Quando um pastor comete suicídio. . .
Mais um pastor cometeu suicídio! Frases e notícias como essa, a respeito de pastores que optaram pelo autoextermínio, têm veiculado com certa frequência na mídia social. Nos meses de novembro-dezembro de 2018 e janeiro de 2019, nada menos do que 6 casos foram divulgados, o que é um dado alarmante. Entre essas pessoas, estavam homens e mulheres, obreiros de diferentes denominações, com experiências ministeriais variadas e servindo em contextos sociais distintos. Todavia, o fator mais comum entre eles foi o fato de cada um deixar para trás familiares quebrantados, congregações e amigos confusos e inquietos quanto aos motivos que os levaram a tomar tão radical decisão.
Verdadeiramente, suicídio é um assunto complexo. Ninguém deveria discutí-lo de maneira simplista, sob o risco de ser considerado tacanho ou reducionista. Quando se trata do suicídio de pastores e pregadores do evangelho, então, a questão se torna bem mais inquietante. Geralmente o que se espera é que esses santos saibam onde encontrar esperança em situações que favorecem o desespero. Ao menos esse foi o exemplo deixado pelo apóstolo Paulo quando relatou aos Coríntios: “não queremos, irmãos, que ignoreis a natureza da tribulação que nos sobreveio na Ásia, porquanto foi acima das nossas forças, a ponto de desesperarmos até da própria vida. Contudo, já em nós mesmos, tivemos a sentença de morte, para que não confiemos em nós, e sim no Deus que ressuscita os mortos” (2Co 1.8-9). Contudo, os últimos acontecimentos provam que nem sempre isso acontece. Alguns ministros do evangelho não conseguem suportar o fardo da existência colocam um fim na própria vida.
Antes de qualquer comentário sobre o suicídio de pastores é necessário considerar quatro fatores básicos. Em primeiro lugar, o fato de que num mundo caído e quebrado como o que vivemos, sofrimento e dor, sejam eles físicos, psíquicos, emocionais ou espirituais, não poupam qualquer classe social, nem mesmo os ministros do evangelho. Logo, a fragilidade da cultura pastoral não deveria surpreender nem causar espanto desse nosso lado da eternidade. Em segundo lugar, suicídio é uma forma de morte que geralmente é prenunciada.[1] Nesse sentido, Kay Warren, esposa do pastor Rick Warren e mãe do jovem Mateus Warren, que em abril de 2013 tirou sua própria vida, lembra que os Centros de Prevenção à Vida continuamente informam que para cada suicídio consumado, são feitas, no mínimo, 25 tentativas.[2] Assim, o problema é que a cultura do descaso é um panorama fértil para essa calamidade e para combatê-la é importante ser sensível à dor do próximo, inclusive a dos pastores.
Em terceiro lugar, mais agravante do que as pressões ou a depressão no ministério é a insegurança e o medo que o pastor normalmente tem de se expor, compartilhar sua dor e pedir ajuda. Muitos receiam se abrir e, em seguida, não serem compreendidos, mas julgados e condenados. Infelizmente, o resultado imediato dessa atitude tem sido o isolamento e o agravamento da aflição de alguns. É fato que os pastores necessitam aprender a expressar suas angústias e buscar ajuda para suas lutas pessoais. Em quarto lugar, deve-se ponderar que as divulgações de casos de suicídio na mídia social nem sempre trazem o resultado esperado de remediar esse fenômeno trágico. Em um artigo sobre esse assunto, os estudiosos David D. Luxton, Jennifer D. June e Jonathan M. Fairall, afirmam que há evidências crescentes de que a Internet e a mídia podem influenciar negativamente alguns comportamentos associados ao suicídio.[3] Isso deveria desencorajar qualquer banalização dos tristes eventos relacionados aos casos de pastores que optaram pelo autoextermínio. Além disso, as transmissões relâmpagos de notícias envolvendo o suicídio de pastores deveriam ser ponderadas, pois ao invés de alimentar temor, elas podem ser sugestivas para outros que flertam com essa possibilidade.
Tendo considerado essas questões preliminares, ainda permanece a dificuldade sobre o que pensar, o que dizer e como agir propriamente quando um pastor comete suicídio. Quais fatores deveriam ser analisados diante de tão trágicos eventos? A resposta pode variar, mas há certamente alguns elementos a serem notados, conforme sugestão abaixo.
