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Por Rev. Leandro Lima
Aspectos práticos da doutrina da Trindade
Até aqui vimos aspectos históricos, bíblicos e teológicos da doutrina da Trindade. Agora queremos falar sobre aspectos práticos. Claro que isso não significa que o que foi dito acima não é prático. Mas até aqui nos preocupamos em definir bem os conceitos, agora queremos tratar sobre como a doutrina da Trindade deve influenciar a nossa vida diária.
É impossível ter um relacionamento correto com Deus sem considerar a Trindade. Hoje as pessoas demonstram inconscientemente preferência por uma das pessoas da Trindade. Há aqueles para quem a pessoa do Pai é a central. Essas pessoas pensam muito pouco em Jesus e no Espírito Santo. Principalmente os oriundos da tradição católica, quando lembram de Deus, pensam na pessoa do Pai. Outros preferem a pessoa do Filho, geralmente os influenciados pelo “pietismo”, mas certamente são minoria. O Espírito Santo é o foco principal da vida da maioria dos crentes das igrejas carismáticas. Essa fragmentação das pessoas da Trindade é coisa bem típica do nosso mundo moderno. Ela dilui a compreensão da riqueza de Deus.
Por outro lado, na prática o que se percebe é uma espécie de unitarismo funcional. Quando pensamos em Deus, não trazemos à memória a existência triúna, mas o imaginamos como uma pessoa única. Isso compromete demasiadamente o relacionamento com ele, pois impede que entendamos mais completamente o seu caráter. Na verdade é impossível compreender a Criação e a Redenção sem pensar na Trindade. Pois, como vimos, tanto a Criação quando a Redenção não são obra de uma das pessoas divinas, mas da Trindade como um todo.
Nesse ponto outras coisas precisam ser consideradas. Um problema é imaginar que Deus precisou criar o mundo para se sentir mais pleno. Isso é um engano, pois Deus é absolutamente completo em si mesmo. Ele não precisava criar o universo para se sentir melhor, nem mesmo para experimentar algum relacionamento, pois em seu ser, Deus já é completo e relacionável.
Na oração sacerdotal Jesus disse: “E agora, glorifica-me, ó Pai, contigo mesmo, com a glória que eu tive junto de ti, antes que houvesse mundo... porque me amaste antes da fundação do mundo” (Jo 17.5,24). Na verdade, esse por si só, já é um grande argumento em favor da Trindade. Se a Bíblia diz que Deus é amor (1Jo 4.8), então, o que ele amava antes de ter criado alguma coisa? Deus exercitava o amor consigo mesmo, no relacionamento trinitário, que por sua vez, veio a ser a base para o relacionamento amoroso com os homens, que assim, também pode ser chamado de “amor eterno” (Jr 31.3). Deus expandiu seu amor intra-trinitário para suas criaturas, e isso demonstra de forma assombrosa como é grande esse seu amor.
Quando Deus nos chama para a fé, na verdade é um convite para mergulhar no relacionamento trinitário, aquele relacionamento que as pessoas da Trindade têm entre si. Jesus disse: “Se alguém me ama, guardará a minha palavra; e meu Pai o amará, e viremos para ele e faremos nele morada” (Jo 14.23).
Deus não precisava criar nada para se sentir mais pleno, mas ainda assim decidiu criar para dar maior expressão ao relacionamento trinitário. Somos chamados para participar disso, como Jesus deixou bem claro em sua oração: “A fim de que todos sejam um; e como és tu, ó Pai, em mim e eu em ti, também sejam eles em nós” (Jo 17.21). A ideia somada desses textos é: O Deus triúno em nós, e nós no Deus triúno, uma comunhão com base trinitária. Somos chamados para mergulhar no amor da Trindade. Por essa razão, não considerar a Trindade é entender menos o amor de Deus.
Isso por sua vez nos leva a entender nosso chamado relacional. Jesus continuou orando Pai: “Eu lhes tenho transmitido a glória que me tens dado, para que sejam um, como nós o somos; eu neles, e tu em mim, a fim de que sejam aperfeiçoados na unidade, para que o mundo conheça que tu me enviaste e os amaste, como também amaste a mim” (Jo 17.22-23).
