sexta-feira, 6 de março de 2020

Missionário atravessa geleiras para compartilhar o Evangelho no norte da Sibéria


No lugar não há estradas, e as pessoas usam lagos e rios congelados para se locomover em renas ou motos de neve.

O missionário Peter Khudi viaja regularmente à Sibéria para ministrar aos moradores. (Foto: Reprodução/CBN News)

O missionário Peter Khudi viaja regularmente à Sibéria para ministrar aos moradores. (Foto: Reprodução/CBN News)

O missionário cristão Peter Khudi leva a cabo a ordenança de Jesus para que todos os cristãos preguem o Evangelho até os confins da terra, já que Khudi faz isso literalmente no norte da Sibéria, região considerada como o fim do mundo.



Missionários chega em Yamal para compartilhar o Evangelho com moradores. (Foto: Reprodução/YouTube)
“Não há estradas aqui. As pessoas usam lagos e rios congelados para se locomover em renas ou motos de neve”, relata George Thomas, que acompanha o evangelista até um dos lugares mais remotos do planeta.
Essa é a vida na tundra gelada de uma cidade remota na Rússia, onde a temperatura geralmente oscila entre menos 30 e menos 60 graus centígrados de temperatura.
Mesmo essas condições insanamente brutais na Península de Yamal, que se traduz como o “fim do mundo”, não impedem os cristãos de fazer a difícil jornada para compartilhar as boas novas do Evangelho.
Crianças de Yamal recebem presentes entregues pelo missionário chinês. (Foto: Reprodução/YouTube)
Thomas fez a louca jornada de quatro horas em moto de neve ao lado de um missionário Khudi que fazia essa viagem regularmente para ministrar a esse grupo remoto de pessoas.
Além de compartilhar o evangelho, o missionário leva presentes para as crianças.
Em sua passagem pela região, Thomas chegou a ficar quatro horas em uma moto de neve para ministrar a um grupo de pessoas.
No vídeo é possível ver como o missionário se prepara para enfrentar o frio e a locomoção difícil para chegar até os povos ainda não alcançados.
“Peter pertence à maior tribo nômade chamada Nin Yets e é mais do que apenas um guia, você vê que ele é cristão e, nos últimos anos, compartilha o evangelho de Jesus Cristo com sua tribo e outros que vivem aqui na Tundra”, explica Thomas no vídeo.


FONTE: GUIAME, GOSPELPRIME, COM INFORMAÇÕES DA CBN NEWS

Deus, o trabalho e a prosperidade

A prosperidade financeira obedece a normas, regras e métodos estabelecidos. Por outro lado, da perspectiva bíblica, a prosperidade é um dom de Deus. É ele quem concede saúde, oportunidades, inteligência, e tudo o mais que é necessário para o sucesso financeiro. E isso, sem distinção de pessoas quanto ao que crêem e quanto ao que contribuem financeiramente para as comunidades às quais pertencem. Deus faz com que a chuva caia e o sol nasça para todos, justos e injustos, crentes e descrentes, conforme Jesus ensinou (Mateus 5:45). Não é possível, de acordo com a tradição reformada, estabelecer uma relação constante de causa e efeito entre contribuições, pagamento de dízimos e ofertas e mesmo a religiosidade, com a prosperidade financeira. Várias passagens da Bíblia ensinam os crentes a não terem inveja dos ímpios que prosperam, pois cedo ou tarde haverão de ser punidos por suas impiedades, aqui ou no mundo vindouro.
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Através dos séculos, as religiões vêm pregando que existe uma relação entre Deus e a prosperidade material das pessoas. No Antigo Oriente, as religiões consideradas pagãs estabeleceram milênios atrás um sistema de culto às suas divindades que se baseava nos ciclos das estações do ano, na busca do favor dessas divindades mediante sacrifícios de vários tipos e na manifestação da aceitação divina mediante as chuvas e as vitórias nas guerras. A prosperidade da nação e dos indivíduos era vista como favor dos deuses, favor esse que era obtido por meio dos sacrifícios, inclusive humanos, como os oferecidos ao deus Moloque. No Egito antigo a divindade e poder de Faraó eram mensurados pelas cheias do Nilo. As religiões gregas, da mesma forma, associavam a prosperidade material ao favor dos deuses, embora estes fossem caprichosos e imprevisíveis. As oferendas e sacrifícios lhes eram oferecidas em templos espalhados pelas principais cidades espalhadas pela bacia do Mediterrâneo, onde também haviam templos erigidos ao imperador romano, cultuado como deus.
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A religião dos judeus no período antes de Cristo, baseada no Antigo Testamento, também incluía essa relação entre a ação divina e a prosperidade de Israel. Tal relação era entendida como um dos termos da aliança entre Deus e Abraão e sua descendência. Na aliança, Deus prometia, entre outras coisas, abençoar a nação e seus indivíduos com colheitas abundantes, ausência de pragas, chuvas no tempo certo, saúde e vitória contra os inimigos. Essas coisas eram vistas como alguns dos sinais e evidências do favor de Deus e como testes da dependência dele. Todavia, elas eram condicionadas à obediência e só viriam caso Israel andasse nos seus mandamentos, preceitos, leis e estatutos. Estes incluíam a entrega de sacrifícios de animais e ofertas de vários tipos, a fidelidade exclusiva a Deus como único Deus verdadeiro, uma vida moral de acordo com os padrões revelados e a prática do amor ao próximo. A falha em cumprir com os termos da aliança acarretava a suspensão dessas bênçãos. Contudo, a inclusão na aliança, o favor de Deus e a concessão das bênçãos não eram vistos como meritórios, mas como favor gracioso de Deus que soberanamente havia escolhido Israel como seu povo especial.

