Pais e filhos
Entenda melhor a proposta do livro “Pais Santos, Filhos Nem Tantos” em entrevista do autor, Carlos Catito Grzybowski, ao Instituto Jetro
O Instituto Jetro entrevistou no dia 17 deste mês Carlos Catito Grzybowski, autor do livro Pais Santos, Filhos Nem Tanto, o lançamento de junho da Editora Ultimato. Leia a entrevista abaixo e entenda melhor a proposta do livro.
Quem não gostaria de ter uma receita infalível para a criação de filhos? O livro Pais Santos, Filhos Nem Tanto mostra uma “família de verdade”, com erros e acertos, sua dinâmica interna e as verdades bíblicas sobre as quais devemos nos debruçar para aprender melhor sobre a tarefa de cuidar e educar filhos.
Nem mesmo o fato de Davi ser chamado na Bíblia de “homem segundo o coração de Deus” garantiu ao rei de Israel sucesso como pai. Por quê? O que o modelo de Davi, as relações familiares e outros aspectos descritos na narrativa bíblica nos dizem?
Para falar sobre esta realidade dual, o Instituto Jetro entrevistou o Prof. Dr. Carlos “Catito” Grzybowski.
Carlos “Catito” Grzybowski é psicólogo e terapeuta familiar, mestre em Psicologia da Adolescência, PhD e doutor em Linguística Aplicada. Coordenador de EIRENE do Brasil e Assessor para Assuntos Internacionais do CPPC. Escritor dos livros: “Família: crise e crescimento”, “De bençãos e traições”, “Como se livrar de um mau casamento”, “Macho e fêmea os criou – celebrando a sexualidade”, “Pais santos, filhos nem tanto – a trajetória de um pai segundo o coração de Deus.”
Por que este livro: “Pais santos, filhos nem tanto”?
Catito - A ideia de escrever o livro Pais santos, filhos nem tanto surgiu depois que eu ouvi, ainda nos anos 90, uma pregação do Pr. Caio Fábio a respeito deste assunto e li o livreto que ele escreveu deste sermão. Então comecei a estudar, junto com minha esposa, a partir do enfoque sistêmico, a família de Davi. Descobrimos então, muitos aspectos disfuncionais que contribuíram para a desgraça familiar de Davi. Não tínhamos a intenção de escrever um manual sobre educação de filhos como já existem muitos na prateleira, mas analisar como Davi, um homem devoto a Deus, excelente rei, estrategista político e militar, cometeu tantos erros como pai. É preciso olhar para o modelo familiar de Davi, e a partir daí lançar luz sobre as próprias dinâmicas familiares a fim de não cair nas mesmas armadilhas que ele caiu.
Qual a “receita” para criarmos filhos tementes ao Senhor?
Catito - Um psicólogo e terapeuta familiar argentino, Daniel Schipanni, em um de seus livros intitulados “Nuestros hijos e sus necesidades básicas” diz que o melhor que um pai pode fazer por seu filho é amar a mãe deste filho (sua esposa), e o melhor que uma mãe pode fazer por seu filho é amar o pai desta criança (seu marido). E ainda: “O amor entre os pais condiciona a capacidade de amar por parte dos filhos. Saber que seus pais se amam traz segurança, estabilidade, respeito e gozo pela vida. Desta forma, abrem o caminho para que possam compreender o amor de Deus ou a beleza do sexo, entre outras coisas”. Essa para mim é a melhor “receita”.
Davi, um “homem segundo o coração de Deus”, falhou como pai. Como pessoas com ótimo relacionamento com Deus podem ter fracassos na vida familiar?
Catito - No texto central de Deuteronômio – o “Shemá” – descrito no capítulo 6, versos 5 a 7, a Palavra de Deus afirma que devemos falar “assentado em casa” (ensino formal, contando histórias, lendo a Bíblia); “andando pelo caminho” (aproveitar as muitas horas que passamos no trânsito e na rua conversando sobre coisas que vemos juntos, avaliando no contexto o que é certo e errado); “deitando-te e levantando-te”. Isso resume que em todos os momentos devemos estar prontos para ensinar, orar e vivenciar nossa fé. Parece-me que Davi não tinha este momento especial com seus filhos, pois estava muito ocupado guerreando ou gerindo o reino de Israel. Os filhos tinham um rei a quem admirar, um compositor a quem apreciar, mas não tinham um pai a quem recorrer com suas “infantilidades”. Davi foi o “homem segundo o coração de Deus”, mas não soube transmitir esta vivência aos seus filhos.
No livro você utiliza-se de uma análise com enfoque sistêmico. Por quê?
Catito - Esse é o enfoque com o qual trabalho há 30 anos com casais e famílias. Não é possível descrever os detalhes de tal enfoque, mas acredito que o mesmo é o que mais se aproxima de uma visão integral do ser humano e que parte do princípio que somos seres criados para viver em relação, portanto, neste sentido aproxima-se da antropologia hebraico-cristã também.
