Neemias 9
O Dr. Arthur T. Pierson: “Nossa história é a história de Deus”, uma verdade que este capítulo comprova. “O fato de os seres humanos não aprenderem muita coisa com as lições da história é a lição mais importante que a história tem a ensinar”, foi o que escreveu Aldous Huxley; e nas palavras do filósofo George Santayana: “Aqueles que não se lembram do passado estão condenados a revivê-lo”. A Igreja de hoje tem muito que aprender com as experiências de Israel, mas só se estivermos dispostos a nos humilhar e a receber a verdade.
O Deus Jeová é o tema central deste capítulo: quem ele é, o que ele faz por seu povo e o que o seu povo deve fazer por ele. Essa oração faz uma retrospectiva da história de Israel e revela tanto a majestade de Deus quando a depravação dos seres humanos. Israel respondeu à “grande bondade” de Deus (Nm 9:17, 25) e à sua “grande misericórdia” (v. 31) com “grandes blasfêmias” (vv. 18, 26) que resultaram numa “grande angústia” (v. 37).
É interessante que três das principais “orações nacionais” de Israel foram registradas em Esdras 9, Neemias 9 e Daniel 9. Por trás dessas orações, encontra-se a promessa de 2 Crônicas 7:14, bem como o exemplo de Moisés ao interceder pelo povo (Êx 32 – 33).
Ao ler esta oração, observe como suas palavras revelam a grandeza de Deus (Ne 9:1-6), a bondade de Deus (vv. 7-30) e a graça de Deus (vv. 31-38).
1. A GRANDEZA DE DEUS ( Ne 9:1-6) A Festa dos Tabernáculos havia terminado, mas o povo ainda ficou na cidade para ouvir mais da Palavra de Deus. Os banquetes transformaram-se em jejum, à medida que a Palavra os convenceu da culpa e que o povo começou a confessar seus pecados. Na maioria das igrejas de hoje, um culto de seis horas – com três horas de pregação e três horas de oração – provavelmente resultaria em algumas cartas de transferência, mas para o povo judeu daquela época, foi o começo de uma nova vida para eles e para sua cidade.
No passado as igrejas do EUA costumavam promover campanhas evangelísticas que duravam duas semanas, e não era incomum ter uma série de eventos que reuniam a cidade toda e que se estendia por um mês ou seis semanas durante o verão. Aos poucos, houve uma mudança, à medida que as “reuniões especiais” foram encurtadas para uma semana, depois para um final-de-semana e, agora, são praticamente obsoletas. Vivemos numa era de resumos e de fast-food, e essa mentalidade invadiu nossas igrejas. Cantamos hinos piedosos, mas não estamos dispostos a pagar o preço de buscar a santidade.
A grandeza de Deus é vista no fato de que ele aceita nossa adoração (vv. 1-5). A verdadeira adoração é constituída de vários elementos: ouvir as Escrituras, louvar a Deus, orar, confessar os pecados e se separar daquilo que desagrada ao Senhor. Cada um desses elementos encontra-se registrado neste parágrafo.
A adoração envolve a Palavra de Deus, pois a Palavra de Deus revela o Deus da Palavra. Em sua obra The Knowledge of the Holy [O Conhecimento do Santo], A . W. Tozer escreveu: “A essência da idolatria é alimentar pensamentos sobre Deus que não são dignos dele” (p. 11). Quanto mais conhecermos as Escrituras e interagirmos com elas, maior será nosso conhecimento de Deus e mais semelhantes a ele nos tornaremos. Israel foi escolhido por Deus para receber sua lei (v. 13) e para conhecer sua vontade. Qualquer culto que deixe as Escrituras de fora não recebe a bênção do Senhor.
Deus fala conosco por meio das Escrituras, e nós falamos com ele por meio da oração e do louvor. “Levantai-vos, bendizei ao S e n h o r , vosso Deus” (v. 5) – essa é uma ordem à qual todo cristão verdadeiro deseja obedecer. O nome de Deus é exaltado acima de todos os nomes (Fp 2:9-11), e devemos honrá-lo com nosso louvor. Deve ser um nome que “ultrapassa todo bendizer e louvor” (Ne 9:5).