O Cristianismo, mesmo se entendendo como a extensão dessa aliança de Deus com Abraão, o pai da fé, deu outro enfoque ao papel da prosperidade na relação com Deus. Para os primeiros cristãos, a evidência do favor de Deus não eram necessariamente as bênçãos materiais, mas a capacidade de crer em Jesus de Nazaré como o Cristo, a mudança do coração e da vida, a certeza de que haviam sido perdoados de seus pecados, o privilégio de participar da Igreja e, acima de tudo, o dom do Espírito Santo, enviado pelo próprio Deus ao coração dos que criam. A exultação com as realidades espirituais da nova era que raiou com a vinda de Cristo e a esperança apocalíptica do mundo vindouro fizeram recuar para os bastidores o foco na felicidade terrena temporal, trazida pelas riquezas e pela prosperidade, até porque o próprio Jesus era pobre, bem como os seus apóstolos e os primeiros cristãos, constituídos na maior parte de órfãos, viúvas, soldados, diaristas, pequenos comerciantes e lavradores. Havia exceções, mas poucas. Os primeiros cristãos, seguindo o ensino de Jesus, se viam como peregrinos e forasteiros nesse mundo. O foco era nos tesouros do céu.

A Idade Média viu a cristandade passar por uma mudança nesse ponto (e em muitos outros). A pobreza quase virou sacramento, ao se tornar um dos votos dos monges, apesar de Jesus Cristo e os apóstolos terem condenado o apego às riquezas e não as riquezas em si. Ao mesmo tempo, e de maneira contraditória, a Igreja medieval passou a vender por dinheiro as indulgências, os famosos perdões emitidos pelo papa (como aqueles que fizeram voto de pobreza poderiam comprá-los?). Aquilo que Jesus e os apóstolos disseram que era um favor imerecido de Deus, fruto de sua graça, virou objeto de compra. Milhares de pessoas compraram as indulgências, pensando garantir para si e para familiares mortos o perdão de Deus para pecados passados, presentes e futuros.

