terça-feira, 14 de novembro de 2017

CRISTIANISMO E UNIVERSIDADE (5)

 Um Apelo em Favor da Verdade


Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” (João 8.32).
A busca da verdade e sua divulgação é sem dúvida um dos objetivos de toda instituição de ensino, e muito mais daquelas instituições que se declaram confessionais. Todavia, nossa época entrará para a história do mundo como aquela em que a tentativa de relativização da verdade foi feita em todos os âmbitos da vida, deste a questão dos valores morais até aqueles considerados mais subjetivos, como os conceitos religiosos.
Nem sempre as pessoas pensaram de maneira relativista. Não faz muitas décadas, era possível se dizer a uma adolescente de 16 anos “Comporte-se”, e ela saberia perfeitamente o que aquilo queria dizer. A chegada da assim chamada pós-modernidade colocou em questão não somente a existência da verdade, como também a possibilidade de conhecê-la e, mais ainda, a necessidade para isso. E para muitos, podemos acrescentar que falta o desejo de conhecer a verdade. 

Todavia, percebe-se uma grande incoerência e hipocrisia em nossa sociedade quando clama pela verdade, luta pela verdade, naquilo que lhe interessa, e quando chega às questões morais, espirituais e religiosas, as pessoas são possuídas subitamente por um espírito de relativismo que se recusa a ser exorcizado a não ser mediante forte persuasão. 

Todos nós demandamos a verdade em todas as áreas da vida. Queremos que a esposa, o marido e os filhos nos digam a verdade, queremos que o médico nos diga a verdade, queremos que os corretores da bolsa de valores onde aplicamos o nosso dinheiro nos digam a verdade quando nos recomendam as ações nas quais aplicar, queremos que o juízes e os árbitros façam um trabalho correto e verdadeiro, queremos que os nossos empregadores sejam verdadeiros e nos paguem com justiça, queremos que o noticiário, a mídia, e a imprensa sempre nos digam a verdade, bem como os rótulos de remédios e as sinalizações nas estradas e rodovias. 

Quando desconfiamos que a verdade nos esteja sendo negada, ficamos indignados, sentimo-nos traídos, e também que os nossos direitos como cidadãos nos foram tirados. Consideramos a falsidade, a mentira, o faltar com a verdade, como sendo crimes, e a mentira até foi incluída na lista dos sete pecados capitais da hamartologia católica. 

Quando demandamos que as pessoas nos digam a verdade, estamos pressupondo que a verdade existe, que é possível de ser reconhecida, e que é válida para todos. Todavia, quando chegamos aos labores acadêmicos, quando assumimos nossa identidade de intelectuais, às vezes cometemos uma grande incoerência, quando passamos não somente a aceitar, mas também a ensinar que a verdade não existe, que ela é relativa, que não existem verdades absolutas, especialmente no campo da moral e da espiritualidade. Até quando dizemos: “não existe verdade!” queremos que as pessoas recebam essa declaração como verdadeira! E quando dizemos que tudo é relativo, ficaremos bravos se alguém considerar essa declaração como sendo também relativa.

Por que exigimos verdade em tudo, exceto na moralidade e naquilo que é transcendente? Por que relativizamos a verdade quando estamos falando sobre moralidade e religião, mas nunca pensamos em fazê-lo quando estamos falando com um corretor de ações da bolsa de valores sobre o nosso dinheiro ou com médicos sobre a nossa saúde? 

Sobre isso, gostaria de citar neste contexto alguns pontos sobre a verdade que Norman Geisler chama de “As verdades sobre a verdade”, em sua obra Não Tenho Fé Suficiente Para Ser Ateu (p.38). São eles:

1) A verdade é descoberta e não inventada. Ela existe independentemente do conhecimento que uma pessoa tenha dela. Por exemplo, a lei da gravidade já existia antes de Newton. 

2) A verdade é transcultural. Se alguma coisa é verdadeira, então é verdadeira para todas as pessoas, em todos os lugares, em todas as épocas, como por exemplo, o resultado de 2 + 2. 

3) A verdade é imutável, embora a nossa crença sobre ela possa mudar, como por exemplo, quando passamos a acreditar que a terra era redonda em vez de plana. A verdade sobre a terra não mudou. O que mudou foi nossa crença sobre a forma da terra. 

4) As crenças das pessoas não podem mudar a verdade, por mais honestas e sérias que sejam. E nem a verdade é afetada pela atitude de quem a professa ou de quem a nega. 

5) Todas as verdades são verdades absolutas, embora pareçam relativas. Por exemplo, “Eu, Pedro, senti muito calor hoje”. Embora a sensação de calor de Pedro seja relativa, permanece verdadeiro em todo lugar do planeta que no dia de hoje ele sentiu o calor.

6) A verdade permanece a mesma, o que é relativo é a nossa percepção dela. Contudo, mesmo a relatividade da percepção é menor do que geralmente se pensa, pois as pessoas costumam perceber a realidade e a verdade de uma maneira muito mais unânime e comum do que nos querem fazer acreditar. 

Minha palavra aqui, portanto, é em defesa da verdade, da coerência, da consistência. Formadores de opinião são responsáveis por manifestar coerência em todos os departamentos da vida e da conduta. Se exigimos verdade dos outros, assumamos o que está implícito: a existência da verdade, a possibilidade de que ela seja conhecida, e a sua necessidade, para que possamos viver relacionamentos verdadeiros, no mundo verdadeiro, para que sejamos pessoas verdadeiras e livres, pois como disse Jesus, “A verdade vos libertará”.

E se alguém fizer a famosa pergunta de Pilatos a Jesus, "o que é a verdade," espero que não faça como Pilatos, que virou as costas e se afastou de Jesus, antes que esse pudesse responder. Se Pilatos tivesse ficado, teria ouvido: "EU sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai senão por mim" (Jo 14:6).  
Augustus Nicodemus Lopes

Postado por Augustus Nicodemus Lopes.

