sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

A Vida de George Whitefield – Pregador ao Ar Livre

George Whitefield

Pregador ao ar livre

(1714-1770)

Mais de 100 mil homens e mulheres rodeavam o prega­dor, há mais de duzentos anos, em Cambuslang, Escócia. As palavras do sermão, vivificadas pelo Espírito Santo, ou­viam-se distintamente em todas as partes que formavam esse mar humano. É-nos difícil fazer uma idéia do vulto da multidão de 10 mil penitentes que responderam ao apelo para se entregarem ao Salvador. Estes acontecimentos ser­vem-nos como um dos poucos exemplos do cumprimento das palavras de Jesus: “Na verdade vos digo que aquele que crê em mim também fará as obras que eu faço, e as fa­rá maiores do que estas, porque vou para meu Pai” (João 14.12).

Havia “como um fogo ardente encerrado nos ossos” deste pregador, que era Jorge Whitefield. Ardia nele um zelo santo de ver todas as pessoas libertas da escravidão do pecado. Durante um período de vinte e oito dias fez a incrí­vel façanha de pregar a 10 mil pessoas diariamente. Sua voz se ouvia perfeitamente a mais de um quilômetro de distância, apesar de fraco de físico e de sofrer dos pulmões.Não havia prédio no qual coubessem os auditórios e, nos países onde pregou, armava seu púlpito nos campos, fora das cidades. Whitefield merece o título de príncipe dos pregadores ao ar livre, porque pregava em média dez vezes por semana, e isso fez durante um período de trinta e qua­tro anos, em grande parte sob o teto construído por Deus -os céus.

A vida de Jorge Whitefield era um milagre. Nasceu em uma taberna de bebidas alcoólicas. Antes de completar três anos, seu pai faleceu. Sua mãe casou-se novamente, mas a Jorge foi permitido continuar os estudos na escola. Na pensão de sua mãe, fazia a limpeza dos quartos, lavava roupa e vendia bebidas no bar. Estranho que pareça e ape­sar de não ser salvo, interessava-se grandemente pela lei­tura das Escrituras, lendo a Bíblia até alta noite prepa­rando sermões. Na escola era conhecido como orador: Sua eloqüência era natural e espontânea, um dom extraordiná­rio de Deus, dom que possuía sem ele mesmo saber.

Custeou os próprios estudos em Pembroke College, Ox­ford, servindo como garçom em um hotel. Depois de estar algum tempo em Oxford, ajuntou-se ao grupo de estudan­tes a que pertenciam João e Carlos Wesley. Passou muito tempo, como os demais do grupo, jejuando e esforçando-se para mortificar a carne, a fim de alcançar a salvação, sem compreender que “a verdadeira religião é a união da alma com Deus e a formação de Cristo em nós.”

Acerca da sua salvação, escreveu algum tempo antes de morrer: “Sei o lugar onde… Todas as vezes que vou a Ox­ford, sinto-me impelido a ir primeiro a este lugar onde Je­sus se revelou a mim, pela primeira vez, e me deu o novo nascimento”.

Com a saúde abalada, talvez pelo excesso de estudo, Jorge voltou a casa para recuperá-la. Resolvido a não cair no indiferentismo, inaugurou uma classe bíblica para jo­vens que, como ele, desejavam orar e crescer na graça de Deus. Visitavam diariamente os doentes e os pobres e, fre­qüentemente, os prisioneiros nas cadeias, para orarem com eles e prestarem-lhes qualquer serviço manual que pudes­sem. Jorge tinha no coração um plano que consistia em pre­parar cem sermões e apresentar-se para ser separado para o ministério. Porém quando havia preparado apenas um sermão, seu zelo era tanto, que a igreja insistia em ordená-lo, tendo penas vinte e um anos apesar de ser regra não aceitar ninguém para tal cargo, com menos de 23 anos.

O dia antes da sua separação para o ministério, passou-o em jejum e oração. Acerca desse fato, ele escreveu: “À tarde, retirei-me para um alto, perto da cidade, onde orei com instância durante duas horas, pedindo a meu favor e também por aqueles que estavam para ser separados comi­go. No domingo, levantei-me de madrugada e orei sobre o assunto da epístola de Paulo a Timóteo, especialmente sobre o preceito: ‘Ninguém despreze a tua mocidade’. Quando o ancião me impôs as suas mãos, se meu vil cora­ção não me engana, ofereci todo o meu espírito, alma e cor­po para o serviço no santuário de Deus… Posso testificar; perante os céus e a terra, que dei-me a mim mesmo, quan­do o ancião me impôs as mãos, para ser um mártir por aquele que foi pregado na cruz em meu lugar”.

Os lábios de Whitefield foram tocados pelo fogo divino do Espírito Santo na ocasião da sua separação para o mi­nistério. No domingo seguinte, naquela época de gelo espi­ritual, pregou pela primeira vez. Alguns se queixaram de que quinze dos ouvintes enlouqueceram ao ouvirem o ser­mão. O ancião, porém, compreendendo o que se passava, respondeu que seria muito bom, se os quinze não se esque­cessem da sua “loucura” antes de chegar o outro domingo.

Whitefield nunca se esqueceu nem deixou de aplicar a si as seguintes palavras do Doutor Delaney: “Desejo, todas as vezes que subir ao púlpito, considerar essa oportunida­de como a última que me é dada de pregar, e a última dada ao povo de ouvir”. Alguém assim escreveu sobre uma de suas pregações: “Quase nunca pregava sem chorar e sei que as suas lágrimas eram sinceras. Ouvi-o dizer: ‘Vós me censurais porque choro. Mas, como posso conter-me, quando não chorais por vós mesmos, apesar das vossas al­mas mortais estarem a beira da destruição? Não sabeis se estais ouvindo o último sermão, ou não, ou se jamais tereis outra oportunidade de chegar a Cristo!” Chorava, às vezes, até parecer que estava morto e custava a recuperar as forças. Diz-se que os corações da maioria dos ouvintes eram derretidos pelo calor intenso de seu espírito, como prata na fornalha do refinador.

Quando estudante no colégio de Oxford, seu coração ar­dia de zelo e pequenos grupos de alunos se reuniam no seu quarto, diariamente; eles eram movidos, como os discípu­los logo depois do derramamento do Espírito Santo, no Pentecoste. O Espírito continuou a operar poderosamente nele e por ele durante o resto da sua vida, porque nunca abandonou o costume de buscar a presença de Deus. Divi­dia o dia em três partes: oito horas sozinho com Deus e em estudos, oito horas para dormir e as refeições, oito horas para o trabalho entre o povo. De joelhos, lia, e orava sobre as leituras das Escrituras e recebia luz, vida e poder. Le­mos que numa das suas visitas aos Estados Unidos, “pas­sou a maior parte da viagem a bordo, sozinho em oração”. Alguém escreveu sobre ele: “Seu coração encheu-se tanto dos céus que anelava por um lugar onde pudesse agradecer a Deus; e sozinho, durante horas, chorava comovido pelo amor consumidor do seu Senhor”. Suas experiências no ministério confirmavam a sua fé na doutrina do Espírito Santo, como o Consolador ainda vivo, o poder de Deus ope­rando atualmente entre nós.

A pregação de Jorge Whitefield era feita de forma tão vivida que parecia quase sobrenatural. Conta-se que, certa vez pregando a alguns marinheiros, descreveu um navio perdido num furacão. Tudo foi apresentado em manifesta­ções tão reais que, quando chegou ao ponto de descrever o barco afundando, alguns marinheiros pularam dos assen­tos, gritando: “Às baleeiras! Às baleeiras!”. Em outro ser­mão falou acerca dum cego andando na direção dum pre­cipício desconhecido. A cena foi tão real que, quando o pre­gador chegou ao ponto de descrever a chegada do cego à beira do profundo abismo, o camareiro-mor, Chesterfield, que assistia, deu um pulo gritando: “Meu Deus! ele desa­pareceu!”

O segredo, porém, da grande colheita de almas salvas não era a sua maravilhosa voz nem a sua grande eloqüên­cia. Não era também porque o povo tivesse o coração aberto para receber o Evangelho, porque era tempo de grande decadência espiritual entre os crentes.

Também não foi porque lhe faltasse oposição. Repeti­das vezes Whitefield pregou nos campos, porque as igrejas fecharam-lhe as portas. Às vezes nem os hotéis queriam aceitá-lo como hóspede. Em Basingstoke foi agredido a pauladas. Em Staffordshire atiraram-lhe torrões de terra. Em Moorfield destruíram a mesa que lhe servia de púlpito e arremessaram contra ele o lixo da feira. Em Evesham, as autoridades, antes de seu sermão, ameaçaram prendê-lo, se pregasse. Em Exeter, enquanto pregava a dez mil pes­soas, foi apedrejado de tal forma que pensou haver chega­do para ele a hora, como o ensangüentado Estevão, de ser imediatamente chamado à presença do Mestre. Em outro lugar, apedrejaram-no novamente, até ficar coberto de sangue. Verdadeiramente levava no corpo, até a morte, as marcas de Jesus.

O segredo de tais frutos na sua pregação era o seu amor para com Deus. Quando ainda muito novo, passava noites inteiras lendo a Bíblia, que muito amava. Depois de se converter, teve a primeira daquelas experiências de sentir-se arrebatado, ficando a sua alma inteiramente aberta, cheia, purificada, iluminada da glória e levada a sacrifi­car-se, inteiramente, ao seu Salvador. Desde então nunca mais foi indiferente em servir a Deus, mas regozijava-se no alvo de trabalhar de toda a sua alma, e de todas as suas forças, e de todo seu entendimento. Só achava interesse nos cultos e escreveu para sua mãe que nunca mais volta­ria ao seu emprego. Consagrou a vida completamente a Cristo. E a manifestação exterior daquela vida nunca exce­dia a sua realidade interior, portanto, nunca mostrou can­saço nem diminuiu a marcha durante o resto de sua vida.

Apesar de tudo, ele escreveu: “A minha alma era seca como o deserto. Sentia-me como encerrado dentro duma armadura de ferro. Não podia ajoelhar-me sem estar toma­do de grandes soluços e orava até ficar molhado de suor… Só Deus sabe quantas noites fiquei prostrado, de cama, ge­mendo, por causa do que sentia, e ordenando, em nome de Jesus, que Satanás se apartasse de mim. Outras vezes pas­sei dias e semanas inteiros prostrado em terra, suplicando para ser liberto dos pensamentos diabólicos que me dis­traíam. Interesse próprio, rebelião, orgulho e inveja me atormentavam, um após outro, até que resolvi vencê-los ou morrer. Lutei até Deus me conceder vitória sobre eles”.

Jorge Whitefield considerava-se um peregrino errante no mundo, procurando almas. Nasceu, criou-se e diplo­mou-se na Inglaterra. Atravessou o Atlântico treze vezes. Visitou a Escócia quatorze vezes. Foi ao País de Gales vá­rias vezes. Visitou uma vez a Holanda. Passou quatro me­ses em Portugal. Nas Bermudas, ganhou muitas almas para Cristo, como nos demais lugares onde trabalhou.

