quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

CRISTIANISMO NA UNIVERSIDADE (15) O desafio da Academia para os jovens cristãos


Os atributos invisíveis de Deus, assim o seu eterno poder, como também a sua própria divindade, claramente se reconhecem, desde o princípio do mundo, sendo percebidos por meio das coisas que foram criadas” (Romanos 1.19).
Considerando as últimas estatísticas sobre o perfil religioso do brasileiro, podemos supor que um grande número de jovens cristãos entra nas universidades a cada novo vestibular. Os evangélicos representam mais de 25% da população brasileira e a igreja evangélica no Brasil é conhecida no exterior por ser uma igreja jovem, com um grande número de moços que professam a fé em Jesus Cristo.
Todavia, os anos de experiência na academia, em contato com os jovens e seus problemas, me ensinaram que muitos deles são abalados em sua fé durante o tempo da universidade. Eu não tenho os números desta constatação aqui no Brasil, mas tenho os números de uma pesquisa feita nos Estados Unidos pelo renomado Instituto Barna (Novembro de 2011) entre jovens que nasceram em lares cristãos e que deixaram de frequentar as suas igrejas. Guardadas algumas proporções, acredito que estes números refletem de maneira geral a realidade brasileira.
De acordo com a pesquisa, um de cada nove alunos perdem a fé quando entram na universidade, e se tornam ateus ou agnósticos. Quatro de cada dez deixam de frequentar igreja, embora ainda se considerem cristãos. Dois de dez assumem uma frequência irregular, incertos de como relacionar sua fé com a sociedade e o mundo. E três de cada dez jovens criados na igreja permanecem firmes na sua fé durante a universidade.
A pesquisa Barna identificou alguns fatores que contribuíram para que somente 30% dos jovens permanecessem firmes em suas convicções. Apenas uma pequena minoria de jovens cristãos havia sido ensinada a pensar sobre questões de fé, vocação e cultura. Menos de um em cada cinco tinha alguma ideia de como a Bíblia deveria informar os seus interesses escolares e profissionais. E a maioria não tinha mentores adultos ou amizades significativas com os cristãos mais velhos, que pudessem orientá-los através das inevitáveis perguntas que surgem durante o curso de seus estudos.
Em outras palavras, de acordo com o Instituto Barna o ambiente universitário não costuma causar a desconexão dos jovens cristãos para com o Cristianismo, apenas expõe o problema da fé rasa de muitos jovens discípulos. Muitos deles já haviam se desconectado emocionalmente do Cristianismo antes dos 16 anos de idade. Quando entram na universidade, a pressão dos colegas, a influência de professores ateus ou agnósticos e o ambiente geral da academia influenciado pelo naturalismo filosófico terminam por sepultar o que antes já era uma fé moribunda.
Jovens cristão entrando na universidade deveriam estar preparados para enfrentar os desafios que a incredulidade generalizada representa para as suas convicções. O que torna este desafio tão grande é que a incredulidade vem, muitas vezes, travestida de ciência. O jovem cristão deveria ficar consciente dos limites da ciência – ela se pronuncia sobre a realidade visível e mensurável mas não pode definir os limites da realidade. O materialismo que hoje é o pressuposto maior de muitos que fazem a ciência sempre produzirá modelos reducionistas da realidade. Ele deveria lembrar também que o problema não é a ciência, mas a filosofia materialista e naturalista que domina a academia hoje – ideologia esta oriunda do Iluminismo e do racionalismo. Conforme já vimos em outras postagens dessa série, diversos dos ramos da moderna ciência tiveram como fundadores ou divulgadores cientistas cristãos como Louis Pasteur, Isaac Newton, Johannes Kepler e Robert Boyle, para mencionar uns poucos.
Outro ponto a lembrar é que sempre houve cientistas cristãos de renome – embora representando uma minoria dentro da academia moderna – que não viram conflito entre sua fé e sua labuta científica. Entre eles, vários ganhadores de prêmios Nobel, como por exemplo:
Max Planck (1858-1947), ganhador do Prêmio Nobel de Física de 1919. “Desde a infância a fé firme e inabalável no Todo Poderoso e Todo Bondoso tem profundas raízes em mim. Decerto Seus caminhos não são nossos caminhos; mas a confiança Nele nos ajuda a vencer as provações mais difíceis.”
Albert Einstein (1879-1955), ganhador do Prêmio Nobel de Física de 1921. “A todo cientista minucioso deve ser natural algum tipo de sentimento religioso, pois não consegue supor que as dependências extremamente sutis por ele vislumbradas tenham sido pensadas pela primeira vez por ele. No universo incompreensível revela-se uma razão ilimitada.”
Werner Heisenberg (1901-1976), ganhador do Prêmio Nobel de Física de 1932. “O primeiro gole do copo das ciências naturais o torna ateu; mas no fundo do copo Deus o aguarda.”
Nevill Mott (1905-1996), ganhador do Prêmio Nobel de Física de 1977. “Os milagres da história humana são aqueles em que Deus falou aos homens. O supremo milagre para os cristãos é a ressurreição. Alguma coisa aconteceu àqueles poucos homens que conheciam Jesus que os levou a acreditar que Jesus estava vivo, com tal intensidade e convicção que esta fé permanece a base da igreja cristã dois mil anos depois.”
Arthur L. Schawlow (1921-1999), ganhador do Prêmio Nobel de Física de 1981. “... eu encontro uma necessidade por Deus no universo e em minha própria vida... Somos afortunados em termos a Bíblia, e especialmente o Novo Testamento, que nos fala de Deus em termos humanos muito acessíveis, embora também nos deixe algumas coisas difíceis de entender.”
William Daniel Phillips (1948-), ganhador do Prêmio Nobel de Física de 1997. “Muitos cientistas são também pessoas com uma fé religiosa bastante convencional. Eu, um físico, sou um exemplo. Creio em Deus como Criador e como Amigo. Isto é, creio que Deus é pessoal e interage conosco.”
Para os cristãos, Deus é a melhor explicação para determinados aspectos da nossa vida e da realidade que nos cerca, tais como a origem do mundo e da vida e da inteligência, o propósito e a intenção (design) que se percebe na natureza, a complexidade da realidade, a existência de ordem e coerência no universo, a realidade da moralidade, ética e valores humanos. Ele é a melhor resposta para nosso anseio por perdão. É assim que pensa Arthur Holly Compton (1892-1962), ganhador do Prêmio Nobel de Física de 1927. “Para mim, a fé começa com a constatação de que uma inteligência suprema chamou o universo à existência e criou o homem. Não me é difícil crer isso, pois é inegável que onde há um plano, há também inteligência - um universo ordenado e em desdobramento atesta a verdade da declaração mais poderosa que jamais foi proferida: 'No princípio Deus criou'.” Na mesma linha vai outro vencedor do Nobel de Física de 1974, Antony Hewish (1924-): “Eu creio em Deus. Não faz o menor sentido para mim supor que o universo e nossa existência são apenas um acidente cósmico, que a vida emergiu por processos aleatórios em um ambiente que apenas por acaso tinha as propriedades certas.”
Atualmente há muitos cientistas de renome que professam acreditar no Deus da Bíblia, como Francis Collins, que durante 15 anos foi diretor do projeto Genoma, que mapeou o DNA humano em 2001. Alvo de críticas de seus colegas, cuja maioria negava a existência de Deus, Collins lançou como resposta, em 2006 nos Estados Unidos, o livro A Linguagem de Deus, com o subtítulo, “Um cientista apresenta evidências para a fé”. Nas quase 300 páginas da obra, o biólogo conta como deixou de ser ateu para se tornar cristão protestante aos 27 anos e narra as dificuldades que enfrentou no meio acadêmico ao revelar sua fé.
Por fim, muitos dos que tentam desconstruir a fé em Deus em nome do cientificismo e do conhecimento não têm nada melhor para colocar no lugar.
Termino este capítulo numa nota positiva, todavia. Nestes anos de contato com a academia vi também casos de jovens que encontraram a Deus na universidade. Na grande maioria dos casos, esta conversão se deu através de colegas cristãos ou do interesse despertado pela leitura da Bíblia. O ideal das universidades confessionais é torna-las em um ambiente onde fé e ciência podem coexistir e evitar que se tornem um cemitério para as convicções cristãs.
Augustus Nicodemus Lopes