Sobre os autores:
Dr. Augustus Nicodemus (@augustuslopes) é atualmentepastor da Primeira Igreja Presbiteriana de Goiânia, vice-presidente do Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana doBrasil e presidente da Junta de Educação Teológica da IPB.
O Prof. Solano Portela prega e ensina na Igreja Presbiteriana de Santo Amaro, onde tem uma classe dominical, que aborda as doutrinas contidas na Confissão de Fé de Westminster.
O Dr. Mauro Meister (@mfmeister) iniciou a plantação daIgreja Presbiteriana da Barra Funda.
Fonte: O Tempora, O Mores
http://tempora-mores.blogspot.com.br/2017/11/cristianismo-e-universidade-5-um.html

CRISTIANISMO E UNIVERSIDADE (4)

BÍBLIAS NA UNIVERSIDADE?

Em 2011 um dos grandes jornais de São Paulo publicou uma matéria intitulada “A Bíblia do Mackenzie,” onde o articulista comentava a entrega da Bíblia do Mackenzie pelos capelães aos calouros. A prática é antiga na Universidade e ganhou publicidade apenas mais recentemente. Este mesmo jornal noticiou um fato curioso sobre o Nobel Orhan Pamuk, que em dezembro do ano passado falou aos estudantes do Mackenzie e recebeu de presente uma Bíblia Mackenzie trilíngue. No caminho para o aeroporto, Dr. Pamuk, que se declara ateu, deu a Bíblia de presente ao taxista que o atendeu. O fato, considerado curioso, foi divulgado nas mídias sociais.
Por que o Mackenzie entrega Bíblias a nossos alunos e convidados? A razão é simples. Para nós, cristãos em geral e presbiterianos em particular, a Bíblia não é um livro comum, mas a própria Palavra de Deus. É nela que encontramos a revelação exclusiva que Deus faz de si mesmo e dos planos e propósitos que Ele tem para a humanidade. Portanto, para nós, não há livro mais importante do que ela. Assim, ao presentearmos nossos alunos e nossos convidados com uma Bíblia, estamos demonstrando nosso mais profundo apreço por eles, pois estamos passando às suas mãos nosso mais valioso tesouro.
É importante observar que não adoramos ou reverenciamos a Bíblia, como se fosse objeto de culto. Através da história do mundo governos hostis ao cristianismo queimaram milhões de cópias da Bíblia em praça pública sem que os cristãos tenham reagido com violência ou promovido levantes e motins. Pois para nós o valor da Bíblia não está em suas páginas impressas, mas na mensagem divina ali contida.
É na Bíblia que encontramos os fundamentos da visão de mundo que permitiu que pesquisadores e filósofos cristãos lançassem a base da ciência moderna e fizessem descobertas que avançaram nosso conhecimento do mundo. Uma olhada ainda que breve na história da ciência revelará que entre os cientistas cujas pesquisas deram origem a diversos ramos da moderna ciência estão aqueles que viam a Bíblia como a revelação de Deus, ao lado da natureza. Para eles Deus havia se revelado nas coisas criadas, que eles chamavam de “o livro da natureza” e também na Bíblia, que seria sua revelação particular e especial à humanidade. Como tanto a natureza como a Bíblia procediam de Deus, não haveria entre estes dois “livros” qualquer contradição inerente. É claro que eles tinham consciência de que a linguagem da Bíblia não é científica, mas meramente descritiva dos fenômenos naturais da perspectiva de um observador comum. A maior parte destes cientistas via a Bíblia e a natureza como fontes do conhecimento de Deus, as quais se complementavam para nos dar um entendimento mais completo de Deus, do mundo e da humanidade.
Não podemos deixar de notar aqui a influência sobre alguns destes cientistas da maneira como João Calvino via a Bíblia em questões relacionadas com as controvérsias científicas que já haviam em seus dias. Refiro-me especialmente à tese de Copérnico, que a Terra se movia em torno do sol, e que estava ganhando grande aceitação. Curiosamente, a Igreja Católica, que geralmente tinha uma interpretação alegórica das palavras da Bíblia, aqui preferiu seguir uma interpretação literal dos textos bíblicos que falavam sobre o movimento do sol em torno da terra (Josué 10.13; Salmo 19.6; etc.) Na Contra-Reforma, o cardeal jesuíta Roberto Belarmino (1615) rebateu um monge carmelita que sustentava, como Galileu, a teoria do movimento da terra. Belarmino argumentou que os Pais da Igreja entendiam as passagens bíblicas sobre o movimento do sol em torno da Terra no sentido literal. Para ele, isto era matéria de fé, pois quem negava estes textos era tão herético como quem negava que Jesus nasceu de uma virgem. E esta foi a posição da Igreja Católica.
Em oposição a esta interpretação literalista, Calvino, mesmo seguindo o sistema astronômico prevalente na época (geocêntrico), entendia que a diferença entre os autores bíblicos e os astrônomos era que, em sua opinião, os primeiros escreveram de maneira popular, descrevendo as aparências, aquilo que pessoas de bom-senso fossem capazes de compreender, sem usar aquela linguagem e descrições científicas que os astrônomos usam em suas pesquisas. Ou seja, Calvino não entendia literalmente tais passagens bíblicas, preferindo ver nelas uma acomodação do Espírito Santo ao entendimento popular. Esta teoria da acomodação de Calvino influenciou grandemente astrônomos seguidores de Copérnico, nos países protestantes, como Edward Wright e provavelmente Johannes Kepler.

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Por fim, faz parte de visão confessional de educação que os alunos tenham conhecimento da Bíblia e da sua mensagem. Faz bem à mente e ao coração.
Augustus Nicodemus Lopes

Postado por Augustus Nicodemus Lopes.

