Com o título desse texto, cito Los Hermanos, que cantam a fugacidade da alegria do carnaval na música com o mesmo título desse texto que você está lendo, leitor. Roberta Sá chama esse tempo de festa de “outra ilusão” (Novo Amor), embora também peça um amor “que pelo menos dure enquanto é carnaval” em outra canção (Cicatrizes). Vinicius de Moraes e Tom Jobim igualmente não colocavam muita fé na principal festa nacional, pois a chamaram de “grande ilusão” (A Felicidade).
A grande culpada pelo fim da alegria é a pobre quarta-feira de cinzas: “quarta-feira, queira ou não queira terminou o carnaval” (Roberta Sá, Novo Amor), “e tudo se acabar na quarta-feira” (Tom e Vinicius, A Felicidade). Dos dias de festejo, afirmava Nara Leão, “saudades e cinzas foi o que restou” (Marcha de Quarta-feira de Cinzas).
As cinzas da quarta supracitada são reminiscências do caráter religioso da festa, lembranças do outrora costume no Crescente Fértil de usá-las como marca de humilhação ou contrição: “Voltei o rosto ao Senhor Deus, para o buscar com oração e súplicas, com jejum, pano de saco e cinza” (Dn 9.3) e “chegou esta notícia ao rei de Nínive; ele levantou-se do seu trono, tirou de si as vestes reais, cobriu-se de pano de saco e assentou-se sobre cinza” (Jn 3.6).
Carnaval, atestam o Houaiss, a Britannica e Pasquale, provavelmente vem de carne levare (remover a carne), referência à restrição alimentar católica na quaresma. A terça gorda (“mardi gras” en français), mais conhecida como terça de carnaval, era um dia de grande festa porque as pessoas limpavam suas despensas de coisas como manteiga, ovos, queijos, carnes e faziam refeições mais, digamos assim, gordas – daí o hábito de alguns países europeus de fazer e comer panquecas e waffles nesse dia pouco fitness. Segundo o historiador britânico Peter Burke (Cultura Popular na Idade Moderna), as pessoas comiam, num dia, dois meses de despensa e carne suficiente para viajar do oeste europeu (França, por exemplo) para Constantinopla ou para a América. Também bebiam como se não houvesse amanhã.
Não é unanimidade que o carnaval se originou da tentativa da Igreja Católica de cristianizar festas da antiguidade pagã (dionisíaca e/ou saturnália), mas que a festa virou algo completamente anticristão é um fato. O aspecto religioso restou apenas na história. Para Roberto Damatta, antropólogo brasileiro, a festa significa, dentre outras coisas, um tempo de deixar a rotina, que, segundo ele, nos atormenta com a disciplina, para ter um tempo de ser feliz: “antes da disciplina rígida que manda ‘abandonar a carne’ (carne levare), a orgia” (O que diz o Carnaval?).
A Lógica do carnaval não é errada apenas porque se tornou uma festa completamente libertina. A própria perspectiva religiosa dela é equivocada. A ideia de liberação para o pecado ou para excessos por trás do carnaval católico, como mostra Abraham Kuyper (Calvinismo), é a expressão máxima da visão católica dualista que faz uma cisão, esquizofrenia purinha, entre sagrado e profano. Nessa cosmovisão, a santidade diz respeito apenas aos aspectos religiosos da vida (família, missa e dias santos) enquanto as outras esferas da vida pertencem à própria pessoa (amante, trabalho e os outros dias do calendário).
A Escritura afirma que “Deus é o Rei de toda a terra” (Salmo 47.7), para citar apenas um exemplo das inúmeras passagens que falam do controle absoluto dEle sobre tudo que existe. Tem gente, todavia, que pensa que existem “setores” de sua vida que ela pode orientar à revelia do Todo-Poderoso. Ao invés de viver para a glória do nosso Criador e Salvador na totalidade da vida, tal pessoa pensa que o carnaval não é da conta de Deus, pois nesses dias é dada à carne a oportunidade de “esvaziar até a última gota o copo cheio de prazer, se não de euforia e insensatez, antes de retirar-se para o vale da contrição” (Kuyper, Calvinismo).
Leitor cristão, Deus quer sua vida toda. Não existem esferas/setores ou dias de sua vida que nosso Pai não queira transformar. Cristo morreu para santificar você por completo (todos os aspectos de sua existência) e completamente (Ele, no último dia, consumará essa obra).
Já você, leitor não cristão, não se iluda, a própria MPB atesta (vimos no início desse texto), para usar uma linguagem bíblica do Livro de Eclesiastes, que colocar o sentido da vida nos dias de prazer desenfreado do carnaval é vaidade, inutilidade, é correr atrás do vento. A verdadeira felicidade, diferente do carnaval, não tem fim, afinal: “[na eternidade, os crentes] jamais terão fome, nunca mais terão sede, não cairá sobre eles o sol, nem ardor algum, pois o Cordeiro que se encontra no meio do trono os apascentará e os guiará para as fontes da água da vida. E Deus lhes enxugará dos olhos toda lágrima” (Ap 7.15-17).
Ainda não podemos aproveitar na história o total esplendor das alegrias da eternidade, mas os ensaios já começaram.
Rev. Flávio Américo
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