A Reforma protestante, nascida em reação à venda das indulgências, entre outras razões, reafirmou o ensino bíblico de que o homem nada tem e nada pode fazer para obter o favor de Deus. Ele soberana e graciosamente o concede ao pecador arrependido que crê em Jesus Cristo, e nele somente. A justificação do pecador é pela fé, sem obras de justiça, afirmaram Lutero, Calvino, Zwinglio e todos os demais líderes da Reforma. Diante disso, resgatou-se o conceito de que o favor de Deus não se pode mensurar pelas dádivas terrenas, mas sim pelo dom do Espírito e pela fé salvadora, que eram dados somente aos eleitos de Deus. O trabalho, através do qual vem a prosperidade, passou a ser visto, particularmente nas obras de Calvino, como tendo caráter religioso. Acabou-se a separação entre o sagrado e o profano que subjaz ao conceito de que Deus abençoa materialmente quem lhe agrada espiritualmente. O calvinismo é, precisamente, a primeira ética cristã que deu ao trabalho um caráter religioso. Mais tarde, esse conceito foi mal compreendido por Max Weber, que traçou sua origem à doutrina da predestinação como entendida pelos puritanos do século XVIII. Weber defendeu que os calvinistas viam a prosperidade como prova da predestinação, de onde extraiu a famosa tese que o calvinismo é o pai do capitalismo. As conclusões de Weber têm sido habilmente contestadas por estudiosos capazes, que gostariam que Weber tivesse estudado as obras de Calvino e não somente os escritos dos puritanos do séc. XVIII.
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Atualmente, em nosso país, a ideia de que Deus sempre abençoa materialmente aqueles que lhe agradam vem sendo levada adiante com vigor, não pelos calvinistas e reformados em geral, mas pelas igrejas evangélicas chamadas de neopentecostais, uma segunda geração do movimento pentecostal que chegou ao Brasil na década de 1900. A mensagem dos pastores, bispos e “apóstolos” desse movimento é que a prosperidade financeira e a saúde são a vontade de Deus para todo aquele que for fiel e dedicado à Igreja e que sacrificar-se para dar dízimos e ofertas. Correspondentemente, os que são infiéis nos dízimos e ofertas são amaldiçoados com quebra financeira, doenças, problemas e tormentos da parte de demônios. Na tentativa de obter esses dízimos e ofertas, os profetas da prosperidade promovem campanhas de arrecadação alimentadas por versículos bíblicos freqüentemente deslocados de seu contexto histórico e literário, prometendo prosperidade financeira aos dizimistas e ameaçando com os castigos divinos os que pouco ou nada contribuem.

O crescimento vertiginoso de igrejas neopentecostais que pregam a prosperidade só pode ser explicado pela idéia equivocada que o favor de Deus se mede e se compra pelo dinheiro, pelo gosto que os evangélicos no Brasil ainda têm por bispos e apóstolos, pela idéia nunca totalmente erradicada que pastores são mediadores entre Deus e os homens e pelo misticismo supersticioso da alma brasileira no apego a objetos considerados sagrados que podem abençoar as pessoas. Quando vejo o retorno de grandes massas ditas evangélicas às práticas medievais de usar no culto a Deus objetos ungidos e consagrados, procurando para si bispos e apóstolos, imersas em práticas supersticiosas e procurando obter prosperidade material por meio de pagamento de dízimos e ofertas me pergunto se, ao final das contas, o neopentecostalismo brasileiro e sua teologia da prosperidade não são, na verdade, filhos da Igreja medieval, uma forma de neo-catolicismo tardio que surge e cresce em nosso país onde até os evangélicos têm alma medieval. Facebook Twitter Google Whatsapp
Augustus Nicodemus Lopes

Por Augustus Nicodemus Lopes.

Dr. Augustus Nicodemus (@augustuslopes) é atualmente pastor da Primeira Igreja Presbiteriana de Recife, vice-presidente do Supremo Concílio

quinta-feira, 5 de março de 2020

Perdemos a guerra cultural?

Solano Portela

Uma das questões menos compreendidas nas últimas décadas é o impacto do cristianismo na civilização ocidental. Pessoas simplesmente assumem valores que conservam a sociedade coesa, como se sempre tivesse sido assim e como se isso fosse continuar para sempre. Crentes se alienam em exercícios semanais de devoção e excitação espiritual com poucos reflexos morais e nas atividades do dia a dia. Vivem em staccato, de domingo a domingo, ansiando pelos ajuntamentos, sem serem verdadeiramente sal da terra e luz do mundo. Esquecem-se das lições da história, de que a Reforma do Século 16 tirou a civilização ocidental das trevas características da idade média, com a sua mensagem e influência.