Sobre os autores:
Dr. Augustus Nicodemus (@augustuslopes) é atualmentepastor da Primeira Igreja Presbiteriana de Goiânia, vice-presidente do Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana doBrasil e presidente da Junta de Educação Teológica da IPB.
O Prof. Solano Portela prega e ensina na Igreja Presbiteriana de Santo Amaro, onde tem uma classe dominical, que aborda as doutrinas contidas na Confissão de Fé de Westminster.
O Dr. Mauro Meister (@mfmeister) iniciou a plantação daIgreja Presbiteriana da Barra Funda.
Fonte:http://tempora-mores.blogspot.com.br/2017/11/biblias-na-universidade-em-2011-um-dos.html
Fonte: O Tempora, O Mores
http://tempora-mores.blogspot.com.br/2017/11/biblias-na-universidade-em-2011-um-dos.html

CRISTIANISMO E UNIVERSIDADE (3)

LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA E DE EXPRESSÃO


Os conceitos de liberdade de consciência e de expressão têm recebido crescente atenção pública em nosso país em anos recentes. Entre as diversas causas, está o crescimento da pluralidade cultural, da diversidade religiosa e do relativismo como fatores integrantes da sociedade brasileira. De que maneira as pessoas podem ter e expressar suas convicções em um ambiente onde outros indivíduos pensam e se comportam de maneira diversa dessas convicções? Essa questão também faz parte do cotidiano universitário, especialmente em instituições confessionais que primam por princípios éticos ao mesmo tempo em que sustentam a autonomia universitária. [1]
Acreditar no que quiser é um direito intrínseco a cada ser humano. A consciência é foro íntimo, inviolável, sobre o qual outros não podem legislar. Faz parte da nossa humanidade termos nossas próprias ideias, convicções e crenças. E é daqui que procede a outra liberdade, a de expressão, que consiste no direito de alguém declarar o que acredita e os motivos pelos quais acredita de determinada forma e não de outra. Nesse direito está implícito o que chamamos de “contraditório”, que é a liberdade de análise e posicionamento contrário às expressões ou manifestações de outras pessoas em qualquer área da vida. A liberdade de consciência diz respeito ao que cremos, interiormente. Já a liberdade de expressão é a manifestação externa dessas crenças.
O direito individual de pensar livremente e de expressar tais pensamentos é garantido em todas as democracias do mundo ocidental. No Brasil, a liberdade de consciência e de expressão do pensamento é garantida pela Constituição em vigor. Sua origem se encontra no caput do Artigo 5º, “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, sendo assegurada a inviolabilidade dessa condição de igualdade. Se todos são iguais, todos podem expressar suas ideias, pensamentos e crenças, desde que os direitos dos outros sejam respeitados. Ao tratar dos direitos e garantias fundamentais, a Constituição diz no Artigo 5º:
 IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias.
 A liberdade de expressão religiosa é decorrente da liberdade de consciência e consiste no direito das pessoas de manifestarem suas crenças ou descrenças. Aqui se incluem adeptos das religiões, do ateísmo e do agnosticismo. Por ter origem na consciência, a liberdade de expressão religiosa inclui concepções morais, éticas e comportamentais, que são desenvolvimentos da crença individual. A separação entre Igreja e Estado no Brasil significa tão somente que nosso país não adota e nem protege uma ou mais religiões. O Estado é “laico”, mas, não sendo antirreligioso, ele garante o direito de seus cidadãos professarem publicamente e praticarem a religião que quiserem, assegurando-lhes que não serão discriminados por isso, conforme o mesmo Artigo 5º:
 VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política...
A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 também se preocupou em resguardar a liberdade de consciência e de expressão, particularmente a expressão religiosa. O artigo 18 diz: Todo homem tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; esse direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou particular. Entendemos que esse amplo reconhecimento das liberdades individuais tem fundamento no fato, nem sempre considerado, de que o ser humano foi criado por Deus.
Do ponto de vista da fé cristã, a liberdade de consciência decorre fundamentalmente do fato de termos sido criados por Deus como seres morais livres. É uma das coisas incluídas na “imagem e semelhança de Deus” com que fomos criados, de acordo com o relato de Gênesis 1.26-27.
Também disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; tenha ele domínio sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus, sobre os animais domésticos, sobre toda a terra e sobre todos os répteis que rastejam pela terra.
O homem recebeu, por direito de criação, a capacidade de julgar entre o certo e o errado e escolher entre os dois. Ele podia livremente ponderar, analisar e, então, escolher. O fato de que ele teria de arcar com as consequências de suas escolhas diante do Criador não anulava, todavia, seu direito de fazê-las e defendê-las. É nisto que reside o que chamamos de liberdade de consciência e de expressão. Como um ser criado, o homem responde diretamente ao Criador pelo uso dessas liberdades. Ousamos dizer que uma das influências decisivas para que essas liberdades fossem reconhecidas no mundo ocidental veio da Reforma Protestante do século XVI. Os cristãos enfatizaram a necessidade da separação entre a Igreja e o Estado, destacaram o fato de que cada cristão tem sua consciência cativa somente a Deus e defenderam o sacerdócio universal de todos os cristãos. Um exemplo dos esforços destes cristãos para garantir a liberdade de expressão é o apelo de John Milton ao Parlamento Inglês, em 1644, em defesa da liberdade de imprensa (Areopagitica: Discurso pela Liberdade de Imprensa ao Parlamento, 1999).
Todavia, existem limites para a manifestação do pensamento. Sociedades plurais em países em que há separação entre Igreja e Estado sempre terão de enfrentar o dilema entre a liberdade de manifestação do pensamento e os direitos individuais. Se por um lado as leis brasileiras nos garantem a liberdade de expressão, por outro, elas também preservam a honra e a imagem das pessoas. Não se pode denegrir uma determinada pessoa em nome da liberdade de expressão.
Conforme reza a Constituição, uma das condições para que se manifeste livremente o pensamento no Brasil é que a pessoa se identifique e assuma o que disse ou escreveu. O anonimato anula a validade da expressão, ainda que ela contenha méritos, pois sugere que o autor não tem dignidade e nobreza. Também denota que essa manifestação não vem acompanhada da necessária responsabilidade pelo ato praticado.
Em sociedades multiculturais e plurais, pensamentos, crenças e convicções que são livremente expressos podem contrariar ou contraditar outros pensamentos, crenças e convicções quanto aos valores morais, crenças religiosas e preferências pessoais. Tais discordâncias, todavia, não podem ser vistas como formas de se denegrir a honra e a imagem dos indivíduos de quem se discorda. Se assim fosse, seria impossível a discussão de ideias e a apresentação do contraditório, especialmente no ambiente da Universidade. De acordo com os princípios da fé cristã, o amor a Deus e ao próximo são os maiores deveres de cada ser humano. Amar ao próximo significa respeitar o nome, os bens, a autoridade, a família, a integridade e a reputação das pessoas, independentemente das convicções religiosas, políticas e pessoais delas. Os cristãos podem discordar das pessoas e ainda assim manifestar apreço e respeito por elas. Quando cristãos deixam de amar as pessoas ao seu redor, estão violando um dos preceitos mais conhecidos de Jesus Cristo, que é amar ao próximo como a si mesmo. Os cristãos, na verdade, devem ir além e amar inclusive os seus inimigos, conforme o próprio Jesus ensinou (Mateus 5.44).
Em tudo isso, há outro elemento que não pode ser ignorado, o fato de que o ser humano, usando suas liberdades acima descritas, resolveu tornar-se independente de Deus e viver uma vida autônoma. O livro de Gênesis (3.1-24) registra esse momento, que na teologia cristã recebe o nome de “Queda”, termo que indica que essa busca de autonomia implicou em uma caída daquele estado original de liberdade de consciência e expressão. Não que o homem tenha perdido essas liberdades – ele ainda as mantém. Só que tanto a sua consciência quanto a sua capacidade de julgar e escolher entre o bem e o mal, tendo abandonado a Deus como referencial, são inclinadas ao mal, ao erro, ao egoísmo. E como decorrência, sua expressão, embora livre, reflete essa tendência ao mal.
Uma das manifestações do impacto da Queda na liberdade humana é a tendência de se procurar suprimir a liberdade dos que discordam de nós. Os que professam a fé cristã devem reconhecer que todas as pessoas, inclusive aquelas que não acreditam em Deus e que têm práticas contrárias à ética cristã, têm o direito fundamental de pensar e acreditar no que quiserem e de viver de acordo com suas crenças. Os cristãos entendem também que se manifestar contrariamente ao que pensam e fazem essas pessoas não é incitamento ao ódio, mas o exercício desse mesmo direito fundamental. Aqui citamos o dito de Voltaire, “não concordo com uma só palavra do que dizeis, mas defenderei até a morte vosso direito de dizê-lo.” Essa frase fala tanto do direito que temos de discordar dos outros quanto do direito que os outros têm de discordar de nós, direitos pelos quais deveríamos estar dispostos a lutar, uma vez que, perdidos, deixam a todos amordaçados.
Liberdade de consciência e de expressão são privilégios do ser humano por direito de criação. Jamais podemos abrir mão deles sob risco de diminuirmos nossa humanidade e a imagem de Deus em nós.

