Por Maurício Zágari
Minha esposa ganhou convites para o espetáculo de patinação “Disney on Ice”, em que diversos personagens da Disney dançam e deslizam em belas coreografias sobre o gelo. Nunca tinha assistido a nada do gênero, não fazia ideia de como era. Por isso, levamos nossa filha ao Maracanãzinho. Lá estava eu, com minha filhinha de 2 anos no colo, quando, no meio do show, entraram em cena todos os bruxos e bruxas dos desenhos da Disney, numa grande e animada coreografia. Confesso que me assustei e me preocupei. Deveria eu deixar minha doce e inocente filha ficar vendo feiticeiras e feiticeiros num cativante espetáculo de som e luz? Será que aquilo despertaria seu fascínio pelo assunto? De algum modo aquilo a levaria a se tornar uma satanista, uma adepta da bruxaria, uma depravada, uma apóstata ou mesmo uma cristã mística que dedica mais tempo ao diabo do que a Deus? Deveria eu me levantar e ir embora? A dúvida me consumia, quando entraram em cena Mickey, Minnie, Pateta e Pato Donald e, em meio a muita algazarra, expulsaram todos os bruxos de cena, enquanto a música celebrava a vitória do bem sobre o mal e a criançada ia ao delírio com a derrota das forças malignas. Sussurrei no ouvido de minha filhinha: “Tá vendo, filha, Jesus deu um jeito de fazer os maus irem embora”. E ela começou a gritar, animada: “Sai, bruxa má!”. Esse episódio me fez refletir muito sobre qual é a diferença entre mencionar algo que vai contra os valores do Evangelho e defender esse algo. Até que ponto discorrer sobre um pecado estimula a prática desse pecado?
Minha conclusão é que entre mencionar e defender a diferença é monstruosa. No entanto, muitos de nós, cristãos, não conseguimos enxergar essa fronteira. Uma das áreas em que isso fica mais claro são as artes, haja vista as antigas polêmicas que envolvem questões como “música gospel X música do mundo”, “crente pode ir ao cinema?” etc. Sei que essa é uma discussão sem fim, que desperta paixões e defesas arraigadas, impulsivas e até agressivas (por favor, seja gentil ao discordar de minhas posições nos comentários…), sei que tem gente que considera a Disney um império satânico (graças a uma série de fitas de videocassete que um pastor com intenções que só cabe a Deus julgar lançou anos atrás, com algumas verdades sobre mensagens subliminares mas também com muitos exageros). Todavia, gostaria de compartilhar alguns pensamentos sobre o assunto.
Nas histórias da saga “Crepúsculo” acontece o mesmo. Embora vampiros, ao contrário de bruxos, sejam seres fictícios, nessa saga eles são lindos, sedutores, charmosos, os galãs por quem as meninas suspiram. Mas os personagens vampiros são e sempre foram criaturas
das trevas. Se você lhes aponta a cruz de Cristo o que eles fazem? A abraçam? Ou fogem? Então seres das trevas que fogem da cruz passaram a ser glorificados pela ficção. Até bem pouco tempo atrás os vampiros dos livros e dos filmes eram sempre tenebrosos, horripilantes, assustadores. “Crepúsculo” mudou isso e tornou desejável ser ou admirar alguém que foge da cruz de Jesus. É tudo uma questão da mensagem que é transmitida.
Então vemos que um pano de fundo belo pode ser o cenário para a transmissão de valores bem ruins do ponto de vista bíblico. Por exemplo: já expus em posts como “Cristão deve ouvir música do mundo?” e “O que é boa música evangélica?” que não vejo base bíblica para proibir cristãos de ouvir músicas seculares cujas letras não sejam antibíblicas. Mas isso deve ser sempre com cautela, analisando cuidadosamente e à luz das Escrituras aquilo que se consome. Para fazer um teste sobre isso decidi, por curiosidade pessoal, analisar letras de músicas de um artista que não é do meu gosto musical (e que, por isso, praticamente desconhecia seu repertório), mas que foi indicado por um homem de Deus a quem respeito muito e que gosta dele. Por essa razão decidi analisar as letras de suas canções e encontrei, em meio a muitas músicas inofensivas e bonitas aos ouvidos, também muitas que visivelmente contrariam o Evangelho e seus valores.
E por aí vai.
Ou seja: nem tudo o que parece inocente apresenta valores bíblicos. Em tudo precisamos aplicar o tão falado discernimento.
Agora é preciso observarmos o outro lado da moeda: uma obra de arte apenas relatar histórias de pecados, idolatria, práticas equivocadas e tudo o que há de pior não a condena. Que o diga a própria Bíblia, que relata tudo isso e muito mais, da queda de Adão e Eva aos pecados das igrejas de Apocalipse, passando pelos de Abraão, Moisés, Noé, Jacó, Davi, Pedro, Paulo e muitos outros. O problema, a meu ver, é quando a obra defende a prática.