Postado por Augustus Nicodemus Lopes.

Sobre os autores:
Dr. Augustus Nicodemus (@augustuslopes) é atualmentepastor da Primeira Igreja Presbiteriana de Goiânia, vice-presidente do Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana doBrasil e presidente da Junta de Educação Teológica da IPB.
O Prof. Solano Portela prega e ensina na Igreja Presbiteriana de Santo Amaro, onde tem uma classe dominical, que aborda as doutrinas contidas na Confissão de Fé de Westminster.
O Dr. Mauro Meister (@mfmeister) iniciou a plantação daIgreja Presbiteriana da Barra Funda.

CRISTIANISMO NA UNIVERSIDADE (14) - Universidade, Educação e Corrupção


Um dos temas que tem dominado o cenário brasileiro em anos recentes é a questão da corrupção.[1] O termo tem sido usado pela mídia e população em geral para se referir ao desvio de dinheiro público, irregularidades graves no emprego de verbas governamentais, desvio de funções para vantagens pessoais por parte de servidores públicos, falseamento da verdade para ganhos ilícitos, acordos subterrâneos e pactos ocultos, lavagem de dinheiro, tráfico de influência e outras atitudes e atividades ilegais, imorais e injustas.
Neste cenário, é importante destacar o entendimento cristão quanto às causas e consequências da corrupção, bem como as atitudes possíveis visando a combatê-la.
O sentido próprio do termo “corrupção” é deterioração ou apodrecimento. Os sentidos secundários derivam dessa ideia original. Toda vez que alguém deixa de cumprir o seu dever estabelecido diante de pessoas, instituições e mesmo ideais - por interesse próprio ou de terceiros - ocorre a corrupção.
Quase sempre associamos a corrupção aos ambientes estatais. Todavia, a corrupção ocorre também na esfera particular. Há práticas corruptas ao nosso redor, inclusive em nossas próprias ações. Por exemplo: existência de “caixa dois” em empresas, uso de pessoas como “laranjas” em negócios irregulares, compra e venda de produtos pirateados, uso de “softwares” baixados sem permissão dos seus proprietários, pedido e/ou concessão de notas em atividades escolares, com base em amizades ou outra forma de relacionamento. Por isso, o conhecido “jeitinho” brasileiro é, numa análise objetiva e séria, simplesmente corrupção.
A corrupção pode parecer ter um lado bom, especialmente para os aparentemente “beneficiados” por ela. Todavia, não podemos fechar os olhos para o grande mal que traz. A corrupção é fator de injustiça social, porque tira os direitos de muitos, impede o desenvolvimento justo e equânime dos cidadãos, produz um efeito cascata que começa no topo e corrompe a população como um todo, anestesia a consciência, afronta a lei e promove a impunidade. Também frustra a motivação dos que buscam as recompensas materiais dos meios legítimos de conduta, visto o enriquecimento questionável e rápido de alguns.
Além disso, não raramente, a rede de ações corruptas se vale de atitudes violentas para acobertar suas mazelas. Portanto, nada há que realmente justifique a corrupção.
Geralmente as fragilidades da estrutura político-jurídico-financeira são responsabilizadas como a causa da corrupção estatal. Embora existam causas externas para a corrupção, não se pode negar que o problema reside, em última análise, no coração das pessoas. A corrupção é vista pela fé reformada como tendo origem primariamente no coração dos homens. A Bíblia afirma que não há sequer uma pessoa justa neste mundo. “Todos pecaram e carecem da glória de Deus” (Romanos 3.23). Jesus Cristo disse que é do coração das pessoas que procedem “maus desígnios, homicídios, adultérios, prostituição, furtos, falsos testemunhos, blasfêmias” (Mateus 15.19-20). Quando a causa é identificada, há condições de se buscar o remédio adequado.
Aqui se percebe a insuficiência de éticas humanistas reducionistas, que analisam apenas aspectos sociológicos e políticos da corrupção. Como resultado, as propostas de “redenção” contemplam apenas medidas repressivas, melhorias na educação, uma melhor legislação, as propostas de determinado partido político ou candidato. Tais medidas mesmo sendo necessárias e boas, deixam de contemplar a dimensão pessoal do problema: egoísmo, maldade, avareza, inveja e cobiça. O protestantismo reformado prega uma conversão interior dos governantes e dos governados a Deus e conclama que todos se arrependam do mal e pratiquem obras de justiça.
Por que, apesar de todos os esforços, a corrupção continua e se fortalece? Podemos pensar em várias respostas para esta indagação pertinente. A primeira é a sua banalização. Existe hoje maior divulgação dos casos de corrupção e da impunidade dos corruptos que no passado. Ao que parece, isto tem levado a sociedade a certo grau de indiferença quanto à sua gravidade. Como consequência prática, a luta contra esse mal chega a parecer um trabalho inútil.