Acerca do que sentiu em uma das viagens à colônia da Geórgia, Whitefield escreveu: ‘Foram-me concedidas ma­nifestações extraordinárias do alto. Cedo de manhã, ao meio-dia, ao anoitecer e à meia-noite, de fato durante o dia inteiro, o amado Jesus me visitava para renovar-me o cora­ção. Se certas árvores perto de Stonehourse pudessem fa­lar, contariam acerca da doce comunhão, que eu e algumas almas amadas desfrutamos ali com Deus, sempre bendito. Às vezes, quando de passeio, a minha alma fazia tais in­cursões pelas regiões celestes, que parecia pronta a aban­donar o corpo. Outras vezes sentia-me tão vencido pela grandeza da majestade infinita de Deus, que me prostrava em terra e entregava-lhe a alma, como um papel em bran­co, para Ele escrever nela o que desejasse. De uma noite nunca me esquecerei. Relampejava excessivamente. Eu pregara a muitas pessoas e algumas ficaram receosas de voltar a casa. Senti-me dirigido a acompanhá-las e apro­veitar o ensejo para as animar a se prepararem para a vin­da do Filho do homem. Oh! que gozo senti na minha alma! Depois de voltar, enquanto alguns se levantavam das suas camas, assombrados pelos relâmpagos que andavam pelo chão e brilhavam duma parte do céu até outra, eu com mais um irmão ficamos no campo adorando, orando, exul­tando ao nosso Deus e desejando a revelação de Jesus dos céus, uma chama de fogo!”

– Como se pode esperar outra coisa a não ser que as multidões, a quem Whitefield pregava, fossem levadas a bus­car a mesma Presença? Na sua biografia há um grande nú­mero de exemplos como os seguintes: “Oh! quantas lágrimas foram derramadas, com forte clamor, pelo amor do querido Senhor Jesus! Alguns desmaiavam e quando re­cobravam as forças, ouviam e desmaiavam de novo. Ou­tros gritavam como quem sente a ânsia da morte. E depois de eu findar o último discurso, eu mesmo senti-me tão ven­cido pelo amor de Deus que quase fiquei sem vida. Contu­do, por fim, revivi e, depois de me alimentar um pouco, es­tava fortalecido bastante para viajar cerca de trinta quilô­metros, até Nottingham. No caminho, a alma alegrou-se cantando hinos. Chegamos quase à meia-noite; depois de nos entregarmos a Deus em oração, deitamo-nos e descan­samos na proteção do querido Senhor Jesus. Oh! Senhor, jamais existiu amor como o teu!”

Então Whitefield continuou, sem cansar: “No dia se­guinte em Fog’s Manor, a concorrência aos cultos foi tão grande como em Nottingham. O povo ficou tão quebrantado que, por todos os lados, vi pessoas banhadas em lágri­mas. A palavra era mais cortante que espada de dois gu­mes e os gritos e gemidos alcançavam o coração mais endu­recido. Alguns tinham semblantes pálidos como a palidez de morte; outros torciam as mãos, cheios de angústia; ain­da outros foram prostrados ao chão, ao passo que outros caíam e eram aparados nos braços de amigos. A maior par­te do povo levantava os olhos para os céus, clamando e pe­dindo a misericórdia de Deus. Eu, enquanto os contempla­va, só podia pensar em uma coisa: o grande dia. Pareciam pessoas acordadas pela última trombeta, saindo dos seus túmulos para o juízo.”

“O poder da presença divina nos acompanhou até Baskinridge, onde os arrependidos choravam e os salvos ora­vam, lado a lado. O indiferentismo de muitos transformou-se em assombro, e o assombro, depois, em grande alegria. Alcançou todas as classes, idades e caracteres. A embria­guez foi abandonada por aqueles que eram dominados por esse vício. Os que haviam praticado qualquer ato de injus­tiça foram tomados de remorso. Os que tinham furtado fo­ram constrangidos a fazer restituição. Os vingativos pedi­ram perdão. Os pastores ficaram ligados ao seu povo por um vínculo mais forte de compaixão. O culto doméstico foi iniciado nos lares. Os homens foram levados a estudar a Palavra de Deus e a terem comunhão com o seu Pai, nos céus”.

Mas não foi somente os países populosos que o povo afluiu para o ouvir. Nos estados Unidos, quando eram ain­da um país novo, ajuntaram-se grandes multidões dos que moravam longe um do outro, nas florestas. O famoso Ben­jamim Franklin, no seu jornal, assim noticiou essas reu­niões: “Quinta-feira o reverendo Whitefield partiu de nos­sa cidade, acompanhado de cento e cinqüenta pessoas a cavalo, com destino a Chester, onde pregou a sete mil ou­vintes, mais ou menos. Sexta-feira pregou duas vezes em Willings Town a quase cinco mil; no sábado, em Newcas­tle, pregou a cerca de duas mil e quinhentas, e na tarde do mesmo dia, em Cristiana Bridge, pregou a quase três mil; no domingo, em White Clay Creek, pregou duas vezes (descansando uma meia hora entre os sermões a oito mil pessoas, das quais, cerca de três mil, tinha vindo a cavalo. Choveu a maior parte do tempo, porém, todos se conserva­ram em pé, ao ar livre”.

Como Deus estendeu a sua mão para operar prodígios por meio de seu servo, vê-se no seguinte: Num estrado pe­rante a multidão, depois de alguns momentos de oração em silêncio, Whitefield anunciou de maneira solene o tex­to: “É ordenado aos homens que morram uma só vez, e de­pois disto vem o juízo”. Depois de curto silêncio, ouviu-se um grito de horror, vindo dum lugar entre a multidão. Um pregador presente foi até o local da ocorrência, para saber o que tinha acontecido. Logo voltou e disse: – “Irmão Whi­tefield, estamos entre os mortos e os que estão morrendo. Uma alma imortal foi chamada à eternidade. O anjo da destruição está passando sobre o auditório. Clame em alta voz e.não cesse”. Então foi anunciado ao povo que um den­tre a multidão havia morrido. Então Whitefield leu a se­gunda vez o mesmo texto: “É ordenado aos homens que morram uma só vez”. Do local onde a Senhora Huntington estava em pé, veio outro grito agudo. De novo, um tremor de horror passou por toda a multidão quando anunciaram que outra pessoa havia morrido. Whitefield, porém, em vez de ficar tomado de pânico, como os demais, suplicou graça ao Ajudador invisível e começou, com eloqüência tremenda, a prevenir os impenitentes do perigo. Não deve­mos concluir, contudo, que ele era ou sempre solene ou sempre veemente. Nunca houve quem experimentasse mais formas de pregar do que ele.

Apesar da sua grande obra, não se pode acusar White­field de procurar fama ou riquezas terrestres. Sentia fome e sede da simplicidade e sinceridade divina. Dominava to­dos os seus interesses e os transformava para glória do rei­no do seu Senhor. Não ajuntou ao redor de si os seus con­vertidos para formar outra denominação, como alguns es­peravam. Não, apenas dava todo o seu ser, mas queria “mais línguas, mais corpos, mais almas a usar para o Se­nhor Jesus”.

A maior parte de suas viagens à América do Norte fo­ram feitas a favor do orfanato que fundara na colônia da Geórgia. Vivia na pobreza e esforçava-se para granjear o necessário para o orfanato. Amava os órfãos ternamente, escrevendo-lhes cartas e dirigindo-se a cada um pelo no­me. Para muitas dessas crianças, ele era o único pai, o úni­co meio de elas terem o sustento. Fez uma grande parte da sua obra evangelística entre os órfãos e quase todos perma­neceram crentes fiéis, sendo que um bom número deles se tornaram ministros do Evangelho.

Whitefield não era de físico robusto: desde a mocidade sofria quase constantemente, anelando, muitas vezes, par­tir e estar com Cristo. A maior parte dos pregadores acham impossível pregar quando estão enfermos como ele.

Assim foi que, aos 65 anos de idade, durante sua sétima viagem à América do Norte, findou a sua carreira na Ter­ra, uma vida escondida com Cristo em Deus e derramada num sacrifício de amor pelos homens. No dia antes de fale­cer, teve de esforçar-se para ficar em pé. Porém, ao levan­tar-se, em Exeter, perante um auditório demasiado grande para caber em qualquer prédio, o poder de Deus veio sobre ele e pregou, como de costume, durante duas horas. Um dos que assistiram disse que “seu rosto brilhava como o sol”. O fogo aceso no seu coração no dia de oração e jejum, quando da sua separação para o ministério, ardeu até den­tro dos seus ossos e nunca se apagou (Jeremias 20.9).Certo homem eminente dissera a Whitefield: “Não es­pero que Deus chame o irmão, breve, para o lar eterno, mas quando isso acontecer, regozijar-me-ei ao ouvir o seu testemunho”. O pregador respondeu: “Então ficará desa­pontado; morrerei calado. A vontade de Deus é dar-me tan­tos ensejos para testificar dele durante minha vida, que não me serão dados outros na hora da morte”.

E sua morte ocorreu como predissera.

Depois do sermão, em Exeter, foi a Newburyport para passar a noite na casa do pastor. Ao subir para o quarto de dormir, virou-se na escada e, com a vela na mão, proferiu uma curta mensagem aos amigos que ali estavam e insis­tiam em que pregasse.

Às duas horas da madrugada acordou. Faltava-lhe o fô­lego e pronunciou para o seu companheiro as suas últimas palavras na Terra: “Estou morrendo”.

No seu enterro, os sinos das igrejas de Newburyport dobraram e as bandeiras ficaram a meia-haste. Ministros de toda a parte vieram assistir aos funerais; milhares de pessoas não conseguiram chegar perto da porta da igreja, por causa da imensa multidão. Conforme seu pedido, foi enterrado sob o púlpito da igreja.

Se quisermos os mesmos frutos de ver milhares salvos, como Jorge Whitefield os teve, temos de seguir o seu exem­plo de oração e dedicação.

– Alguém pensa que é tarefa demais? Que diria Jorge Whitefield, junto, agora, com os que levou a Cristo, se lhe fizéssemos essa pergunta?

