quinta-feira, 3 de maio de 2012

À IMAGEM DO DEUS TRABALHADOR



Recentemente li “As boas-novas da criação”, um livro ainda inédito de Juan Stam. O autor é claro em sua linguagem, profundamente bíblico em seu argumento e convincente em sua tese. Recomendo-o com bastante entusiasmo.
 
A tese central do livro é que os propósitos de Deus (lê-se “missão”) no que nos tange, envolvem toda a criação desde o início até a sua renovação. Sendo assim a missão do povo de Deus (centralmente a tarefa de evangelismo) somente pode ser compreendida diante do pano de fundo maior dos desígnios redentivos de Deus para toda a criação. Em outras palavras, a “missão” socioambiental anda de mãos dadas com a missão evangelística, pelo menos na perspectiva bíblica, e isto desde o início até o final das Escrituras.
 
Certa altura e como parte do seu argumento maior, Stam faz referência às vezes que a Bíblia descreve Deus como trabalhador. São muitas. Começa com Gênesis 2-3 onde Deus “formou” (yatsar) Adão, “semeou” (natac) o jardim e “construiu (banah) Eva do osso de Adão. Assim Deus assume os ofícios de oleiro, escultor (veja também Is 45.9; 64.8), agricultor e carpinteiro. Mas os exemplos não param em Gênesis. Ao longo das Escrituras, além da linguagem militar (Deus Guerreiro, Deus dos Exércitos...), e da linguagem familiar (Deus Pai, o seu cuidado maternal...), Deus é descrito com a linguagem do mercado e da roça. É o Deus trabalhador. Até mesmo o sétimo dia, quando Deus viu tudo que criou e o declarou “bom, muito bom” e ele então “descansou” de tudo que criou, não reverte o padrão anterior de trabalho. Ao invés de lazer e relaxamento, o “descanso” representa uma outra ação ou “obra” acima das outras obras, a obra de realeza e de governo. O Deus Criador é também o Soberano acima de tudo e que governa tudo. Mas nem por isso para de trabalhar. A Bíblia continua a descrever o seu papel de trabalhador. Ele “estende os céus como cortina” e monta a sua barraca (Is 40.22; Zc 12.1; Jó 37.18). Ele constrói o mundo sobre colunas como um arquiteto ou pedreiro (1 Sm 2.8; Sl 93.1s; 96.10; 104.3). Sua é a vocação de tecelão (Jó 10.11; Sl 139.13, 15) e de parteira (Sl 90.2; Jó 15.7; Rm 8.22).
 
O fascinante é que os mesmos verbos que descrevem a vocação “material” de Deus descrevem também a sua ação de salvação (Is 43.21; 44.1s, 24; Jr 2.21; 11.17; 31.28; 2 Sm 7.27; Sl 89.3; 102.16s; 147.2). Isto sugere que o trabalho em si não é exercício meramente utilitário ou econômico. O trabalho também contribui para os desígnios salvíficos de Deus. Você terá que ler o livro de Juan Stam para ver como ele desenvolve esta parte do seu argumento, mas acho que já identificou um aspecto importante e antes negligenciado da teologia bíblica de missão. E se for correto (leia e julgue), isto tem implicações para a maneira como nós, criados à imagem e semelhança, concebemos e exercitamos os nossos diversos empregos. Trabalhar é contribuir escatologicamente para o projeto de salvação que envolve o mundo inteiro.
 
Vou parar por aí, no nível só de sugestão e não de “prova”, para a sua consideração orante. Depois leia o livro e considere com mais embasamento bíblico ainda. E assim, pense novamente a respeito da vocação para a qual Deus te chamou. E peça a Deus que você possa contribuir mais ainda para o plano divino de salvação até que se revelem novo céu e nova terra.


É teólogo, missionário da Igreja Presbiteriana Independente, capelão d’A Rocha Brasil e surfista nas horas vagas. Pela Ultimato, é autor de A Visão Missionária na Bíblia eTrabalho, Descanso e Dinheiro.

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