A ação de Satanás deve ser ponderada. Não é mero jargão afirmar que Satanás está vivo e ativo no planeta terra. A Bíblia ensina claramente que o “adversário, o diabo, anda em derredor, como leão que ruge, buscando alguém para devorar” (1Pe 5.8). Além do mais, os líderes eclesiásticos parecem ser os principais alvos do inimigo, pois há um princípio bíblico de que se o pastor for ferido, as ovelhas ficarão confusas e dispersas (cf. Nm 27.17, 1Re 22.17, Ez 34.5, Zc 13.7). Dessa maneira, quem mais se beneficia com o desespero e o suicídio de um obreiro é o próprio Satanás. A confusão, o falatório e o enfraquecimento da fé de muitos, atitudes comuns nessas ocasiões, acabam prestando serviço aos intentos do inimigo.
Todavia, saber que Satanás e o principado das trevas estão envolvidos nos casos de derrotas dos pregadores do evangelho não equivale a ser simplista e dizer que o diabo fez isso. Tal constatação implica em reconhecer a realidade da guerra espiritual, a ação destrutiva das trevas e até a falha de alguns cristãos em discernir e resistir aos ataques malignos. Ignorar a realidade da ação satânica nessas questões alimenta conclusões míopes e não corresponde ao ensino bíblico.
A liderança da igreja deve rever a maneira como tem tratado seus pastores. Há líderes de igrejas locais (presbíteros, diáconos e outros obreiros) que tratam seus pastores de modo totalmente anticristão. Eles parecem compreender a proibição bíblica para não serem dominadores do rebanho (cf. 1Pe 5.1-4), mas não se importam em agirem como “patrões” e “mandantes” de seus pastores. Ao fazerem isso, menosprezam o princípio sagrado de tratar com dobrada honra os que se dedicam à pregação e ao ensino (cf. 1Tm 5.17). Por desprezarem o princípio bíblico, esses líderes acabam não se importando de maltratar os ministros de Deus. Eles também não entendem que Deus não abençoa uma igreja emcuja liderança despreza sua Palavra.
Na verdade, alguns líderes agem como se tivessem recebido a missão divina de manter seus pastores humildes e, por isso, os tratam de maneira miserável! Esse tratamento pode envolver remunerações baixas, rígido policiamento e ofensas verbais, maltratos emocionais, descasos relacionais e desvalorização profissional. Para agravar a situação, a família do ministro também recebe os efeitos traumáticos desse tratamento. Por isso, diante de notícias de que pastores têm chegado ao fundo do poço do desespero a ponto de cometer suicídio, alguns líderes eclesiásticos deveriam rever seus conceitos e avaliar se não são cúmplices de algumas dessas mortes.
Os pastores devem resistir à armadilha da vitimização. Diante das notícias trágicas envolvendo pastores e outros obreiros do evangelho, é tentador pensar que esses santos são apenas vítimas de injustiças e malvadezas. Vários têm usado os mesmos canais da mídia social que noticia os suicídios de pastores para protestar que os ministros do evangelho estão sendo esquecidos, execrados, vilipendiados e desprezados. Em nenhum momento deve-se duvidar que isso, de fato, ocorre em alguns arraiais evangélicos, mas não é correto justificar a opção pelo suicídio por causa dos maltratos recebidos. Diferente disso, o pastor que sofre deveria se lembrar que isso o identifica com Cristo, o Servo Sofredor, e com os santos apóstolos do passado (cf. Jo 15.20 e 1Co 4.9-13). Se qualquer crente, não apenas pastores, analisar sua sorte apenas horizontalmente, poderá sucumbir ao desespero proveniente do sofrimento experimentado.
Infelizmente, a cultura pastoral não é formada apenas de pessoas maduras, equilibradas e totalmente devotas ao Senhor. A verdade é que existem muitos que se encontram no ministério, mas não possuem mais o zelo pastoral dentro de si nem a dedicação diária ao Senhor. Dessa maneira, a armadilha da vitimização não ajuda nesses momentos de confusão pelos últimos acontecimentos. Portanto, o melhor que o servo devoto pode fazer diante desse quatro completo, é buscar graça do misericordioso Senhor para viver sob o lema da oração do salmista que disse: “Não sejam envergonhados por minha causa os que esperam em ti, ó Senhor, Deus dos Exércitos; nem por minha causa sofram vexame os que te buscam, ó Deus de Israel” (Sl 69.9).
