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Introdução
A difícil situação da Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos – P.C. (USA). Declínio numérico acentuado: perda de 25% dos membros nos últimos trinta anos (de 4 milhões para pouco menos de 3 milhões). Polarização em torno de inúmeras questões éticas e sociais. Causas: falta de clara identidade teológica, ênfase ao pluralismo, mudança nas prioridades, especialmente no que diz respeito à missão da igreja na sociedade e no mundo.
A Igreja Presbiteriana do Brasil corre o mesmo perigo, ainda que em circunstâncias muito diversas. Muitos pastores e igrejas desconhecem a fé reformada, aquilo que nos caracteriza como uma denominação e nos distingue de outros grupos evangélicos. Situação atual: grande maioria conservadora, que pretende ser reformada, mas não conhece bem a sua herança; grupo progressista ou liberal minoritário, mas influente; minoria significativa simpatizante de crenças e práticas carismáticas.
Não se trata de nos retrairmos no isolacionismo e no exclusivismo, de acharmos que somos melhores que outros grupos evangélicos. Trata-se sim de conhecermos e afirmarmos os nossos valores, que enriquecem a família evangélica e chamam a atenção de outras igrejas para ênfases bíblicas e teológicas que julgamos importantes e necessárias para o nosso testemunho no mundo atual. Ao mesmo tempo, sem perder a nossa identidade, podemos ter comunhão com outros grupos e aprender dos nossos irmãos coisas úteis que tenham a nos ensinar.
Definição de termos: (a) Presbiterianos: igrejas que adotam a forma de governo presbiterial; (b) Calvinistas: partidários das formulações de Calvino, o maior teólogo dentre os reformadores (inclui presbiterianos, congregacionais, batistas e outros grupos); (c) Reformados: conceito mais amplo – os herdeiros dos movimentos liderados por Zuínglio, Calvino, John Knox e seus sucessores, que adotaram em questões de fé e governo uma posição intermediária entre luteranos e anglicanos, de um lado, e dos anabatistas e entusiastas, do outro. No seu sentido mais amplo, a tradição reformada inclui aspectos teológicos, éticos, filosóficos, sociais e políticos.
Vejamos algumas peculiaridades reformadas que cumpre-nos conhecer e ensinar aos nossos rebanhos:
1. História
Assim como a fé bíblica é profundamente histórica, porque fundamentada em atos redentores realizados no tempo e no espaço, a fé reformada valoriza extraordinariamente a história da igreja. O nosso senso da história nos lembra que a igreja cristã não começou com a reforma protestante do século dezesseis. Foi por isso que reformadores como Lutero e Calvino não quiseram romper com tudo o que dizia respeito à igreja antiga e medieval. Por exemplo, eles fizeram questão de reconhecer a validade dos antigos concílios ecumênicos da igreja (séculos quarto e quinto) e das extraordinárias formulações teológicas produzidas pelos mesmos – os credos, especialmente o niceno e o de Calcedônia. Os reformadores magisteriais, Calvino entre eles, também tinham grande apreço pelos antigos mestres cristãos, os pais da igreja, e os citaram abundantemente em seus escritos. É por isso que devemos recitar esses credos, utilizar as antigas liturgias, cantar hinos de séculos passados. Não é questão de tradicionalismo: tudo isto nos coloca em contato com a igreja do passado, da qual somos herdeiros e continuadores.
Por outro lado, os próprios reformados tem uma rica história que precisa ser conhecida, valorizada e transmitida às novas gerações. São fontes de inspiração e reflexão proveitosa, entre outros, os seguintes exemplos:
(a) A vida e obra de João Calvino: em nossos dias a visão de muitas pessoas sobre o grande reformador é tremendamente deturpada e parcial. Para muitos, inclusive presbiterianos, Calvino é visto como o autor da doutrina da predestinação, o tirano de Genebra, o responsável pela morte de Serveto e assim por diante. Ignoram a sua profunda experiência religiosa, sua riquíssima produção teológica, sua defesa apaixonada dos evangélicos europeus perseguidos por sua fé, seu gênio organizador, suas contribuições para o mundo moderno, seus esforços para que a igreja refletisse a preocupação de Deus com todas as áreas da vida, individual e comunitária. (Ver Fides Reformata II/2, “Amando a Deus e ao Próximo: João Calvino e o Diaconato em Genebra”).
