Nestes dias em que a Cristandade relembra o Sacrifício Supremo de Cristo na cruz, uma prática que tem se tornado cada vez mais comum (no sentido de ser vista em todo lugar) e cada vez mais sofisticada (no sentido de buscar o máximo de realismo possível) é a encenação do sacrifício, morte e ressurreição de Cristo. Igrejas evangélicas e católicas, companhias de teatro comprometidas ou não com a glória de Deus se superam em apresentar cada qual o seu “auto de páscoa”.
A princípio quero deixar bem claro que não estou aqui julgando as intenções de quem quer que seja, até mesmo porque conheço as minhas intenções, mas, não as de outrem. Quero tão somente chamar sua atenção para refletir sobre essa prática, a qual, mesmo cercada de boas intenções tornar-se um escárnio, um desrespeito ao sacrifício mais, santo, mais puro e supremo de todos os tempos, o único sacrifício que pode salvar o pecador e livrá-lo do seu pecado e da condenação eterna que o mesmo merece. Refiro-me ao sacrifício de Cristo.
Como podemos encenar o que Cristo passou ali na cruz? Como podemos descrever Sua dor, tanto física quanto espiritual? Como podemos descrever o significado das palavras: “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” ou “Está consumado”?
Certa vez ouvi alguém comentando sobre um desses autos de páscoa feito por uma determinada igreja o seguinte: “Este ano eles se superaram. O cara que fez Jesus na peça fez direitinho; foi muito real. Até parecia Jesus mesmo. Ficou igual àquele auto de páscoa que é feito pelos artistas da TV lá naquela cidade do Nordeste”. Um senso de justiça (e de raiva, para a minha tristeza) tomou meu coração neste instante. “Que ridículo!” exclamei, “como você pode dizer um absurdo desses? Como pode um ser humano pecador, um ator encenando ficar parecido com Jesus? Como você pode dizer um absurdo desses comparando o sacrifício de Cristo à encenação de atores promíscuos e pervertidos?” (referia-me àquele espetáculo boçal lá no Nordeste).
Perceba, caro leitor, a que ponto chegamos. Os evangélicos criticam os católicos com suas procissões, mas, quanta hipocrisia. Os católicos com suas procissões pelo menos fazem isso não como espetáculo, mas, como devoção (exceto quando também se rendem a essa prática nefasta dos “autos de páscoa” teatrais).
Alguém vai me dizer: “Mas, você é muito obtuso e retrógrado. Não vê quantas pessoas são alcançadas pelo Evangelho com esses autos de páscoa?”. E eu devolvo a pergunta: “Quantas dessas conversões permanecem? Quantas produzem frutos dignos de arrependimento e demonstram crescimento posterior?”. Certa feita, num desses autos de páscoa feitos aqui em São José dos Campos, o cara que fez o papel de Jesus na peça, no dia seguinte foi visto num boteco da cidade enchendo a cara de cerveja (detalhe: ele estava até com o mesmo visual hippie-cristianizado). Eu fico com o método de sempre: a pregação por meio da exposição bíblica tal como fizeram os apóstolos de Cristo.
Como podemos fazer teatro com o sacrifício mais sublime e mais terrível em se tratando de sofrimento? Como podemos dar um “realismo” àquilo que não compreendemos em sua profundidade? Ainda que uma companhia teatral conseguisse retratar o sofrimento físico de Cristo, não passaria de um mero teatro, e, se quisesse fazer algo real, com sangue sendo derramado de verdade, com açoites, socos, chutes, cusparadas, coroa de espinho de verdade, o insulto ainda seria maior, pois, pretensiosamente se quereria fazer “igual” a Cristo – que sacrifício pode ser comparado ao Dele? Mas, o que dizer dos tormentos que Cristo sentiu em Seu espírito? Poderíamos nós descrevê-lo? As Suas palavras: “Deus meu, Deus meu por que me desamparaste?” apontam para algo terrível que jamais compreenderemos. Naquele momento, diferentemente do que se pensa, Deus não estava dando as costas para Jesus porque não estava suportando ver aquela cena terrível em que Seu Filho santo estava morrendo na cruz. Não! Naquele momento Deus não voltou Suas costas para Jesus, mas, sim Seu olhar de fúria contra o nosso pecado que Cristo carregava sobre Si. A cruz era o lugar onde os pecados deveriam ser destruídos. Para destruí-los, Deus traspassou Jesus Cristo, tal como disse o profeta Isaías uns 700 anos antes de Cristo: “Mas ele foi traspassado pelas nossas transgressões e moído pelas nossas iniquidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados” (Is 53.5). Naquele momento na cruz, Cristo suportou a ira de Deus, da qual ninguém poderia livrá-Lo, nem mesmo o próprio Deus porque tinha de ser assim. Ali na cruz, Cristo sofreu as dores do inferno de cada um dos Seus eleitos, ou seja, as dores que sentiríamos eternamente no inferno, Cristo as sentiu e sofreu por nós ali na cruz. Você tem ideia da intensidade dessa dor? Nenhum ser humano tem e por isso mesmo, ninguém pode descrevê-la.
Em respeito ao sacrifício supremo de Cristo, por amor ao Seu amor por mim, não participo, não concordo, não apoio esses autos de páscoa.
Um dia desses numa aula de EBD entramos neste assunto. Uma senhora, membro da nossa igreja (não citarei seu nome pois não tenho sua permissão) fez um comentário que simplesmente fechou o assunto. Ela disse em tom de pergunta: “Pastor, será que as pessoas teriam coragem de fazer teatro com a morte de um ente querido?” e ela mesma respondeu: “Creio que não”. Neste momento lembrei-me do falecimento do meu papai. Deus concedeu aos meus dois irmãos, minhas cunhadas e a mim a oportunidade de estar ao lado do papai no exato momento de sua morte. Sua passagem para a Jerusalém Celestial foi algo lindo e inspirador. Se Deus tivesse me dado a oportunidade de escolher um jeito de morrer, eu certamente queria morrer como o meu papai. Mas, jamais teria coragem de fazer um teatro narrando a sua morte, muito menos ainda teria coragem de fazer um teatro com a morte de Jesus (infelizmente, nos tempos da minha ignorância e infantilidade espiritual até já o fiz, mas, me arrependo amargamente de te-lo feito).
Não espero que você mude de opinião se você não concordo com nada do que eu disse. Tão-somente quero que você pense um pouco: você levaria numa boa alguém fazendo um teatro ou algo parecido com aquele momento de maior sofrimento pelo qual você um dia passou?
Não permita que em nome da sinceridade, da boa intenção em evangelizar, o sacrifício supremo de Cristo se torne um espetáculo carnal. Hoje, a Igreja de Cristo tem a Ceia do Senhor para fazer com que os filhos de Deus celebrem e relembrem o sacrifício de Cristo. Eles não precisam de uma data específica no calendário para isso; basta-lhes serem zelosos em participar da Ceia do Senhor.
Na verdade em amor,
Rev. Olivar Alves Pereira
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Sobre o autor: Olivar Alves Pereira é pastor da Igreja Presbiteriana do Brasil, Teólogo, Mestre em Ciências da Religião pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, professor de Teologia Sistemática, Teologia Contemporânea, Ética e História Bíblica, História e Teologia da Igreja, Educação Cristã e Teologia Sistemática, Sociologia e Ensino Religioso em seminários e escolas na região do Vale do Paraíba, também escreveu lições para a revista de EBD para os adultos da Editora Cristã Evangélica. É associado à Associação Brasileira de Conselheiros Bíblicos - ABCB. Na Política sou de Direita Conservadora.
Fonte: Noutesia
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