(extraido do livro hérois da fé)

A Vida de Robert Murray McCheyne, (1813 – 1843)

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Era inverno. Sentados próximo ao fogo, dois pedreiros estavam dedicados a sua tarefa. De repente, um desconhecido aproximou-se deles, desceu do cavalo e, imediatamente, passou a conversar sobre o estado espiritual da alma deles. Servindo-se das vivas chamas da fogueira como ilustração, o jovem desconhecido pregou verdades alarmantes. Com profunda surpresa, os pedreiros exclamaram: “Você não é um homem como os demais!” Ao que o desconhecido — que era Robert McCheyne — respondeu: “Eu sou, simplesmente, um homem como os demais”.
Parece que, tanto a leitura dos sermões de McCheyne quanto de sua biografia, fazem brotar do coração do leitor a mesma exclamação dos pedreiros: que, certamente, Robert McCheyne não foi um homem como os demais. Seu ministério, certamente muito breve, tornou-se uma das luzes mais brilhantes do evangelho na Escócia. Pureza doutrinária e fervor evangélico impregnaram por completo a pregação desse grande servo de Deus. Em McCheyne encontramos aquela característica tão sublime — e muito rara, infelizmente — de uma harmoniosa correspondência entre pregação e vida. A vida de McCheyne, que alguém definiu como “um dos mais belos exemplos da obra do Espírito Santo”, foi caracterizada por um alto grau de santidade e consagração.
Robert Murray McCheyne nasceu em Edimburgo em 29 de maio de 1813, numa época em que os primeiros resplendores de um grande ressurgimento espiritual tinham lugar na Escócia. Entre os preparativos secretos com que Deus contava para derramar sobre Seu povo dias de verdadeiro e profundo refrigério espiritual se achava o nascimento do mais jovem dos cinco filhos de Adam McCheyne.
Já desde a infância, Robert deu mostras de possuir uma natureza doce e afável, ao mesmo tempo em que todos podiam apreciar nele uma mente ágil e uma memória prodigiosa. Com a idade de quatro anos, enquanto se recuperava de uma enfermidade, Robert fez do estudo do hebraico e do grego seu passatempo favorito. Com oito anos, ingressou na escola superior para passar, anos mais tarde, para a Universidade de Edimburgo. Em ambos centros de ensino, distinguiu-se como estudante privilegiado, de forma especial nos exercícios poéticos. Ele é descrito como tendo boa estatura, cheio de agilidade e vigor, ambicioso, ao mesmo tempo em que era nobre em sua disposição, evitando qualquer forma de engano em sua conduta. Alguns consideravam que ele possuía, de forma inata, todas as virtudes do caráter cristão; mas, segundo seu próprio testemunho, aquela pura moralidade exterior por ele exibida nascia de um coração farisaico e, exatamente como muitos de seus companheiros, ele se empenhava para encher sua vida de prazeres mundanos.
A morte de seu irmão David causou uma profunda impressão em sua alma. Seu diário contém numerosas alusões a esse fato. Anos mais tarde, escrevendo a um amigo, Robert disse: “Ora por mim, para que eu possa ser mais santo e mais sábio, menos como eu mesmo sou e mais como meu Senhor é (…) Hoje fazem sete anos que perdi meu querido irmão, mas comecei a encontrar o Irmão que não pode morrer”.
A partir desse fato, sua terna consciência despertou para a realidade do pecado e das profundezas de sua corrupção. “Que infame massa de corrupção eu tenho sido! Vivi uma grande parte de minha vida completamente separado de Deus e para o mundo. Entreguei-me completamente ao gozo dos sentidos e às coisas que perecem ao meu redor”.
Ainda que ele nunca tenha sabido a data exata de seu novo nascimento, jamais abrigou qualquer temor de que isso não houvesse ocorrido. A segurança de sua salvação foi algo característico de seu ministério, de modo que sua grande preocupação foi, em todo tempo, obter uma maior santidade de vida.
No inverno de 1831, iniciou seus estudos na Divinity Hall, onde Thomas Chalmers era professor de Teologia, e David Welsh o era de História Eclesiástica. Com outros companheiros — Edward Irving, Horatius e Andrew Bonar (que, mais tarde, escreveu sua biografia) — e fervorosos amigos, Robert McCheyne se reunia para orar e estudar a Bíblia, especialmente nas línguas originais. Quando o Dr. Chalmers foi informado do modo simples e literal como McCheyne esquadrinhava as Sagradas Escrituras, não pode senão dizer: “Eu gosto dessa literalidade!” Verdadeiramente, todos os sermões deste grande servo de Deus são caracterizados por uma profunda fidelidade ao texto bíblico. Já neste período de sua vida, McCheyne dava mostra de um grande amor pelas almas perdidas e, junto com seus estudos, dedicava várias horas por semana à pregação do evangelho, tarefa que realizava quase sempre nos bairros pobres e mais baixos de Edimburgo.
Do mesmo modo que outros grandes servos de Deus, McCheyne tinha uma clara consciência da radical seriedade do pecado. A compreensão clara da condição pecadora do homem era para ele requisito imprescindível para fazer com que o coração sentisse a necessidade de Cristo como único Salvador e também era uma experiência necessária para uma vida de santidade. Seu diário dá testemunho de quão severo era no juízo que fazia de si mesmo. “Senhor, se nenhuma outra coisa pode livrar-me de meus pecados a não ser a dor e as provas, envia-mas, Senhor, para que eu possa ser livrado de meus membros carregados de carnalidade”. Mesmo nas mais gloriosas experiências do crente, McCheyne podia descobrir traços de pecado; por isso, disse em certa ocasião: “Até mesmo nossas lágrimas de arrependimento estão manchadas de pecado.”
Andrew Bonar escreveu sobre seu amigo nos seguintes termos: “Durante os primeiros anos de seus cursos no colégio, o estudo não chegou a absorver toda a sua atenção. Sem dúvida, tão logo começou a mudança em sua alma e isso também se refletiu em seus estudos. Um sentimento muito profundo de sua responsabilidade o levou a dedicar todos os seus talentos ao serviço do Mestre, que Quem os havia recebido. Poucos houve que, com tão completa dedicação, tenham-se consagrado à obra do Senhor como fruto de um claro conhecimento de sua responsabilidade”.
Enquanto fazia os cursos de Literatura e Filosofia, conseguia encontrar tempo para dedicar sua atenção à Teologia e à História Natural. Nos dias de sua maior prosperidade no ministério da pregação, quando, juntamente com sua alma, sua congregação e rebanho constituíam o centro de seus desvelos, com freqüência lamentava por não ter adquirido, nos anos anteriores, um caudal de conhecimento mais profundo, pois se havia dado conta de que podia usar as jóias do Egito para o serviço do Senhor. De vez em quando, seus estudos anteriores evocariam em sua mente alguma ilustração apropriada para a verdade divina e precisamente no solene instante em que apresentava o evangelho glorioso aos mais ignorantes e depravados.
Suas próprias palavras apresentam melhor sua estima pelo estudo e, ao mesmo tempo, revelam o espírito de oração que, segundo McCheyne, devia sempre acompanhá-lo: “Esforça-te em teus estudos”, escreveu a um jovem estudante em 1840. “Dá-te conta de que estás formando, em grande parte, o caráter de teu futuro ministério. Se adquirires agora hábitos de estudo marcados pelo descuido e a inatividade, nunca tirarás proveito do mesmo. Faz cada coisa a seu tempo. Sê diligente em todas as coisas; aquilo que valha a pena fazê-lo, faze-o com todas as forças. E, sobre todas as coisas, apresenta-te diante do Senhor com muita freqüência. Não tentes nunca ver um rosto humano enquanto não tiveres visto primeiro o rosto Daquele que é nossa luz e nosso tudo. Ora por teus semelhantes. Ora por teus professores e companheiros de estúdio.” A outro jovem escreveu: “Cuidado com a atmosfera dos autores clássicos, pois ela é, na verdade, perniciosa; e tu necessitas muitíssimo, para contestá-la, o vento sul que se respira das Escrituras. É certo que devemos conhecê-los — mas da mesma forma como o químico experimenta as substâncias tóxicas — para descobrir suas qualidades e não para envenenar com eles teu sangue.” E acrescentou: “Ora para que o Espírito Santo faça de ti não somente um jovem crente e santo, mas para que te dê também sabedoria em teus estudos. Às vezes, um raio da luz divina que penetra a alma pode dar suficiente luz para aclarar maravilhosamente um problema de matemática. O sorriso de Deus acalma o espírito e a destra de Jesus levanta a cabeça do descaído, enquanto Seu Santo Espírito aviva os efeitos, de modo que mesmo os estudos naturais vão um milhão de vezes melhor e mais facilmente.”
As férias para McCheyne, assim como para seus amigos íntimos que permaneciam na cidade, não eram consideradas como uma cessação do que se refere aos estudos. Uma vez por semana, costumavam passar uma manhã juntos com o fim de estudar algum ponto da teologia sistemática, assim como para trocar impressões sobre o que haviam lido em particular.
Um jovem assim, com faculdades intelectuais tão incomuns, às quais se unia ainda o amor ao estudo e uma memória extraordinariamente profunda, facilmente teria se destacado no plano da erudição se não houvesse posto em primeiro lugar, e como meta mais importante, a tarefa de salvar as almas. Todos os talentos que possuía ele os submeteu à obra de despertar àqueles que estavam mortos em delitos e pecados. Preparou sua alma para a terrível e solene responsabilidade de pregar a Palavra de Deus, e isso ele fazia com “muita oração e profundo estudo da Palavra de Deus, com disciplina pessoal, com grandes provas e dolorosas tentações, pela experiência da corrupção da morte em seu próprio coração e pela descoberta da plena graça do Salvador.” Por experiência, ele podia dizer: “Quem é que vence o mundo, senão aquele que crê que Jesus é o Filho de Deus?” (1João 5.5).
No dia 1o. de julho de 1835, Robert Murray McCheyne obteve, do presbitério de Annan, licença para pregar. Depois de haver pregado por vários meses em diferentes lugares e ter dado evidência da particular doçura com que a Palavra de Deus fluía de seus lábios, McCheyne tornou-se o ajudante do pastor John Bonar nas congregações unidas de Larbert e Dunipace, nas cercanias de Stirling. Em sua pregação, fazia com que os outros participassem de sua vida interior, como de sua alma, à medida que crescia na graça e no conhecimento do Senhor e Salvador. Começava o dia muito cedo cantando salmos ao Senhor. A isso se seguia a leitura da Palavra para a própria santificação. Nas cartas de Samuel Rutherford [a serem publicadas por esta editora] encontrou uma mina de riquezas espirituais. Entre outros livros que apreciava ler estavam: Chamamento aos Inconversos, de Richard Baxter, e A Vida de David Brainerd, de Jonathan Edwards.
Em novembro de 1836, foi ordenado pastor na igreja de São Pedro, em Dundee. Permaneceu como pastor dessa congregação até o dia de sua morte. A cidade de Dundee, como ele mesmo deixou escrito, “era uma cidade dada à idolatria e de coração duro”. Mas não havia nada em suas mensagens que buscasse o agrado do homem natural, pois não estava em seu coração buscar o beneplácito dos inconversos. “Se o evangelho agradasse ao homem carnal, então, deixaria de ser evangelho”. Estava profundamente persuadido de que a primeira obra do Espírito Santo na salvação do pecador era a de produzir convicção de pecado e de trazer o homem a um estado de desespero diante de Deus. “A menos que o homem seja posto no nível de sua miséria e culpa, toda a nossa pregação será vã. Somente um coração contrito pode receber a um Cristo crucificado”. Sua pregação era caracterizada por um elemento de declarada urgência e alerta. “Que Deus me ajude sempre a falar-vos com clareza. Mesmo a vida daqueles que vivem mais anos é, na verdade, curta. No entanto, essa vida curta que Deus nos deu é suficiente para que busquemos o arrependimento e a conversão, pois logo, muito logo, passará. Cada dia que passa é como um passo a mais em direção ao trono do juízo eterno. Nenhum de vós permanece imutável; talvez estejais dormindo; não importa, pois a maré do tempo que passa vos está levando mais para perto da morte, do juízo e da eternidade”.
Ao seu profundo amor pela almas se somava uma profunda sede de santidade de vida. Escrevendo a um companheiro no ministério, disse: “Acima de todas as coisas, cultiva teu próprio espírito. Tua própria alma deveria ser o principal motivo de todos os teus cuidados e desvelos. Mais que os grande talentos, Deus abençoa àqueles que refletem a semelhança de Jesus em sua vida. Um ministro santo é uma arma terrível nas mãos de Deus”. McCheyne talvez pregasse com mais poder com sua vida do que com suas mensagens, e ele sabia bem, como nos disse seu amigo Andrew Bonar, que “os ministros do Evangelho não só devem pregar fielmente, mas também viver fielmente”.
Como pastor em Dundee, McCheyne introduziu importantes inovações na congregação. Naquela época, as reuniões de oração, se não eram desconhecidas, eram muito raras. McCheyne ensinou aos membros a necessidade de congregar-se cada quinta-feira à noite a fim de unirem o coração em oração ao Senhor e estudar Sua Palavra. Também destinava outro dia durante a semana para os jovens. Seu ministério entre as crianças constitui a nota mais brilhante de seu ministério.
Ao seu zelo por santidade de vida uniu-se seu afã por pureza de testemunho entre os membros de sua congregação. McCheyne era consciente de que a igreja — como parte do Corpo místico de Cristo — devia manifestar a pureza e santidade Daquele que havia morrido para oferecer uma Igreja santa e sem mancha ao Pai. Por isso, seu zelo pela observância de disciplina na congregação: “Ao começar meu ministério entre vós, eu era em extremo ignorante da grande importância que na Igreja de Cristo tem a disciplina eclesiástica. Pensava que meu único e grande objetivo nesta congregação era o de orar e pregar. Vossa alma me parecia tão preciosa e o tempo se me apresentava tão curto que eu decidi dedicar-me exclusivamente com todas as minhas forças e com todo o meu tempo ao labor de evangelização e doutrina. Sempre que, diante de mim e dos presbíteros desta igreja, se nos apresentaram casos de disciplina, eu os considerava como dignos de aborrecimento. Constituíam uma obrigação diante da qual eu me encolhia. Mas agradou ao Senhor, que ensina a Seus servos de maneira muito diferente daquela usada pelos homens, abençoar — inclusive com a conversão — alguns dos casos de disciplina a nosso cuidado. Desde então uma nova luz se acendeu em minha mente: dei-me conta de que não somente a pregação era uma ordenança de Cristo, mas também o exercício da disciplina eclesiástica.”
Enquanto o vigor e a força espiritual de sua alma alcançavam uma grandeza gigantesca, a saúde física de McCheyne se via minada e debilitada conforme transcorriam os dias. Ao final de 1838, uma violenta palpitação do coração, ocasionada por seus árduos labores ministeriais, obrigaram o jovem pastor a retirar-se para um descanso. E como sua convalescença se processava em ritmo muito lento, um grupo de pastores, reunido em Edimburgo na primavera de 1839, decidiu convidar McCheyne a se unir a uma comissão de pastores que planejava ir a Palestina para estudar as possibilidades missionárias da Terra Santa. Todos criam que tanto o clima como a viagem redundariam em benefício para a saúde do pastor. Do ponto de vista espiritual, sua passagem pela Palestina se constituiu uma verdadeira bênção para a sua alma. Visitar os lugares que haviam sido cenário da vida e obra do bendito Mestre e pisar a mesma terra que um dia pisara o Varão de dores foi uma experiência indescritível para o jovem pastor. No entanto, fisicamente, o estado de McCheyne não melhorou; antes, pelo contrário, parecia que seu tabernáculo terrestre ameaça sofrer um desmoronamento total. E, assim, nos últimos dias de julho de 1839, encontrando-se a delegação missionária próxima de Esmirna, e já para regressar, McCheyne caiu gravemente enfermo. Quando tudo fazia pensar em uma rápida morte, o Senhor estendeu Sua mão curadora e o grande servo do evangelho pôde, por fim, regressar a sua amada Escócia e ao seu querido rebanho em Dundee.
Durante sua ausência, o Espírito Santo começou a operar um maravilhoso avivamento na Escócia. Este avivamento começou em Kilsyth sob a pregação do jovem pastor W. C. Burns, que havia substituído McCheyne enquanto durava sua convalescença. Num curto espaço de tempo, a força do Espírito Santo, que impulsionava o avivamento, se deixou sentir em muitos lugares. Em Dundee, onde os cultos se prolongavam até tarde da noite todos os dias da semana, as conversões foram muito numerosas. Era como se toda a cidade houvesse sido sacudida pelo poder do Espírito.
Em novembro do mesmo ano, McCheyne, recuperado de sua enfermidade, regressou a sua congregação. Os membros da igreja de São Pedro transbordaram de alegria ao ver de novo o rosto amado de seu pastor. A igreja estava absolutamente lotada e, enquanto todos esperavam que McCheyne ocupasse o púlpito, um silêncio absoluto reinada entre os que estavam ali congregados. Muitos membros derramaram lágrimas de gratidão ao rever o rosto de seu pastor. Mas, ao finalizar o culto e movidos pelo poder de sua pregação, muitos foram os pecadores que derramaram lágrimas de arrependimento.
O regresso de McCheyne a Dundee marcou um novo episódio em seu ministério e também na igreja escocesa. Era como se a partir daquele momento, o Senhor se houvesse disposto a responder às orações que o jovem pastor elevara no princípio de seu ministério, suplicando por um avivamento. Ali, onde McCheyne pregara, o Espírito acrescentava novas almas à Igreja.
Na primavera de 1843, quando McCheyne regressara de uma série de reuniões especiais em Aberdeenshire, caiu repentinamente enfermo. Lá ele havia visitado a vários enfermos de febre infecciosa, e a constituição enfermiça e débil de McCheyne sucumbiu ao contágio da mesma. No dia 25 de março de 1843 partiu para estar com o Senhor.
“Em todas as partes onde chegava a notícia de sua morte”, escreveu Bonar, “o semblante dos crentes se enchia de tristeza. Talvez não tenha havido outra morte que impressionasse tanto aos santos de Deus na Escócia como a deste grande servo de Deus que consagrou toda a sua vida à pregação do evangelho eterno. Com freqüência, ele costumava dizer: ‘Vivei de modo que, um dia, sintam de vós saudades’, e ninguém que houvesse visto as lágrimas que se verteram por ocasião de sua morte teria dúvidas em afirmar que sua vida havia sido o que ele havia recomendado a outros. Não tinha mais do que 29 anos quando o Senhor o levou.
“No dia do enterro, foram suspensas todas as atividades em Dundee. Do lugar do velório até o cemitério, todas as ruas e janelas estavam abarrotadas de uma grande multidão. Muitas almas se deram conta naquele dia de que um príncipe de Israel havia caído, enquanto muitos corações indiferentes experimentaram uma terrível angústia ao contemplar o solene espetáculo.

