“Deus colocou a eternidade no coração do homem” (Eclesiastes 3.11).
Estatísticas recentes mostram que o Brasil continua sendo um país muito religioso. Embora crescente, o número de ateus e agnósticos não chega a ser significativo. Mas, quando a pesquisa é feita nas universidades, aumenta número de ateus e agnósticos, embora a predominância é de pessoas que professam crer em Deus. Um dos impactos destes números para a academia é este: uma grande parte de professores e alunos é religiosa. Num ambiente onde predomina o espírito científico, como é a academia, como se desenvolve a relação entre ciência e o cristianismo?
Há diversas maneiras de ver a relação entre ciência e cristianismo. O primeiro modelo é o do conflito. Este modelo, chamado de cientificismo, diz que a ciência moderna destruiu as reivindicações da teologia tradicional. Os pensadores cristãos antigos, muito frequentemente, invocavam a Deus como resposta para aquilo que a filosofia natural e a ciência não podiam ainda explicar, como Newton, que atribuiu a Deus as irregularidades nas órbitas dos planetas que não se encaixavam na sua teoria astronômica. O conflito ocorre, portanto, quando a ciência descobre uma explicação para aquilo que era antes atribuído a uma ação direta de Deus. Fica parecendo que a responsabilidade de Deus como governador do mundo fica diminuída mais e mais à medida que a ciência passa a explicar o sobrenatural e o misterioso.
Contudo, esta visão de Deus não é aquela do cristianismo reformado. O Deus da Bíblia não é um deus ex machinaa ser invocado quando alguém precisa de uma explicação para o incompreensível, mas Ele é a causa de todas as coisas. Tudo no mundo depende de Deus, regularidade e irregularidade.
O conflito entre ciência e cristianismo pode também provocar uma reação do lado de cristãos, que tomam uma atitude anti-intelectual. Aqui a ciência é vista como uma alternativa inferior, incompatível com o cristianismo, pois rejeita as ações de Deus e as considera como irrelevantes.
Num outro modelo, o da adaptação, o cristianismo tradicional é redefinido para se encaixar melhor nas mudanças no conhecimento científico. Neste modelo, a Bíblia é vista como uma coleção antiga de mitos e estórias piedosas que refletem a fé de Israel e dos cristãos primitivos. Um exemplo são as ideias de Pierre Teilhard de Chardin, teólogo católico. O problema com esta abordagem é que parte aprioristicamente da tese que a razão determina a realidade. Assim sendo, os elementos transcendentes do cristianismo são reduzidos, logo de partida, a mitos e lendas piedosos, visto que não se encaixam na visão de mundo adotada pelo racionalismo.
Outro modelo é o chamado de “nova síntese”. Ele defende uma transformação radical tanto da ciência quanto da teologia, possibilitando uma síntese entre ambos. Ele tem sido defendido por grupos ligados às religiões orientais, a Nova Era, Shirley McLaine e outros grupos minoritários. Esta combinação de pseudociência duvidosa e de uma heterodoxia pseudoteológica é um modelo inadequado para quem deseja levar tanto a ciência quanto o cristianismo a sério.
Há também o compartimentalismo. Este modelo entende que ciência e cristianismo estão tratando de dois campos completamente distintos. Eles nos dão diferentes informações sobre coisas diferentes e não há campo comum entre eles. A ciência não tem absolutamente nada a dizer ao cristianismo e o reverso também é verdade. E já que não têm nada em comum, um conflito entre eles é totalmente impossível. Esta perspectiva se inspira no dualismo kantiano que jogou a fé para o andar de cima, para longe do alcance da análise racional. Ele é insatisfatório, pois pensadores cristãos não gostam da ideia de que aquilo que creem é simplesmente um salto no escuro, ou que se refere a uma realidade distinta da nossa.
Um modelo mais aceitável é o do complementarismo. O modelo complementarista entende que as diferentes percepções da ciência e do cristianismo aplicam-se ao mesmo mundo e frequentemente aos mesmos eventos. A Natureza é vista como a revelação geral de Deus e a Bíblia como a revelação especial. A realidade é composta de níveis diferentes, cada um deles requerendo um modo diferente de explicação. Estas descrições diferentes se complementam e proporcionam uma percepção mais profunda do mundo.
A propriedade e relevância de cada uma destas percepções dependerão da pergunta feita, do contexto e da necessidade. Assim, uma resposta, numa certa altura, poderá ser mais apropriada que a outra.
Eu gostaria de sugerir que diante dos seguintes fatores, um modelo complementarista é o mais adequado e correto para uma universidade confessional e que tenha princípios cristãos. Primeiro, pelas estatísticas, que mostram que não podemos deixar a questão da religião e da fé – e especialmente do cristianismo – do lado de fora da academia. Segundo, pela relação histórica entre cristianismo e ciência moderna. Em várias postagens dessa série (Cristianismo e Universidade) mencionarei como o cristianismo contribuiu para o surgimento da ciência. E por fim, pelo fato que nenhuma abordagem isolada pode responder de forma completa às questões que os seres humanos geralmente fazem.
Postado por Augustus Nicodemus Lopes.
Sobre os autores:
Dr. Augustus Nicodemus (@augustuslopes) é atualmentepastor da Primeira Igreja Presbiteriana de Goiânia, vice-presidente do Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana doBrasil e presidente da Junta de Educação Teológica da IPB.
O Prof. Solano Portela prega e ensina na Igreja Presbiteriana de Santo Amaro, onde tem uma classe dominical, que aborda as doutrinas contidas na Confissão de Fé de Westminster.
O Dr. Mauro Meister (@mfmeister) iniciou a plantação daIgreja Presbiteriana da Barra Funda.
Fonte: O Tempora, O Mores
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