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[1] Este capítulo é o texto da Carta de Princípios da Universidade Presbiteriana Mackenzie de 2011. As Cartas de Princípios são pronunciamentos anuais da Chancelaria da Universidade para a comunidade universitária e o público em geral. O texto é de minha autoria.
Augustus Nicodemus Lopes

Postado por Augustus Nicodemus Lopes.

Sobre os autores:
Dr. Augustus Nicodemus (@augustuslopes) é atualmentepastor da Primeira Igreja Presbiteriana de Goiânia, vice-presidente do Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana doBrasil e presidente da Junta de Educação Teológica da IPB.
O Prof. Solano Portela prega e ensina na Igreja Presbiteriana de Santo Amaro, onde tem uma classe dominical, que aborda as doutrinas contidas na Confissão de Fé de Westminster.
O Dr. Mauro Meister (@mfmeister) iniciou a plantação daIgreja Presbiteriana da Barra Funda.
Fonte: O Tempora, O Mores
http://tempora-mores.blogspot.com.br/2017/10/liberdadede-consciencia-e-de-expressao.html

CRISTIANISMO E UNIVERSIDADE (2) O HOMEM NA CAIXA

Deus... fez toda a raça humana para habitar sobre toda a face da terra, havendo fixado os tempos previamente estabelecidos e os limites da sua habitação; para buscarem a Deus se, porventura, tateando, o possam achar, bem que não está longe de cada um de nós” (Atos 17.26-28).

Nestas palavras do apóstolo Paulo aos filósofos estóicos e epicureus do areópago de Atenas, em meados da década de 50 d.C., encontramos uma síntese da visão cristã de realidade: vivemos num mundo criado por Deus, o qual se encontra próximo de nós, embora muitos o procurem como cegos que tateiam seu caminho. Ou seja, vivemos numa realidade aberta.

Um dos quadros mais famosos do pintor inglês Francis Bacon é “Cabeça IV”, de 1949. Controverso, excêntrico, Bacon – não confundi-lo com seu homônimo, o filósofo Francis Bacon – ficou famoso pelos quadros de figuras humanas grotescas, desfiguradas e horrendas, às vezes misturadas com animais. Na opinião de Hans Rookmaaker, que foi professor de história da arte da Universidade Livre de Amsterdam, “Os quadros de Bacon são como caricaturas da humanidade, e não imagens humorísticas. São gritos altos de desespero por valores perdidos e grandeza perdida” (Modern Art & the Death of a Culture, 1970).

Tomemos o quadro acima como uma expressão dos sentimentos mais profundos de Bacon e de sua geração, que é basicamente a nossa. O que podemos aprender com o homem na caixa? De que modo ele percebe a realidade?

Primeiro, embora exista uma realidade ao seu redor, ele só pode perceber como real o que se encontra dentro da caixa. Segundo, seu mundo é fechado. Nada entra e nada sai. Portanto, seu grito é vazio. Ninguém o ouve. Terceiro, se existir uma realidade além da caixa, e esta resolver responder e se aproximar, o homem na caixa não poderia ouvi-lo.