O povo também dedicou algum tempo à confissão de seus pecados (vv. 2, 3) e buscou o perdão do Senhor. A comemoração anual do Dia da Expiação havia passado, mas os adoradores sabiam que precisavam ser constantemente purificados e renovados pelo Senhor. Não devemos nos tornar tão introspectivos a ponto de começarmos a deixar o Senhor de lado, mas devemos ser honestos em nosso relacionamento com ele (1 Jo 1:5-10).
Por fim, o povo se separou do mundo ao se aproximar do Senhor (Ne 9:2; Ed 6:21). A separação sem devoção ao Senhor transforma-se em isolamento, mas a devoção sem separação é hipocrisia (ver 2 Co 6:14 – 7:1). A nação de Israel foi escolhida por Deus para ser um povo especial, separado das nações pagãs ao seu redor. “Ser-me-eis santos, porque eu, o S e n h o r , sou santo e separei-vos dos povos, para serdes meus” (Lv 20:26). O apóstolo Pedro aplicou essas palavras aos cristãos na igreja de nossos dias (1 Pe 1:15; 2:9, 10).
A grandeza de Deus também pode ser vista no fato de que somente ele é Deus (Ne 9:6a). A nação de Israel estava cercada pela idolatria e pelo estilo de vida degradante associado aos cultos pagãos. Em sua leitura e explicação da lei, Esdras sem dúvida havia enfatizado os Dez Mandamentos (Êx 20:1- 17; Dt 5:6-21), inclusive os dois primeiros mandamentos que declaram a singularidade de Deus e a perversidade da idolatria. Até hoje, os judeus devotos ainda recitam o “Shema” (Dt 6:4-6), como sua declaração de fé no único Deus verdadeiro.
Outra prova da grandeza de Deus é o fato de que ele criou o universo (Ne 9:6b). A declaração: “No princípio, criou Deus os céus e a terra” (Gn 1:1) aplica-se somente a Jeová, o Deus de Abraão, Isaque e Jacó. Sempre que Deus desejava encorajar seu povo, apontava para a criação ao redor deles e os lembrava de que havia feito todas as coisas (Is 40). Usou a mesma abordagem para lembrá-los da insensatez da idolatria (Is 41).
A grandeza de Deus é vista em seu cuidado providencial com sua criação (Ne 9:6c). Ele não se ateve simplesmente a criar todas as coisas e a entregá-las à própria sorte. Deus está envolvido naquilo que diz respeito a sua criação: ele vê quando um pardal cai em terra (M t 10:29) e ouve os filhos dos corvos quando pedem alimento (Sl 147:9). Sabe o número e o nome de todas as estrelas (v. 4) e sabe até o número de cabelos em nossa cabeça (Lc 12:7). “Abres a mão e satisfazes de benevolência a todo vivente” (Sl 145:16).
Por fim, a grandeza de Deus é vista no fato de que o exército dos céus o adora (Ne 9:6d). Não somos capazes de imitar os feitos poderosos dos anjos, mas podemos imitar sua devoção ao Senhor, adorando-o diante de seu trono. E temos mais motivos para louvá-lo do que eles! Fomos salvos pela graça de Deus e, um dia, seremos como o Senhor Jesus Cristo. Não somos apenas servos, mas também filhos de Deus (1 Jo 3:1-3) e habitaremos com ele para sempre!
Em nossa adoração, é prudente começar pela grandeza de Deus. Se nos concentrarmos demais naquilo que ele nos dá ou no que desejamos que ele faça, nosso coração pode tornar-se egoísta. A adoração sincera honra a Deus apesar das circunstâncias, sentimentos ou desejos.
2 . A BONDADE DE DEUS ( Ne 9 :7-30) Essa oração recita a história de Israel, revelando a bondade de Deus para com seu povo e como este, repetidamente, não deu o devido valor a suas dádivas nem obedeceu à sua vontade. O verbo “dar” aparece, de uma forma ou de outra, pelo menos dezesseis vezes neste capítulo, pois Deus é, de fato, o “doador”, que se compraz em suprir as necessidades de seu povo (1 Tm 6:17). Deus deu a Israel uma terra (Ne 9:8, 15, 35), uma lei (v. 13), o ministério do Espírito (v. 20), alimento e água (vv. 15, 20), libertadores (v. 27) e vitória sobre os inimigos (vv. 22, 24). O que mais podiam querer?