Descrentes querem viver a vida moral dissoluta, mas dentro de uma estrutura da sociedade que garanta sua segurança, seus bens, seu progresso profissional, sua voz de reclamar, de reivindicar, de usufruir do avanço da ciência e dos bens de consumo, de desfrutar as benesses do “capitalismo”, sem se aperceberem que tais “direitos” vieram exatamente porque a sociedade ocidental, ou a cultura judaico-cristã influenciou a construção dessa sociedade em que vivemos e na qual estamos acostumados a coexistir. Estão cegos quanto ao obscurantismo que impera nas regiões onde a influência do cristianismo cessou de existir, ou onde ainda não chegou. Não enxergam os exemplos presentes e que a norma, para uma humanidade caída em violência e pecado, é a desvalorização da vida que se observa onde impera o islamismo, ou o hedonismo cruel das ditaduras despóticas que adoram algum “líder supremo”, que assim se autoelege.

Na medida em que valores cristãos vão sendo ridicularizados e descartados essa sociedade vai se fragmentando cada vez mais. Não é surpresa para ninguém que a falta de ênfase primária à questão de segurança tem levado à criminalidade desenfreada (pelos valores cristãos, este seria o propósito principal do governo, segundo Romanos 13.1-7). A ignorância do valor da honestidade (pelos valores cristãos, a cobiça é condenada) permeia não somente os políticos e empresários corruptos, mas o dia a dia das pessoas, que também querem levar vantagens indevidas. O descaso pela instituição do matrimônio (pelos valores cristãos, é a união entre um homem e uma mulher), tem desfigurado a célula mãe da sociedade e desnudado um futuro grotesco onde o comportamento pecaminoso é glorificado e elevado como expressão máxima da liberdade individual, que se coloca acima de qualquer padrão ou princípio. O desrespeito à propriedade (pelos valores cristãos, o mandamento “não furtarás”, continua válido, como os demais que regulam as relações entre os semelhantes), tem levado a protestos ou reivindicações com quebra-quebras, invasões, apropriações e espoliações do que é alheio.

Nesse cenário, algumas vozes, conscientes dos benefícios de uma sociedade firmada em cima de princípios cristãos, têm proclamado que estamos em outra era. Devemos mesmo é esquecer essa sociedade que conhecemos e admitir que perdemos a guerra cultural. O mal venceu. A situação não vai melhorar e estamos irremediavelmente fadados ao ostracismo, à rejeição, ao ridículo e até à extinção como tribo defensora de valores e princípios ultrapassados. Nem todos, mas muitos evangélicos, desde os rincões mais arminianos até os bolsões conhecidos como reformados, têm abraçado esse entendimento.

O que fazer, então? A escritora Leah Farish[1] aponta algumas respostas que têm surgido de autores fora do campo evangélico. O russo-ortodoxo Rod Dreher escreveu um livro intitulado The Benedict Option (A Opção Benedito), que vem causando furor e muita discussão, até em meios reformados. Nesse livro, analisando a sociedade norte-americana, ele aponta a perda inexorável dos limites de civilidade e a crescente hostilidade aos princípios cristãos, de tal maneira que não há mais clima de diálogo, promoção ou aprendizado dos valores cristãos. A solução, para aqueles que ainda presam esses valores, seria se fecharem em comunidades nas quais esses princípios pudessem ainda ser observados. Um outro autor, desta feita católico romano, Alasdair McIntyre, também tem ideias semelhantes e advoga essa clausura de autopreservação para que essa nova idade negra, na qual reinarão bárbaros filosóficos, possa ser atravessada.[2]

As referências da Opção Benedito, são, em parte, a pontuações feitas pelo atual Papa[3] (Benedito, ou Bento XVI). No entanto a lembrança é levada, mais especificamente, ao Benedito (ou Bento) do 6º Século d.C. (480-547 – não confundir com o Benedito do século 16, 1526-1589), quando os cristãos fugiram dos bárbaros e se agruparam no deserto, carregando consigo o germe redentor da civilização que estava em perigo. A referência é que a barbárie demanda o retorno a um isolamento em mosteiros.