O quadro de Bacon representa bem a situação do homem moderno após o período do Iluminismo e da prevalência do cientificismo na academia e posteriormente na cultura ocidental. Antes do chamado período moderno, o conhecimento, as artes e a cultura em geral eram influenciadas por uma visão de mundo e de realidade moldada nos princípios e valores do cristianismo. O cristianismo da Reforma protestante, com sua afirmação de que o mundo foi criado por Deus e que funciona seguindo a lei da causalidade, ela própria criada por Deus, havia libertado a mente humana do medo de ofender os deuses pela pesquisa do mundo e da natureza e havia desfeito a dualidade oriunda do gnosticismo. Tudo isto contribuiu significativamente para o surgimento da cultura ocidental e um renovado apreço pelas artes, juntamente com o Humanismo.
Muitos dos grandes artistas, pintores, músicos, escritores, cientistas e pesquisadores deste período professavam a fé em Deus ao mesmo tempo em que se dedicavam a conhecer, pesquisar, explorar e desenvolver o mundo criado por Deus. Criam num mundo regido por leis naturais, ao mesmo tempo sustentado por Deus e passível de ser tocado pelo Criador, que providencialmente agia no mundo, na vida das pessoas, na história.

Contudo, com o advento da chamada idade da razão – melhor dizendo, do racionalismo, em meados do século dezessete, o homem abandonou esta perspectiva e passou a tentar determinar a realidade através dos sentidos e da razão: só existe aquilo que for perceptível pelos sentidos e comprovado pela razão. Como Deus não pode ser comprovado por estes cânones, por mais gentil que ele fosse, foi convidado a se retirar do novo mundo criado pelo racionalismo. O homem então passa a construir ao seu redor uma realidade fechada, um mundo governado pela lei férrea da causa e do efeito, onde a realidade é somente aquilo que a razão e os sentidos podem perceber. O homem se fechou numa caixa. Mas, tudo isto lhe era imperceptível, então, dominado que estava pela euforia de criar um admirável mundo novo, que ele haveria de prevalecer e se estabelecer pelo cientificismo tecnológico.

Passados três séculos, o homem começa a sentir, hoje, os efeitos inevitáveis de estar na caixa. Os sinais disto estão em todo lugar: primeiro, nas artes, que na tentativa de achar sentido para a realidade, resolveu pular fora da caixa, em protesto contra a visão reducionista do positivismo do século XIX, sem, contudo, saber ao certo o que lhe espera do lado de fora. Artistas como Francis Bacon, e muitos outros refletem o desespero e a angústia das almas mais sensíveis que simplesmente desistiram de entender e expressar a realidade de forma sintética e coerente.

A filosofia, igualmente, foi dominada pelo existencialismo, que em suas mais diversas linhas, convida o homem a uma experiência fora da caixa, experiência que não tenha necessariamente sentido nem razão, e que não seja controlada por conceitos como certo ou errado, muito bem popularizados pelo famoso cantor brasileiro Roberto Carlos na música Emoções, onde canta “se sofri ou se sorri, o importante é que emoções eu vivi”.

Surge a posmodernidade, que sem negar que a realidade de fato está contida na caixa, contudo contesta a existência da própria caixa, e – por que também não, - do próprio homem e da realidade ao seu redor.

Propostas religiosas antigas, como o monismo religioso, que vê a realidade como se fosse um tecido único, como se tudo fosse Deus e Deus fosse tudo, ressurgem inclusive dentro da Cristandade mais ampla, como por exemplo, nas 95 teses de Matthew Cox, leigo católico, pregadas na mesma porta de Wittenberg na Alemanha em 2006, onde diz na tese número seis: “A ideia de que Deus está acima ou além do universo é falsa. Tudo está em Deus e Deus está em tudo”.

Tudo isto, e outras coisas mais, é o grito tremendo do homem na caixa. O homem moderno não consegue mais viver dentro dela. Quer respostas, quer sentido, quer razões, quer ser ouvido.
O que tudo isto tem a ver com os professores, mestres e alunos universitários? Creio que nosso maior desafio consiste em dois pontos. Primeiro, perceber que boa parte do desespero e do vazio existencial hoje reinantes nas mentes e corações de professores e alunos, apesar das grandes conquistas intelectuais, provém de uma visão reduzida da realidade, uma visão que pode muito bem ser exemplificada com a pintura de Francis Bacon.

Segundo, que talvez devêssemos considerar o passado e a história e aprender com aqueles que, sem negar a intelectualidade, a objetividade científica e a respeitabilidade acadêmica, estavam preparados para aceitar que a realidade é mais ampla e mais profunda do que aquilo que percebemos, vemos, ouvimos, tocamos e comprovamos. A caixa precisa ser aberta. Há um mundo maravilhoso, rico, misterioso e plenamente satisfatório lá fora. 
Augustus Nicodemus Lopes

Postado por Augustus Nicodemus Lopes.

Sobre os autores:
Dr. Augustus Nicodemus (@augustuslopes) é atualmentepastor da Primeira Igreja Presbiteriana de Goiânia, vice-presidente do Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana doBrasil e presidente da Junta de Educação Teológica da IPB.
O Prof. Solano Portela prega e ensina na Igreja Presbiteriana de Santo Amaro, onde tem uma classe dominical, que aborda as doutrinas contidas na Confissão de Fé de Westminster.
O Dr. Mauro Meister (@mfmeister) iniciou a plantação daIgreja Presbiteriana da Barra Funda.
Fonte: O Tempora, O Mores
Fonte:http://tempora-mores.blogspot.com.br/2017/10/o-homem-na-caixa-deus_24.html

CRISTIANISMO E UNIVERSIDADE (1)


Estou iniciando aqui no blog uma série de posts relacionados com a visão cristã de mundo e o ambiente da universidade. Essas postagens são compilações de palestras e devocionais proferidas durante o tempo em que servi na Universidade Presbiteriana Mackenzie, como Chanceler. Meu objetivo ao reuni-las aqui é oferecer material de fácil leitura que mostre como se pode tentar, na prática, uma integração da fé cristã na academia. É claro que estas palestras só puderam ser feitas numa Universidade de ponta e conceituada, como é a Mackenzie, por causa de seu caráter confessional e da abertura que existe nela para que todos os assuntos, temas e conteúdos que fazem parte da moderna academia sejam analisados à luz da visão cristã de mundo.