“O túmulo de Robert McCheyne ainda pode ser visto na parte nordeste do cemitério que circunda a igreja de São Pedro. Ele se foi para as montanhas de mirra e para as colinas de incenso, até que desponte o dia e fujam as sombras. Terminou sua obra. Seu Pai celestial não tinha para ele nenhuma outra planta para regar nem outra vide para cuidar, e o Salvador, que tanto o amou em vida, agora o esperava com Suas palavras de boas-vindas: ‘Bem está, servo bom e fiel. (…) Entra no gozo do teu senhor’ (Mateus 25.21)”
O ministério de Robert McCheyne não terminou com sua morte. Suas mensagens e cartas, com sua biografia escrita por seu amigo Andrew Bonar, são ricos instrumentos de bênção para muitas almas.

(Traduzido por Francisco Nunes de Mensajes Bíblicos, de Robert Murray McCheyne, publicado por The Banner of Truth Trust. (c) 1961 The Banner of Truth Trust, para Editora dos Clássicos.)

QUANDO UM PASTOR COMETE SUICÍDIO…

Quando um pastor comete suicídio. . .

Mais um pastor cometeu suicídio! Frases e notícias como essa, a respeito de pastores que optaram pelo autoextermínio, têm veiculado com certa frequência na mídia social. Nos meses de novembro-dezembro de 2018 e janeiro de 2019, nada menos do que 6 casos foram divulgados, o que é um dado alarmante. Entre essas pessoas, estavam homens e mulheres, obreiros de diferentes denominações, com experiências ministeriais variadas e servindo em contextos sociais distintos. Todavia, o fator mais comum entre eles foi o fato de cada um deixar para trás familiares quebrantados, congregações e amigos confusos e inquietos quanto aos motivos que os levaram a tomar tão radical decisão.

Verdadeiramente, suicídio é um assunto complexo. Ninguém deveria discutí-lo de maneira simplista, sob o risco de ser considerado tacanho ou reducionista. Quando se trata do suicídio de pastores e pregadores do evangelho, então, a questão se torna bem mais inquietante. Geralmente o que se espera é que esses santos saibam onde encontrar esperança em situações que favorecem o desespero. Ao menos esse foi o exemplo deixado pelo apóstolo Paulo quando relatou aos Coríntios: “não queremos, irmãos, que ignoreis a natureza da tribulação que nos sobreveio na Ásia, porquanto foi acima das nossas forças, a ponto de desesperarmos até da própria vida. Contudo, já em nós mesmos, tivemos a sentença de morte, para que não confiemos em nós, e sim no Deus que ressuscita os mortos” (2Co 1.8-9). Contudo, os últimos acontecimentos provam que nem sempre isso acontece. Alguns ministros do evangelho não conseguem suportar o fardo da existência colocam um fim na própria vida.

Antes de qualquer comentário sobre o suicídio de pastores é necessário considerar quatro fatores básicos. Em primeiro lugar, o fato de que num mundo caído e quebrado como o que vivemos, sofrimento e dor, sejam eles físicos, psíquicos, emocionais ou espirituais, não poupam qualquer classe social, nem mesmo os ministros do evangelho. Logo, a fragilidade da cultura pastoral não deveria surpreender nem causar espanto desse nosso lado da eternidade. Em segundo lugar, suicídio é uma forma de morte que geralmente é prenunciada.[1] Nesse sentido, Kay Warren, esposa do pastor Rick Warren e mãe do jovem Mateus Warren, que em abril de 2013 tirou sua própria vida, lembra que os Centros de Prevenção à Vida continuamente informam que para cada suicídio consumado, são feitas, no mínimo, 25 tentativas.[2] Assim, o problema é que a cultura do descaso é um panorama fértil para essa calamidade e para combatê-la é importante ser sensível à dor do próximo, inclusive a dos pastores.

