Deus deseja que a Sua igreja seja saudável e, por isso, “…nos escolheu nele antes da criação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis em sua presença” (Ef. 1.4).
Diante desse versículo, a motivação para a revitalização de igrejas enfraquecidas não é desenvolver um programa eclesiástico ou efetivar o plano de crescimento proposto pela liderança, mas perseguir o expresso desejo de Deus: ver a Sua igreja fortalecida em Cristo Jesus. A Sua vontade é que sejamos santos e irrepreensíveis e, assim, Ele trabalha dia e noite para que isto aconteça.
De certa forma, revitalização de igrejas é um processo que responde à seguinte pergunta: quais são os cenários de enfraquecimento da igreja local e como tratá-los? Neste capítulo, abordarei essas duas facetas. Primeiramente refletirei sobre os cenários de adoecimento e, logo depois, as propostas bíblicas de abordagem e cura.
1. Cenários de adoecimento
É importante observarmos que diferentes igrejas adoecem de diferentes formas. Em Apocalipse 2, vemos a descrição de Deus sobre algumas igrejas. A igreja em Éfeso possuía uma doutrina sólida, mas perdeu seu primeiro amor. O problema era a sua relação pessoal com Deus (Ap 2.2-6).
A igreja em Pérgamo era fiel e perseverante, mesmo na perseguição, mas possuía problemas doutrinários – seguindo a doutrina de Balaão (idolatria e prostituição). Sua fraqueza era a falta de pureza (Ap 2.13-16). A igreja em Tiatira era fiel no serviço, amor e fé, mas se deixou conduzir por falsas profecias e falsas revelações. O adoecimento corrompeu seu discernimento (Ap 2.19-24).
Também em nossos dias, diferentes igrejas enfrentam diferentes adoecimentos. Há igrejas cujo ponto de fraqueza é a rasa exposição da Palavra nos momentos de culto. Outras, mesmo com rico ensino bíblico, experimentam divisões e problemas de comunhão que carecem de uma intervenção pastoral mais específica.
Há aquelas que compreendem bem a Palavra, mas não a aplicam em casa, no trabalho e na vida. Outras que não compreendem bem a Palavra e inserem em seu meio valores sincréticos e mundanos. Algumas possuem um bom conhecimento bíblico sobre a igreja, mas não sobre a missão, o que faz com que percam o privilégio de ser sal que salga e luz que brilha. Há igrejas que são bíblicas, vivas e missionárias, mas não têm conseguido comunicar a verdade do evangelho aos seus próprios filhos, à nova geração.
Há igrejas totalmente dissociadas do bairro e da cidade onde se encontram, a ponto de poucos saberem de sua existência. E ainda outras se misturam com a sociedade a ponto de perder a sua própria identidade cristã, tornando-se mais influenciadas do que influenciadoras. Também existem igrejas movidas por eventos que, na ausência desses, desconstroem-se. Outras são a tal ponto centralizadas no pastor, e não em Cristo, que na ausência do ministro, a igreja se quebra.
Anos atrás visitei uma igreja Metodista em Toronto, Canadá. Era um lindíssimo templo, mas fui informado que estava a venda, pois a igreja havia morrido. Cerca de 30 anos antes aquela era uma congregação viva com quase 3.000 membros. Passou a ser pastoreada por um ministro que relativizava a singularidade do sacrifício de Cristo e que se opunha à evangelização. Em menos de 3 décadas a igreja se arrastava com sérios problemas doutrinários e de vivência cristã, contando com menos de 50 membros.
2. Identificando as fraquezas
Em um processo de revitalização de igrejas é crucial identificar as fraquezas, bem como as razões do adoecimento. O apóstolo Paulo encorajou, exortou, confrontou e também orientou igrejas locais, tanto pessoalmente, quanto por mensageiros, e ainda por meio de suas cartas, partindo do conhecimento ou discernimento do estado espiritual dos cristãos. Isso indica a necessidade de observação, oração e vivência com a igreja, a fim de colaborar para o seu crescimento em Cristo Jesus. Tenho percebido que a ausência de uma avaliação mais metódica da vitalidade da igreja local tem sido um dos principais obstáculos à sua revitalização.
