deu sua aliança a Abraão, e ele respondeu com fé e obediência (Hb 11:8-10). A maneira como você responde às promessas de Deus determina aquilo que ele fará na sua vida.
A Bíblia registra várias alianças de Deus, começando com a promessa de um Redentor, em Gênesis 3:15, e culminando com a nova aliança por meio do sangue de Jesus Cristo (Lc 22:20; Hb 8). A palavra hebraica traduzida por “aliança” tem vários significados: (1) comer com alguém, o que sugere comunhão e concordância; (2) atar ou acorrentar, o que significa compromisso; e (3) distribuir, o que sugere compartilhar. Quando Deus faz uma aliança, entra num acordo e compromete-se a cumprir suas promessas. Trata-se de um ato da mais pura graça. Deus não deu a Abraão motivos ou explicações. Deu-lhe, simplesmente, uma promessa: “Te mostrarei […] de ti farei […] te abençoarei […] abençoarei os que te abençoarem” (Gn 12:1-3). Deus prometeu mostrar-lhe uma terra, fazer dele uma grande nação e usar essa nação para abençoar o mundo todo. Deus nos abençoa para que possamos ser uma bênção para outros, e sua grande preocupação é que o mundo todo seja abençoado. A comissão missionária da Igreja não começa com João 3:16 nem com Mateus 28:18-20. Começa com a aliança entre Deus e Abraão. Somos abençoados para que sejamos uma bênção.
Deve ter sido difícil para Abraão e Sara crerem que Deus iria abençoar o mundo todo por meio de um casal idoso e sem filhos, mas foi exatamente o que ele fez. Deles procedeu a nação de Israel, e de Israel procedeu a Bíblia e o Salvador. Deus reafirmou sua aliança com Isaque (Gn 26:4) e Jacó (Gn 28:14) e cumpriu-a em Cristo (At 3:25, 26). Ao longo dos anos, Deus ampliou diversos elementos dessa aliança, mas deu a Abraão e Sara elementos suficientes da verdade para que cressem nele e partissem pela fé.
Podemos ver que em sua jornada Abrão fez concessões (Gn 11:27-32; 12:4 )
Os primeiros passos de fé nem sempre são gigantescos, o que explica o motivo de Abraão não ter sido completamente obediente a Deus. Em vez de deixar a família, conforme Deus havia ordenado, quando saiu de Ur, Abraão levou consigo o pai e o sobrinho, Ló, e todos permaneceram em Harã até que seu pai morreu. Tudo aquilo que você traz consigo da antiga vida para a nova pode causar problemas. Tera, o pai de Abraão, serviu de empecilho para que Abraão obedecesse plenamente ao Senhor, e Ló criou sérias dificuldades para Abraão até que os dois finalmente decidiram se separar. Quando saíram de Ur (Gn 20:13), Abraão e Sara levaram consigo uma concessão pecaminosa que em duas ocasiões lhes causou problemas (Gn 12:10-20; 20:1-18).
A vida de fé exige separação total daquilo que é mau e dedicação total àquilo que é santo (2 Co 6:14 – 7:1). Ao estudar a vida de Abraão, veremos que, com frequência, ele foi tentado a ser condescendente e, por vezes, chegou a ceder. Deus nos testa a fim de edificar nossa fé e de extrair o que há de melhor em nós, mas o diabo nos tenta a fim de destruir nossa fé e de extrair o que há de pior em nós.
Quando andamos pela fé, só podemos nos apoiar em Deus: sua Palavra, seu caráter, sua vontade e seu poder. Não que você tenha de se isolar de sua família e amigos, mas não os considera mais seu primeiro amor e primeira responsabilidade (Lc 14:25-27). Seu amor por Deus é tão intenso a ponto de fazer com que, em termos comparativos, o amor pela família pareça ódio! Deus nos chama para a “solidão” (Is 51:1-3), e não devemos fazer concessões.
3. UM COMPROMISSO (Gn 12:4-9)
Thomas Fuller, um pregador puritano do século XVII, disse que toda a humanidade foi dividida em três classes: os planejadores, os empreendedores e os realizadores. É possível que Tera fosse um planejador, mas não chegou à terra da promessa. Até certa altura, Ló foi um empreendedor, mas fracassou terrivelmente, pois não foi capaz de andar pela fé. Abraão e Sara foram realizadores, pois confiaram em Deus para realizar aquilo que havia prometido (Rm 4:18-21). Assumiram um compromisso com Deus e dedicaram a ele seu futuro, obedeceram ao que o Senhor ordenou e receberam tudo o que Deus havia planejado para eles.
A fé nos leva a mudar (w. 4, 5). Pode ter sido o amor de um filho por seu pai idoso que fez Abraão protelar (Lc 9:59-62), mas finalmente chegou o dia em que ele e Sara íi\eram de sair de Harã e dirigir-se à terra que Deus havia escolhido para eles. É impossível ter fé e duvidar (Tg 1:6-8), e não se pode servir a dois senhores (Mt 6:24). A fé exige compromisso.
“Vivemos um tempo de declarações efêmeras”, disse Vance Havner. “Os credos fundamentais da igreja encontram-se no final do hinário, mas desapareceram da vida da maioria de seus membros – se é que chegaram a significar alguma coisa. Declarações de dedicação pessoal desvanecem e precisam ser renovadas. São tempos de declarações de compromisso enfraquecidas!”