Em segundo, existe uma sensação pessoal de culpa, a qual leva à cumplicidade e, portanto, ao silêncio. Apesar das pessoas condenarem os políticos e empresários corruptos, muitas delas também praticam a corrupção ao nível pessoal, como transgredindo as leis dos direitos autorais, usando de suborno, driblando a legislação tributária, entre outros possíveis exemplos.
Pelas causas acima, a corrupção acaba sendo vista e consagrada como “um mal sem remédio”. Isto favorece a sua prática, alimenta os males que ela gera, conserva a impunidade e fomenta a permanência desse nocivo tipo de atividade.
Apesar de estar tão profundamente enraizada no ser humano e na sociedade, a corrupção tem sido combatida em todas as épocas. Segundo a visão cristã de mundo, a razão pela qual os seres humanos não conseguem conviver tranquila e passivamente com a corrupção é que foram criados à imagem de Deus e que Deus ainda age neste mundo. Esta ação de Deus no mundo em geral é chamada de graça comum (concedida a todos). Segundo este conceito, Deus abençoa a humanidade em geral com virtudes e qualidades, independentemente das convicções religiosas das pessoas. Além disto, Deus instituiu os governos não somente para promover a justiça e o bem comum, mas também para punir os malfeitores e os corruptos (Romanos 13).
No Brasil, os principais órgãos responsáveis pelo combate à corrupção estatal, em todos os aspectos, são o Tribunal de Contas da União (TCU) - principal órgão de fiscalização do dinheiro e dos bens públicos, e a Controladoria Geral da União (CGU), órgão que responde pelo Brasil perante a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção e, com exposição recente mais ampla, o Conselho Nacional de Justiça (CJN), que aflorou o fato de que, infelizmente, nem mesmos os nossos juízes estão imunes à corrupção e seus efeitos danosos.
O combate à corrupção, todavia, cabe, também, à população. A sociedade deve agir e cobrar medidas públicas contra a corrupção. É preciso reafirmar o repúdio à prática, enfatizar a necessidade de transparência nas contas públicas, apoiar as iniciativas civis no combate aos desmandos e promover a ética no trato das questões públicas.Na esfera eclesiástica, onde caberia estar o exemplo, é preciso também repudiar as práticas financeiras desonestas de muitas igrejas.
Neste ponto encontramos o papel das universidades confessionais. Uma instituição de ensino que se pauta pelos princípios da visão cristã de mundo poderá contribuir de diversas maneiras para que a corrupção seja pelo menos reduzida. Com relação às suas causas externas, deve incluir o ensino e a transmissão dos valores cristãos tais como honestidade, integridade, verdade, justiça e amor ao próximo. Somos responsáveis por uma boa mordomia dos recursos que Deus nos confiou.
Esse papel de integração da ética à academia é algo que vem sendo reconhecido até nas instituições de ensino superior sem características confessionais, por razões meramente realistas e práticas. Uma reitora, no contexto da crise europeia, que desde 2008 assola o velho mundo, chamou a atenção das universidades para a falta de ética e a aplicação deficiente de práticas saudáveis de negócios. Ela declarou que todos os operadores do sistema financeiro frequentaram os bancos universitários e provocou o incômodo questionamento: será que não falta maior ênfase na ética de negócios, em nossos currículos? Segundo a reitora, “as instituições têm que assumir a sua quota de ensinamento pela vivência de valores que devem reger uma sociedade de bem”.[2]
Nesse caminho, como instituição confessional, devemos ter um interesse redobrado sobre o entrelaçamento da ética com a formação acadêmica, como uma das armas contra a corrupção de nossa sociedade.
Com relação à causa interna, que é a corrupção da mente e do coração humanos, a instituição confessional cristã deve sempre lembrar aos seus alunos que somos responsáveis por nossos atos e que não podemos responsabilizar a sociedade, o governo e os outros pelos nossos desvios de conduta. Por fim, deve anunciar, sempre respeitando a consciência de todos, que Deus em Jesus Cristo nos oferece perdão pelos nossos desvios e uma mudança interior, dando-nos uma nova orientação e esperança na vida, tendo como alvo amar ao próximo e a Deus. Cultivamos uma expectativa realista de mudança sabendo que o nosso trabalho não é vão diante de Deus.

