terça-feira, 24 de maio de 2022

A Autoridade de Jesus Revelada na Purificação do Templo

 


O zelo de Jesus na purificação do Templo

Jo 2.13-22

Jesus sai de uma festa familiar e vai para a festa mais importante dos judeus, a festa da Páscoa, na cidade de Jerusalém. Naquela época, a população de Jerusalém, que girava em torno de cinquenta mil pessoas, quintuplicava. A Páscoa era a alegria dos judeus e ao mesmo tempo o terror dos romanos. Havia grande temor de conflitos e insurreições, uma vez que pessoas de todo o Império Romano se dirigiam a Jerusalém nessa semana. O templo era o centro nevrálgico dessa festa; e foi exatamente aí que Jesus agiu.

No casamento, Jesus exerceu misericórdia; no templo, exerceu juízo e disciplina. No casamento, ele transformou água em vinho; no templo, pegou o chicote e expulsou os cambistas. No entanto, o zelo intenso pela casa de seu Pai não é menos revelação da glória do Filho que sua participação no poder criador e doador de Deus ao realizar o milagre por ocasião das bodas. Um aspecto não pode ser dissociado do outro nem pode ser eliminado pelo outro. Somente na simultaneidade dos dois traços básicos Jesus revela o Deus verdadeiro, que ama o mundo com a entrega do melhor, e cuja ira, apesar disso, é manifesta com uma seriedade inflexível.

Alguns estudiosos afirmam que a purificação do templo descrita aqui no evangelho de João (2.13-22) é a mesma purificação realizada por Jesus no final do seu ministério e descrita pelos Evangelhos Sinóticos (Mt 21.12-16; Mc 11.13-18; Lc 9.4,46). Os fatos, porém, provam o contrário. O relato de João se dá no começo do ministério de Jesus, e o fato narrado pelos Evangelhos Sinóticos acontece no final de seu ministério. Nos Sinóticos, Jesus cita o Antigo Testamento como autoridade (Mt 21.13; Mc 11.17; Lc 19.46), mas, em João, ele usa suas próprias palavras. Os Sinóticos não mencionam a importante declaração de Jesus de que destruiria o templo e em três dias o reedificaria, declaração que mais tarde foi usada contra ele em seu julgamento no Sinédrio (Mt 26.61; Mc 15.58).

Charles Erdman diz que só havia um lugar e uma ocasião para nosso Senhor inaugurar de modo próprio o seu ministério público: o lugar devia ser Jerusalém, a capital, no templo, o centro da vida do povo e do culto; a ocasião devia ser a festa da Páscoa, a quadra mais solene do ano, quando a cidade se enchia de peregrinos de todas as partes da terra. Aqui Jesus deixa a vida privada para encetar sua carreira pública.

William Barclay explica que Jesus purificou o templo motivado pelo menos por três razões: 1) porque o templo, a casa de oração, estava sendo dessacralizada; 2) para demonstrar que todo o aparato de sacrifícios de animais carecia completamente de permanência; 3) porque o templo estava sendo transformado em covil de ladrões. O templo era formado por uma série de pátios que conduziam ao templo propriamente dito e ao Lugar Santo. Primeiro, havia o Pátio dos Gentios; logo depois, o Pátio das Mulheres; então, o Pátio dos Israelitas; e, depois, o Pátio dos Sacerdotes. Todo o comércio de compra e venda era feito no Pátio dos Gentios, o único lugar onde os gentios podiam transitar. Aquele pátio fora destinado aos gentios para que eles viessem meditar e orar. Aliás, era o único lugar de oração que os gentios conheciam. O problema é que os sacerdotes transformaram esse lugar de oração numa feira de comércio onde ninguém conseguia orar. O mugido dos bois, o balido das ovelhas, o arrulho das pombas, os gritos dos vendedores ambulantes, o tilintar das moedas, as vozes que se elevavam no regateio do comércio; todas essas coisas se combinavam para converter o Pátio dos Gentios em um lugar onde ninguém podia adorar a Deus.

Esse episódio nos ensina duas lições, que descrevemos a seguir.