Em terceiro lugar, mais agravante do que as pressões ou a depressão no ministério é a insegurança e o medo que o pastor normalmente tem de se expor, compartilhar sua dor e pedir ajuda. Muitos receiam se abrir e, em seguida, não serem compreendidos, mas julgados e condenados. Infelizmente, o resultado imediato dessa atitude tem sido o isolamento e o agravamento da aflição de alguns. É fato que os pastores necessitam aprender a expressar suas angústias e buscar ajuda para suas lutas pessoais. Em quarto lugar, deve-se ponderar que as divulgações de casos de suicídio na mídia social nem sempre trazem o resultado esperado de remediar esse fenômeno trágico. Em um artigo sobre esse assunto, os estudiosos David D. Luxton, Jennifer D. June e Jonathan M. Fairall, afirmam que há evidências crescentes de que a Internet e a mídia podem influenciar negativamente alguns comportamentos associados ao suicídio.[3] Isso deveria desencorajar qualquer banalização dos tristes eventos relacionados aos casos de pastores que optaram pelo autoextermínio. Além disso, as transmissões relâmpagos de notícias envolvendo o suicídio de pastores deveriam ser ponderadas, pois ao invés de alimentar temor, elas podem ser sugestivas para outros que flertam com essa possibilidade.

Tendo considerado essas questões preliminares, ainda permanece a dificuldade sobre o que pensar, o que dizer e como agir propriamente quando um pastor comete suicídio. Quais fatores deveriam ser analisados diante de tão trágicos eventos? A resposta pode variar, mas há certamente alguns elementos a serem notados, conforme sugestão abaixo.

  1. A ação de Satanás deve ser ponderada. Não é mero jargão afirmar que Satanás está vivo e ativo no planeta terra. A Bíblia ensina claramente que o “adversário, o diabo, anda em derredor, como leão que ruge, buscando alguém para devorar” (1Pe 5.8). Além do mais, os líderes eclesiásticos parecem ser os principais alvos do inimigo, pois há um princípio bíblico de que se o pastor for ferido, as ovelhas ficarão confusas e dispersas (cf. Nm 27.17, 1Re 22.17, Ez 34.5, Zc 13.7). Dessa maneira, quem mais se beneficia com o desespero e o suicídio de um obreiro é o próprio Satanás. A confusão, o falatório e o enfraquecimento da fé de muitos, atitudes comuns nessas ocasiões, acabam prestando serviço aos intentos do inimigo.

Todavia, saber que Satanás e o principado das trevas estão envolvidos nos casos de derrotas dos pregadores do evangelho não equivale a ser simplista e dizer que o diabo fez isso. Tal constatação implica em reconhecer a realidade da guerra espiritual, a ação destrutiva das trevas e até a falha de alguns cristãos em discernir e resistir aos ataques malignos. Ignorar a realidade da ação satânica nessas questões alimenta conclusões míopes e não corresponde ao ensino bíblico.

  1. A liderança da igreja deve rever a maneira como tem tratado seus pastores. Há líderes de igrejas locais (presbíteros, diáconos e outros obreiros) que tratam seus pastores de modo totalmente anticristão. Eles parecem compreender a proibição bíblica para não serem dominadores do rebanho (cf. 1Pe 5.1-4), mas não se importam em agirem como “patrões” e “mandantes” de seus pastores. Ao fazerem isso, menosprezam o princípio sagrado de tratar com dobrada honra os que se dedicam à pregação e ao ensino (cf. 1Tm 5.17). Por desprezarem o princípio bíblico, esses líderes acabam não se importando de maltratar os ministros de Deus. Eles também não entendem que Deus não abençoa uma igreja emcuja liderança despreza sua Palavra.

Na verdade, alguns líderes agem como se tivessem recebido a missão divina de manter seus pastores humildes e, por isso, os tratam de maneira miserável! Esse tratamento pode envolver remunerações baixas, rígido policiamento e ofensas verbais, maltratos emocionais, descasos relacionais e desvalorização profissional. Para agravar a situação, a família do ministro também recebe os efeitos traumáticos desse tratamento. Por isso, diante de notícias de que pastores têm chegado ao fundo do poço do desespero a ponto de cometer suicídio, alguns líderes eclesiásticos deveriam rever seus conceitos e avaliar se não são cúmplices de algumas dessas mortes.

  1. Os pastores devem resistir à armadilha da vitimização. Diante das notícias trágicas envolvendo pastores e outros obreiros do evangelho, é tentador pensar que esses santos são apenas vítimas de injustiças e malvadezas. Vários têm usado os mesmos canais da mídia social que noticia os suicídios de pastores para protestar que os ministros do evangelho estão sendo esquecidos, execrados, vilipendiados e desprezados. Em nenhum momento deve-se duvidar que isso, de fato, ocorre em alguns arraiais evangélicos, mas não é correto justificar a opção pelo suicídio por causa dos maltratos recebidos. Diferente disso, o pastor que sofre deveria se lembrar que isso o identifica com Cristo, o Servo Sofredor, e com os santos apóstolos do passado (cf. Jo 15.20 e 1Co 4.9-13). Se qualquer crente, não apenas pastores, analisar sua sorte apenas horizontalmente, poderá sucumbir ao desespero proveniente do sofrimento experimentado.

Infelizmente, a cultura pastoral não é formada apenas de pessoas maduras, equilibradas e totalmente devotas ao Senhor. A verdade é que existem muitos que se encontram no ministério, mas não possuem mais o zelo pastoral dentro de si nem a dedicação diária ao Senhor. Dessa maneira, a armadilha da vitimização não ajuda nesses momentos de confusão pelos últimos acontecimentos. Portanto, o melhor que o servo devoto pode fazer diante desse quatro completo, é buscar graça do misericordioso Senhor para viver sob o lema da oração do salmista que disse: “Não sejam envergonhados por minha causa os que esperam em ti, ó Senhor, Deus dos Exércitos; nem por minha causa sofram vexame os que te buscam, ó Deus de Israel” (Sl 69.9).

  1. A realidade do pecado não deve ser facilmente descartada. Temendo responder com insensibilidade ao suicídio de santos, nem sempre se considera a possibilidade de que o sofrimento, o desespero e a morte tenham raízes no pecado do suicida. Todavia, há alguns poucos casos, nos quais os pastores que cometeram suicídio, estavam comprometidos com algum procedimento pecaminoso e o medo ou a angústia de serem descobertos resultou em sua morte. O pecado pode se expressar na forma de um relacionamento indevido, um procedimento imoral e impuro, uma compulsividade desenfreada ou alguma outra maneira. Nesses casos, o suicídio pode ser uma proposta atrativa de fuga ou autoexpiação. Ou seja, por não suportar mais as consequências do pecado, o sofredor-pecador pode tentar colocar um ponto final em sua existência.

É necessário esclarecer que nem todo caso de suicídio foi resultado do pecado do suicida. Como já foi afirmado aqui, suicídio é um caso extremamente complexo. Todavia, não se pode descartar a verdade de que algumas vezes, o pecado, sua culpa e vergonha, pode ser o fator dominante nesses casos. Talvez esse ponto fique mais claro se considerarmos que cinco das ocorrências de suicídio mais comuns na Bíblia, estão associadas ao procedimento pecaminoso do suicida: Abimeleque (Jz 9.35), Saul (1Sm 31.4), Aitofel (2Sm 17.23), Zimri (1Re 16.18) e Judas (Mt 27.5). Assim esse é um elemento que não pode ser prontamente descartado.

  1. Fatores psíquicos devem ser considerados. Por mais lamentável que seja, há pessoas no ministério pastoral em profunda necessidade de acompanhamento e tratamento psíquico. Nem todos tiveram a oportunidade de obter cuidados antes de chegar ao ministério e alguns sintomas não se mostraram tão evidentes até a pessoa envelhecer e/ou ser submetida às pressões ministeriais. Para piorar a situação, alguns medicamentos para tratar outros males físicos podem interferir na saúde mental de seus usuários. Assim, desequilíbrio emocional, enfermidades psíquicas e outros agentes que interferem no equilíbrio mental da pessoa também devem ser analisados nos casos envolvendo tentativas ou consumação do suicídio.

Como é comum que muitas pessoas sejam ordenadas ao ministério pastoral sem a devida avaliação mental prévia, o fato de encontrar muitos enfermos entre os que pregam a cura não deveria ser uma surpresa. Nesses casos, a melhor maneira de cuidar de um irmão sofrendo por algum mal mental é afastá-lo do pastorado, encaminhá-lo para tratamento e expressar o zelo fraternal cuidando de seus familiares enquanto o obreiro recebe cuidado.

Devido à intricada natureza do assunto, outros fatores certamente poderiam ser listados acima. Mas conforme foi estabelecido no início, os tópicos mencionados apenas cobrem a categoria básica daqueles que devem ser considerados quando um pastor comete suicídio.

Finalmente, uma palavra pastoral aos colegas de ministério. A morte pelo suicídio nunca põe um ponto final ao sofrimento. Ela apenas transfere a dor insuportável de uma pessoa para sua família, seus amigos, e, nos casos dos pastores, para sua congregação. Além do mais, é necessário notar que quando os servos de Deus no passado experimentaram desespero, frustração e desgosto com a realidade, eles não tomaram sobre si o direito de acabar com a vida, mas oraram pedindo a Deus que a tirasse deles (cf. Nm 11.15, Ex 32.32, 1Re 19.4, Jó 6.8-9 e Jn 4.3). Somente o Autor da vida possui o direito de pôr um término no dom que ele concedeu. Além do mais, é necessário lembrar que há sempre graça e misericórdia para socorro aqueles que se chegam ao trono de Deus (cf. Hb 4.16). Assim, é necessário que, a despeito da mais terrível dor, aprendamos a buscar ajuda e expor nossa situação na busca de solução e auxílio. O suicídio não é a resposta!

Rev. Valdeci Santos

[1] RAMOS, Edith. Anatomia do suicídio. Arq. Brasileiro de Psicologia Aplicada 26: 2 (abril/junho 1974): p. 79-98.
[2] WARREN, Kay. Who pastors the pastor? Even ministers suffer from suicidal thoughts. The Washington Post, 17 de abril de 2017.
[3] LUXTON, David D.; JUNE, Jennifer D. e FAIRALL, Jonathan M. Social Media and Suicide: A Public Health Perspective. American Journal of Public Health (Maio de 2012). Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3477910/. Acesso em: 12 de novembro de 2017.
Fonte: http://www.ipb.org.br/informativo/quando-um-pastor-comete-suicidio-4245

sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

IGREJA NO IRÃ CRESCE EM MEIO A DURAS PENAS, ISOLAMENTO E MEDO

Em 2018, o Irã prendeu, até o momento, mais de 55 cristãos por sua fé, condenando-os a longas penas. Como esta situação afeta a comunidade da igreja local?
Igreja no Irã cresce em meio a duras penas, isolamento e medo Mulher iraniana (foto representativa)

A prisão desnecessária e extraordinariamente violenta como a do pastor Yousef Nadarkhani é apenas um dos indicadores da intensificação da caça aos cristãos na República Islâmica. “O regime iraniano continua a violar a lei internacional sobre a liberdade de religião ou crença. Nos últimos quatro meses, cerca de 20 cristãos iranianos foram presos ou condenados à prisão. Há mais casos do que publicamos, pois alguns precisam ser mantidos em segredo para garantir a segurança da pessoa envolvida”, diz Kia Aalipour da Article 18, uma organização que advoga em favor dos cristãos iranianos.