Terminando, o cristianismo reconhece que não é possível a existência de uma sociedade que seja completamente isenta da corrupção. A nossa esperança é o mundo vindouro, escatológico, a ser inaugurado com o retorno de Jesus Cristo, quando as causas da corrupção serão removidas para sempre. O que não significa que não devamos, com todas as nossas forças, lutar para que os valores do Reino de Deus sejam implantados aqui neste mundo, por meio de uma boa educação integral que contemple não somente a formação intelectual e profissional, como também a formação de cidadãos éticos e compromissados com os valores morais que servem de base para famílias e sociedades sólidas e justas. 



[1] Este capítulo é baseado no texto da Carta de Princípios da Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2012, também da minha autoria.
[2] “As Universidades Têm Um Papel em Minimizar os Efeitos da Crise”, artigo/entrevista de Madalena Queirós, com a Reitora da Universidade de Aveiro, Helena Nazaré, de 17.02.2009, disponível em: http://economico.sapo.pt/noticias/as-universidades-tem-um-papel-em-minimizar-os-efeitos-da-crise_3843.html, acessado em 22.04.2009.
Augustus Nicodemus Lopes

Postado por Augustus Nicodemus Lopes.

Sobre os autores:
Dr. Augustus Nicodemus (@augustuslopes) é atualmentepastor da Primeira Igreja Presbiteriana de Goiânia, vice-presidente do Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana doBrasil e presidente da Junta de Educação Teológica da IPB.
O Prof. Solano Portela prega e ensina na Igreja Presbiteriana de Santo Amaro, onde tem uma classe dominical, que aborda as doutrinas contidas na Confissão de Fé de Westminster.
O Dr. Mauro Meister (@mfmeister) iniciou a plantação daIgreja Presbiteriana da Barra Funda.

CRISTIANISMO E UNIVERSIDADE (13)-Os Cristãos e a Cultura


O relacionamento dos cristãos com a cultura na qual estão inseridos sempre representou um grande desafio para eles. Opções como amoldar-se, rejeitar a cultura, idolatrá-la ou tentar redimi-la têm encontrado adeptos em todo lugar e época. Em nosso país, com uma cultura tão rica, variada e envolvente, o desafio parece ainda maior nos dias atuais.
Existem muitas definições disponíveis e parecidas de cultura. No geral, define-se como o conjunto de valores, crenças e práticas de uma sociedade em particular, que inclui artes, religião, ética, costumes, maneira de ser, divertir-se, organizar-se, etc.
Os cristãos acrescentam um item a mais a qualquer definição de cultura, que é a sua contaminação. Não existe cultura neutra, isenta, pura e inocente. Ela reflete a situação moral e espiritual das pessoas que a compõem, ou seja, uma mistura de coisas boas decorrentes da imagem de Deus no ser humano e da graça comum, e coisas pecaminosas resultantes da depravação e corrupção do coração humano. Toda cultura, portanto, por mais civilizada que seja, traz valores pecaminosos, crenças equivocadas, práticas iníquas que se refletem na arte, música, literatura, cinema, religiões, costumes e tudo mais que a compõe.
Não é de se estranhar, portanto, que aqueles cristãos que levam a Bíblia a sério sempre tiveram uma atitude, no mínimo, cautelosa em relação à cultura, por perceberem nela traços da corrupção humana - ou seja, do mundo.
Ao mesmo tempo em que a Bíblia define o mundo de maneira negativa, ela admite que existem coisas boas na sociedade em decorrência do homem ainda manter a imagem de Deus – em que pese a Queda – e em decorrência de Deus agir na humanidade em geral de maneira graciosa. Deus concede às pessoas, sendo elas cristãs ou não, capacidade, habilidades, perspicácia, criatividade, talentos naturais para as artes em geral, para a música – enfim, aquilo que chamamos de graça comum. É interessante que os primeiros instrumentos musicais mencionados na Bíblia aparecem no contexto da descendência de Caim (Gênesis 4.21) bem como os primeiros ferreiros (4.22) e fazedores de tendas (4.20). Paulo conhecia e citou vários autores da sua época, que certamente não eram cristãos (Epimênides, Tito 1.12; Menander, 1Coríntios 15.32; Aratus, Atos 17.28). Jesus participou de festas de casamento (João 2) e Paulo não desencorajou os crentes de Corinto a participar de refeições com seus amigos pagãos, a não ser em alguns casos de consciência (1Co 10.27-28).
Portanto, a grande questão sempre foi aquela do limite – onde eu risco a linha de separação? Até que ponto os cristãos podem desfrutar deste mundo, até onde podem se amoldar à cultura deste mundo e fazer parte dela?
Dá para ver porque ao longo da história a Igreja cristã foi considerada algumas vezes como obscurantista, reacionária, um gueto contra-cultural. Nem sempre os seus inimigos perceberam que os cristãos, boa parte do tempo, estavam reagindo ao mundo, àquilo que existe de pecaminoso na cultura, e não à cultura em si. Quando missionários cristãos lutam contra a prática indígena de matar crianças, eles não estão querendo acabar com a cultura dos índios, mas redimi-la dos traços que o pecado deixou nela. Eles estão lutando contra o mundo. Quando cristãos criticam Darwin, não estão necessariamente deixando de reconhecer sua contribuição para nosso conhecimento dos processos naturais, mas estão se posicionando contra a filosofia naturalista que controlou seu pensamento. Quando torcem o nariz para Jacques Derrida, não estão negando sua correta percepção das ambiguidades na linguagem, mas sua conclusão de que não existe sentido num texto.
É preciso reconhecer que nem sempre os cristãos conseguiram perceber a distinção entre mundo e cultura. Historicamente, grupos cristãos têm sido contra a ciência, a arte, a música e a literatura em geral, sem fazer qualquer distinção. Todavia, estes grupos fundamentalistas não representam a postura cristã para com a cultura e nem refletem o ensino bíblico quanto ao assunto. Os reformados, em particular, caracteristicamente sempre se mostraram sensíveis às artes e viam nelas uma manifestação da graça comum de Deus à humanidade. Apreciavam a pintura, a música, a poesia e a literatura.