Mas será que essa análise está correta? Sem descartar a precisa visão dos problemas filosóficos, éticos e comportamentais que nos assolam, as soluções apresentadas não parecem se harmonizar com a visão de uma compreensão bíblica adequada, resgatada pela teologia da Reforma do Século 16. A Bíblia não ensina o monasticismo como solução à pecaminosidade do mundo (Assim orou Jesus: “Não peço que os tires do mundo, mas que os livres do mal”, João 17.9), mas o envolvimento firmado na verdade para que sejamos “sal da Terra” (Mateus 5.13), preservando a sociedade na qual vivemos; e “luz do mundo” (Mateus 5.14); luz no meio das trevas, apontando os caminhos e revelando a iniquidade pelo contraste com a verdade proclamada.

Com isso parece concordar Leah Farish, que diz, no artigo já citado, “a Opção Benedito contrasta com as raízes da fé reformada”! As 95 teses de Lutero foram um manifesto explosivo contra a cultura reinante; Calvino lutou para reformar o pedaço de civilização sobre o qual tinha autoridade e sua influência sobre a cultura do mundo ocidental é imensurável. Pode haver alguma validade na sugestão dos crentes verdadeiros se agruparem, em reflexão, para estudarem a Palavra e delinearem estratégias sobre a batalha na qual já estamos envolvidos, mas nunca recorrer à formação de um gueto cristão. Leah Farish relembra que os Judeus, na Polônia, inicialmente ficaram satisfeitos em serem colocados em comunidades reclusas, os guetos. Afinal, iam poder viver em paz, sem perseguição e praticar sua religião. Mas, o extermínio foi o passo subsequente.

Como Paulo, reivindiquemos nossa “cidadania romana”, e proclamemos o que temos de proclamar!

[1] Artigo postado no site da World Reformed Fellowship (WRF): Is The Benedict Option an Option?, disponível em: http://wrfnet.org/articles/2017/03/wrf-member-leah-farish-asks-benedict-option-really-option#.WNJ8rYWcGP8
[3] Por exemplo: “Estamos nos movendo em direção a uma ditadura do relativismo, que não reconhece nada como certo e cujo objetivo supremo é o ego e os desejos de cada um”, citado em: http://www.catholic.org/news/national/story.php?id=34057