(b) A marcha do movimento reformado: a maioria dos presbiterianos precisa conhecer como a fé reformada difundiu-se a partir de Genebra e outros centros para influenciar poderosamente a vida de nações inteiras como a Suíça, a Escócia, a Holanda e os Estados Unidos (além da França, Alemanha, Hungria, Boêmia e Polônia). Poucos conhecem a trajetória sacrificial e inspiradora dos reformados franceses, os huguenotes, que por vários séculos sofreram provações tremendas por causa da sua fé. A propósito, este ano está sendo comemorado o 4º centenário do Edito de Nantes, que concedeu aos huguenotes certa tolerância religiosa, e cuja revogação posterior produziu a famosa “igreja no deserto.” Também merece destaque especial o papel da fé reformada na história da nação holandesa, em sua luta pela independência contra a tirania espanhola, em sua ênfase na liberdade religiosa, em sua atuação no Brasil colonial.
(c) Líderes reformados: poucos conhecem a participação dos reformados na história dos Estados Unidos ou que o grande líder presbiteriano John Witherspoon (1723-1794) foi o único pastor a assinar a declaração de independência daquele país. Poucos conhecem a história do calvinista Jonathan Edwards (1703-1758), o mais notável teólogo e filósofo da história dos Estados Unidos, e a do seu contemporâneo George Whitefield (1714-1770), o maior evangelista do seu tempo e o principal pregador do célebre Primeiro Grande Despertamento. Mais recentemente, a Holanda teve um grande líder calvinista na pessoa de Abraão Kuyper (1837-1920), fundador da Universidade Livre de Amsterdã e primeiro-ministro daquele país (1901-1905).
(d) Outros destaques: as missões presbiterianas ao redor do mundo; as igrejas reformadas florescentes de países como a Coréia e Formosa; a atuação corajosa das comunidades reformadas do leste europeu, especialmente na Hungria e na Romênia, e sua participação na luta contra o regime comunista. Destaque-se ainda a participação direta dos reformados nos grandes reavivamentos dos séculos dezoito e dezenove, dos dois lados do Atlântico.
Não se trata de glorificar o movimento reformado, de cair no triunfalismo fácil que criticamos em outros grupos. Sabemos que também existem páginas tristes na nossa história. Todavia, sem esquecer dos elementos negativos que nos servem de solenes advertências, devemos também conhecer os personagens e eventos que contribuíram para a glória de Deus em nosso movimento.
2. Teologia
Os reformados entendem ser herdeiros de uma teologia que passa por Paulo, Agostinho, Lutero, Calvino e Westminster, entre outros. A teologia reformada é em primeiro lugar a teologia da reforma, sintetizada nos cinco princípios cardeais defendidos pelos reformadores magisteriais:
- Sola Scriptura
- Solo Christo
- Sola gratia
- Sola fide
- Sacerdócio universal dos fiéis
A ênfase central da fé reformada está na teologia propriamente dita, a doutrina de Deus, acentuando a plena soberania de Deus em todas as coisas – na criação, na providência e acima de tudo na redenção. B.B. Warfield e C. Van Til referem-se a isso como uma atitude religiosa específica que se expressa numa profunda apreensão de Deus em sua majestade. Essa ênfase pode ser vista de maneira admirável nos escritos de Jonathan Edwards (ver meu artigo em Fides Reformata III/1). O tema central da sua teologia é a celebração da majestade, graça e glória de Deus.
Alguns textos bíblicos:
Jó 42.2: “Bem sei que tudo podes e nenhum dos teus planos pode ser frustrado.”
Sl 90.2: “Antes que os montes nascessem e se formassem a terra e o mundo, de eternidade a eternidade tu és Deus.”
Is 46.9-10: “Eu sou Deus, e não há outro semelhante a mim; que desde o princípio anuncio o que há de acontecer e desde a antigüidade, as coisas que ainda não sucederam; que digo: o meu conselho permanecerá de pé, farei toda a minha vontade.”