--> O grande desafio que Jesus e os apóstolos deixaram para os cristãos foi exatamente este, de estar no mundo, ser enviado ao mundo, mas não ser dele (João 17.14-18). Implica em não se conformar com o presente século, mas renovar-se diariamente (Rm 12.1-3), de não ir embora amando o presente século, como Demas (2Timóteo 4.10). É ser sal e luz.
Augustus Nicodemus Lopes

Postado por Augustus Nicodemus Lopes.

Sobre os autores:
Dr. Augustus Nicodemus (@augustuslopes) é atualmentepastor da Primeira Igreja Presbiteriana de Goiânia, vice-presidente do Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana doBrasil e presidente da Junta de Educação Teológica da IPB.
O Prof. Solano Portela prega e ensina na Igreja Presbiteriana de Santo Amaro, onde tem uma classe dominical, que aborda as doutrinas contidas na Confissão de Fé de Westminster.
O Dr. Mauro Meister (@mfmeister) iniciou a plantação daIgreja Presbiteriana da Barra Funda.

terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

CRISTIANISMO E UNIVERSIDADE (12) Uma Visão Cristã Crítica da Tecnologia


Ora, em toda a terra havia apenas uma linguagem e uma só maneira de falar. Sucedeu que, partindo eles do Oriente, deram com uma planície na terra de Sinar; e habitaram ali. E disseram uns aos outros: Vinde, façamos tijolos e queimemo-los bem. Os tijolos serviram-lhes de pedra, e o betume, de argamassa. Disseram: Vinde, edifiquemos para nós uma cidade e uma torre cujo tope chegue até aos céus e tornemos célebre o nosso nome, para que não sejamos espalhados por toda a terra. Então, desceu o SENHOR para ver a cidade e a torre, que os filhos dos homens edificavam; e o SENHOR disse: Eis que o povo é um, e todos têm a mesma linguagem. Isto é apenas o começo; agora não haverá restrição para tudo que intentam fazer. Vinde, desçamos e confundamos ali a sua linguagem, para que um não entenda a linguagem de outro. Destarte, o SENHOR os dispersou dali pela superfície da terra; e cessaram de edificar a cidade” (Gênesis 11.1-8).

A tecnologia deixou sua marca na cultura ocidental e se tornou um sistema que circunda o mundo. Basta suprimir a tecnologia e toda a nossa cultura se desmorona. A palavra “tecnologia” vem do grego, e significa em termos bem amplos o estudo ou a aplicação da técnica ou da arte. É usada pra descrever a aplicação do conhecimento técnico e científico e a produção de processos e materiais com este conhecimento. Devemos à tecnologia as máquinas, processos, métodos e materiais que facilitam a nossa vida e nos ajudam na resolução dos problemas que encontramos. Fica claro, portanto, porque somos tão dependentes dela.

O que eu gostaria de lembrar nesta postagem é que a tecnologia é fruto da ciência moderna, que por sua vez procedeu da visão cristã do mundo. Já vimos este ponto em postagens anteriores. A cosmovisão cristã nos fala da criação do mundo e do homem à imagem de Deus e defende que o alvo maior da ciência e consequentemente da tecnologia é ser instrumento para o bem do homem e para a glória de Deus.

Na cosmovisão cristã, a tecnologia é um instrumento pelo qual o ser humano cumpre sua missão dada por Deus de conquistar o mundo, dominá-lo e usá-lo para seu proveito e do próximo. A tecnologia tem trazido muitas bênçãos para a humanidade. Menciono aqui algumas delas, enumeradas por Egbert Schuurman (Religião e Tecnologia, 2006):

  • A expectativa de vida aumentou.

  • A canalização de esgotos e os sistemas de tratamento de água melhoram o ambiente.

  • A mecanização, a automação e a robotização aliviaram os seres humanos do árduo trabalho manual e repetitivo.

  • Tratamentos médicos que curam doenças.

  • A fome de muitos foi abrandada.

  • Os modernos meios de comunicação nos proporcionam amplas informações e a possibilidade da educação à distância de milhares de pessoas ao mesmo tempo.

Todavia, por causa da propensão inata do ser humano ao mal, existem perigos e desafios por detrás do uso da tecnologia. Aquilo que deveria ser um instrumento do bem de todos acaba sendo usado de maneira errada.

No trecho bíblico que lemos no início desse post temos o relato bíblico da construção da torre de Babel. Embora para muitos se trate de uma lenda, os cristãos oriundos da Reforma protestante e que permanecem fiéis aos seus princípios, consideram o relato como histórico. E dele podemos aprender algumas coisas.

Desde cedo na sua história o ser humano aprendeu a usar a tecnologia para conseguir seus desejos e construir seu mundo. Aqui no caso, conforme o relato de Gênesis, aprendeu como construir cidades, edifícios, torres. As descobertas arqueológicas mostram que a tecnologia é quase tão antiga quanto nossa raça.

Também desde cedo o ser humano começou a usar a tecnologia como instrumento para propósitos egoístas. O alvo dos construtores da torre de Babel era simplesmente deixar o seu nome para a posteridade. No entanto, Deus havia mandado que eles se espalhassem por toda a terra, que a colonizassem e civilizassem. Num desafio claro à orientação divina, usaram seus conhecimentos técnicos para erigir um monumento à autonomia humana.

A avaliação de Deus quanto ao que estava acontecendo estava correta: “isto é só o começo – agora não haverá mais limites para o que os homens planejam fazer.” A história mostra quão acertada foi a avaliação divina. Cada vez mais o homem supera limites e estende as fronteiras do conhecimento e da tecnologia e nem sempre para buscar o bem do próximo e garantir um futuro melhor para a humanidade.