A Article 18 observou que as sentenças de prisão dadas são altas. Amin Afshar Naderi, que se converteu do islamismo ao cristianismo, recebeu uma sentença de não menos de 15 anos. “O processo judiciário é mais longo e geralmente acontece com ameaças para coagi-los a deixar o país. Aqueles que recebem sentenças altas são cristãos que se recusam a ser intimidados e a deixar o país após suas primeiras detenções. No entanto, há sinais de que agora sentenças de prisão de 5 anos ou mais também são comuns para pessoas presas pela primeira vez”, diz Kia.

Kia explica por que ele acha que o governo está aumentando a pressão sob os cristãos: “O número de cristãos convertidos aumentou, e isso tem alarmado as autoridades iranianas; portanto, eles começaram a impor mais restrições às igrejas, especialmente àquelas frequentadas por cristãos de origem muçulmana. O governo também continua sua política de empobrecer ativamente os cristãos pedindo fianças exageradamente altas. ”

Sara, da Portas Abertas, diz que a situação atual é muito prejudicial para a igreja secreta no país: “O encarceramento afeta muito os cristãos. Eu encontrei cristãos cuja vontade de compartilhar o evangelho quase desapareceu após a sua prisão. Eles pareciam ter pouco ‘espaço na mente’ para qualquer coisa que não fosse o trauma que enfrentaram. Eles precisam lidar com o trauma antes de poderem dar os próximos passos, o que pode levar anos”.

Kia diz que o que os prisioneiros realmente precisam é dar sentido a sua experiência e encontrar um significado para seu sofrimento. “Alguns são considerados heróis por um dia ou dois e depois a solidão se instaura. Somente aqueles que encontraram um significado para o seu sofrimento e o veem como uma pequena parte da maior obra-prima de Deus sobrevivem e prosperam”.

Outro problema que Sara e seus colegas veem é o dos líderes cristãos locais: “O governo identifica líderes influentes, pressiona-os e, direta ou indiretamente, obriga-os a deixar o país. Se eles não saem do país, a chance de serem presos e levados para a prisão aumenta. As longas sentenças de prisão dadas recentemente aumentam essa pressão. Um resultado do êxodo de líderes experientes é que muitos jovens cristãos acabam em posições de liderança, também, cedo demais”.

A pressão sobre cristãos locais também é alta. Uma líder da igreja no Irã compartilhou: “Muitos cristãos no Irã estão feridos e cansados, sem consolo. Eles precisam ser renovados em sua fé. E, devido à situação econômica ruim em nosso país, muitos estão emigrando”.

Os que permanecem no país muitas vezes vivem isolados, com medo de se reunirem nas igrejas domésticas. “Isso é problemático, pois sabemos que os cristãos secretos veem a comunhão como um dos aspectos mais importantes de sua vida cristã, e dizem que precisam do apoio uns dos outros para ajudá-los a crescer”, diz Kia.

Contínuo crescimento, apesar das perseguições

Isso significa que a igreja secreta está morrendo lentamente e o regime é eficaz em sua abordagem? “Não” é a resposta firme de uma líder cristã. “Depois das prisões, a maioria dos membros da nossa igreja começou a falar às suas famílias com mais ousadia sobre Cristo, e muitos novos convertidos se juntaram a nós. E, apesar do que aconteceu, ainda nos encontramos e saímos em viagens de evangelização. Apesar de nossas fraquezas, Deus tem nos usado como suas mãos”.

“Embora nem todos os cristãos sejam tão corajosos quanto este evangelista, nós realmente recebemos indicadores do número de cristãos no Irã crescendo, apesar da situação. Mas o crescimento é frágil, especialmente nessa situação. A questão é, como esses novos cristãos crescerão sem a ajuda de uma igreja doméstica ou, se estiverem em uma igreja doméstica, com um líder inexperiente?”, diz Sara.

Apesar dos riscos, líderes da igreja secreta no país não perdem a esperança e continuam a lutar. “Sou grato por poder servir a Deus no Irã. Apesar de todos os problemas e dificuldades, a misericórdia e a graça de Deus estão sempre conosco. E nós somos gratos por aqueles de fora do Irã que nos apoiam – Deus tocou seus corações”, compartilhou um deles.

Outra líder confirma que a igreja secreta iraniana, mais do que nunca, precisa da igreja livre ao lado dela: “Em primeiro lugar, graças a Deus, que fortalece e protege seu corpo. E graças a Deus pelos corações que batem pelas outras partes do corpo; pelos “Arãos” e “Hurs” que Deus colocou além de Moisés (Ex 24); e para aqueles que estendem suas mãos a Deus para orar por um despertar espiritual”.

A Portas Abertas defende aqueles que estão presos por sua fé cristã no Irã e organiza seminários pós-trauma para ex-prisioneiros que agora, permanente ou temporariamente, vivem na Turquia.

Fonte: Portas Abertas

O SUS era o campo missionário de Roberto Kikawa

Roberto Kunimassa Kikawa

Roberto Kikawa queria ser missionário na África, mas tornou-se médico do Sistema Único de Saúde (SUS), onde encontrou várias “Áfricas” nos hospitais públicos de São Paulo. Membro da Igreja Holiness, queria honrar o chamado que Deus lhe deu e a promessa feita no leito de morte do pai: cuidar das pessoas. Fundou em 2008 o Centro de Integração de Educação e Saúde (CIES) – um projeto que leva atendimento médico especializado aos mais pobres por meio de carretas transformadas em unidades móveis. Mais de 2 milhões de pessoas já foram beneficiadas pelo projeto. Em 2010, Kikawa foi vencedor do Prêmio Empreendedor Social da Folha de São Paulo.
Na noite do dia 10 de novembro de 2018, Kikawa sofreu um assalto. Não reagiu, apenas pediu calma ao assaltante. Ainda assim, recebeu dois tiros e morreu aos 48 anos de idade. Uma semana antes, ele falou a empresários cristãos sobre sua fé e empreendedorismo social: “Podemos fazer diferença no mundo”.

Lissânder Dias é jornalista e colaborador da revista Ultimato. É editor do blog Fatos e Correlatos(fatosecorrelatos.com.br), onde publica poesias e crônicas. Trabalha como assessor editorial da UniCesumar, em Maringá (PR).