Em primeiro lugar, a casa de Deus é lugar de adoração, e não de comércio (2.13-17). O único espaço aberto no templo a pessoas de “todas as nações” (além dos israelitas) era o pátio externo (às vezes chamado de Pátio dos Gentios); e, se essa área fosse ocupada para o comércio, não poderia ser usada para o culto. A ação de Jesus reforçou seu protesto verbal.38 Mudar o propósito da casa de Deus e instrumentalizá-la para auferir lucro é uma distorção intolerável. Isso provoca a ira de Deus. O mesmo Jesus que compareceu cheio de ternura ao casamento está, agora, irado no templo. Ele tem uma profunda paixão pela reverência. A casa de Deus havia sido profanada. Jeitosamente, transformaram-na em covil de ladrões e salteadores. O templo virou uma praça de negócios. O lucro, e não a face de Deus, era buscado avidamente.

Carson diz que, em lugar da solene dignidade e do murmúrio de oração, havia o rugido do gado e o balido das ovelhas. Em lugar do quebrantamento e da contrição, da santa adoração e da prolongada petição, havia apenas o barulho do comércio.39 A purificação do templo demonstra de forma eloquente a preocupação de Jesus com a verdadeira adoração e o correto relacionamento com Deus.

Precisamos entender o contexto para compreender a atitude de Jesus. A lei definia os animais a serem oferecidos nos sacrifícios. Deveriam esses peregrinos trazer esses animais de longas distâncias ou poderiam comprá-los na praça do templo? Deuteronômio 14.24-26 já havia permitido levar os dízimos em dinheiro em vez dos produtos agrícolas propriamente ditos. Além disso, havia o imposto do templo (Mt 17.24), que cada judeu devia pagar anualmente. Os sacerdotes, dissimuladamente, proibiam que dinheiro estrangeiro fosse aceito na compra de animais para o sacrifício. Os peregrinos que vinham de outras paragens precisavam trocar a moeda estrangeira com os cambistas do templo. O problema é que esses cambistas, em parceria com os sacerdotes, cobravam taxas abusivas dos adoradores, a fim de auferirem lucros mais expressivos. Com o tempo, o propósito não era mais facilitar a vida dos peregrinos, mas alcançar gordos lucros com o comércio dentro da casa de Deus. O dinheiro, e não a glória de Deus, era a motivação deles. A casa de Deus estava sendo profanada.

A reação de Jesus é contundente. Ele não usa apenas palavras para reprovar essa profanação, mas adota uma ação enérgica. O que move Jesus não é uma ira descontrolada, mas seu zelo pela casa do Pai (SI 69.10). Jesus fez uma faxina geral no templo. Expulsou os vendedores e os cambistas, virou as mesas e ordenou aos que vendiam pombas que as retirassem daquele lugar sagrado. Matthew Henry diz que Jesus nunca usou a força para levar alguém ao templo, mas somente para expulsar de lá aqueles que o profanavam.

Warren Wiersbe acrescenta que não apenas o vinho havia se esgotado no casamento, como também a glória havia deixado o templo. Werner de Boor tem razão em destacar que esse zelo pela casa de Deus podia “consumi-lo” em sentido mais profundo, levando-o à morte. Quando Jesus purificou o templo, acabou declarando guerra a esses líderes religiosos. William Hendriksen diz que, ao purificar o templo, Jesus atacou o espírito secularizado dos judeus, expôs sua corrupção e ganância e atacou seu espírito antimissionário, pois o Pátio dos Gentios havia sido construído para que estes pudessem adorar o Deus de Israel (Mc 11.17), mas Anás e seus filhos o estavam usando para propósitos pessoais. Isso havia sido planejado como bênção para as nações, e, finalmente, se cumpriu a profecia messiânica (SI 69 e Ml 3). Jesus tocou no bolso dos sacerdotes que governavam o templo. Por isso, eles se tornaram inimigos cruéis. Foram os sacerdotes administradores do templo que prenderam Jesus e o levaram à morte. De fato, o zelo da casa de Deus o consumiu!