Fica claro, portanto, que a tecnologia não é neutra. Aliás, nem poderia ser, pois sua mãe, a ciência, também não é. Por “neutra,” queremos dizer isenta de preconceitos ideológicos. É evidente que nem uma e nem a outra estão livres da infiltração e da influência de ideologias, uma vez que cientistas e técnicos são seres humanos movidos por pressupostos que antecedem suas pesquisas.

Aqui é importante mencionar o trabalho do famoso filósofo francês Jacques Ellul, que dedicou boa parte de seus esforços para mostrar que a tecnologia moderna representa uma ameaça à liberdade humana e se constitui, em si mesma, uma religião. Ele declara no sua obra clássica, The Technological Bluff (1990): “a técnica é neutra; a tecnologia traz ideologias por detrás”.

A tecnologia tem a ver com o controle do mundo, concebido como um enorme mecanismo onde tudo pode ser ponderado e mensurado. Ela representa a possibilidade de dar forma à realidade segundo nossos anseios. Não há limites religiosos ou éticos para a busca desse controle. O limite é aquilo que é possível.

A tecnologia também se propõe a trazer a prosperidade e o bem estar do ser humano, garantindo o seu futuro – e isso mesmo ao preço da natureza e do próprio homem. Em seu livro Religião e Tecnologia (2006), Egbert Schuurman, pensador holandês, lamenta que não é somente o homem que é ameaçado pela tecnologia, mas a natureza também é explorada e a sociedade humana é desintegrada. Segundo ele, fala-se de ameaças nucleares de armas ou outros resíduos radioativos das centrais nucleares, do esgotamento dos recursos naturais, da extinção de muitas espécies vegetais e animais, o desmatamento, assoreamento e desertificação – com a perda de solos e de alimentos ricos – o esgotamento da camada de ozônio, a emissão de gases de escape com consequências de longo alcance para a vida e clima, a destruição rápida e em larga escala e a poluição da natureza, e a ameaça acelerada da superestimação de técnicas de manipulação genética, tendo como desdobramento a possibilidade técnica da clonagem e manipulação genética de seres humanos, etc.

Existe também o risco de que a tecnologia se torne a religião do homem moderno. David Noble fala da tecnologia como uma religião, em que o homo tecnicus se comporta como Deus, criando e resolvendo os problemas e assegurando o futuro (The Religion of Technology, 1997). Isto porque a tecnologia é vista como a solução para todos os problemas e doenças do homem. Sua tendência é colocar a ideia de um Deus que intervém para fora do círculo da realidade. Quem precisa dele, quando a tecnologia resolve nossos problemas e assegura nosso futuro?

Nossa geração tem crescido sob o domínio da tecnologia em todas as áreas da vida. O impacto se faz através da mídia de todos os tipos, do estilo de vida, da sociedade em geral e da cultura. É um paradigma cultural. É um tipo de estrutura dentro da qual muitas pessoas pensam e agem.

Ela tem um significado normativo. As razões, valores e normas da nossa cultura e sociedade são derivados dela. Assim, ela também forma uma estrutura ética. A tecnologia tem marcado cada vez mais o desenvolvimento do Ocidente, deixando sua marca também na atual globalização, e gerando materialismo, egoísmo, desejo de controle e poder, falta de sensibilidade para com as pessoas e a natureza.

Como resultado da absolutização do pensamento tecnológico, grande parte da realidade foi perdida. O que não se enquadra no modelo tecnológico é desconsiderado ou esquecido. A geração atual cresce, então, sob o relativismo absoluto e acaba elegendo a tecnologia como referencial utilitarista. O materialismo e pragmatismo dos nossos dias acabam entrando na mistura, deixando-nos com uma cultura dominada por uma visão técnico-utilitarista de mundo.

Entendo que a tarefa dos educadores e desenvolvedores da tecnologia, especialmente aqueles que professam a fé cristã, não é deixar nossa geração à mercê dessas influências tecnológicas, sociais e éticas. A tendência para o mal inerente na humanidade certamente penderá a balança para o lado errado.

A visão cristã de mundo serve de fundamento para uma educação sólida, relevante, atenta para as questões atuais e para a tomada de decisões equilibradas e sensatas. O cristianismo vê o ser humano como tendo sido criado por Deus, à sua imagem, e colocado no mundo de Deus, para viver para sua glória e para fazer o bem ao seu próximo. Vê também que a humanidade sempre tem escolhido caminhos que a afastam de Deus e que nos afastam uns dos outros, por causa de nossa sede de poder. Vê também que os recursos que Deus nos deu são poderosos para fazer o bem, se cuidarmos de usá-los corretamente.

Uma visão cristã da tecnologia prioriza as necessidades básicas da humanidade, como vencer a fome e as doenças, promover o conhecimento e a educação. Da mesma forma, assume responsabilidade ecológica, que leve à busca de tecnologias que não destruam o meio ambiente. Também, coloca o foco na busca de soluções para os problemas fundamentais do homem, como fome, doença, trabalho árduo, sofrimento, ignorância e falta de educação, sem se deixar dominar pelas demandas do mercado e pelo domínio econômico. O foco são as pessoas e não o lucro.

Na visão cristã de mundo, a tecnologia deveria ser uma serva da humanidade e não sua dominadora. Não ser uma religião, mas um instrumento. Desta forma, deveria contribuir para que as pessoas conheçam melhor a si mesmas e assim, a Deus.

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O grande desafio das escolas, colégios e universidades confessionalmente cristãs é preparar profissionais que, além de competentes em suas respectivas áreas de conhecimento, sejam igualmente guiados pelos referenciais morais e éticos da visão cristã de mundo.

Postado por Augustus Nicodemus Lopes.