Paulo Freire – Uma avaliação relâmpago




















É sempre surpreendente, para mim, ver que a maioria das referências feitas ao professor Paulo Freire (1921-1997) são benevolentes e eivadas de admiração. Ele é, via de regra, apresentado como um educador de vanguarda e os termos elogiosos procuram descrever a sua contribuição à filosofia educacional não somente no Brasil, mas em escala mundial. Na realidade, essa abordagem deveria ser esperada, considerando a massiva exposição de sua pessoa; a ampla aceitação acrítica e promoção de sua metodologia (apesar de ser pouco analisada em detalhes[1]); e a divulgação decorrente de sua figura mitológica nos círculos intelectuais e acadêmicos. Realmente, é de se esperar a ocorrência de tal popularidade procedente de uma academia formada e que subsiste submersa no marxismo cultural. O marxismo também embalou e embasou os escritos e discursos do Freire.
O seu livro inicial foi Educação como prática da liberdade (1967).[2] Após esse livro, ele foi pródigo no desenvolvimento de várias “pedagogias”. Na sequência Freire escreveu Pedagogia do oprimido (escrito em 1968, publicado em 1970), enquanto esteve no Chile e que está traduzido para mais de 40 idiomas;[3] Pedagogia da esperança (1992);[4] Pedagogia da autonomia (1997)[5] e as compilações de artigos e palestras publicadas após sua morte, por sua filha, chamadas de Pedagogia da Indignação (2000)[6] e Pedagogia da Tolerância (2005).[7] Freire é também conhecido como autor do “Método Paulo Freire” de alfabetização de adultos. Este consiste na utilização de vocábulos conhecidos do grupo a ser alfabetizado, como ponto de partida, para, a seguir, subdividi-los em partículas menores que serviriam de base à alfabetização.[8]
            Na Pedagogia do Oprimido, Freire faz quase um registro autobiográfico, relacionando o que chama de anseios democráticos, o desenvolvimento de uma mente democrática, mas que reflete, na realidade, uma visão de uma sociedade oprimida tanto pelas forças econômicas, como pelo exercício da autoridade das chamadas “esferas dominantes”. Ele traça paralelos com a sua transição de criança a adolescente, extrapolando consequências de um relacionamento com os pais, baseado no castigo, para a esfera da sociedade. Nesse trabalho de Freire temos mais um libelo social contra as “esferas dominantes”, do que uma fórmula pedagógica que dê relevância ao processo educacional. Freire não está errado ao apontar injustiças ou abusos de autoridade, que levam à opressão. No entanto, as respostas, presas a uma visão anacrônica de estruturas político-econômicas marxistas, que faliram no leste europeu e em outras experiências sociais do mundo, têm como base uma cosmovisão equivocada, na qual o fator pecado não existe. Existem injustiças, existem violências, mas, em sua compreensão, as pessoas são basicamente boas. A boa percepção, por falta de um alicerce filosófico veraz, leva a anseios e constatações, mas não a respostas eficazes.
            Na Pedagogia da Esperança, Freire retoma o tema, fazendo extensa referência à sua obra anterior, e aponta que no meio de disfunções sociais é necessária a existência da esperança. O papel da educação seria fornecer essa esperança, indicando as possibilidades da história. Os educadores “progressistas” enfrentarão as barreiras, oligarquias e “situações limites” para imprimir essa esperança de um mundo melhor. Apesar de palavras de esperança, a pedagogia contemporânea acaba removendo a esperança, pois essa nunca cruza a linha da incerteza e anseio, para a da expectativa de uma certeza de redenção. Baseando a esperança numa confiança irrestrita na humanidade, desconhecendo que as disfunções são mais profundas e só podem ser lidadas e trabalhadas em um contexto no qual Deus seja reconhecido e se faça presente (como o fez, na pessoa de Jesus Cristo), a pedagogia contemporânea falha em dar as respostas que procura. Esperança redentiva é fé; “é a certeza das coisas que se esperam, a convicção de fatos que se não veem”.[9] É mais do que meros sonhos de alívio das necessidades materiais presentes.
            Na Pedagogia da Autonomia, Freire dá continuidade às suas análises, desta feita procurando dar lições pontuais aos professores, para que aprimorem a sua prática de ensino dentro do relacionamento professor-aluno-escola. Muitos desses conselhos são de grande valia. Outros apontam, ainda, uma dependência muito grande em conceitos correntes totalmente humanistas, nos quais a dimensão do divino está conspicuamente ausente. Trabalhando apenas na parte inferior da realidade, esquecendo-se do transcendente, suas conclusões são consequentemente imprecisas e imperfeitas. Francis Schaeffer aponta o perigo:
... em todos os casos em que o “inferior” se tornou autônomo, não importa que nome tenha se dado a isso, não demorou muito para que o “inferior” engolisse o “superior”. Não apenas Deus desapareceu, mas também a liberdade e o próprio homem também sumiram.[10]
            Ainda assim, nesse livro, vemos até um Freire mais maduro, talvez sem tanta convicção de suas lealdades político-sociais do passado. No entanto, ele ainda insiste em indicar que o caminho para o sucesso na educação é a libertação da heteronomia. Essa rejeição teórica da lei (vamos ver, na frente que ela é mais teórica do que prática) confunde ainda mais a já abalada mente de nossos professores. Em Pedagogia da Autonomia, Freire diz:
Se trabalho com crianças, devo estar atento à difícil passagem ou caminhada da heteronomia para a autonomia, atento à responsabilidade de minha presença que tanto pode ser auxiliadora, como pode virar perturbadora da busca inquieta dos educandos... primordialmente a minha postura tem de ser a de respeito à pessoa que queira mudar ou que recuse mudar.[11]
Freire não tem alternativa a não ser apegar-se a um antropocentrismo radical e isso está explícito nessa obra:
... jamais abandonei a minha preocupação primeira, que sempre me acompanhou, desde os começos de minha experiência educativa: a preocupação com a natureza humana a que devo a minha lealdade sempre proclamada. Antes mesmo de ler Marx já fazia minhas as suas palavras; já fundava a minha radicalidade na defesa dos legítimos interesses humanos... Prefiro ser criticado como idealista e sonhador inveterado por continuar, sem relutar, a apostar no ser humano.[12]
            A Pedagogia da Autonomia é uma catarse pessoal, onde Freire reflete a sua cosmovisão e, baseado nela, oferece diversos conselhos práticos aos professores. Muitos têm se escudado em Freire, até como modelo pedagógico às escolas cristãs. No entanto, ele está longe de ter um plano mestre, coerente, de diretrizes que sirvam à educação cristã. Após a leitura de suas obras continuamos carentes de uma relevância maior ao processo educativo – que transcenda a míope visão cadente do homem-deus e que não se perca em lamúrias sociológicas, sem ofertar respostas reais aos problemas constatados.
No entanto, deve-se reconhecer que, ao mesmo tempo em que defende autonomia, Freire não chega a descolar por completo da necessidade de responsabilidade e de limites na prática educacional (pontos relevantes igualmente compartilhados pela educação escolar cristã). Diz ele:
O professor que se exime do cumprimento de seu dever, de propor limites à liberdade do aluno, que se furta ao dever de ensinar, de estar respeitosamente presente à experiência formadora do educando, transgride os princípios fundamentalmente éticos de nossa existência.[13]
Isso equivale a um reconhecimento dos valores cristãos, ainda que incoerentemente com o restante do seu pensamento. Em diferentes ocasiões ele se apega a princípios tais como ética: a existência de certo e errado; limites e leis; o dever de ensinar, como missão, com responsabilidade e sacrifício. Freire está prestando homenagem, sem perceber, a princípios absolutos preciosos ao cristianismo.
            No mesmo tom, mais à frente neste mesmo livro, ele se posiciona contra a “liberdade sem limites”;[14] indica a “impossibilidade da neutralidade em educação”,[15] e que o professor tem que se aperceber que, “por não ser neutra, minha prática exige de mim uma definição”.[16] Continua, ainda: “Neutra, ‘indiferente’... a educação jamais foi, é, ou será”.[17] Até o destaque dos conteúdos – palavra que contemporaneamente equivale a uma depreciação da escola que os valoriza, é encontrada na obra de Freire, quando ele escreve que o professor deve “ensinar certo e bem os conteúdos[18] de sua disciplina.
            Estes últimos pontos de convergência não são suficientes, entretanto, para obscurecer as divergências do pensamento de Paulo Freire com o a filosofia cristã de educação, ou com a própria visão da sociedade que a comunidade cristã extrai das Escrituras, como conjunto de valores e práticas que mais se aproxima da realidade e dos caminhos a serem trilhados por cidadãos responsáveis perante Deus e os homens.
            Creio que Paulo Freire continuará a ser exaltado pelo mundo acadêmico, que se delicia tanto por ideias pseudo-complexas, como por truísmos intelectualizados, ambos tão ao gosto de uma suposta elite interpretativa, que gravita acima dos meros e simples mortais. Nessas categorias encontramos muito do que Paulo Freire escreveu, como por exemplo, “Na verdade, seria incompreensível se a consciência de minha presença no mundo não significasse já a impossibilidade de minha ausência na construção da própria presença”.[19] Pensamento esse, que foi muito bem traduzido e expresso pelo palhaço Tiririca, quando disse: “Muitas vezes tentei fugir de mim, mas aonde eu ia, eu tava”.