Rm 11.36: “Porque dele e por meio dele e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém.”
Dessa convicção primordial, decorre todo o arcabouço da teologia reformada, a começar da sua antropologia. Diante de um Deus tão grandioso e santo, o ser humano só pode ter uma profunda consciência da sua própria pecaminosidade e total dependência em relação ao Deus triúno e soberano. Daí também decorre a soteriologia, expressa pelo Sínodo de Dort nos chamados “cinco pontos do calvinismo”:
- depravação total
- eleição incondicional
- expiação limitada
- graça irresistível (vocação eficaz)
- perseverança dos santos
Ainda que haja muita controvérsia a respeito desses pontos, até mesmo entre os calvinistas, todoreformado consciente não pode deixar de afirmar a plena dependência do pecador, morto em sua desobediência e alienação. Isto é, sua plena dependência da iniciativa e da atuação soberana de Deus no que diz respeito à salvação. A salvação do pecador é, do início ao fim, uma obra de Deus, através do Espírito Santo (monergismo). Portanto, qualquer teologia ou prática que relativiza ou limita a soberania de Deus, dando ênfase maior ou menor à iniciativa humana na salvação, afasta-se das convicções reformadas. Qualquer prática evangelística, litúrgica ou pastoral que dá ênfase ao indivíduo, sua capacidade de escolha, suas preferências e seus interesses, em detrimento da soberania, glória e majestade de Deus, conflita com essa ênfase central das Escrituras e da fé reformada.
Alguns textos:
Jo 6.37-39: “Todo aquele que o Pai me dá, esse virá a mim; e o que vem a mim, de modo nenhum o lançarei fora. Porque eu desci do céu não para fazer a minha própria vontade, e, sim, a vontade daquele que me enviou. E a vontade de quem me enviou é esta: que nenhum se perca de todos os que me deu.”
Jo 17.9: “É por eles que eu rogo; não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me deste, porque são teus.”
Atos 13.48: “Os gentios, ouvindo isto, regozijavam-se e glorificavam a palavra do Senhor, e creram todos os que haviam sido destinados para a vida eterna.”
Ef 1.4-5: [Deus] nos escolheu [em Cristo] antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis perante ele; e em amor nos predestinou para ele, para a adoção de filhos, por meio de Jesus Cristo, segundo o beneplácito da sua vontade.”
Ef 2.8-9: “Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie.”
2 Ts 2.13: “Entretanto, devemos dar sempre graças a Deus por vós, irmãos amados pelo Senhor, porque Deus vos escolheu desde o princípio para a salvação, pela santificação do Espírito e fé na verdade.”
- 2 Tm 1.9: “[Deus] nos salvou e nos chamou com santa vocação; não segundo as nossas obras, mas conforme a sua própria determinação e graça, que nos foi dada em Cristo Jesus antes dos tempos eternos.”
2 Tm 2.19: “Entretanto, o firme fundamento de Deus permanece, tendo este selo: o Senhor conhece aqueles que lhe pertencem.”
Na eclesiologia, o calvinismo insiste nas marcas da verdadeira igreja de Cristo como sendo a fiel pregação da Palavra e a correta ministração dos sacramentos. Na controvertida área da pneumatologia, Calvino lutou em duas frentes: contra a teologia católica romana, que na prática tornava a atuação do Espírito dependente do sacerdócio e dos sacramentos, e contra os entusiastas, que relativizavam as Escrituras e a autoridade da igreja ao apelarem para supostas revelações diretas e especiais de Deus. Calvino propôs princípios sobre a relação entre o Espírito e a Palavra que são extremamente salutares e relevantes para os nossos dias: (a) o Espírito se reconhece pela Palavra; (b) o Espírito fala somente pela Palavra; (c) a Palavra é tornada eficaz pelo Espírito.
Jo 16.13-14: “... quando vier, porém, o Espírito da verdade, ele vos guiará a toda a verdade; porque não falará por si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e vos anunciará as coisas que hão de vir. Ele me glorificará, porque há de receber do que é meu e vo-lo há de anunciar.”