Sobre os autores:
Dr. Augustus Nicodemus (@augustuslopes) é atualmentepastor da Primeira Igreja Presbiteriana de Goiânia, vice-presidente do Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana doBrasil e presidente da Junta de Educação Teológica da IPB.
O Prof. Solano Portela prega e ensina na Igreja Presbiteriana de Santo Amaro, onde tem uma classe dominical, que aborda as doutrinas contidas na Confissão de Fé de Westminster.
O Dr. Mauro Meister (@mfmeister) iniciou a plantação daIgreja Presbiteriana da Barra Funda.
Fonte: O Tempora, O Mores

CRISTIANISMO E UNIVERSIDADE (9) – Ciência e Religião – Modelos de Interação

Deus colocou a eternidade no coração do homem” (Eclesiastes 3.11).
Estatísticas recentes mostram que o Brasil continua sendo um país muito religioso. Embora crescente, o número de ateus e agnósticos não chega a ser significativo. Mas, quando a pesquisa é feita nas universidades, aumenta número de ateus e agnósticos, embora a predominância é de pessoas que professam crer em Deus. Um dos impactos destes números para a academia é este: uma grande parte de professores e alunos é religiosa. Num ambiente onde predomina o espírito científico, como é a academia, como se desenvolve a relação entre ciência e o cristianismo?

Há diversas maneiras de ver a relação entre ciência e cristianismo. O primeiro modelo é o do conflito. Este modelo, chamado de cientificismo, diz que a ciência moderna destruiu as reivindicações da teologia tradicional. Os pensadores cristãos antigos, muito frequentemente, invocavam a Deus como resposta para aquilo que a filosofia natural e a ciência não podiam ainda explicar, como Newton, que atribuiu a Deus as irregularidades nas órbitas dos planetas que não se encaixavam na sua teoria astronômica. O conflito ocorre, portanto, quando a ciência descobre uma explicação para aquilo que era antes atribuído a uma ação direta de Deus. Fica parecendo que a responsabilidade de Deus como governador do mundo fica diminuída mais e mais à medida que a ciência passa a explicar o sobrenatural e o misterioso.

Contudo, esta visão de Deus não é aquela do cristianismo reformado. O Deus da Bíblia não é um deus ex machinaa ser invocado quando alguém precisa de uma explicação para o incompreensível, mas Ele é a causa de todas as coisas. Tudo no mundo depende de Deus, regularidade e irregularidade.

O conflito entre ciência e cristianismo pode também provocar uma reação do lado de cristãos, que tomam uma atitude anti-intelectual. Aqui a ciência é vista como uma alternativa inferior, incompatível com o cristianismo, pois rejeita as ações de Deus e as considera como irrelevantes.

Num outro modelo, o da adaptação, o cristianismo tradicional é redefinido para se encaixar melhor nas mudanças no conhecimento científico. Neste modelo, a Bíblia é vista como uma coleção antiga de mitos e estórias piedosas que refletem a fé de Israel e dos cristãos primitivos. Um exemplo são as ideias de Pierre Teilhard de Chardin, teólogo católico. O problema com esta abordagem é que parte aprioristicamente da tese que a razão determina a realidade. Assim sendo, os elementos transcendentes do cristianismo são reduzidos, logo de partida, a mitos e lendas piedosos, visto que não se encaixam na visão de mundo adotada pelo racionalismo.

Outro modelo é o chamado de “nova síntese”. Ele defende uma transformação radical tanto da ciência quanto da teologia, possibilitando uma síntese entre ambos. Ele tem sido defendido por grupos ligados às religiões orientais, a Nova Era, Shirley McLaine e outros grupos minoritários. Esta combinação de pseudociência duvidosa e de uma heterodoxia pseudoteológica é um modelo inadequado para quem deseja levar tanto a ciência quanto o cristianismo a sério.

Há também o compartimentalismo. Este modelo entende que ciência e cristianismo estão tratando de dois campos completamente distintos. Eles nos dão diferentes informações sobre coisas diferentes e não há campo comum entre eles. A ciência não tem absolutamente nada a dizer ao cristianismo e o reverso também é verdade. E já que não têm nada em comum, um conflito entre eles é totalmente impossível. Esta perspectiva se inspira no dualismo kantiano que jogou a fé para o andar de cima, para longe do alcance da análise racional. Ele é insatisfatório, pois pensadores cristãos não gostam da ideia de que aquilo que creem é simplesmente um salto no escuro, ou que se refere a uma realidade distinta da nossa.

Um modelo mais aceitável é o do complementarismo. O modelo complementarista entende que as diferentes percepções da ciência e do cristianismo aplicam-se ao mesmo mundo e frequentemente aos mesmos eventos. A Natureza é vista como a revelação geral de Deus e a Bíblia como a revelação especial. A realidade é composta de níveis diferentes, cada um deles requerendo um modo diferente de explicação. Estas descrições diferentes se complementam e proporcionam uma percepção mais profunda do mundo.

A propriedade e relevância de cada uma destas percepções dependerão da pergunta feita, do contexto e da necessidade. Assim, uma resposta, numa certa altura, poderá ser mais apropriada que a outra.

Eu gostaria de sugerir que diante dos seguintes fatores, um modelo complementarista é o mais adequado e correto para uma universidade confessional e que tenha princípios cristãos. Primeiro, pelas estatísticas, que mostram que não podemos deixar a questão da religião e da fé – e especialmente do cristianismo – do lado de fora da academia. Segundo, pela relação histórica entre cristianismo e ciência moderna. Em várias postagens dessa série (Cristianismo e Universidade) mencionarei como o cristianismo contribuiu para o surgimento da ciência. E por fim, pelo fato que nenhuma abordagem isolada pode responder de forma completa às questões que os seres humanos geralmente fazem.

Postado por Augustus Nicodemus Lopes.

