Como o Evangelho se espalhou pela Judeia e Samaria nos primeiros séculos, poderíamos pensar com isso que quando ele chegou em Chipre, Cirene, Antioquia e outras cidades mais distantes a ordem de Jesus da grande comissão fora cumprida. Tal posicionamento significaria o fim da responsabilidade missionária da igreja.
O missiólogo Timóteo Carriker defende que o longe é relativo ao lugar aonde o Evangelho chega em comparação de onde ele partiu. Assim, para o missionário presbiteriano Ashbel Simonton, o Brasil era os confins, e hoje, para o Brasil, os confins mais distantes seriam as ilhas da Indonésia.
A ideia é interessante, pois desloca o foco missionário de Jerusalém para qualquer outra cidade e dali expande as fronteiras, fazendo surgir “novos confins”. Creio que a compreensão paulina de que o Evangelho deveria ser pregado sempre onde não fora anunciado levou a igreja de Antioquia a se tornar o primeiro celeiro gentio de pregação da mensagem de salvação em Cristo, tanto local quanto transculturalmente. A igreja em Antioquia nos fornece no relato bíblico princípios da propagação missionária local e também princípios enviadores para lugares distantes.
Antioquia, capital da Síria, era a terceira maior cidade do Império Romano. Sua população, no primeiro século, é estimada entre 300.000 e 450.000 habitantes. Antioquia foi evangelizada por cristãos que não possuíam conexão com a fé judaica, e em pouco tempo tornou-se o novo “quartel general” missionário da igreja, chegando a exceder a Jerusalém como o celeiro da pregação cristã e missões evangelizadoras. “Antioquia: a bela”, como era conhecida, foi uma cidade composta de gregos, romanos e com forte sabor judaico. A influência de várias culturas que se concentraram ali tornou a cidade impregnada de idolatria e imoralidade. Foi nesse contexto urbano que o poder de Deus mostrou, com grande e poderosa ênfase, que a igreja tem a possibilidade de transformar a cidade pelo Evangelho. Já no final do primeiro século, dados de pesquisadores indicam que cerca de um terço da cidade havia se tornado cristã. O que seria de nossas cidades se a atuação missionária da igreja moderna provocasse hoje tal impacto? Mais importante ainda é indagar: É possível reproduzir em nossas cidades o que os cristãos, pelo poder do Espírito, fizeram em Antioquia? Estas são questões que as igrejas urbanas precisam responder. Como fator incentivador e produtor de maior reflexão, identificamos três elementos da teologia de missão urbana e transcultural que frutificou naquela igreja.
1. A comunhão e a quebra de barreiras
Na igreja de Antioquia as barreiras sociais, econômicas e raciais foram quebradas. Na equipe de líderes daquela igreja havia judeus ex-fariseus, um pastor africano chamado Simeão e com apelido Niger (preto), uma clara referência de um negro no pastorado. Havia também Manaém, provável “irmão rico”, pois era colaço (irmão de seio) do tetrarca Herodes (At 13.1). Foi para Antioquia que Barnabé levou Paulo, onde este teve a oportunidade de dar início ao seu abençoado ministério pastoral (At 11.22-23).
Antioquia se abriu para novos líderes. Havia na igreja oportunidade para o treinamento e surgimento de novas lideranças. Foi a partir da equipe de profetas e mestres que se pode constatar a multiplicidade racial e social da igreja, quebrando barreiras.
2. O forte ímpeto de expansão divinamente dirigido
Em Antioquia o Espírito Santo escolheu a primeira equipe missionária transcultural para outras cidades (At 13.2). É importante registrar que planejar missões para atingir cidades não significa lançar mão de um processo pecaminoso que despreza a orientação divina, ou empacota ações, cerceando o livre agir do Espírito Santo. As Escrituras nos revelam que os filhos de Deus, além de terem recebido uma mente renovada (1Co 2.14; Rm 12.2), são também guiados pelo Espírito Santo (Rm 8.14). Lançando mão de recursos da sua época, Paulo e sua equipe missionária, atingiram certos centros urbanos e estabeleceram bases para futuras expansões missionárias. Uma única cidade nunca foi um produto final da sua tarefa missionária. Foi este o exemplo do que ocorreu em Tessalônica (1Ts 1.6-8), cujo testemunho se espraiou para as cidades da Acaia e Macedônia.
3. O testemunho pessoal vivo e observável da igreja
Na Antioquia os discípulos foram, pela primeira vez, chamados de cristãos (At 11.26). Os membros daquela igreja não absorveram as estruturas corrompidas da cidade, nem produziram um gueto religioso. Ao contrário, a cidade viu, conviveu e foi em parte transformada pela ação missionária da igreja. O poder do Espírito era muito mais do que palavras, era vida na igreja. É impossível esconder uma igreja que imita a Cristo com fidelidade, é impossível uma igreja ser sal e luz em uma cidade e não ser notada. Igreja que busca servir com oração, testemunho, ação social, unidade e pregação do evangelho é igreja que evidencia as características de um povo santo e guiado pelo Espírito (Rm 8.14; At 13.1-2).
Essa é a desejada harmonia missionária que aparece como o fator de envio da primeira equipe missionária de Antioquia para uma ação realmente distante. Não podemos deixar de considerar o que significava para Antioquia separar-se de Barnabé e Paulo. Eles foram os primeiros pastores da igreja (At 11.22, 25, 26) e fortes vínculos afetivos haviam sido criados por uma comunidade que valorizava altamente a comunhão.
Mesmo sendo uma igreja comprometida com a vida cristã local, não foi tarefa tranquila, emocionalmente falando, dizer aos seus pastores: “vão!”. Porém, era a fé e a confiança no Espírito que baseavam a decisão. Eis aqui outra lição deixada por aqueles irmãos: “Os despediram em oração” (At 13.3). A igreja de Antioquia aprendera que a responsabilidade missionária deveria ir além de suas fronteiras urbanas, além dos seus próprios problemas ou necessidades locais. Acredito que foi por estas razões que os cristãos da igreja de Antioquia tão prontamente jejuaram e oraram, e puseram as mãos sobre Barnabé, Paulo e João Marcos e os enviaram na sua missão transcultural. Indago: Quantas de nossas igrejas estariam dispostas a abraçar esses princípios para atingir com o evangelho cidades nos confins da terra?
Quando falamos de missões urbanas devemos ter nas mãos um “binóculo” para aproximar a igreja da cidade-alvo, ver os seus detalhes, conhecer suas necessidades, mazelas e riquezas e identificar melhores meios para construir pontes que viabilizem a pregação do evangelho e a prática das boas obras. Digo também que a igreja necessita ter as lentes de um “telescópio” para também aproximar as cidades que ficam nos confins da terra e delas ter misericórdia. Neste mundo digital, muitas informações missionárias estão longe de nós apenas a um simples clique de distância.
Oremos ao Senhor da Ceara e a Ele peçamos igrejas brasileiras missionárias, servos e servas vivendo e anunciando o evangelho de Cristo e fazendo discípulos, nas cidades que estão perto, longe e muito longe.
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Sérgio Paulo Ribeiro Lyra é pastor e coordenador do Consórcio Presbiteriano para Ações Missionárias no Interior. Autor do livro Cidades para a Glória de Deus, publicado pela Visão Mundial. É missiólogo e professor do Seminário Presbiteriano em Recife (PE).
Fonte:ultimato