Há diferentes formas de se avaliar a vitalidade de uma igreja local.[1] Identifico três mais evidentes na Palavra. A primeira avalia a presença de elementos bíblicos que definem a natureza da igreja, sobretudo os citados no livro de Atos: centralidade na Palavra, vida de oração, comunhão entre os irmãos, testemunho de vida, dedicada diaconia, verdadeiro culto a Deus e proclamação do evangelho (At 2.37-42; At 4.21-24; At 8.1-8; At 13.1-3).
A segunda avalia a vitalidade de uma igreja local a partir da vitalidade espiritual de seus membros, levando-se em consideração especialmente alguns ensinos de Paulo: firmeza na fé (1Co 16.13; Cl 2.5), união entre os irmãos (Rm 12.5; Ef 4.16), saúde familiar (Ef 5.33; 1Tm 3.12; Cl 3.20), culto público (Rm 12.1-2; 1Co 11.18-34) e prática missionária (Rm 15.20-21; Cl 1.28; 1Ts 1.5; Fp 2.25).
A terceira avalia a vitalidade organizacional em áreas como liderança, ordem de culto, mordomia e crescimento (1Tm 3; Rm 12; 1Co 14.26-40; Ml 3.8-12; Pv 3.9; Ef 4.28; At 2.47).
Portanto, entendo que a avaliação de uma igreja local, em busca de um diagnóstico de vitalidade, deve passar por critérios bíblicos e eclesiológicos que envolvam a natureza da igreja, a saúde espiritual de seus membros e a vitalidade organizacional.
Uma outra forma de avaliação seria identificar a presença ou ausência das práticas cristãs mais destacadas nas cartas paulinas e nos evangelhos. Há sete práticas repetidamente associadas à vitalidade espiritual: Palavra (leitura e meditação na Palavra de Deus); adoração (individual e coletiva; privada e pública); comunhão (andar com aqueles que amam e seguem a Cristo); oração (vida de diálogo com o Pai em nome do Filho); santidade (intensa e intencional busca por uma vida pura que agrada a Deus); boas obras (sofrer com quem sofre e abraçar o aflito e necessitado); e evangelização (proclamar quem é Jesus e o que Ele fez por nós).
Portanto, a Palavra, adoração, comunhão, oração, santidade, boas obras e evangelização apontam para uma vida cristã fortalecida em Cristo. Identificar a presença ou ausência dessas práticas na vida diária de uma igreja local é um bom exercício de avaliação de sua vitalidade. E sugiro que esse processo seja iniciado a partir da liderança da igreja.
3. O processo de revitalização
Ao observarmos a abordagem de Paulo perante igrejas enfraquecidas e doentes, três atitudes eram constantes: a) Paulo orava e convidava o povo a orar; b) ele ensinava a Palavra confrontando o pecado e consolando o povo; e c) também pastoreava e acompanhava os cristãos, enviando outros a fazerem o mesmo.
Portanto, creio que esse tripé representa, em boa medida, a abordagem de revitalização do apóstolo Paulo: oração, ensino e pastoreio. Logo, há de se destacar que um resultado direto de uma igreja revitalizada (ou em processo de revitalização) era a missão, tendo em vista que há uma profunda conexão entre a vitalidade espiritual e a missão. Quanto mais firmes estamos em Cristo, maior é o nosso envolvimento no propósito de Deus para a Sua igreja perante o mundo.
Como um brevíssimo estudo de caso, proponho observarmos uma enfermidade na igreja de Corinto e a abordagem do apóstolo Paulo.
