"8:28". Este foi o título do livro publicado em 1976, escrito pela missionária inglesa Eva Mills na forma de um diário, relatando a sua passagem por vinte anos no interior do Maranhão. Seu relato reuniu impressões e memórias das experiências vividas, desde um sensível olhar antropológico sobre traços da cultura, da geografia, dos tipos sociais, das concepções religiosas e da vida comum dos habitantes do meio norte brasileiro, bem como os seus conflitos vividos em termos de adaptação cultural.
Mills confiava na providência divina. A saída do porto de Liverpool, Inglaterra, para o Maranhão se deu no dia 8 de agosto de 1928, às 08:28! Mais que uma coincidência, a hora da partida do navio, a data da viagem e a referência bíblica de Romanos 8.28 eram evidências de que todas as coisas cooperavam para o bem, segundo o propósito de Deus. Pertencente à Strict and Particular Baptist Chapel, ela havia, dois anos antes, em 1926, participado da English Kewsick Convention, um grande evento missionário quando recebeu seu chamado divino para a América do Sul.
O contexto das Igrejas protestantes no mundo anglo-saxão favorecia o envio de missionários para regiões do mundo que apresentavam sinais de “primitivismo”, de acordo com a concepção da época. Por meio de agências missionárias como a Missão para o Coração da Amazônia, muitos missionários foram enviados para o interior do Maranhão e para o sul do Pará, adentrando pela Amazônia, na rota dos rios e das tribos indígenas remanescentes.
Junto com outros missionários e seu esposo David, Mills formou uma equipe missionária com base na cidade de Barra do Corda (MA), que havia se tornado um ponto importante de irradiação do Evangelho desde fins do século 19. Ali, por meio de um colégio, surgiu um centro de formação teológica e de ensino regular.
Dois relatos trazem as percepções e os desafios da contextualização para uma mulher missionária nas primeiras décadas do século passado. O primeiro foi quando de sua chegada na capital maranhense:
“A igreja de Zeca Pereira, chamada Ebenézer, tinha marcado uma outra cerimônia naquela noite às sete horas. David e eu recebemos os nossos lugares em cadeiras em frente à mesa na qual o pregador brasileiro falou conosco em inglês e para a congregação em português. Eu não entendi nenhum deles! A pequena igreja estava cheia, transbordante. Pessoas estavam sentadas nos parapeitos das janelas. O culto terminou, nós fomos cumprimentados e bem recebidos pela muito amável congregação no verdadeiro estilo brasileiro. Tudo parecia um sonho. Eu entendi os amáveis gestos, mas nenhuma das palavras que eles falavam”.
O segundo descreveu a experiência de “estranhamento”:
“Eu estava começando uma nova educação bem no meio de uma cultura completamente nova e numa língua estranha. Eu estava feliz em esticar minhas pernas, andando na rua de terra naquela pequena cidade do Mearim chamada Pedreiras, apesar de muitos pares de olhos que me observavam de cada porta. Pessoas chegavam perto de mim na pequena estrada para ter uma visão melhor e cochichavam uns com os outros enquanto eu passava, e quando eu parava por haver muitos bloqueando o meu caminho, eles tocavam minhas roupas e meus sapatos. Eu só podia sorrir para eles e eles entendiam que eu era um “galego”. Eu aprendi aquela palavra cedo no meu estudo de português. Era a sua maneira de me chamar de estrangeiro”.
A vocação de Mills foi configurada pelo espírito romântico e desbravador, pelo imaginário sobre a Amazônia brasileira e pelas concepções raciais da época. Junto com o genuíno chamado divino, estes elementos demonstraram que ela serviu ao Senhor na sua geração, com seus valores e visões de mundo, mas também com obediência e profunda paixão pela vida, confiante na providência divina.
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Lyndon de A. Santos é pastor e historiador em São Luís, MA.
Fontes:
MILLS, Eva. 8:28. EUA, Lancaster, Brookshire Publications, 1976.
SANTOS, Lyndon de A. As outras faces do sagrado: protestantismo e cultura na primeira república brasileira. São Luis: EDUFMA; São Paulo: Ed. ABHR, 2006.
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