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Assim, nessas postagens, o leitor encontrará referências à ciência, tecnologia, meio-ambiente, responsabilidade social, pesquisa, política, sociedade, ética e sociedade feitas da perspectiva da fé cristã reformada.
Meu objetivo é também ajudar os cristãos que estão vivendo no ambiente da universidade, como estudantes ou professores, e que procuram ajuda para viver a fé cristã no ambiente acadêmico. Boa leitura!


 

A IMPORTÂNCIA DAS COSMOVISÕES 

“Sobre tudo o que se deve guardar, guarda o coração, porque dele procedem as fontes da vida” (Provérbios 4.23).
Uma das lições mais importantes que aprendi nos meus estudos para o doutorado em interpretação bíblica, com reflexos para minha compreensão da vida como um todo, foi que não existe leitura de um texto que seja absolutamente neutra e objetiva. Nisso me ajudaram Derrida, Foucault, Gadamer, Ricoeur e outros profetas e precursores das chamadas novas hermenêuticas.
Isso que é verdade quanto à leitura de textos também é verdade quanto à leitura da realidade. Todos nós enxergamos a vida através dos óculos formados por nossas experiências, nossos preconceitos e pressupostos e acima de tudo, nossas crenças.
Muitos autores contribuíram a derrubada do mito da neutralidade defendido no Iluminismo e que se tornou padrão na academia. Entre eles menciono o historiador da ciência Thomas Kuhn, cujo livro “A Estrutura das Revoluções Científicas” (1962) representa um marco nessa disciplina. O argumento de Kuhn, em linhas gerais, é que, ao contrário do que postulava o positivismo científico, os cientistas não são meras máquinas de análise e registro de informações – são pessoas de carne e osso, com sentimentos, emoções e intuições. Eles não registram passivamente suas observações, mas projetam ativamente as suas crenças. As suas experiências pessoais servem para formar os paradigmas, que são estruturas dominantes que organizam os experimentos que eles realizam.
Em suma, as revoluções científicas avançam, não quando surgem novas descobertas, as quais são incorporadas e absorvidas aos paradigmas dominantes – mas quando os paradigmas mudam. Com isso Kuhn destacou e firmou a importância dos paradigmas e dos pressupostos nas áreas do conhecimento. Ele valorizou as crenças e convicções das pessoas ao lerem e interpretarem a realidade ao seu redor.
É nesse contexto que falamos da importância e da legitimidade de uma visão de mundo (“cosmovisão”, Weltanschauung, termo usado primeiramente por E. Kant). Uma cosmovisão é uma maneira de ver o mundo de acordo com aquilo que se crê. De acordo com Ronald Nash, destacado filósofo cristão, em sua obra Questões Últimas da Vida (2008), existem cinco crenças mais importantes que definem a cosmovisão de alguém:
·      Deus – ele existe? Qual sua natureza? Há mais de um Deus?
·      Metafísica – qual o relacionamento de Deus com o universo? O universo existe? Qual sua origem?
·      Epistemologia – é possível saber, entender e conhecer? Existe verdade?
·      Ética – existem leis morais que regem a conduta humana? Elas são absolutas ou relativas?
·      Antropologia – o ser humano é apenas corpo ou materialidade, ou tem uma dimensão espiritual? Qual sua origem? Existe vida após a morte?
Aquilo que as pessoas acreditam sobre esses cinco pontos haverá de tingir os óculos com que elas enxergam e decifram o mundo ao seu redor, e haverá de influenciar de forma decisiva seu relacionamento consigo mesmo, com o próximo, com o mundo, em casa, no trabalho e na sociedade como um todo.
O livro de Provérbios já falava da importância do coração e da mente (leb em hebraico) para a compreensão da totalidade da vida (vide acima Provérbios 4.23). É nesse contexto que falamos da importância e da legitimidade de uma visão de mundo que parta dos valores teóricos e morais do cristianismo, e que faça parte dos paradigmas e matizes que orientam o labor acadêmico de uma universidade confessional.
Uma visão de mundo cristã como referencial na academia deveria levar em conta a existência de um Deus pessoal e sua ação na história, a revelação que ele faz de si mesmo na natureza e nas Escrituras judaico-cristãs. Deveria ver o ser humano como criado à imagem deste Deus e levar em conta a presença e a realidade do mal nesse mundo. Deveria enxergar o mundo e suas leis como expressão do caráter desse Deus, que é bondoso, justo e sábio.

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Visto que não existe neutralidade na academia, sempre teremos paradigmas que dependem de visões de mundo. Há muitas visões de mundo, como marxismo, humanismo, ateísmo, agnosticismo, materialismo, para nomear algumas. Se não podemos escapar de termos uma visão de mundo que norteie e influencie decisivamente o que fazemos na academia, que abracemos, então, em nossos labores a visão cristã de mundo. Além de permitir o diálogo com aquilo que comunga com as demais visões de mundo, ela tem a vantagem de ser aquela visão de mundo que primeiro ofereceu as condições para o surgimento da ciência moderna, como veremos noutros posts mais adiante.
Augustus Nicodemus Lopes

Postado por Augustus Nicodemus Lopes.