Em segundo lugar, a casa de Deus é lugar de contemplar Jesus, o verdadeiro santuário de Deus entre os homens (2.18­ 22). Jesus não apenas purificou o templo, mas também o substituiu, cumprindo seus propósitos. Quando pediram a Jesus um sinal de sua autoridade, ele deu como exemplo sua morte e ressurreição. A morte e a ressurreição de Jesus são os argumentos mais eloquentes e decisivos em favor de sua pessoa divina e de sua missão redentora. Jesus veio para substituir o templo. Sua morte varreu dos altares os animais do sacrifício. Com sua morte e ressurreição, cessaram todos os sacrifícios cerimoniais. Ele veio para oferecer um único e irrepetível sacrifício. Ele morreu pelos nossos pecados e ressuscitou para a nossa justificação. Agora, a verdadeira adoração não tem mais que ver com a geografia do templo. Devemos adorar a Deus em espírito e em verdade.

Com sua vinda, Jesus estava colocando fim a toda forma de adoração arranjada pelos homens, colocando em seu lugar a adoração espiritual. A ameaça de Jesus era: A adoração de vocês com pomposos rituais, incensos aromáticos e pródigos sacrifícios de animais chegou ao fim. Eu sou o novo templo, onde pessoas do mundo inteiro podem vir e adorar o Deus vivo em espírito e em verdade.45

Carson corrobora essa ideia:

E o corpo humano de Jesus que unicamente manifesta o Pai e torna-se o ponto focal da manifestação de Deus ao homem, a habitação viva de Deus sobre a terra, o cumprimento de tudo o que o templo significava e o centro de toda a verdadeira adoração (contra todas as outras reivindicações de lugar santo). Nesse templo, o sacrifício definitivo aconteceria; após três dias de sua morte e sepultamento, Jesus Cristo, o verdadeiro templo, levantar-se-ia dos mortos.46

Os judeus e até mesmo os discípulos não compreenderam a linguagem de Jesus. E à luz da ressurreição que podemos entender a Bíblia e interpretar as palavras e afirmações de Cristo. Erdman diz que, como a morte de Jesus envolvia a destruição do templo literal e o respectivo culto, da mesma forma a sua ressurreição asseguraria a ereção de um santuário espiritual, mais verdadeiro, que era sua igreja. Desse modo, em lugar de um ritual de fórmulas, sombras e tipos, erigir-se-ia uma religião de culto mais verdadeiro e de comunhão mais real com Deus. Werner de Boor é oportuno quando escreve:

O verdadeiro e incontestável “sinal” da autoridade de Jesus, apesar de todos os demais milagres, é — tanto em João quanto nos sinóticos (Mt 12.38-40) – que ele rendeu dessa maneira sua vida e que receberá de volta dessa maneira, pela ressurreição dentre os mortos, a sua vida e sua glória. Somente a morte de Jesus e sua ressurreição hão de demonstrar seu poder divino de uma maneira tal que surja a fé em Jesus até entre as fileiras dos sacerdotes (At 6.7).48

Herodes, o Grande, mandou substituir o pequeno templo construído após o cativeiro babilónico (Ag 2.1-3) por um edifício suntuoso e magnificente no ano 20 a.C. Esse magnífico templo ainda não estava plenamente concluído na época de Jesus, o que só aconteceu no ano 64 d.C.49 Já se haviam passado 46 anos que a obra estava em andamento. Os judeus ressaltaram esse fato. As palavras de Jesus não foram compreendidas por eles nem mesmo pelos discípulos. Pensaram que Jesus estivesse falando de uma conspiração para derrubar o templo, o centro da adoração judaica. Viram-no como um revolucionário iconoclasta. Acusaram-no diante do Sinédrio fazendo menção desse caso (Mt 26.59-61). Alguns do povo usaram essas palavras para zombar de Jesus, quando ele morria na cruz (Mt 27.40). Os inimigos de Jesus e até seus discípulos não conseguiram ver o antítipo no tipo; ou, pelo menos, não discerniram que o físico simbolizava o espiritual. O templo, junto com toda a sua mobília e suas cerimônias, era somente um tipo, destinado à destruição (SI 40.6,7; Jr 3.16).50