Como disse, Davi era íntimo de Deus, um excelente estrategista. O que o cegou tanto a ponto de não perceber/agir a respeito do que estava acontecendo com seus filhos?
Catito - Na minha interpretação basicamente Davi não teve a coragem de confrontar seus filhos com seus pecados, talvez porque ele não havia perdoado a si próprio pelo pecado cometido com Bate-Seba. Deus já o havia perdoado, mas Davi talvez não tenha conseguido aceitar este perdão plenamente. Por isso, se sentia impotente para repreender seus filhos, o que gerou toda a catástrofe familiar.
Alguns líderes dirão: “a culpa é do diabo”. O que pensa a respeito?
Catito - Sem dúvida que o diabo, como o próprio Senhor Jesus afirmou, vem para roubar, matar e destruir, e vai aproveitar todas as oportunidades que puder para atingir seus intentos. Mas também a Bíblia é clara em dizer que se resistirmos ao diabo ele fugirá de nós (Tg 4.7). Nada mais “apavora” o diabo que a expressão do amor genuíno e incodicional manifesto nas relações humanas – que é o mandamento que Jesus equiparou ao amor a Deus (Mt 22.39). Na forma concreta este amor se manifesta na dedicação e tempo que dispensamos para estarmos interessadamente atentos aos outros – principalmente nosso cônjuge e filhos!
Quais os principais erros e acertos da família de Davi?
Catito - Em geral os próprios filhos dão as dicas de que as coisas não estão bem! Quando um filho muda seu comportamento de forma estranha, é necessário estar atento e procurar um caminho para que o jovem possa se abrir e revelar o que o está afligindo. Ao verificarmos a vida dos filhos de Davi, percebemos que eles deram muitas dicas ao seu pai de que as coisas não estavam bem. Mas Davi foi incapaz de enfrentar os problemas, que incluíram incesto, homicídio e rebeldia explícita. Ele simplesmente se omitiu, fez de conta que não estava acontecendo nada, delegou ao avô de Absalão, Talmai, que trouxesse o filho à razão. Delegou a Joabe a responsabilidade de trazer Absalão de volta a Jerusalém. O resultado foi extremamente desastroso, resultou na morte de dois de seus filhos, além da desonra da filha. Resumindo: omissão na construção ativa de um relacionamento entre pai e filho e o delegar a educação dos filhos a terceiros foram os principais erros desta família. Por paradoxal que pareça, o mais acertado em toda esta confusão foram as condutas (iniciais) disfuncionais de Absalão, porque elas estavam denunciando algo que não estava bem na família. Entretanto Absalão também não soube traduzir esta sua inquietação e sensibilidade em um diálogo maduro e profícuo com o pai.
Sobre quais verdades bíblicas devemos nos debruçar para aprender melhor sobre a tarefa de cuidar e educar filhos?
Catito - Como citei acima, basta se ater ao “shemá” de Deuteronômio 6. Verifico que grande parte dos pais não dedica tempo para falar de Deus, dos valores do Evangelho, da sua própria fé, do que Deus faz e fez em suas próprias vidas aos filhos. A vivência cristã tem de ser integrada com a educação de uma forma natural, os filhos têm antenas que percebem quando se ensina algo que não se pratica. O exercício da fé deve permear todos os momentos da vida, norteando as atitudes que se tomam no dia a dia. Se os pais não têm temor do Senhor, se eles não amam a Deus acima de todas as coisas vai ser muito difícil ensinar aos filhos uma fé que não praticam.
Quais as lições que esta desarmonia familiar na casa de Davi pode ensinar para aqueles que exercem liderança?
Catito - A simples verdade dita por Paulo a Timóteo (1 Tm 3.5) – qualquer líder deve saber primeiro governar sua própria casa. Lembro que no Novo Testamento existe somente um modelo de liderança apontada por Jesus: o líder servo (Jo 13.12-17). Esse ponto é delicado, pois nosso machismo histórico sempre aponta para a ideia de que os pais devem ser servidos no lar – a Bíblia aponta o contrário. Nesse sentido a sujeição é mútua (Ef 5.21) e a liderança é sempre de serviço – qual filho que não vai querer seguir um líder/pai que dá a sua vida em favor dele? Dar a vida significa sim morrer – para o tempo, interesses, etc, que usaríamos em nosso favor para o usarmos em favor de nossos filhos e nosso cônjuge. O difícil é acreditar que depois destas pequenas “mortes” sempre haverá ressurreição – para algo mais glorioso, pois a essência do ensino bíblico é que não há morte sem ressurreição. Realmente somos homens de pequena fé!
Fonte: Instituto Jetro
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