2 Pe 1.20: “... nenhuma profecia da Escritura provém de particular elucidação; porque nunca jamais qualquer profecia foi dada por vontade humana; entretanto, homens [santos] falaram da parte de Deus, movidos pelo Espírito Santo.”
Para estes e outros temas recomenda-se a leitura de bons autores reformados, a começar do próprio Calvino (Institutas, comentários); os grandes documentos confessionais do calvinismo; os puritanos, Jonathan Edwards; autores modernos como Lloyd-Jones, Michael Horton, R.C. Sproul; e periódicos como Fides Reformata.
3. Hermenêutica
Grande parte dos problemas doutrinários enfrentados pelas igrejas evangélicas atuais decorre da sua interpretação bíblica falha: hermenêutica alegórica, intuitiva, experiencial (a Bíblia como um depositário de experiências a serem imitadas).
Pressuposto principal da hermenêutica reformada: sola Scriptura (e tota Scriptura). Abordagem hermenêutica: as Escrituras como livro divino e humano. Quanto ao aspecto divino, colocam-se princípios como inspiração, clareza e necessidade de iluminação do Espírito. Quanto ao aspecto humano, os reformados valorizam o estudo sério das Escrituras em suas línguas originais, levando em conta o contexto histórico-cultural em que foram produzidas e, de modo especial, a intenção do autor humano como o único sentido verdadeiro do texto. O método mais equilibrado e saudável de interpretação bíblica é o histórico-gramatical, como corretivo contra as hermenêuticas subjetivas e tendenciosas tão comuns em nossos dias, à esquerda e à direita.
Por causa desse duplo caráter das Escrituras, a sua interpretação exige oração e estudo. Paulo Anglada: “Orare et labutare foram palavras empregadas por Calvino para resumir a sua concepção hermenêutica. Com estes termos ele expressou a necessidade de súplica pela ação iluminadora do Espírito Santo e do estudo diligente do texto e do contexto histórico, como requisitos indispensáveis à interpretação das Escrituras. Com o mesmo propósito, Lutero empregou uma figura: um barco com dois remos, o remo da oração e o remo do estudo. Com um só destes remos, navega-se em círculo, perde-se o rumo, e corre-se o risco de não chegar a lugar algum” (“Orare et Labutare: A Hermenêutica Reformada das Escrituras”, Fides Reformata II:1).
Augustus N. Lopes: “Em nossos dias, os evangélicos todos afirmam amar as Escrituras e crer nelas como inspiradas por Deus. Mas a pergunta é se amam a verdade, e se desejam conhecê-la e submeter-se a ela. Neste época pluralista, não são muitos os que buscam a verdade a qualquer preço. Os reformados interpretavam as Escrituras para encontrar a verdade de Deus nelas, e reformar a Igreja e suas vidas – hoje os evangélicos parecem estar mais preocupados com os sentimentos correto do que com a verdade” (palestra: “Teologia Reformada, Reformada para os Dias de Hoje”).
4. Culto
Os reformados deram ênfase ao chamado princípio regulador – o culto cristão deve se reger pelo que é clara e explicitamente revelado no Novo Testamento. Em contraste, luteranos e anglicanos entendiam que o que não é proibido, é permitido. Daí o culto reformado caracterizar-se por maior austeridade e simplicidade que as liturgias dessas outras confissões protestantes.
Os princípios básicos que regem o culto reformado são, entre outros: precedente bíblico, simplicidade formal, música congregacional com conteúdo doutrinário e a centralidade da pregação. Quanto à música, nunca é demais acentuar que a teologia de uma igreja é influenciada pela música que ela canta. Pastores podem pregar sermões doutrinariamente corretos, mas se a sua igreja cantar hinos e cânticos heterodoxos, esses últimos influenciarão mais que as palavras do pastor.
A prática crescente de substituir os antigos hinos utilizados por gerações de crentes por cânticos com ritmos mais contemporâneos corre dois sérios riscos: primeiro, a perda do sentido da história que já mencionamos, a ruptura da nossa ligação com a igreja do passado; em segundo lugar, há o fato de que muitos desses cânticos, além de sua pobreza melódica, poética e gramatical, padecem de sérias distorções teológicas (“coroamos a ti ó Rei Jesus”) ou são simplórios e repetitivos, trazendo muito pouca instrução para o povo de Deus, ao contrário dos hinos tradicionais da igreja, com todo o seu rico conteúdo bíblico e doutrinário.