Autor: Solano Portela, 2019


[1] É relevante que até o famoso “Método Paulo Freire” de alfabetização de adultos, segundo reportagem da Rádio Câmara, com o Prof. Afonso Celso Scocuglia, um de seus admiradores, foi desenvolvido e os seus postulados estabelecidos, após uma experiência em uma sala de aula com apenas 5 alunos, dos quais 2 desistiram e apenas 3 foram alfabetizados. Texto disponível no site:
[2] FREIRE, Paulo. Educação como prática da Liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983. 160 pgs.
[3] FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. 184 pgs. Este livro já vai na 38ª edição.
[4] FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. 245 pgs.
[5] FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1996, 2000 – 16ª Ed. 165 pgs. Este livro já vai na 37ª edição.
[6] FREIRE, Paulo. Pedagogia da Indignação – compilação de Ana Maria Araújo Freire. São Paulo: UNESP, 2000. 134 pgs.
[7] FREIRE, Paulo, Pedagogia da Tolerância – compilação de Ana Maria Araújo Freire. São Paulo: UNESP, 2005. 329 pgs.
[8] Esse método teve aplicação limitada, pelo próprio autor, em Pernambuco, antes de seu exílio no Chile. Vide nota 1, acima.
[9] Hebreus 11.1
[10] SCHAEFFER, Francis. A Morte da Razão: a desintegração da vida e da cultura moderna. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana (Editora Cultura Cristã), 2002, 95.
[11] FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1996, 2000 – 16ª Ed., 78 e 79.
[12] FREIRE, Paulo. Ibid., 145 e 136.
[13] FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1996, 2000 – 16ª Ed. P. 66.
[14] FREIRE, Paulo. Ibid., 118.
[15] FREIRE, PauloIbid., 126.
[16] FREIRE, Paulo. Ibid, 115.
[17] FREIRE, Paulo. Ibid, 111.
[18] FREIRE, Paulo. Ibid, 116.
[19] FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2008, p. 19.
Solano Portela