Séculos antes, Moisés havia advertido o povo a que não se esquecesse de Deus e de sua mão bondosa de bênção ou de sua mão amorosa de disciplina (Dt 8). Infelizmente, a nação não agradeceu a Deus em tempos de bênção, mas, em tempos de sofrimento, buscou mais que depressa o socorro do Senhor (ver os Sl 105 e 106). Não nos apressemos em julgá-los, pois alguns dentre o povo de Deus, nos dias de hoje, tratam o Senhor da mesma forma.
Trata-se de um padrão de comportamento que pode ser visto em todos os estágios da história de Israel.
A nação é formada (vv. 7-18). Quando Deus escolheu Abrão e se revelou a ele, foi um ato da mais pura graça, pois Abrão era um idólatra que vivia numa cidade pagã (Js 24:2, 3). Com o tempo, Deus mudou o nome do patriarca de Abrão (“pai exaltado”) para Abraão (“pai de muitos”), pois prometeu transformá-lo numa grande nação (Gn 12:1- 3; 17:1-8). Apesar dos lapsos ocasionais de fé, durante um século Abraão creu no Senhor e caminhou de acordo com sua vontade. Sua fé obediente se manifestou de forma especialmente clara quando colocou seu filho, Isaque, no altar (Gn 22; Hb 11:1 7-19).
A aliança de Deus (Gn 12:1-3) serviu de base para tudo o que Deus fez com Abraão e seus descendentes e em favor deles. O propósito de Deus era que todo o mundo fosse abençoado por intermédio de Israel, o que se cumpriu quando ele enviou seu Filho, Jesus Cristo (Gl 3:8).
Em Neemias 9:16-18, Neemias relata como a nação reciprocou tudo o que Deus havia feito por eles. Recusaram curvar-se diante de sua autoridade (“endureceram a sua cerviz”), a ouvir sua Palavra (“não deram ouvidos”) e a obedecer à sua vontade. Em Cades-Barneia, tentaram assumir o controle e nomear um novo líder para levá-los de volta ao Egito (v. 1 7; Nm 14:1-5). Enquanto Moisés estava no monte com Deus, os israelitas confeccionaram e adoraram um ídolo (Ne 9:18; Êx 32). Moisés intercedeu pelo povo, e Deus os perdoou.
Como essas pessoas puderam dar as costas para Deus depois de tudo o que o Senhor havia feito por elas? A verdade é que não o amavam. Sua obediência era apenas uma atitude externa, que não vinha do coração. Em seu coração, ainda estavam no Egito, e era para lá que desejavam voltar. Não tinham uma fé viva em Deus, mas, ainda assim, queriam receber sua ajuda e desfrutar suas dádivas. Para um “raio-x” da história espiritual de Israel, leia o Salmo 78.
A nação é conduzida (vv. 19-22). Durante os quarenta anos em que Israel foi disciplinado no deserto, a geração mais antiga morreu e nasceu uma nova geração; mas, em momento algum, Deus abandonou seu povo. Ele os conduziu por meio da coluna de nuvem e de fogo, ensinou-lhes a Palavra, supriu suas necessidades práticas e lhes deu vitória sobre os inimigos. Deus cumpre suas promessas e propósitos. Se obedecermos ao Senhor, participaremos de suas bênçãos; se desobedecermos ao Senhor, perderemos a bênção, mas ainda assim Deus cumprirá seus propósitos, e seu nome será glorificado.
A nação é disciplinada (vv. 23-30). Deus prometeu multiplicar seu povo e cumpriu sua promessa (Gn 22:17). Também prometeu lhes dar uma boa terra e cumpriu essa promessa (13:14-18; 17:7, 8). Sob a liderança de Josué, o exército de Israel invadiu Canaã, conquistou a terra e se apropriou de todas as suas riquezas. Foi Deus quem lhes deu a vitória, permitindo que tomassem cidades, casas, terras e bens na terra de Canaã.
Era uma “terra fértil”, e os israelitas “engordaram”, e isso os levou à queda. “Mas engordou-se o meu amado [Israel]; deu coices; engordou-se, engrossou-se, ficou nédio e abandonou a Deus, que o fez” (Dt 32:15). O povo não deu ouvidos às advertências de Moisés (Dt 8). Israel desfrutou a grande bondade de Deus, mas não se agradou do Senhor. Assim como o filho pródigo (Lc 1 5:11- 24), quis a riqueza do seu Pai, mas não a vontade dele.