A fé nos conduz ao objetivo (w. 6-8). Deus nos coloca em ação para nos conduzir ao objetivo que tem para nós (Dt 6:23). Não sabemos nada sobre a longa jornada de Abraão e Sara de Harã até Canaã, pois o que importava era seu destino. Séculos depois, Deus daria aquela terra aos descendentes de Abraão. No entanto, quando Abraão e Sara chegaram, eram “estrangeiros e peregrinos” (Hb 11:13) em meio a uma sociedade pagã.
Tomar posse da herança implica passar por provas e tentações, desafios e batalhas, mas Deus pode nos conduzir a seu objetivo (Fp 1:6).
A obediência nos leva a uma nova segurança em Deus e a novas promessas dele (Cn 12:7; Jo 7:17). Que consolo deve ter sido para Abraão e Sara quando receberam essa nova revelação de Deus ao chegarem a uma terra estranha e perigosa. Quando caminha pela fé, sabe que Deus está com você e não há nada a temer (Hb 13:5, 6; At 18:9, 10; 2 Tm 4:17). Deus cumprirá seus propósitos e realizará em você e por seu intermédio tudo o que está no coração dele.
Por vezes, há problemas sérios em casa, no trabalho ou na igreja e nos perguntamos por que Deus permite que tais coisas aconteçam. A fim de se apropriar de sua herança espiritual em Cristo, você deve demonstrar fé na Palavra de Deus e obediência à vontade de Deus. 90 GÊNESIS 11:27 – 12:9
Para onde quer que Abraão fosse em Canaã, lá ele levantava sua tenda e seu altar (Gn 12:7, 8; 13:3, 4, 18). A tenda indicava que ele era um “estrangeiro e peregrino” que não pertencia a este mundo (Hb 11:9- 1 6; 1 Pe 2:11), e o altar indicava que ele era um cidadão do céu que adorava o verdadeiro Deus vivo. Abraão testemunhava a todos que era separado deste mundo (a tenda) e consagrado ao Senhor (o altar). Sempre que Abraão abandonava sua tenda e seu altar, metia-se em apuros.
O lugar onde Abraão colocou sua tenda tinha Betel a oeste e Ai a leste (Gn 12:8). Os nomes da Bíblia por vezes têm significados importantes, apesar de não podermos levar isso ao extremo. Betel significa “a casa de Deus” (Gn 28:19) e Ai significa “ruína”. Em termos figurativos, Abraão e Sara estavam andando na luz, do Leste para o Oeste, da cidade da ruína para a casa de Deus! O sistema deste mundo está corrompido, mas os verdadeiros cristãos deram as costas para o mundo e voltaram o rosto para o lar celestial de Deus. “Mas a vereda dos justos é como a luz da aurora, que vai brilhando mais e mais até ser dia perfeito” (Pv 4:18).
A fé nos coloca em movimento (v. 9). A vida de fé não deve jamais tornar-se estagnada, pois se nossos pés estão se movendo, nossa fé está crescendo. Observe os verbos usados para descrever a vida de Abraão: ele partiu (Gn 12:4), partiu e chegou (v. 5), atravessou (v. 6), passou dali (v. 8) e seguiu dali (v. 9). Deus manteve Abraão em movimento para que se deparasse com novos desafios e fosse forçado a confiar em Deus para receber “graça para socorro em ocasião oportuna” (Hb 4:16). O cristianismo confortável é o oposto da vida de fé, pois “peregrinos e estrangeiros” devem enfrentar novas circunstâncias, a fim de obter novas percepções sobre si mesmos e sobre seu Senhor. “Deixemo-nos levar para o que é perfeito” (Hb 6:1).
Como Abraão soube para onde ir e o que fazer? Ele “invocou o nome do S e n h o r ” (Gn 12:8). Orou ao Senhor, e Deus o ajudou. Os vizinhos pagãos de Abraão viram que ele possuía um altar, mas não tinha ídolos. Não tinha “lugares sagrados”, mas construía seu altar onde levantava sua tenda. Era possível traçar o caminho que Abraão havia percorrido até então seguindo o rastro dos altares que havia deixado para trás. Não se envergonhava de adorar a Deus abertamente enquanto seus vizinhos pagãos o observavam.
Na vida do peregrino, devemos prosseguir “de fé em fé” (Rm 1:1 7) para caminhar “de força em força” (Sl 84:7). G. A. Studdert Kennedy disse: “Fé não é crer apesar das evidências, é obedecer apesar das consequências”. “Pela fé, Abraão […] obedeceu” (Hb 11:8). A fé sem obediência é morta (Tg 2:14-26), e a ação sem fé é pecado (Rm 14:23). Deus ligou a fé à obediência como os dois lados de uma moeda – as duas são inseparáveis.
A essa altura da narrativa bíblica, Abraão encontra-se no lugar que Deus reservou para ele, fazendo o que Deus ordenou. Mas a história não termina aí – esse é só o começo! Mesmo quando você está vivendo em obediência, passa por testes e enfrenta provações, pois é assim que a fé cresce. Mas o mesmo Senhor que fez você mudar, alcançar o objetivo e continuar em movimento também o fará atravessar as provações, se você o seguir pela fé.
Adap. Pr. Eli Vieira
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