A ARMADURA DO CRISTÃO

Efésios 6.10-18
Na passagem que está diante de nós, Efésios 6:10-18, o apóstolo reúne todo o tema anterior da Epístola em um lembrete urgente sobre as solenes condições sob as quais a vida do cristão é vivida. Por uma ilustração gráfica, mostra que a vida do cristão é vivida no campo de batalha, pois não somos apenas peregrinos, mas soldados; não estamos apenas em um país estrangeiro, mas no território do inimigo.
A luta para a qual os filhos de Deus são chamados nesta vida, é aquela em que os próprios Cristãos recebem muitas feridas doloridas, e milhares de professos são mortos. Agora, como veremos nos versos que se seguem, o apóstolo nos adverte que o conflito tem relação com mais do que inimigos humanos: Os inimigos que devemos encontrar são sobre-humanos e, portanto, a fim de lutar com sucesso contra eles, precisamos de força sobrenatural. Devemos lembrar que o Cristão pertence ao reino espiritual, bem como ao natural, e por isso ele tem inimigos espirituais bem como naturais; e, portanto, ele precisa de força espiritual, bem como de física.
Todo o quinto capítulo e os versículos iniciais do sexto estão repletos de exortações; exortações estas que dizem respeito a cada aspecto da vida cristã; exortações para regula-a em casa, nos negócios, no mundo. Essas exortações são dirigidas ao marido, esposa, filho, mestre, servo, e para que o cristão as obedeça, ele precisa estar “fortalecido no Senhor e na força do seu poder”. Assim, a chamada que é feita no versículo 10 não é apenas uma introdução ao que se segue, mas também está intimamente relacionada com o que precede.
1-“FORTALECEI-VOS NO SENHOR” – “No demais, irmãos meus”, após todos os deveres Cristãos, que eu estabeleci diante de vocês no versículo anterior, agora “fortalecei-vos no Senhor, e na força do seu poder”. A palavra “fortalecei-vos” significa reunir forças para o conflito, e fortalecei-vos “na força do Senhor” significa que devemos buscar esta força a partir da única fonte de onde podemos obtê-la. Observem cuidadosamente que não é “fortalecei-vos do Senhor”, nem é “sejam fortalecidos pelo Senhor”. Não, é “fortalecei-vos no Senhor”.
Assim, “fortalecei-vos no Senhor” significa, antes de tudo, buscar com que você mantenha um vivo relacionamento prático e permaneça em constante comunhão com o Senhor.
As duas coisas principais que são necessários para alguém envolvido em combates são a força e a coragem, ou vitalidade e um coração valente; e é isso que está em vista no versículo 10 – a última proposição expressa a ideia de ousadia. “Fortalecei-vos”: na fé, na esperança, na sabedoria, na paciência, na fortaleza, em toda graça Cristã. Ser forte na graça é ser fraco no pecado. É extremamente essencial lembrar que precisamos ter a nossa força e coragem renovada diariamente. Ser forte no Senhor, buscar a Sua força, no início de cada dia – “os que esperam no Senhor renovarão as forças” (Isaías 40:31).
Os inimigos que temos que enfrentar não podem ser superados pela sabedoria humana e poder. A não ser que prossigamos adiante para o conflito olhando continuamente para Cristo por todos os suprimentos de graça necessários, derivando toda a nossa vitalidade dEle, temos a certeza de ser derrotados.
  1. “A ARMADURA DE DEUS” –“Revesti-vos de toda a armadura de Deus, para que possais estar firmes contra as astutas ciladas do diabo” (versículo 11).
2.1-Nossa primeira necessidade é a de nos estimularmos a resistir à tentação por uma piedosa confiança na Graça toda-suficiente de Deus, isto é, obtendo dEle a força que nos permitirá ir adiante e lutar contra o inimigo.
2.2-Nossa segunda maior necessidade é estar bem armado para o conflito em que devemos entrar diariamente. Esta é a relação entre os versículos 10 e 11: “fortalecei-vos no Senhor” e “revesti-vos de toda a armadura de Deus”; em primeiro lugar, instiguem vocês mesmos a resistir à tentação, buscando força no início do dia para o conflito; então, busquem com que tomem para vós mesmos, revistam-se de toda a armadura de Deus.
O cristão está engajado em uma guerra. Há uma luta diante dele, portanto, a armadura é urgentemente necessária. É impossível que nós permaneçamos firmes contra as astutas ciladas do Diabo, a menos que usemos as provisões que Deus fez para nos habilitar a permanecer.
Agora é muito importante que reconheçamos que este termo “armadura” é uma ilustração, uma metáfora, e não se refere a algo que é material ou carnal. É uma expressão figurativa que denota as graças do cristão: as várias partes desta armadura representam as diferentes graças espirituais que devem proteger as suas várias capacidades; e quando nos é dito “revistam-se” da armadura, isto simplesmente significa que devemos exercitar e pôr em ação as nossas graças. Observem: “Revesti-vos de toda a armadura de Deus”, ou seja, evitando as ciladas do diabo; ou para usar a ilustração, assim exerçam todas as virtudes Cristãs de forma que nenhuma parte da alma esteja exposta ao inimigo.
Não há nenhuma defesa contra isso se nós não estivermos armados; ou para usar a figura, não há sucesso em resistir ao diabo, se nossas graças não estiverem em exercício. Por outro lado, não há nenhuma falha e queda diante disso se nossas graças estiverem saudáveis e ativas.
“Porque não temos que lutar contra a carne e o sangue, mas, sim, contra os principados, contra as potestades, contra os príncipes das trevas deste século, contra as hostes espirituais da maldade, nos lugares celestiais” (versículo 12). A introdução “porque” tem a força de “Pelo motivo de que”; o apóstolo está desenvolvendo a razão, o que praticamente equivale a um argumento, como a compelir à exortação recém-feita. Porque não temos que lutar contra a carne e o sangue, mas, sim, contra os principados, contra as potestades, e não contra insignificantes inimigos humanos não mais fortes do que nós, mas contra os principados, contra as potestades, contra os príncipes das trevas deste século; portanto, a panóplia¹ de Deus é essencial. Isso é expresso para enfatizar o terrível conflito diante de nós. Não é alguém imaginário, e nem inimigos comuns que temos que enfrentar; mas espirituais, sobre-humanos, invisíveis. Os inimigos buscam destruir a fé e produzir dúvida. Eles procuram destruir a esperança e produzir desespero. Eles querem destruir a humildade e produzir orgulho. Eles procuram destruir a paz e produzir amargura e malícia. Eles procuram evitar o nosso gozo das coisas celestiais. Seu ataque não é sobre o corpo, mas sobre a alma.
  1. “FICAR FIRME” 
“Portanto, tomai toda a armadura de Deus, para que possais resistir no dia mau e, havendo feito tudo, ficar firmes” (versículo 13). A introdução “portanto” implica na consideração ao fato de que temos que lutar contra esses poderosos inimigos invisíveis sobre-humanos, que nos odeiam com um ódio mortal e que procuram nos destruir; por isso, devemos nos apropriar e utilizar a provisão que Deus fez, para que possamos ficar e permanecer firmes. A primeira proposição do versículo 13 explica as palavras iniciais do versículo 11. No versículo 11 diz: “Revesti-vos”, façam uso de todas as defesas e armas adequadas para repelir os ataques e no versículo 13 diz: “tomai toda a armadura de Deus”; nós “nos revestimos” por “toma-la”, ou seja, por apropriação, tornando-a como nossa. “Para que possais resistir”, resistir é o oposto de ceder, desarmado, derrubado por tentações malignas; isso significa que defendemos o nosso campo, lutamos contra o mal e resistimos ao Diabo. “Para que possais resistir de ser no dia mau e, havendo feito tudo, ficar firmes”; “ficar firmes” é o oposto de um sono preguiçoso ou uma fuga covarde. No Getsêmani eles não ficaram firmes, mas deitaram-se e dormiram no posto do dever. Não é de admirar que pouco depois eles “O abandonaram e fugiram”!
Agora isto coloca diante de nós a primeira das sete peças da armadura do Cristão que é mencionada nesta passagem. Primeiro, permitam-me alerta-los contra a carnalização desta palavra, pensando em algo que seja externo e visível, ou tangível. A figura do “cinto” é extraída de um costume bem conhecido em países orientais, em que as todas as pessoas usam esvoaçantes longas vestes exteriores até aos pés, o que poderia impedir os seus movimentos, ao caminhar, trabalhar ou lutar. A primeira coisa que uma pessoa faz, então, quando prestes a estar ativa, é cingir a veste exterior, que arrasta no chão, ao redor de sua cintura. Quando a peça não está cingida e pende para baixo, indica que a pessoa está em repouso. “Cingir” é, portanto, o oposto de preguiça e facilidade, seguindo a linha da menor resistência. Estejam cingidos com o cinto da verdade; eu acredito que aqui há uma dupla referência ou sentido na palavra “verdade”. Mas, primeiramente, eu quero dedicar-me ao que nós precisamos “cingir”.
  1. “O CINTURÃO DA VERDADE”
A couraça é para o coração, o capacete para a cabeça, para que, então, é o “cinturão”? A partir de qual figura é emprestada a referência da cintura ou lombos. Mas a que esta metáfora denota? Claramente, o centro ou norteador de todas as nossas atividades. E qual é este? Obviamente, é a mente. A mente é o norteador da ação; primeiro o pensamento, e, em seguida, a realização do mesmo. 1 Pedro 1:13 nos ajuda aqui: “Portanto, cingindo os lombos do vosso entendimento”. “Tendo cingidos os vossos lombos com a verdade” [Efésios 6:14]; isto não é tanto o nosso abraçar a verdade, quanto a verdade nos abraçando. Assim, a referência espiritual é a guarda e regulação dos pensamentos da mente. A mente “cingida” significa uma mente que é disciplinada; oposta de uma em que os pensamentos são autorizados a correr soltos e selvagens. Mais uma vez; os “lombos” são o lugar de força, assim é a mente. Se permitirmos que os nossos pensamentos e imaginações corram soltos, não teremos comunhão com Deus, e nenhum poder contra Satanás. Se os nossos pensamentos não são trazidos cativos, em obediência a Cristo, o Diabo, em breve ganha uma influência sobre nós.
“Tendo cingidos os vossos lombos com a verdade”. Penso que a palavra “verdade” referese, em primeiro lugar, à Palavra de Deus: “a tua palavra é a verdade” (João 17:17); Isso é o que deve regular a mente, controlar os pensamentos, dominar as imaginações; deve haver um conhecimento de fé na, amor pela, sujeição à Palavra de Deus. “Estai, pois, firmes, tendo cingidos os vossos lombos (a sua mente) com a verdade”. Agora, isto nos sugere a qualidade característica do adversário contra o qual somos chamados a nos armar. Satanás é um mentiroso, e só podemos enfrenta-lo com a verdade. Satanás prevalece sobre a ignorância por meio de dolo ou fraude; mas ele não tem poder sobre aqueles cujas mentes são reguladas pela verdade de Deus. “Se vós permanecerdes na minha palavra, verdadeiramente sereis meus discípulos; E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” (João 8:31-32); “libertos” das armadilhas, poder e enganos de Satanás.
Penso que a palavra “verdade” aqui tem um segundo significado. Tomemos por exemplo o Salmo 51:6: “Eis que amas a verdade no íntimo”; a “verdade” aqui significa realidade, sinceridade. A verdade é o oposto da hipocrisia, fingimento, irrealidade. É por isso que o cinturão da verdade vem em primeiro lugar, porque se faltar, todo o restante é vão e inútil.
  1. “COURAÇA DA JUSTIÇA”
A segunda parte ou peça de armadura do Cristão é mencionada no versículo 14: “e vestida a couraça da justiça”. Em primeiro lugar, observem o conector “e”, o que sugere que há uma relação muito estreita entre a mente cingida com a verdade e o coração protegido com couraça da justiça. Todas essas sete peças de armadura não estão tão vinculadas, porém o “e” aqui entre as duas primeiras indica que elas estão inseparávelmente unidas. Agora, obviamente, a couraça da justiça é aquela proteção que precisamos para o coração. Este versículo é intimamente paralelo a Provérbios 4:23: “Sobre tudo o que se deve guardar, guarda o teu coração”, entendendo o “coração” como as afeições e a consciência.
Esta segunda parte da armadura, como eu já disse, está inseparavelmente ligada ao cinturão da verdade, pois a sinceridade de espírito e a santidade do coração devem caminhar juntas. É em vão que intencionamos o primeiro, se o último está ausente. Onde há genuína sinceridade de espírito, haverá e há, santidade de coração. Revestir-se da couraça da justiça significa manter o poder da santidade sobre as nossas afeições e consciência! Um versículo que nos ajuda a compreender isto é, Atos 24:16: “E por isso procuro sempre ter uma consciência sem ofensa, tanto para com Deus como para com os homens”. Aqui você tem uma ilustração de um homem que tomando para si, revestindo-se da “couraça da justiça”.
O cinturão da verdade deve enfrentar as malignas sugestões de satanás que contaminam a mente; a couraça da justiça é necessária para frustrar os seus esforços de corromper as afeições ou contaminar a consciência. Onde há uma consciência que nos reprova, então logo cairemos vitimados por outros ataques do diabo.