Já vi cristãos bons e sinceros desmerecerem livros magníficos, como o vencedor do Prêmio Nobel de Literatura “Cem anos de
solidão”, que relata, dentro do realismo fantástico de Gabriel Garcia Marquez, histórias extraordinárias e explicitamente fantasiosas com pecados gravíssimos, mas sem estimular ninguém a agir daquela forma. Ou “Crônica de uma morte anunciada”, do mesmo escritor, um excelente livro que fala do comportamento humano ante a morte certa. Ou, ainda, “O amor nos tempos do cólera”, uma linda história que tem como mensagem principal o fato de que o amor verdadeiro não depende de tempo, mas sim da pessoa (Jacó, que teve de trabalhar 14 anos por Raquel, que o diga). Imagine se fossemos condenar todos os livros de Sir Arthur Conan Doyle e Agatha Christie, por exemplo, por sempre versarem sobre crimes. Sherlock Holmes, a propósito, é viciado em cocaína e há roubos e assassinatos em praticamente todas as suas histórias – mas nunca se faz nelas defesa dessas práticas.
Enfim, o que consigo ver na produção artística de variados segmentos, como a música, a literatura, a pintura, a escultura e outras artes é tanto a defesa (provavelmente inconsciente, na maioria dos casos) de valores antibíblicos (como nas músicas citadas acima) quanto a exposição não panfletária de nudez (como a Vênus de Milo, que pratica topless e deixa seu “cofrinho” à mostra – ver fotos) e a representação de um amor arrebatador, desesperado e ultrassexualizado (como em Cantares de Salomão – na Bíblia). Aliás, para quem lê Cantares entendendo o que lê, o comportamento sexual da família Buendia de “Cem anos de solidão” parece história de ninar. Vênus de MiloDeveríamos remover o livro mais erótico da Bíblia do cânon sagrado por causa disso? Ou, talvez, deixar de publicar a Bíblia? Quem sabe ainda proibir nossos filhos de ler as Escrituras, porque citam sexo, bruxaria, assassinatos, genocídios, adultérios, demônios e outras coisas terríveis?
Uma coisa é defender. Outra é relatar. Creio que, por esse pudor bem-intencionado (é importante frisar isso) porém desconectado da realidade, especialmente da realidade em que vivem os nossos jovens, uma grande parcela da Igreja tem falhado profundamente em orientar as novas gerações. Não é à toa que nossas igrejas estão cheias de adolescentes solteiras grávidas e de adultos que nãos sabem como proceder com relação às artes. Pois enquanto o mundo cai batendo sem piedade, nós ainda falamos da abelhinha do papai pousando na flor da mamãe.
Há uma guerra grave e severa no mundo espiritual e, consequentemente, nas instâncias humanas, por nossos corações e mentes. Falo de camarote: eu mesmo já fui vítima dessa guerra e cometi pecados para os quais hoje, após o arrependimento, olho com muita tristeza, profundo lamento e sem acreditar que fui capaz de cometer tamanhas atrocidades. Só que cometi e hoje, embora perdoado por Deus, carrego as cicatrizes – e para sempre as carregarei. Guerras são assim: deixam mortos e feridos por todos os lados e, se você não está bem protegido num abrigo antiaéreo, será atingido. No caso, nosso abrigo chama-se Jesus de Nazaré. O mundo está usando AR-15 e tanques, enquanto nós entramos com estalinhos e pistolas de água. Fica fácil ver de que lado a corda vai romper, se continuarmos nesse caminho. Temos de proteger nossos filhos para que eles não cometam os mesmos erros abomináveis que nós cometemos no passado – e essa proteção deve ser efetuada não com alienação, mas com oração e as indispensáveis informação e instrução (sempre de forma adequada para cada faixa etária, claro). Por ter cometido pecados que hoje abomino tenho de lutar de forma arraigada para que minha filha não os cometa.
Sou a favor da boa música, secular ou cristã. Sou a favor da boa literatura – secular ou cristã. Sou a favor das boas artes plásticas – seculares ou cristãs. Não deixarei de estimular minha filha a ler a magnífica obra de Gabriel Garcia Marquez, mas vamos conversar
muito sobre as mensagens de seus livroArte6s – as boas e as más. Não deixarei de levar minha filha para ver os quadros da fase negra de Goya (ao lado) devido à violência e ao mal retratados neles – mas lhe contarei por que aquelas imagens são assim. Não vou fugir das galerias do Louvre onde estão estátuas greco-romanas de homens nus, mas instruirei minha filha sobre os conceitos estéticos vigentes naquelas culturas e o que podemos tirar daquilo. Bem orientada, não creio que nada disso a tornará uma depravada. Pelo contrário, a deixará instruída e prevenida. Até porque, em paralelo, estarei ensinando a ela o Evangelho, explicando por que Deus mandava seu povo dizimar nações à espada, permitia a poligamia, mandava apedrejar pessoas até a morte, ordenava que cunhados se casassem só para gerar descendentes e outras práticas bizarras que ali são relatadas mas não estimuladas na nova aliança.
Porque, sejamos coerentes, se formos simplesmente proibir nossos jovens de ler livros que contêm violência, relatos de atos sexuais ilícitos e depravados, histórias de pecados horripilantes, descrições extraordinárias de anjos duelando com demônios e relatos de experiências de seguidores de doutrinas de demônios… nenhum deles jamais leria a Bíblia.
Paz a todos vocês que estão em Cristo,
Mauricio
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Fonte: Apenas1. Divulgação: Púlpito Cristão.
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