Sobre os autores:
Dr. Augustus Nicodemus (@augustuslopes) é atualmentepastor da Primeira Igreja Presbiteriana de Goiânia, vice-presidente do Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana doBrasil e presidente da Junta de Educação Teológica da IPB.
O Prof. Solano Portela prega e ensina na Igreja Presbiteriana de Santo Amaro, onde tem uma classe dominical, que aborda as doutrinas contidas na Confissão de Fé de Westminster.
O Dr. Mauro Meister (@mfmeister) iniciou a plantação daIgreja Presbiteriana da Barra Funda.
Fonte: O Tempora, O Mores

AS LÁGRIMAS DE CUNHAÚ

Por: Frans Leonard Schalkwijk*
No ano 2000, os jornais noticiaram a beatificação dos mártires de Cunhaú(1645), no Rio Grande do Norte, pelo Papa João Paulo II. A matança ocorreu durante as primeiras semanas do levante português contra a ocupação flamenga(1630-1654). Uma das reportagens afirmou que essas horrendas barbaridades foram cometidas por ordem do governo holandês no Recife e com a cooperação de um pastor “calvinista”. Sem querer diminuir a monstruosidade do trágico acontecimento, convém lembrar pelo menos três fatos do contexto histórico daqueles dias de guerra que marcaram o começo do fim da ocupação holandesa do Nordeste.
Em primeiro lugar, observamos que não foi o governo holandês que ordenou a chacina, mas ela foi uma vingança por parte dos indígenas em reação às notícias que corriam sobre as crueldades dos portugueses, ajudados por uma tribo selvagem da Bahia. Desde o início da revolta (13/6/1645), cada vez ficava mais claro que, onde os portugueses restabeleciam seu domínio, estava reservada aos índios em especial uma morte terrível. Consequentemente os “brasilianos” (como os holandeses chamaram os índios tupis) se refugiaram perto das fortificações holandesas, consideradas inexpugnáveis. Outros decidiram evitar o desastre aparentemente inevitável e pegaram em armas. Foi isto o que aconteceu em Cunhaú, no Rio Grande do Norte.
Na terra potiguar, a população indígena consistia em grande parte de índios antropófagos (tapuias), sob a liderança do seu cacique Nhanduí. Para os holandeses, os tapuias significavam um bando de aliados meio inconstantes, pois era um povo muito independente, que não aceitava ordens de ninguém, mas decidia por si o que era melhor para sua tribo. Muito amigo da tribo era um certo Jacob Rabe, casado com uma índia; ele servia como elo entre os tapuias e o governo holandês.
Entre os indígenas do extremo Nordeste, havia em geral grande ódio contra os portugueses, sem dúvida pela lembrança de acontecimentos anteriores à chegada dos holandeses, que eram considerados os libertadores da opressão lusa. Várias vezes esses índios quiseram se aproveitar da situação dos lusos como vencidos, para vingar-se deles. Assim, em 1637, depois de Maurício de Nassau conquistar o Ceará, os índios procuraram matar todos os portugueses da região, que então foram protegidos mediante as armas pelos holandeses. A mesma coisa aconteceu no Rio Grande em 1645. Os tapuias sentiram que, com o início da revolta, havia chegado a hora da verdade: eram eles ou os portugueses. E, no dia 15 de julho, começaram por Cunhaú, massacrando as pessoas que estavam na capela e, posteriormente, numa luta armada, o restante.
Em segundo lugar, de fato o nome de um pastor protestante está ligado a esse episódio. Porém, de modo exatamente contrário àquele que se supõe, porquanto não foi ele quem orientou a chacina, mas foi enviado pelo governo para refrear a selvageria dos bugres. Quando, no dia 25 de julho, o governo holandês no Recife soube dos terríveis acontecimentos no Rio Grande do Norte, despachou o Rev. Jodocus à Stetten, pastor da Igreja Cristã Reformada e capelão do exército, junto com o capitão Willem Lamberts e sua tropa armada, “para refrear os tapuias e trazê-los para (o Recife) a fim de poupar o país e os moradores (portugueses)”. Os índios, porém, ficaram enfurecidos com os holandeses, não entendendo como estes podiam defender seus inimigos mortais, e até romperam a frágil aliança com os batavos. Antes de regressar para o sertão do Rio Grande, fizeram ainda outra incursão vingadora contra os portugueses, desta vez na Paraíba.
Em terceiro lugar, notamos o fim dos tapuias e de Jacob Rabe. Alguns meses depois da matança em Cunhaú, esse funcionário da Companhia das Índias Ocidentais, que havia recebido o mensageiro governamental, pastor Jodocus, a mão armada, foi morto por ordem do próprio governador da capitania do Rio Grande do Norte, Joris Garstman. O capitão Joris era casado com uma senhora portuguesa que tinha perdido muitos parentes em Cunhaú. Quanto aos tapuias, depois da expulsão dos holandeses e da restauração do domínio português, os que não quiseram submeter-se à orientação político-religiosa de Lisboa foram massacrados, como diz o Dr. Tarcísio Medeiros, na “mais sangrenta guerra de exterminação que existiu por este Brasil”. Puro genocídio.
Esses três fatos complementares não diminuem em nada o sofrimento de Cunhaú, dessas vidas inocentes esmagadas entre os rolos compressores do moinho da luta armada. Porém, talvez possam eliminar um pouco do veneno da história, por nos permitirem entender melhor o contexto daqueles dias cheios de angústia para ambos os lados. Escrever história objetivamente é muito difícil, ainda mais quando se trata de um caso controvertido como este, com muitos pormenores desconhecidos. Porém, afirmar, como foi feito por certos porta-vozes, que as barbaridades de Cunhaú foram perpetradas a mando do próprio governo holandês, e ainda por cima orientadas por um pastor evangélico, simplesmente não corresponde à verdade. Convém distinguir os fatos da interpretação dos fatos. Isso não atenua, antes aumenta a nossa ansiosa expectativa do dia em que o Senhor enxugará todas as lágrimas, inclusive as de Cunhaú (Ap 7.17).
*O autor é ministro da Igreja Reformada da Holanda e ex-missionário no Brasil. É um estudioso da presença holandesa no nordeste brasileiro, tendo escrito o livro Igreja e Estado no Brasil Holandês.O presente texto foi publicado originalmente na revista Ultimato (maio-junho 2000).
FIDES REFORMATA XV, Nº 2 (2010): 109-111

A REFORMA PROTESTANTE DO SÉCULO 16 FOI UM AVIVAMENTO TEOLÓGICO, ESPIRITUAL E MISSIONÁRIO.