O evangelho de João usou várias figuras para enfatizar a morte de Cristo. A primeira delas está em João 1.29, mostrando Jesus como o Cordeiro de Deus que morre substitutivamente pelo seu povo. A segunda é a figura da destruição do templo, evidenciando que sua morte violenta terminaria em ressurreição vitoriosa (2.19). A terceira figura é a da serpente de bronze erguida por Moisés no deserto (3.14), mostrando o Salvador feito pecado por nós. A quarta figura mostra Jesus como o bom pastor que voluntariamente dá sua vida por suas ovelhas (10.11-18). Finalmente, temos a figura da semente que precisa morrer para frutificar abundantemente (12.20-25). Se o corpo de Cristo é o templo que foi destruído em sua morte, Jesus estava profetizando o fim do sistema religioso judaico. O sistema legal chegou ao fim, e a “graça e a verdade” vieram por meio de Cristo. Ele é o novo sacrifício (1.29) e o novo templo (2.19). A nova adoração dependerá da integridade interior, e não da geografia exterior (4.19-24).51

Em terceiro lugar, a onisciência de Jesus manifestada no conhecimento dos corações (2.23-25)

A atuação pública de Jesus não começa na Galileia, mas em Jerusalém, a capital da religião judaica. Muitas pessoas, ao verem seus milagres operados em Jerusalém, naqueles sete dias de festa da Páscoa, creram nele, mas com uma fé deficiente e insuficiente. Até mesmo Nicodemos, um mestre entre o povo, ficou impactado com os sinais operados por Jesus (3.2). Carson diz que, infelizmente, a fé que eles tinham era espúria, e Jesus sabia disso. Diferentemente de outros líderes religiosos, Jesus não podia ser enganado por bajulação, seduzido por elogios ou surpreendido por ingenuidade.

O problema é que essas pessoas viram Jesus apenas como um operador de milagres. Creram nele apenas para as coisas desta vida. Não acreditaram nele como o Cristo, Filho de Deus. Jesus conhecia os corações e sabia que essa fé temporária não era a fé salvadora. Concordo com Warren Wiersbe quando ele diz: “Uma coisa é reagir a um milagre; outra bem diferente é assumir um compromisso com Jesus Cristo e permanecer em sua palavra (8.30,31)”. Tasker é claro nesse ponto: “Embora eles cressem em Jesus, Jesus não cria neles. Jesus não tinha fé na fé deles. Jesus considerou toda a crença que depositavam nele como algo superficial, desprovida do mais essencial elemento, a necessidade de perdão e a convicção de que Jesus somente é o mediador do perdão”.

Werner de Boor tem razão em ressaltar que Jesus “conhece” não apenas Natanael, vendo-o numa hora especial de sua vida (1.47-49), mas conhece “todos”, todos em Jerusalém que estão entusiasmados com seus milagres e “confiam” nele, mas enganam a si mesmos e não sabem qual é a sua verdadeira situação.

MacArthur alerta do perigo de confundir a fé salvadora com a fé espúria. A diferença entre a fé espúria e a fé salvadora é crucial. E a diferença entre a fé viva e a fé morta (Tg 2.17); entre o ímpio que irá para a condenação e o justo que entrará na vida eterna (Mt 25.46), entre aqueles que ouvirão: Muito bem, servo bom e fiel […] participa da alegria do teu senhor! (Mt 25.21) e aqueles que ouvirão: Nunca vos conheci; afastai-vos de mim, vós que praticais o mal (Mt 7.23).56

Jesus não pode confiar-se aos homens; pode apenas morrer por eles. Entre Jesus e nós, há uma grande distância. Ele conhece o nosso coração e as nossas motivações. E não se deixa enganar. Ele jamais confunde trigo com joio, pois conhece verdadeiramente suas ovelhas.

Texto extraído do Comentário de João do Pr. Hernandes D. Lopes

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