  1. “PREPARAÇÃO DO EVANGELHO DA PAZ”
Passando para a terceira peça da armadura: “E calçados os pés na preparação do evangelho da paz” (versículo 15). Talvez esta seja, dentre as sete peças da armadura, a mais difícil para entender e definir; e ainda assim, se apreendermos a primeira vista, que o Espírito Santo está usando uma figura de linguagem aqui, que a referência é ao que é interno mais do que é externo, espiritual, mas do que ao material, e também que Ele está seguindo uma ordem lógica, não deve haver muita dificuldade em determinar o que se compreende por calçados da paz. Assim como o cinturão da verdade tem a ver com a mente, a couraça da justiça com o coração, desta forma, os calçados para os pés são uma figura daquilo que diz respeito à vontade.
À primeira vista isso pode parecer improvável, e ainda assim, se pensarmos por um momento, seria óbvio que o que os pés são para o corpo, a vontade é para a alma. Os pés conduzem o corpo de lugar para lugar, e a vontade é o que dirige as atividades da alma; o que a vontade decide, isto é o que fazemos.
Agora, a vontade deve ser regulada pela paz do Evangelho. O que significa isso? Isso, se tornar reconciliado com Deus e em ter boa vontade para com os nossos semelhantes, o Evangelho é o meio ou instrumento que Deus utiliza. É-nos dito em Salmos 110:3: “O teu povo será mui voluntário no dia do teu poder”, o que significa muito mais do que eles serão dispostos a ouvir e crer nas boas novas do Evangelho. Aqui é trazido para o Evangelho, substancialmente, tudo o que estava contido na Lei moral e cerimonial. O Evangelho não é apenas uma mensagem de boas novas, mas um mandamento divino e regra de conduta: “Porque já é tempo que comece o julgamento (não “começará”, agora, não no futuro) pela casa de Deus; e, se primeiro começa por nós, qual será o fim daqueles que são desobedientes ao evangelho de Deus? (1 Pedro 4:17). Sim, o Evangelho é uma regra para submeter-se, um decreto divino que exige obediência: “Visto como, na prova desta administração, glorificam a Deus pela submissão, que confessais quanto ao evangelho de Cristo” (2 Coríntios 9:13). Essas palavras são absolutamente sem sentido hoje em nove de cada dez círculos de toda a Cristandade, pois o “Evangelho” não significa nada para eles, exceto “boas novas” – não há nada para estar “em submissão”! Isto é, em parte, o que eu tenho em mente ao dizer que é transportado para dentro e incorporada ao Evangelho a substância de tudo o que foi encontrado na Lei. Deixe-me colocar de outra forma: todas as exortações contidas nas Epístolas do Novo Testamento não são nada mais do que as explicações e aplicações dos Dez Mandamentos.
O Evangelho nos obriga a negar a nós mesmos, tomar a cruz diariamente e seguir a Cristo no caminho da obediência incondicional a Deus. “Calçados os pés na preparação do evangelho da paz” significa, com entusiasmo e prontidão, responder à vontade de Deus. A paz “do Evangelho” advém do caminhar em sujeição aos seus termos pelo cumprimento dos deveres que ele prescreve. Apenas na medida em que somos obedientes a ele, nós experimentalmente desfrutamos de sua paz. Assim, esta terceira parte da armadura deve fortalecer a vontade contra as tentações de Satanás de obstinação e desobediência, e isso, por submissão ao Evangelho. Assim como os pés são os membros que transportam o corpo de um lugar para outro, desta forma a vontade dirige a alma; e assim como os pés devem estar devidamente calçados, se quisermos andar correta e confortavelmente, assim, a vontade deve ser trazida em sujeição à vontade revelada de Deus, se quisermos desfrutar de Sua paz.
Que haja entrega completa e diária para consagração de nós mesmos a Deus e, então, nós seremos imunes aos ataques e às tentações de Satanás e da desobediência. Assim como o cinturão da verdade deve nos proteger dos esforços de Satanás para encher as imaginações, assim como a couraça da justiça é a provisão de Deus para nos proteger dos esforços de Satanás de corromper os nossos corações e produzir o que é profano; assim, tendo os pés calçados com a preparação do Evangelho de meios de paz, a vontade sendo trazida em sujeição a Deus, e isto nos protege das tentações de Satanás de desobediência.
  1. “ESCUDO DA FÉ”
Vocês observarão que quando chegamos à quarta parte da armadura, o “e” está ausente. As três primeiras estavam unidas, pois aquilo que é indicado por termos figurativos está inseparavelmente ligado entre si, a mente, o coração e a vontade; aí vocês têm o homem interior completo. “Tomando sobretudo o escudo da fé, com o qual podereis apagar todos os dardos inflamados do maligno” (v. 16), eu penso que a palavra “sobretudo” têm uma força dupla. Em primeiro lugar, literalmente, a compreendo como uma preposição de lugar, ou seja, sobre tudo, cobrindo como uma capa, protegendo a mente, o coração e a vontade. Deve haver fé em exercício, se essas três partes do nosso ser interior devem ser guardadas. Em segundo lugar, “sobretudo” pode ser considerado adverbialmente, indicando principalmente: por excelência, supremamente. É uma coisa essencial que vocês devam tomar o escudo da fé, pois Hebreus 11:6 nos diz: “Ora, sem fé é impossível agradar-lhe”. Sim, mesmo se houver sinceridade, amor e uma vontade submissa, ainda assim, sem fé não podemos agradar-Lhe. Portanto, “sobretudo” tomem o escudo da fé.
A fé é a vida de todas as graças. Se a fé não estiver em exercício, o amor, a esperança e a paciência não podem estar. Aqui encontramos a fé sendo comparada a um “escudo”, por que esta se destina à defesa do homem inteiro. O escudo do soldado é algo que ele agarra, e levanta ou abaixa conforme a necessidade. Ele protege toda a sua pessoa. Agora, a figura que o Espírito Santo aqui utiliza em conexão aos ataques de Satanás, é retirada de um dos dispositivos dos antigos em sua guerra, ou seja, o uso de dardos que haviam sido mergulhados em alcatrão e incendiados, a fim de cegar seus inimigos; isto é o que está implícito na metáfora de “apagar todos os dardos inflamados do maligno”; o que está em vista são os esforços de Satanás para impedir o nosso olhar para o alto!
  1. “CAPACETE DA SALVAÇÃO”
“Tomai também o capacete da salvação” (versículo 17). Esta é a quinta parte da armadura do Cristão. Em primeiro lugar, notemos a ligação entre a quarta e a quinta peças indicadas pela palavra “e”, pois isso nos ajuda a definir o que é o “capacete da salvação”; ele está vinculado à fé! Hebreus 11:1 nos diz: “Ora, a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam”, e se compararmos 1 Tessalonicenses 5:8 obtemos a confirmação deste pensamento: “Mas nós, que somos do dia, sejamos sóbrios, vestindo-nos da couraça da fé e do amor, e tendo por capacete a esperança da salvação”. Aqui em Tessalonicenses, portanto, temos a “esperança” diretamente ligada ao “capacete “.
Aliás, este versículo é um dos muitos no Novo Testamento, que coloca a salvação no futuro e não no passado! A esperança sempre olha adiante, relacionando-se com as coisas que virão; como Romanos 8:25 nos diz: “Mas, se esperamos o que não vemos, com paciência o esperamos. Ora, a fé e a esperança são inseparáveis; elas são uma em nascimento, uma em decadência. Se a fé definha, a esperança é apática.
Por capacete da salvação, então, compreendo a expectativa do coração das boas coisas prometidas, uma garantia bem fundamentada de que Deus bem fará ao seu povo aquelas coisas que Sua Palavra apresenta como realização futura. Podemos vincular com isto 1 João 3:3 – a esperança bíblica purifica. Isso liberta do descontentamento e desespero; isso consola o coração, no intervalo de espera. Satanás é incapaz de levar um Cristão muitos pecados grosseiros que são comuns no mundo, então ele ataca por meio de outras linhas. Muitas vezes, ele intenciona lançar uma nuvem de tristeza sobre a alma, ou produzir ansiedade sobre o futuro. O desânimo é uma de suas armas favoritas, pois ele sabe muito bem que “a alegria do Senhor é a nossa força” (Neemias 8:10), daí os seus esforços frequentes para amortecer os nossos espíritos. Para repelir estes, devemos “Tomai também o capacete da salvação”, ou seja, devemos exercitar a esperança – antecipar o futuro bem-aventurado, olhar em direção ao descanso eterno que nos aguarda; desviar o olhar da terra para o céu!
  1. “ESPADA DO ESPÍRITO”
“E a espada do Espírito, que é a palavra de Deus” (versículo 17). Deus supriu o Seu povo com uma arma ofensiva, bem como as defensivas. À primeira vista isso pode parecer entrar em conflito com o que dissemos sobre os Cristãos não serem chamados para serem agressivo contra Satanás, buscando invadir seu território e arrancá-lo dele. Mas este versículo não se contradiz ao menor grau. 2 Coríntios 7:1 nos oferece a ideia: “Ora, amados, pois que temos tais promessas, purifiquemo-nos de toda a imundícia da carne e do espírito”; este é o lado ativo e agressivo de guerra do Cristão. Nós não devemos apenas resistir aos nossos desejos, mas subjugá-los. É importante notar o quão posteriormente a “espada do Espírito” é mencionada na lista. Alguns têm pensado que ela deveria ter vindo por primeiro, mas ela não é mencionada até o sexto. Por quê? Eu acredito que haja uma razão dupla. Em primeiro lugar, porque todas as outras graças que foram mencionados são necessários para fazer um bom uso da Palavra. Se não houver uma mente sincera e um coração santo, apenas lidaremos com a palavra de forma desonesta. Se não houver justiça prática, então nós apenas manusearemos a Palavra teoricamente. Se não houver fé e esperança, apenas a usaremos indevidamente. Todas as graças Cristãs que são figurativamente contempladas sob as outras peças da armadura devem estar em exercício antes que possamos manusear proveitosamente a Palavra de Deus. Em segundo lugar, isso nos ensina que, mesmo quando o Cristão tenha atingido o ponto mais elevado possível nesta vida, ele ainda precisa da Palavra. Mesmo quando ele tem sobre si o cinturão da verdade, a couraça da justiça, os pés calçados com a preparação do Evangelho da paz, e tomou para si o escudo da fé e o capacete da salvação, ele ainda precisa da Palavra!
A Palavra de Deus é aqui chamada de “a espada do espírito”, pois Ele é o Autor, o Intérprete e Aplicador da mesma. Ele é o único que pode conceder a ela poder sobre nós. Podemos manusear a Palavra, meditar nela, orar sobre ela, e ela não ter nenhum efeito sobre nós, a menos que o Espírito Santo aplique a Sua espada! Se vocês pensarem neste versículo à luz da tentação de Cristo, vocês descobrirão que Ele usou essa espada para defender-Se ao repelir os ataques do diabo; Ele não estava atacando agressivamente! E bem-aventurado também, é observar isso, como o Homem dependente, Ele usou essa arma no poder do “Espírito”; vejam Mateus 4:1, Lucas 4:14.
  1. “ORAR SEMPRE”
A última peça da armadura é oferecida no versículo 18: “Orando em todo o tempo com toda a oração e súplica no Espírito, e vigiando nisto com toda a perseverança e súplica por todos os santos”. A oração é a única que nos concede a força necessária para usar as outras peças da armadura! Depois que o Cristão tomou para si essas seis peças, antes que ele esteja completamente equipado para sair para a guerra e capacitado para a vitória, ele precisa da ajuda de seu General. Por isso, o apóstolo nos ordena a orar “sempre” com toda a súplica no Espírito. Devemos lutar sobre os nossos joelhos! Somente a oração pode manter vivas as diferentes graças espirituais que são ilustradas pelas várias peças de armadura. “Orando em todo tempo”; em cada temporada; em tempo de alegria bem como de sofrimento, no dia da adversidade, bem como na prosperidade. Não apenas isso, mas “vigiando nisto com toda a perseverança”; este é um dos elementos essenciais da oração que prevalece – a persistência. Vigiem a si mesmos para que não arrefeçam, tornem-se descuidados ou desanimados. Prossigam! O versículo 18 é como se o apóstolo dissesse: “Não se esqueçam de buscar a Deus por esta armadura e façam súplica humilde por Sua assistência; pois somente Ele que nos concedeu estas armas pode nos permitir fazer um uso bem sucedido delas”. Alguns o chamaram de “todo o versículo”. “Orando em todo o tempo com toda a oração… com toda a perseverança e súplica por todos os santos”! Não pensem apenas em vocês mesmos, mas também por seus soldados companheiros, que estão engajados no mesmo conflito!
Pergunta: o que o versículo 12 significa? Resposta: não se refere à esfera ou ao local aonde a “luta” em si é realizada, mas enfatiza o fato de que os inimigos que atacam os Cristãos são sobre-humanos. Não devemos interpretar este versículo a partir da linguagem geográfica da Terra; ele não diz: “porque nós temos que lutar contra as hostes espirituais da maldade, nos lugares celestiais”. Não, as regiões celestiais vinculam-se àqueles que atacam os Cristãos, e não com o local onde a luta é realizada.
Resumo de A. W. Pink

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