Com o disse Thomas Carlyle: “Para cada cem homens que suportam a adversidade, há somente um capaz de suportar a prosperidade”. Nas palavras do escritor John Steinbeck: “Para destruir uma nação, dê-lhe em excesso – torne-a gananciosa, miserável e doente”. Uma igreja local também pode orgulhar-se de suas “riquezas” e se tornar pobre aos olhos de Deus (Ap 3:14-22). A igreja que talvez consideremos pobre é, provavelmente, rica aos olhos de Deus (Ap 2:8, 9)
Os propósitos de Deus são mais importantes que nossos prazeres, e ele cumprirá esses propósitos, mesmo que, para isso, tenha de nos disciplinar.
A disciplina de Deus é uma prova tão real de seu amor quanto o suprimento abundante de nossas necessidades (Hb 12:1-11). Devemos ser gratos por Deus nos amar demais para permitir que fiquemos “mimados”. Em momento algum o Pai está mais próximo de nós do que quando ele nos disciplina. “Bem-aventurado o homem, S e n h o r , a quem tu repreendes, a quem ensinas a tua lei, para lhe dares descanso dos dias maus, até que se abra a cova para o ímpio” (S l 94:12, 13). “Antes de ser afligido, andava errado, mas agora guardo a tua palavra” (119:67).
3 . A GRAÇA DE DEUS ( Ne 9 :31 – 38 ) Deus foi bom para seu povo quando seu povo não foi bom para ele. Enviou profetas para ensinar e advertir Israel, mas a nação recusou-se a ouvir (2 Cr 36:14-21). Foi misericordioso ao perdoá-los quando clamaram por socorro e foi longânimo com eles quando se rebelaram repetidamente contra sua Palavra. Poderia ter destruído a nação e começado de novo (ver Êx 32:10 e Nm 14:11, 12), mas, em sua graça, ele os poupou. Em sua misericórdia, Deus não lhes deu o que mereciam e, em sua graça, ele lhes deu o que não mereciam.
Enquanto os levitas oravam, reconheceram os pecados de sua nação e a justiça de Deus ao enviar o castigo. “Porque tu és justo em tudo quanto tem vindo sobre nós; pois tu fielmente procedeste, e nós, perversamente” (Ne 9:33). Observe que os levitas usaram o pronome “nós” e não “eles”. Ao orar, identificaram-se com a nação e reconheceram a própria culpa. Neemias havia orado de maneira semelhante no início do livro (1 :6, 7). E fácil ter convicção dos pecados dos outros, mas Deus só perdoa quando nos arrependemos e confessamos os próprios pecados.
Quando Deus havia sido seu rei, os israelitas desfrutaram grandes bênçãos, mas quando se rebelaram contra a vontade de Deus, viram-se escravizados por reis que não tinham compaixão alguma por eles. Samuel havia advertido (1 Sm 8) e Moisés havia profetizado que a nação entregaria suas riquezas a seus conquistadores (Dt 28:1 5ss). Sempre que deixamos de entregar a Deus o que lhe é devido, não retemos essa riqueza para nós. Ele a tomará de uma forma ou de outra. Os cristãos que se recusam a honrar a Deus alegremente por meio da contribuição fiel acabam vendo-se obrigados a gastar esse dinheiro de modo relutante em coisas difíceis ou inesperadas, como tratamentos médicos ou reparos na casa (ver Ml 3:7-12).
Samuel havia conduzido o povo a uma renovação de seus votos pactuais (1 Sm 11:14 – 12:25), mas o rei Saul levou o povo de volta ao pecado e à derrota. Assim que consolidou seu reinado, Davi procurou guiar o povo de volta ao Senhor (2 Sm 6), e a oração de Salomão na consagração do templo foi um passo nesse sentido. Infelizmente, porém, Salomão pecou contra o Senhor e quase destruiu o próprio reino.
Nosso Deus é um Deus glorioso (Ne 9:5). Ele é poderoso (v. 6), fiel (v. 8) e se preocupa com as necessidades de seu povo (v. 9). Ele é um Deus clemente (vv. 17-19) e longânimo quando pecamos (vv. 21, 30), mas que nos disciplina se nos rebelamos (vv. 26ss). É um Deus generoso (vv. 24, 25, 35), que nos dá muito mais do que merecemos. É um Deus que cumpre suas promessas, mesmo se formos infiéis.
Sem dúvida, esse Deus merece nossa obediência em amor!
Talvez seja chegada a hora de começar de novo.
Adp. WW. Pr. Eli Vieira