5. Pregação
Outra ênfase primordial da fé reformada e do culto reformado é a centralidade da pregação. Sem minimizar os outros aspectos do culto, a pregação é o grande meio escolhido por Deus para proclamar o evangelho aos perdidos e nutrir na fé os filhos e filhas de Deus. Como disse o apóstolo dos gentios: “Todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo. Como, porém, invocarão aquele em quem não creram? E como crerão naquele de quem nada ouviram? E como ouvirão se não há quem pregue? E como pregarão se não forem enviados?... E, assim, a fé vem pela pregação, e a pregação pela palavra de Cristo” (Rm 10.14-15,17).
A pregação reformada é essencialmente expositiva e doutrinária, visando ensinar a Palavra de Deus de maneira profunda e sistemática. Mas deve ser também uma pregação experimental e prática, estando ligada à experiência do pregador e contendo instruções para a vida diária dos ouvintes. É, portanto, ao mesmo tempo um exercício intelectual e espiritual. Requer preparo, estudo sério, e também oração, comunhão com Deus. Isso lembra outra ênfase reformada histórica, que é o sólido treinamento dos ministros da Palavra, através de uma educação teológica consistente.
Nos dias atuais, a pregação tem perdido, nos cultos de muitas igrejas, o prestígio de que antes gozava. Tem sido substituída por filmes, cantatas, dramatizações, testemunhos, programas musicais e muitas outras coisas que visam atrair multidões para as igrejas. Pode-se compreender o que gerou essa reação contra a pregação: sermões carentes de unção, conteúdo bíblico e aplicação prática; estilo e linguagem divorciados da vida diária das pessoas; sermões repletos de experiências pessoais, referências a livros que o pregador leu, piadas, ilustrações sem fim, mas pouca exposição bíblica.
Mais especificamente, nota-se uma grande despreocupação dos púlpitos com as doutrinas fundamentais da Reforma. Os presbiterianos raramente ouvem sermões sobre a soberania de Deus, a pecaminosidade humana, a eleição, a graça eficaz, a escravidão do arbítrio humano, a aliança e outros temas reformados. Tudo isso aponta para a necessidade de uma renovada ênfase na pregação com vistas à revitalização da igreja, ao genuíno aprofundamento da vida espiritual pelo qual todos ansiamos. É interessante notar que a igreja de Jonathan Edwards foi alcançada por um poderoso avivamento enquanto ele pregava uma série de sermões sobre a justificação pela fé.
6. Ética
Uma outra ênfase reformada tremendamente crucial para os nossos dias está no campo da ética cristã. Esse é um dos maiores calcanhares de Aquiles da igreja evangélica brasileira, numa época em que multiplicam-se os casos de comportamentos questionáveis por parte de muitos líderes e membros de igrejas. Problemas nas áreas do sexo, dinheiro e poder como sempre são os mais comuns. Além disso, a maioria das comunidades revela grande insensibilidade em relação aos problemas sociais enfrentados pelo país.
A doutrina reformada resulta inevitavelmente em uma ética individual e social de contornos bem definidos. Porque Jesus Cristo é o Senhor, todas as áreas da vida devem refletir o seu senhorio e a sua vontade. Em conexão com a sua ética, os reformados também têm uma visão missionária própria, que visa não somente anunciar as boas novas, mas fazer discípulos e reformar a sociedade, como aconteceu em Genebra e entre os puritanos.
Um ponto interessante nesse aspecto é a diferença de abordagem entre Lutero e Calvino em relação à lei. Enquanto que o reformador alemão tinha uma atitude um tanto negativa, vendo a lei apenas como algo que ressalta a pecaminosidade do ser humano e o impele em direção a Cristo, Calvino também reservava à lei um papel importante na vida dos redimidos, pois pela obediência à mesma o crente expressa a sua gratidão e consagração a Deus. Daí a centralidade da ética no pensamento reformado, como se vê, por exemplo, no Catecismo de Heidelberg, onde o ensino acerca dos Dez Mandamentos vem após a exposição do Credo Apostólico.
