A história reservou um dia às mulheres. É pouco diante dos trezentos e sessenta e quatro restantes. Mas é fruto de lutas e conquistas consolidadas por milhares de histórias pessoais e coletivas, algumas vezes notificadas, mas quase sempre anônimas. Melhor, entretanto, seria que todos os dias fossem partilhados festivamente por todos os humanos, indiferenciadamente. Dias especiais só existem para dar voz aos que são privados desse benefício.
Reviso o primeiro parágrafo e me dou conta de que a homenagem às mulheres nesse dia se faz com palavras. Palavras que escondem ideias, algumas de resgatado teor feminino. Belas palavras têm esse gênero. Resgato, então, algumas delas das minhas primeiras considerações neste texto: história, luta, conquista, anônima. Independente da classe gramatical, substantiva ou adjetivamente, tais palavras traduzem um jeito mulher de ser ao longo do tempo: construtora da história, em meio a lutas e conquistas, mas na maioria das vezes anônima. Anônima, porém ativa, corajosa, determinada. Aliás, manter-se anônima em meio à busca comum por estrelato exige mesmo coragem e determinação, palavras-ideias significativamente femininas também.
Mas percebo nas muitas mensagens um tom de insuficiência. Há a carga do irreparável em um único dia. Festejar um dia faz barulho, mas pouco muda mentes e corações. Novas palavras de ordem precisam ser levantadas cotidianamente, ressignificando comportamentos.
Trago por isso, então, no dia seguinte ao dia oficial da mulher, outra palavra-ideia feminina, incitando a se deflagrar uma permanente homenagem: ternura. Um guerreiro certa vez advertiu de que é preciso endurecer sem perdê-la. E é bom ouvir isso de um homem que se iguala às mulheres na condição de ser terno.
Pensando na palavra, o dicionário me diz que ternura adquire feições femininas por causa de um sufixo, com carga semântica de ação ou resultado de ação, modificador de um adjetivo, tornando-o substancialmente feminino. Daí: largo, largura; feio, feiúra; roto, rotura ou ruptura. Opa, ruptura. Sou levada a conjugar ternura a essa nova palavra que salta aos olhos. Há que se fazer rupturas permanentes no campo de ideias e ações que tratam da mulher e de seu lugar na sociedade, sem, no entanto, perder sua terna, nem por isso menos firme, maneira de acolher a tudo, todas e todos.
Eis a minha homenagem num dia deslocado às mulheres. Trago a ruptura de não me restringir a ser lembrada em um só dia, nem como subespécie. Junto-me aos pares, convocando mulheres e homens. E faço isso cheia de terna esperança na Vida, desejada e partilhada com todas e todos, indistintamente, na luta por um mundo melhor e mais solidário.
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Silvana Pinheiro é educadora e escritora. Autora do único livro infantil que a Editora Ultimato já publicou (De Bichos Pequenos e Grandes), e que está esgotado há alguns anos.
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