A realidade do pecado não deve ser facilmente descartada. Temendo responder com insensibilidade ao suicídio de santos, nem sempre se considera a possibilidade de que o sofrimento, o desespero e a morte tenham raízes no pecado do suicida. Todavia, há alguns poucos casos, nos quais os pastores que cometeram suicídio, estavam comprometidos com algum procedimento pecaminoso e o medo ou a angústia de serem descobertos resultou em sua morte. O pecado pode se expressar na forma de um relacionamento indevido, um procedimento imoral e impuro, uma compulsividade desenfreada ou alguma outra maneira. Nesses casos, o suicídio pode ser uma proposta atrativa de fuga ou autoexpiação. Ou seja, por não suportar mais as consequências do pecado, o sofredor-pecador pode tentar colocar um ponto final em sua existência.
É necessário esclarecer que nem todo caso de suicídio foi resultado do pecado do suicida. Como já foi afirmado aqui, suicídio é um caso extremamente complexo. Todavia, não se pode descartar a verdade de que algumas vezes, o pecado, sua culpa e vergonha, pode ser o fator dominante nesses casos. Talvez esse ponto fique mais claro se considerarmos que cinco das ocorrências de suicídio mais comuns na Bíblia, estão associadas ao procedimento pecaminoso do suicida: Abimeleque (Jz 9.35), Saul (1Sm 31.4), Aitofel (2Sm 17.23), Zimri (1Re 16.18) e Judas (Mt 27.5). Assim esse é um elemento que não pode ser prontamente descartado.
Fatores psíquicos devem ser considerados. Por mais lamentável que seja, há pessoas no ministério pastoral em profunda necessidade de acompanhamento e tratamento psíquico. Nem todos tiveram a oportunidade de obter cuidados antes de chegar ao ministério e alguns sintomas não se mostraram tão evidentes até a pessoa envelhecer e/ou ser submetida às pressões ministeriais. Para piorar a situação, alguns medicamentos para tratar outros males físicos podem interferir na saúde mental de seus usuários. Assim, desequilíbrio emocional, enfermidades psíquicas e outros agentes que interferem no equilíbrio mental da pessoa também devem ser analisados nos casos envolvendo tentativas ou consumação do suicídio.
Como é comum que muitas pessoas sejam ordenadas ao ministério pastoral sem a devida avaliação mental prévia, o fato de encontrar muitos enfermos entre os que pregam a cura não deveria ser uma surpresa. Nesses casos, a melhor maneira de cuidar de um irmão sofrendo por algum mal mental é afastá-lo do pastorado, encaminhá-lo para tratamento e expressar o zelo fraternal cuidando de seus familiares enquanto o obreiro recebe cuidado.
Devido à intricada natureza do assunto, outros fatores certamente poderiam ser listados acima. Mas conforme foi estabelecido no início, os tópicos mencionados apenas cobrem a categoria básica daqueles que devem ser considerados quando um pastor comete suicídio.
Finalmente, uma palavra pastoral aos colegas de ministério. A morte pelo suicídio nunca põe um ponto final ao sofrimento. Ela apenas transfere a dor insuportável de uma pessoa para sua família, seus amigos, e, nos casos dos pastores, para sua congregação. Além do mais, é necessário notar que quando os servos de Deus no passado experimentaram desespero, frustração e desgosto com a realidade, eles não tomaram sobre si o direito de acabar com a vida, mas oraram pedindo a Deus que a tirasse deles (cf. Nm 11.15, Ex 32.32, 1Re 19.4, Jó 6.8-9 e Jn 4.3). Somente o Autor da vida possui o direito de pôr um término no dom que ele concedeu. Além do mais, é necessário lembrar que há sempre graça e misericórdia para socorro aqueles que se chegam ao trono de Deus (cf. Hb 4.16). Assim, é necessário que, a despeito da mais terrível dor, aprendamos a buscar ajuda e expor nossa situação na busca de solução e auxílio. O suicídio não é a resposta!
Rev. Valdeci Santos
[1] RAMOS, Edith. Anatomia do suicídio. Arq. Brasileiro de Psicologia Aplicada 26: 2 (abril/junho 1974): p. 79-98.
[2] WARREN, Kay. Who pastors the pastor? Even ministers suffer from suicidal thoughts. The Washington Post, 17 de abril de 2017.
[3] LUXTON, David D.; JUNE, Jennifer D. e FAIRALL, Jonathan M. Social Media and Suicide: A Public Health Perspective. American Journal of Public Health (Maio de 2012). Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3477910/. Acesso em: 12 de novembro de 2017.
Fonte: http://www.ipb.org.br/informativo/quando-um-pastor-comete-suicidio-4245
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