Deve-se ressaltar, inicialmente, que a cidade de Corinto era uma importante cidade comercial na Grécia e em todo o mundo antigo. Os portos da cidade recebiam centenas de barcos com milhares de marinheiros a cada ano, além da cidade ser também conhecida por uma diversa religiosidade, abrigando 12 templos. A deusa Afrodite, principal divindade adorada, contava com cerca de mil sacerdotisas que se prostituíam para, com o dinheiro ganho, manter o templo e o culto. Aparentemente, boa parte do misticismo e clientelismo reinantes na cidade influenciava a igreja que ali nascera.
Enquanto em Éfeso, Paulo foi informado sobre sérios problemas na igreja em Corinto. Escreveu a primeira carta para abordar e tratar esses problemas em um processo de revitalização. Ele orou pela igreja (1 Co 1.4), ensinou a igreja por meio de suas cartas e a pastoreou, desejando vê-los (1 Co 16.5-7) e enviando Timóteo para acompanhá-los (1 Co 4.17, 16.10-11)
Paulo foi informado que havia na igreja grupinhos, divisões, e que tais grupos chegaram a se posicionar uns contra os outros abertamente. Essa é uma enfermidade que não apenas abate a igreja, mas possui alto potencial para expandir e corromper toda a comunidade.
Paulo teve conhecimento de todas as divisões, preocupando-se com o conflito interno e denunciando aqueles que diziam “sou de Paulo” ou “sou de Apolo” (1 Co 1.10-12). E perguntou “Acaso Cristo está dividido? Foi Paulo crucificado em favor de vocês? Foram vocês batizados em nome de Paulo?” (1 Co 1.13). Como parte do ensino e pastoreio, o apóstolo, após questionar e confrontar a igreja, conclui: “Quem se gloriar, glorie-se no Senhor” (1 Co 1.31)
Nessa passagem, vemos que Paulo identificou a desunião na igreja, a qual se baseava na preferência por lideranças. Identificar o adoecimento é essencial tanto para a oração, quanto para o ensino e pastoreio.
Divisões internas, competitividade e partidarismo geram pelo menos quatro manifestações nocivas: enfraquecem a fé dos salvos em Cristo Jesus; drenam as forças e energias da liderança da igreja; escandalizam o povo de Deus, especialmente os novos na fé; e levam a igreja a se desinteressar pela missão. (1 Co 3.1-9)
Na tríade oração, ensino e pastoreio, a proposta de Paulo para curar a enfermidade das divisões e partidarismo é o chamamento da igreja à centralidade de Cristo como líder, Cabeça da igreja.
Entretanto, a enfermidade da desunião não se manifestava apenas na divisão de grupos com suas preferências de liderança, mas também na inveja e competitividade quanto aos dons espirituais. Havia pessoas com dons mais visíveis e proeminentes na igreja (como o ensino, a pregação e a liderança) e outros com dons e trabalhos com menos destaque. E aparentemente dois problemas surgiram: alguns, com dons mais visíveis e públicos, se tornaram soberbos, colocando-se como superiores aos outros, em detrimento de outros irmãos com dons menos visíveis e públicos, que invejavam os demais ou se sentiam inferiorizados. São problemas sérios: competição interna na igreja; comparação entre dons e talentos; falta de humildade e contentamento.
Paulo mantém o tripé da oração, ensino e pastoreio e, no capítulo 12, afirma que os dons são diversos, mas o Espírito é o mesmo (v.4); o serviço é diverso, mas o Senhor é o mesmo (v.5); e as formas de trabalhar são diferentes, mas é o Senhor quem opera tudo em todos (v.6). Ensina, assim, que cada um recebe algo de Deus de forma única, não importando ter mais ou menos destaque, e que tudo que se tem e se faz é para o Senhor, pela graça e poder do Senhor.
Também enfatiza que o Espírito se manifesta como deseja para um fim proveitoso para o Reino de Deus (v.7); somos todos parte do Corpo (se todos quisessem ser olhos, não houvesse ouvidos, como seria?); e foi o próprio Deus quem dispôs os membros, colocando cada um no corpo como lhe aprouve (v.16-18).
