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O coração é uma fábrica de ídolos. - João Calvino
O homem se afasta daquele que o fez quando acima dele coloca o que ele próprio fez. - Agostinho
Geralmente, quando tratamos de idolatria, associamos de forma quase imediata o culto prestado as imagens feitas por homens, associamos tais cultos a religiões pagãs ou a um cristianismo corrompido, como o do Catolicismo Romano. Na verdade, têm importância a frase de Friedrich Nietzsche: “Há mais ídolos que realidades no mundo”.[i]
Como dizia Calvino, nosso coração é uma fábrica de ídolos. Na verdade, nosso comprometimento com o pecado é um ato de idolatria, ainda que não estejamos diante de um poste ídolo como nos tempos antigos, estamos prestando culto e obediência a um ídolo ou ídolos do nosso coração. A idolatria, sem sombra de dúvida, é o pecado mais presente em nossa vida, nos diz Timothy Keller:
Nossa sociedade atual não é fundamentalmente diferente dessas antigas culturas. Cada uma delas é dominada por seu próprio conjunto de ídolos. Cada uma tem o seu “sacerdócio”, seus totens e rituais. Cada uma delas tem seus templos – sejam eles torres empresariais, spas, academias, estúdios ou estádios – onde os sacrifícios têm de ser feitos para que as bênçãos da boa vida sejam obtidas e os desastres sejam evitados. Quais são os deuses da beleza, do poder, do dinheiro, e do sucesso, se não os assumiram proporções míticas em nossa vida individual e em nossa sociedade? Podemos não ajoelhar fisicamente diante de uma estátua de Afrodite, mas muitas jovens de hoje são levadas a depressão e disfunções alimentares por uma preocupação obsessiva com a imagem. Podemos não queimar incenso a Ártemis, mas, quando o dinheiro e a carreira são elevadas a proporções cósmicas, realizamos algo como um verdadeiro sacrifício de criança, negligenciando a família e a comunidade para conquistar um lugar mais elevado no mundo empresarial e angariar mais riqueza e prestigio.[ii]
Ao sondarmos nosso coração com as lentes das Sagradas Escrituras, é fato concluirmos que toda idolatria do coração é promovida por autocomiseração, hedonismo e egoísmo. Quando não realizamos algo para glória de Deus isso é um ato idolátrico, porque tem um propósito último que não é Deus. Quando o homem firma um compromisso consigo mesmo que exclui Deus de seu bem, satisfação e felicidade, ele está contido nas amarras da idolatria, seus ídolos são seus sonhos, seus prazeres, seus bens, seu dinheiro, seu sexo, sua beleza, seu ego, sua vaidade. Todo aquele que não vive para a glória de Deus é um idolatra.
Diante disso, precisamos identificar as causas e o que nos levam a idolatria, como isso se desenvolve em nosso coração e como combater os ídolos do nosso coração. Na verdade qualquer coisa em nossa vida pode se tornar fonte de idolatria, até mesmo bênçãos que Deus nos deu podem ser tornar um ídolo. O desejo de Deus é que nosso coração esteja nele e não nas coisas. O desejo de Deus é que desfrutemos de suas bênçãos com santo temor. Quando digo temor não digo que devemos ser restritos em nos alegrarmos com o que Deus nos dá, não é isso, mas, digo que devemos sondar as motivações dos nossos corações.
Ao lidarmos com isso é necessário que entendamos que, por motivos legítimos, podem-se gerar atitudes idolátricas, exemplo: o desejo sexual é um motivo legítimo para se fazer sexo, mas, como prescreve a Bíblia, apenas dentro do casamento. Sexo fora do casamento, seja ele adultério ou fornicação, e ainda, pornografia e masturbação, são distorções do plano de Deus para a sexualidade humana como fato legítimo. É um ato idolátrico. Onde o prazer exalta-se em detrimento da vontade de Deus prescrita nas Escrituras. Outro exemplo, alguém pode desejar um bom emprego e ganhar um bom salário, mas, qual o fim supremo desse desejo? Será ser uma pessoa reconhecida e famosa, ou venerada e prestigiada por sua boa condição financeira? Ou cuidar bem da família, ajudar os mais necessitados, usar seus talentos para abençoar outras pessoas? O motivo pode ser legítimo, mas qual o fim último do desejo? Se não é a glória de Deus, é pecado, é idolatria.
A idolatria, um ato cultual
Ao palmilharmos no Antigo Testamento veremos que muitas vezes o povo de Deus cometeu atos absurdos de idolatria, tais como; o bezerro de ouro (Êx 32.4) que foi feito quando Moisés subiu ao monte e os bezerros feitos por Jeroboão (2 Rs 10.29). Algo interessante mencionarmos com relação aos cultos, tanto de Israel, quanto dos povos que o circundavam, são alguns fatores relacionados a sua estrutura:
a) Um lugar sagrado
b) Preceitos e mandamentos
c) O sacerdócio
d) Os sacrifícios
De forma íntima todas essas questões também estão ligadas a idolatria do nosso coração. O lugar sagrado é o ambiente que eleva o ídolo, que o exalta, que o adora. Os preceitos nos dizem claramente que, ao sucumbirmos a idolatria, estamos seguindo algum tipo de preceituação que não é a Palavra de Deus, estamos seguindo falsos deuses, falsos ensinos. O sacerdócio nos fala daquele que conduz o culto, comumente somos nós mesmos, quando pecamos deliberadamente contra Deus, quando violamos seus mandamentos e como rebeldes insubordinados, dizemos com nossa atitude pecaminosa que Deus não nos é suficiente. Os sacrifícios são nossos atos, nossa oferta ao ídolo, nossa fidelidade ao pecado. Existem mais alguns fatores que precisamos listar.