 Solano Portela.

O Prof. Solano Portela prega e ensina na Igreja Presbiteriana de Santo Amaro, onde tem uma classe dominical, que aborda as doutrinas contidas na Confissão de Fé de Westminster.

HORA DE PENSAR NO PAPEL DA IGREJA


A igreja evangélica no Brasil deve refletir sobre os tempos que vivemos em nosso país. São tempos de perplexidade, inquietações e oportunidades. Listei abaixo alguns pontos que penso que devem fazer parte dessa reflexão.

1) Ao que tudo indica, é apenas uma questão de tempo até os valores da visão cristã de mundo, que mesmo superficialmente moldaram a cultura brasileira, sejam excluídos da política, economia, arte, educação e que o paganismo domine essas áreas. Ainda que os evangélicos representem um terço da população brasileira, caminham para perder a guerra cultural sobre aborto, ideologia de gênero, pedofilia, poligamia, e outras questões.

2) As dimensões e a profundidade da corrupção e desonestidade instaladas em todas as áreas do poder político e financeiro no Brasil ultrapassam qualquer esperança de mudança que cristãos fiéis e íntegros possam ter. Uma vez perdida a esperança da instalação dos valores do Reino de Deus aqui no país, devemos perguntar qual o papel da igreja cristã numa democracia corroída pela desonestidade, mentira e ganância, e que é irrecuperável.

3) A igreja evangélica perdeu sua autoridade para profetizar. A teologia da prosperidade ensinada em igrejas neopentecostais lança uma sombra de desconfiança sobre a verdadeira intenção de seus pastores e fundadores e os coloca, diante dos olhos do público, na mesma vala comum dos políticos gananciosos e corruptos. As alas da igreja evangélica que se aliaram e militaram incondicionalmente pelas agendas da esquerda ou da direita perderam todo respeito com a exposição constante dos malfeitos dos que representam tanto um lado como o outro. As igrejas históricas estão paralisadas, algumas delas comidas pelo liberalismo teológico que rouba a pregação do Evangelho de seus púlpitos. A igreja cristã perdeu seu discurso público. Quem sabe, agora, seja a hora dela recuperar sua verdadeira missão e pregar o simples e puro Evangelho de Cristo a ricos e pobres.

4) Um grande fatia dos evangélicos no Brasil estão deixando as denominações históricas e as igrejas pentecostais e neopentecostais e procurando modos alternativos de ser igreja, onde não tenham de se submeter à autoridade espiritual e disciplina moral, onde não haja exigências financeiras e formalidades quanto à membresia. Por um lado, pode representar uma renovação da igreja em sua busca de mais simplicidade, por outro, pode representar um afastamento dos requerimentos bíblicos para a igreja, como acatar liderança espiritual, contribuir financeiramente para a obra de Deus (ajuda aos necessitados e expansão do Reino) e disciplina dos faltosos.

É diante desse quadro pouco esperançoso que oportunidades aparecem, para a igreja refletir sobre seu papel, reformar-se, renovar-se e ser boca de Deus nesse tempo. 

Postado por Augustus Nicodemus Lopes.

Sobre o autor

Dr. Augustus Nicodemus (@augustuslopes) é atualmentepastor da Primeira Igreja Presbiteriana de Goiânia, vice-presidente do Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana doBrasil e presidente da Junta de Educação Teológica da IPB.

Fonte:O Tempora! O Mores!

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