Na perspectiva missionária, gerou um enorme e prolongado impacto, sobretudo em três áreas:
Despertou a Igreja para a tradução, leitura e distribuição da Palavra em toda a terra. Antes da Reforma Protestante a Bíblia estava disponível em menos de 10 línguas. Hoje, encontra-se traduzida e distribuída, total ou parcialmente, em 2.500 idiomas em todo o mundo. Apenas na cidade de Genebra, sob orientação do reformador João Calvino, havia 38 oficinas tipográficas para a reprodução da Bíblia e panfletos apologéticos em meados do século 16, envolvendo mais de 2.000 pessoas no trabalho de impressão e distribuição de material bíblico nos países vizinhos, sob risco de encarceramento ou morte.
Promoveu a pregação intencional do Evangelho e plantio de igrejas. Entre 1.553 e 1.562 a Igreja Reformada de Genebra enviou para a França centenas de missionários e, como resultado da pública pregação do Evangelho, foram organizadas cerca de 2.000 igrejas e 2.000 escolas confessionais com cerca de 3 milhões de convertidos em um país, na época, com 20 milhões de habitantes. Apenas no ano de 1.561 foram enviados 142 missionários de Genebra para a França. Se comparássemos, de forma proporcional, a Genebra do século 16, com 20.000 habitantes, e o Brasil de 2017, com mais de 20 milhões de evangélicos, precisaríamos enviar 142.000 missionários por ano para nos equipararmos com o movimento missionário reformado daquela época.
Ensinou que a pregação do Evangelho deve ser realizada por toda a igreja, em todo o mundo, em todas as gerações. Em seu comentário sobre Isaías 12:5, Calvino escreve: “porque é nossa obrigação proclamar a bondade cupom desconto de Deus para todas as nações… a obra não pode ser escondida em um canto, mas proclamada em todos os lugares”. Comentando Mateus 28:19 ele também enfatiza: “o Senhor ordena que os ministros do Evangelho vão para longe, com o objetivo de anunciar a doutrina da salvação em todas as partes do mundo”. E, de forma espetacular, em seu livro A Escravidão e Liberação da Vontade, João Calvino, relacionando a soberania de Deus com a evangelização, explica:
“… embora Deus seja capaz de realizar a obra secreta de seu Santo Espírito sem qualquer meios ou assistência, ele também ordenou a pregação externa (pública), para ser usada como um meio. Mas para torná-la um meio efetivo e frutífero, ele escreve com seu próprio dedo em nossos corações aquelas palavras que ele fala em nossos ouvidos pela boca de um ser humano”.
Que a Igreja evangélica, herdeira da verdade bíblica resgatada na Reforma Protestante do século 16, levante-se para glorificar o nome de Deus indo para as ruas, condomínios, cidades, desertos, matas e ilhas, a fim de proclamar a Sua salvação para aqueles (mais de 4.000 povos e 1.800 línguas…) que ainda nada ouviram de Cristo.  

RONALDO LIDÓRIO


REFERÊNCIAS
Calvin, John. The Bondage and Liberation of the Will: a Defence of the Orthodox Doctrine of Human Choice Against Pighius. Baker Academic, 2002.
Calvino, João. As Institutas – Edição clássica. Editora Cultura Cristã, 2015.
Christian Classic Ethereal Library. John Calvin’s Commentaries. Acessado: https://www.ccel.org/ccel/calvin/commentaries.i.html
Haykin, Michael; Robinson, Jeffrey. To the Ends of the Earth: Calvin’s Missional Vision and Legacy. Crossway, 2014.
Tokashiki, Ewerton. Missões na reforma protestante do século 16. Acessado: http://monergismo.com/textos/missoes_reforma.htm
Simons, Scott. João Calvino e Missões: um Estudo Histórico. Acessado: http://www.monergismo.com/textos/jcalvino/calvino_missoes_scott.htm

segunda-feira, 13 de novembro de 2017

1º TORNEIO DA LIGA EVANGÉLICA DE FUTSAL DA IGREJA PRESBITERIANA DO BRASIL EM PERNAMBUCO




Foto de Ipb Jupi.








No dia 11 de novembro de 2017 aconteceu o torneio da Liga Evangélica de Futsal no ginásio de Esportes da cidade de Jupi-PE realizado pela Congregação Presbiteriana de Jupi e a Igreja Presbiteriana Filadélfia de Garanhuns, com apoio da Prefeitura  Municipal da cidade de Jupi-PE, dos vereadores Dielson Vieira e Lêdson Liberato.
Foi um grande evento esportivo da comunidade evangélica de Jupi. O torneio foi liderado pela Igreja Presbiteriana do Brasil, sob a direção do casal de  missionários Jorge e Rejane Soares e o apoio do pastor Eli Vieira da Igreja Presbiteriana Filadélfia. Participaram do torneio as seguintes equipes: Vila Verde (IPB Jupi), IP Filadélfia, IP de Sião (Jucati-PE), Real Futsal de Jupi, Cristão Valente ( Igreja Kerigna de Jupi), IPB Capoeiras-PE, Liverpool (IPB Caetés) e Borussia da IPB Caetés.
O evento contou com a presença do senhor prefeito Antônio Marcos Patriota, dos vereadores Dielson Vieira, Lêdson Liberato e Magno Fernando. O prefeito Marcos Patriota ressaltou "que a IPB em um ano no município já constrói um marco de utilidade publica" e parabenizou a iniciativa da IPB de evangelizar através do esporte na qual está dando oportunidade de jovens crescerem pelo esporte.
Depois de um de dia de jogos, os vencedores do torneio foram: Campeão - Real Futsal de Jupi, vice-campeão - Igreja Presbiteriana de Sião (Jucati-PE) e em terceiro Lugar a Igreja Presbiteriana Filadélfia de Garanhuns. 
Foto de Eli Vieira Filho.



Foto de Ipb Jupi.Foto de Ipb Jupi.Foto de Eli Vieira Filho.
Em tempo, agradecemos a todos que participaram e apoiaram este evento, que o nosso Deus continue abençoando a todos. 

Autores: Miss. Jorge e Pr. Eli Vieira

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