É fácil de entender porque a comunhão é tão difícil na igreja. As pessoas buscam comunhão através de eventos sociais, trabalhos comunitários, músicas que incentivam cumprimentos mútuos, etc. Mas a verdadeira base da comunhão da igreja é a Trindade. Precisamos entender que fomos chamados para refletir o mesmo amor que existe na Trindade. Somos chamados para mergulhar nesse amor, e de tal forma ele precisa inundar a nossa vida, que os outros irmãos receberão os efeitos dele.
O próprio sentido de nossa missão no mundo também está explícito nessas palavras de Jesus. Queremos que o mundo conheça o Evangelho, para isso fazemos imensas campanhas evangelísticas, cultos de evangelização, distribuímos folhetos, mas percebemos que os resultados são insignificantes. Jesus ensinou que nosso testemunho depende de nossa unidade. Enquanto o amor da Trindade não invadir nosso coração a ponto de alcançar os outros, o mundo continuará descrente em relação a Jesus.
A consciência da Trindade muda também o próprio culto que prestamos a Deus. O culto cristão é essencialmente trinitário. Uma definição de culto cristão poderia ser: “Adorar o Pai, pela mediação do Filho, no poder do Espírito Santo”. [15] Essa é uma definição interessante, mas há o perigo de compartimentar as coisas, pois não é só o Pai que é adorado, e sim o Deus triúno. A ideia é que o culto como um todo é para a Trindade e obra da Trindade. O acesso à presença de Deus se faz pela pessoa do Filho. A comunicação de Deus com o povo se dá pelo Espírito que faz uso da Palavra. O culto é uma vibrante atuação do Deus triúno.
Quando temos isso bem claro em nossa mente, percebemos que a única coisa que precisamos para adorar a Deus verdadeiramente é a atuação da Trindade. Isso evidentemente não dispensa os elementos do culto como a música, os instrumentos, e as próprias pessoas. Mas a adoração verdadeira não pode depender de um cântico animado, de instrumentos bem tocados, ou da eloquência do pregador. Se essas coisas são os instrumentos da adoração é provável que não esteja acontecendo adoração. A adoração verdadeira é obra da Trindade em nós, e a partir de nós, para a própria Trindade. Por isso o culto bíblico é bastante diferente do que se vê na maioria das igrejas. O culto bíblico é teocêntrico e não antropocêntrico.
Finalmente, a doutrina da Trindade é um chamado ao serviço. Estudamos sobre a absoluta igualdade essencial da Trindade. Nesse sentido não há qualquer grau de subordinação entre as pessoas da Trindade. Mas percebemos que nas obras externas, ao trabalhar na Criação e na Redenção, as pessoas da Trindade se subordinam umas às outras e trabalham em perfeita cooperação. Embora sejam pessoas plenas, e cada uma tenha a essência completa da Trindade em si, não são, nem desejam ser autônomas. São absolutamente livres e isso faz com que se relacionem e promovam a obediência. O Filho faz questão de obedecer ao Pai, e o Espírito é obediente ao Filho.
A dificuldade que os cristãos têm de trabalhar juntos é por causa do ego. Cada um tem seu orgulho pessoal, e deseja que sua opinião prevaleça. Achamos que obedecer e servir uns aos outros nos torna inferiores. Achamos que a liberdade é a autonomia. A Trindade nos ensina que através do serviço e da obediência cristã é que desfrutamos da plena liberdade. Quando o Filho de Deus amarrou a tolha na cintura e lavou aos pés dos discípulos, isso não o fez menos digno nem menos livre, ao contrário.
Diante dessas coisas, concluímos que devemos valorizar mais essa doutrina. Precisamos nos arrepender por considerar tão pouco esse precioso ensino da Escritura, e passar a considerar o caráter trinitário de nosso Deus em nosso relacionamento com ele, com os irmãos e no culto que lhe dirigimos. Acima de tudo permanece que não podemos conhecer verdadeiramente a Deus, se não considerarmos seu caráter trinitário. Como diz Bavinck, “somente quando nós contemplamos essa Trindade é que nós descobrimos quem e o que Deus é”.[16]
Notas:
15 Ricardo Barbosa de Sousa. O Caminho do Coração, p. 80.
16 Herman Bavinck. Teologia Sistemática, p. 155.
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