A exigência de todo ídolo – amor, confiança e obediência
Todo ídolo requer do homem três coisas: Amor, confiança e obediência. Em muitas passagens a Bíblia usa de forma metafórica os modelos de comportamentos para com os ídolos, nós os amamos, confiamos e obedecemos. Um exemplo bíblico que podemos usar aqui em relação ao amor é a história descrita no livro do profeta Oseias, sua mulher dada à prostituição ilustra Israel que adulterou o relacionamento de aliança com YHWH. Os ídolos nos cativam em amor, um amor platônico, cego, vazio, enganoso, amor que não satisfaz e é aí que muitas vezes desabrocha o vício, seja ele nas drogas, sexo, pornografia, dinheiro, poder. O segundo fator é a confiança, exercemos “fé” ou algum tipo de segurança no ídolo, uma falsa certeza. O ídolo é enganoso. Mentiroso! Falso! O terceiro ponto é a obediência que está ligada ao que falamos acima, sobre preceitos e mandamentos que vão de encontro a vontade revelada de Deus nas Escrituras, essa obediência ao ídolo nos torna incrédulos para com Deus, não cremos na providência divina, mas, na força do braço, do homem, do sistema, isso é idolatria.
As amarras da idolatria – sexo, poder e dinheiro
Temos aqui os três ídolos modernos que ocupam os templos dos corações pós-modernos – Sexo, dinheiro e Poder. Como podemos ver, tais ídolos são presentes em nossa época de forma evidente, não preciso exemplificar muito aqui para que você saiba do que estou falando. Com base em que recursos as grandes indústrias investem em propaganda e marketing? Sexo, dinheiro e poder. Quais as chamadas de comerciais das cervejarias? Mulheres seminuas, saradas, sugestionando-se aos homens que assistem o comercial. O que alimenta a jogatina no nosso país? O desejo por dinheiro! O que alimenta o tráfico de drogas em nosso país? O Dinheiro! O que leva jovens universitárias virarem prostitutas de luxo? Dinheiro! Como disse o Apóstolo Paulo, o amor ao dinheiro é a raiz de todos os males. Veja bem, não é o dinheiro em si, mas o amor a ele. O motivo de buscar dinheiro é legítimo, precisamos de dinheiro, mas, os meios usados de forma apaixonada são manifestações idolátricas.
Por último fica o poder. O desejo de sobressair-se, de ser notório, poderoso, acima dos demais, concentrador de forças controladoras. Isso se manifesta em várias instâncias; no casamento, no namoro, na igreja, no trabalho, na convivência social. A questão aqui não é ter o poder, você pode ser um chefe na sua empresa, ou conseguir um doutorado, ou passar num concurso muito concorrido. A questão é o comportamento não condizente com o evangelho, que nos ensina a sermos humildes, pobres de espírito, reconhecendo que tudo que temos e somos é pela graça de Deus e não por simples mérito nosso, se conseguimos algo foi porque Deus nos dotou de capacidade. Ao nos portarmos de forma orgulhosa e soberba estamos cometendo idolatria, porque a soberba destrona a Deus e nos coloca no lugar que só cabe a ele.
O motivo da nossa existência
A primeira pergunta do Catecismo Menor de Westminster diz:
Qual é o fim principal do homem?
Resposta: O fim principal do homem é glorificar a Deus, e gozá-lo para sempre.
Para lutarmos contra os ídolos do nosso coração devemos seguir alguns conselhos das Escrituras.
Sonde o seu coração – "Examine-se, pois, o homem a si mesmo, e assim coma deste pão e beba deste cálice." 1 Coríntios 11.28
Peça a Deus que esquadrinhe suas intensões – "E vê se há em mim algum caminho mau, e guia-me pelo caminho eterno." Salmos 139.24
Onde está o seu maior prazer? – "Tenho desejado a tua salvação, ó Senhor; a tua lei é todo o meu prazer." Salmos 119.174
Quem são os seus conselheiros? – "Também os teus testemunhos são o meu prazer e os meus conselheiros." Salmos 119.24
A quem você está servindo? – "Ao Senhor teu Deus temerás; a ele servirás, e a ele te chegarás, e pelo seu nome jurarás." Deuteronômio 10.20
Conclusão
A vida cristã de fidelidade ao Senhor requer de nós uma adoração permanente, como dizia Spurgeon “Se somos fracos na nossa comunhão com Deus, somos fracos em tudo”. A idolatria é uma ameaça permanente ao povo da aliança, contanto nos vale a advertência bíblica.
"E serviram aos seus ídolos, que vieram a ser-lhes um laço". Salmos 106.36
Notas:
[1] Crepúsculo dos Ídolos, Friedrich Nietzsche.
[2] Deuses Falsos, Timothy Keller, ed. Thomas Nelson
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Imagem: “Adoração ao bezerro de ouro”, óleo sobre tela do século XVII, do pintor italiano Andrea di Lione. Arte: Blog Bereianos.
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