Nessas questões, Jonathan Edwards mais uma vez nos fornece uma grande contribuição, ao traçar a profunda ligação que existe entre ética e espiritualidade. Edwards não esconde a sua apreciação por uma espiritualidade fervorosa e intensa. Como Lloyd-Jones destaca, ele é o teólogo do avivamento, da experiência, do coração. Mas isso não significa que a experiência seja o critério da verdade. Significa apenas que o cristianismo tem de ser experimental e prático, não apenas racional e cognitivo. A norma suprema de fé e o critério pelo qual se deve aquilatar toda e qualquer experiência religiosa é sempre a Escritura. Seu critério básico para definir a questão é o mesmo que deve ser observado pela igreja contemporânea: verificar até que ponto Deus ocupa o lugar central da vida, do culto, das práticas e do testemunho. Além de advertir contra o mero emocionalismo, que excita as emoções, mas não produz transformações duradouras, Edwards também combate o erro de se dar ênfase não a Deus, mas às respostas humanas a Deus, algo tão comum nos nossos dias com toda a celebração do eu, a empolgação religiosa e os testemunhos auto-congratulatórios. Em última análise, o que determina se a conversão e a vida espiritual são genuínas ou não, são os seus frutos visíveis: convicção de pecado, seriedade nas coisas espirituais, preocupação com a glória de Deus, apego às Escrituras, mudança no comportamento ético, relações pessoais transformadas e influência regeneradora na comunidade (Fides Reformata III/1, 86).
Desvios da fé reformada encontrados em muitas de nossas igrejas:
1. Arminianismo (semi-pelagianismo): a eleição é com base na presciência de Deus; a obra do Espírito Santo pode ser resistida; o crente pode cair da graça. Linha histórica: Pelágio, Trento, Armínio, Wesley, Finney. As pregações evangelísticas de cunho arminiano põem toda a ênfase no ser humano, a importância da sua decisão, a eleição divina ficando totalmente em segundo plano. Daí os apelos insistentes, carregados de emocionalismo, como se tudo dependesse da pessoa, e não de Deus.
2. Pragmatismo: ênfase no que funciona, no que produz resultados, independente de considerações teológicas. Um bom exemplo disso é o movimento do crescimento da igreja. A preocupação em atrair as pessoas afeta todas as áreas, a começar do culto, que tem de ser agradável e atraente, para que as pessoas se sintam bem. A teologia reformada insiste em que o culto deve ser agradável a Deus, não necessariamente às pessoas. Muitas vezes é até preciso falar de coisas desagradáveis que as Escrituras ensinam e que as pessoas precisam ouvir.
3. Carismatismo: preocupação com manifestações e dons espetaculares, em detrimento de outros dons igualmente importantes para a saúde do corpo de Cristo. Pouca ênfase ao fruto do Espírito, justamente o conteúdo prático e ético da vida cristã. Tendência a assimilar sem avaliação crítica os modismos neo-pentecostais, tais como a teologia da prosperidade, batalha espiritual, confissão positiva, assim como uma linguagem inteiramente estranha às Escrituras e à nossa teologia: “eu repreendo isso ou aquilo”, “está amarrado em nome de Jesus”, “tal e tal bênção é direito nosso” (como se Deus fosse nosso servo e tivesse de obedecer as nossas ordens).
Conclusão
A maioria dos presbiterianos deseja uma espiritualidade mais profunda, um evangelismo mais incisivo, um culto mais vibrante. Podemos obter tudo isso sem abrirmos mão das nossas convicções reformadas, pois esses elementos estão implícitos nelas. Nestes dias conturbados, em que a nossa cultura assume formas cada vez mais distanciadas dos valores do reino de Deus, necessitamos pedir ao Senhor sabedoria e discernimento para dar testemunho da sua verdade com firmeza e convicção, não nos conformando com o presente século, mas transformando-nos pela renovação das nossas mentes.
Fonte: Mackenzie
Via: Teologia & Apologética
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