4. Qual é o seu papel?
Se você está envolvido com um processo de revitalização de igreja local faço algumas sugestões.
Primeiramente, busque em Deus humildade de coração e um espírito profundamente submisso a Cristo. Envolver-se em um processo de revitalização, sobretudo ao observar a fraqueza e adoecimento alheios, pode corromper o coração levando-o a julgar, criticar e condenar. Lembre-se que todos os salvos são igualados pelo pecado, pois “todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus” (Rm 3.23) e “… vocês são salvos pela graça, por meio da fé, e isto não vem de vocês, é dom de Deus” (Ef. 2.8). Somos salvos por Ele e para Ele. Um alerta: envolver-se com a revitalização de uma igreja local com o coração tomado pela soberba ou crítica é delapidar a própria fé e tornar-se uma pedra de tropeço para aqueles que já estão fracos.
Em segundo lugar, busque sabedoria e discernimento de Deus e inicie um processo de identificação das fraquezas e motivos de adoecimento da igreja local. Seja humilde, rejeite qualquer espírito crítico, observe, converse e informe-se. Faça um registro dos pontos fortes e fracos da igreja local que se tornam perceptíveis de forma detalhada. O objetivo neste primeiro passo é conhecer a enfermidade. E lembre-se que identificar os pontos fortes é igualmente importante. Os pontos fortes devem ser valorizados para continuarem a florescer. Já os pontos fracos, precisam ser tratados com amor, na Palavra e dependência de Deus.
Em terceiro lugar, envolva-se e promova o tripé da revitalização: oração, ensino e pastoreio. Ore e convide outros a orar. Ensine ou promova o ensino saudável, amoroso e fiel da Palavra. Pastoreie ou promova o pastoreio e aconselhamento cristão.
Em alguns ambientes, caberá um planejamento detalhado. Em situações assim, sugiro que cinco perguntas sejam respondidas nesse planejamento. A primeira é “qual a fraqueza?”. Liste os principais pontos fracos que devem urgentemente ser fortalecidos. A segunda: “o que deve ser feito?”. Ao lado de cada fraqueza identificada registre as ações que visam tratar e curar, tendo em mente a oração, o ensino e o pastoreio. Em terceiro lugar, “quem fará?”. Cada ação precisa ter um promotor ou responsável. A quarta pergunta é “quando será feito?”. Indica-se, portanto, tanto o prazo quanto a periodicidade. E por fim, “qual o resultado esperado?”. Em outras palavras, o que se espera que aconteça?
Um dos mais lindos resultados de uma igreja fortalecida em Cristo é a missão. Este é um sintoma de vitalidade. Uma igreja fortalecida prega a Palavra, atende aos desafios missionários e se apresenta na sociedade como sal que salga e luz que brilha. Uma igreja fortalecida tem um profundo desejo de fazer Cristo conhecido em todo o mundo.
É importante lembrar que, a rigor, não há plantadores ou revitalizadores de igreja, pois é o próprio Deus quem faz nascer e fortalece uma igreja local. Para isso, Ele também convoca alguns servos para se envolverem com uma intencional busca por vitalidade teológica, espiritual e missionária dos salvos em Cristo. Esses não são chamados para mostrar o caminho da revitalização, mas para percorrer essa estrada juntamente com o povo de Deus. Assim, em todo esse processo, creio que Deus está simplesmente em busca de um coração quebrantado.
[1] Veja Lidório, Ronaldo. Revitalização de igrejas – avaliando a vitalidade de igrejas locais. São Paulo: Vida Nova, 2017.
Sobre o autor
Ronaldo Lidorio é pastor presbiteriano e missionário ligado à APMT e WEC Internacional.
É doutor em Teologia pela SATS e plantador de igrejas entre povos indígenas.
Contato com o autor: ronaldo@lidorio.com.br