Sobre os autores:
Dr. Augustus Nicodemus (@augustuslopes) é atualmentepastor da Primeira Igreja Presbiteriana de Goiânia, vice-presidente do Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana doBrasil e presidente da Junta de Educação Teológica da IPB.
O Prof. Solano Portela prega e ensina na Igreja Presbiteriana de Santo Amaro, onde tem uma classe dominical, que aborda as doutrinas contidas na Confissão de Fé de Westminster.
O Dr. Mauro Meister (@mfmeister) iniciou a plantação daIgreja Presbiteriana da Barra Funda.
Fonte: O Tempora, O Mores

CRISTIANISMO E UNIVERSIDADE (8) – Fundamentos

Ora, destruídos os fundamentos, que poderá fazer o justo?” (Salmos 11.3)

Esta citação bíblica nos ensina a necessidade de fundamentos para podermos praticar e viver a justiça. Assistimos hoje ao avanço de uma mentalidade cuja característica é a demolição dos fundamentos da sociedade ocidental cristã, como a conhecemos.

Esta mentalidade é chamada por muitos estudiosos de pós-modernidade. Como o nome indica, a pós-modernidadeé o período da história que veio para tomar o lugar do período moderno. Este tempo foi iniciado, conforme se pensa, com a falência do comunismo, com a derrocada do muro de Berlim, em 1989, e com o insucesso da economia, dos organismos mundiais e da tecnologia e ciência modernas de resolver os problemas mais agudos da humanidade.

Passou-se a questionar os fundamentos anteriormente estabelecidos e começou a questionar-se também a existência de verdade absoluta em todas as áreas da vida e do conhecimento humanos.

A pós-modernidade não é propriamente um movimento organizado, mas um espírito, uma maneira de ver a realidade, uma mentalidade, cuja influencia se percebe na academia, na religião, na arte, na cultura, na economia.

Nessa postagem eu gostaria de refletir sobre as oportunidades e desafios que esta mentalidade pós-moderna representa do ponto de vista do cristianismo histórico. O ponto central é este do Salmo 11.3 – é preciso fundamentos para que se possa fazer justiça.

Vejamos, primeiramente, os fundamentos que a mentalidade pós-moderna tende a derrubar. No topo da lista temos o fundamento da existência de valores, conceitos e verdades absolutos e universais.

O pensamento pós-moderno rejeita o conceito defendido pela modernidade de que existam verdades absolutas e fixas. Toda verdade é relativa e depende do contexto social e cultural onde as pessoas vivem. Cada um percebe a verdade de sua própria forma. Não existe “verdade”, mas sim “verdades” que não se contradizem, mas se complementam. Isso inclui verdades religiosas. Conceitos como “Deus” são totalmente relativos. A única “inverdade” que existe é alguém insistir que existe verdade fixa e absoluta!

Em seguida vem o fundamento da racionalidade. A mentalidade pós-moderna rejeita o ideal do pensamento moderno de que a verdade pode ser alcançada através da análise racional. Considera que a promessa do Iluminismo, de encontrar uma resposta unificada para a realidade falhou completamente. A pós-modernidade, assim, abandonou a busca de verdades absolutas e fixas, que caracterizou o período anterior, rejeitando igualmente o conceito de dogmas e definições exatas.

Para a mentalidade pós-moderna, a mensagem cristã é muito ofensiva, pois esta apresenta a Bíblia como única revelação de Deus, a existência de absolutos morais, e o Evangelho como sendo a verdade.

Temos também o fundamento da análise crítica. Surgimento do conceito do politicamente correto – Na mentalidade pluralista e inclusivista, a opinião e as convicções de todos têm de ser respeitadas. A razão para esse “respeito” é que a opinião de um é vista como tão verdadeira quanto a opinião do outro. Assim, torna-se politicamente incorreto criticar as opiniões, a conduta e as preferências morais, políticas, religiosas de alguém.

Deve-se amenizar os comentários críticos com eufemismos ou generalidades que não ofendam. Já que não existem conceitos absolutos na área de religião e de moral, não pode haver proselitismo, isto é, alguém tentar convencer outro a mudar de religião ou de comportamento.

Por fim, menciono o fundamento do certo e do errado. Com o abandono das verdades absolutas, não há parâmetros objetivos a serem seguidos. O pós-modernista Steven Connor (Postmodernist Culture, 1989), diz que “desde a música ao turismo, à TV e mesmo à educação, o consumidor não quer mais aquilo que é bom, mas ele quer experiências”. O parâmetro passa ser o sentimento, a experiência. Daí começou a surgir a filosofia do “sentir bem”.

Um exemplo pertinente do que estamos dizendo é a declaração do educador e ex-pastor presbiteriano Rubem Alves, numa fala durante uma cerimônia por ocasião da Reforma Protestante no Rio de Janeiro (2003):

Gente, isso aí é uma das coisas mais centrais do espírito da Reforma que significa que nós somos livres, não é? Não é pecado pensar errado, porque ninguém sabe o que é pensar certo. Então a gente pode pensar do jeito que for, que não tem ortodoxo e herege. E quem quiser dizer que o outro é herege não está entendendo direito o espírito da Reforma.

Contudo, há vários aspectos positivos na pós-modernidade. Primeiro, ela acentua o conceito de tolerância. Segundo, estimula os estudos acadêmicos sobre multiculturalismo, gênero e sexualidade. Ainda, ela inibe a discriminação preconceituosa por conta de gênero, raça e posição social e abre espaços na academia para integrantes de grupos minoritários. Por fim, mencionamos que ela desperta os estudiosos para o papel do horizonte do indivíduo na percepção da realidade.

Ainda assim, existem sérias inconsistências da mentalidade pós-moderna que apontam para a necessidade de fundamentos. Por exemplo, a inconsistência acadêmica. Pós-modernos escrevem textos para demonstrar que textos não têm sentido algum, ou porque se descontroem ou porque têm tantos sentidos que acabam não tendo nenhum. Eles precisam do fundamento da hermenêutica: o texto quer dizer o que o seu autor quis dizer, para poder provar o contrário.

Há também uma certa inconsistência axiomática. Pós-modernos negam a existência de verdades universais e absolutas. Entretanto, defendem um axioma que consideram absoluto e universal, “não existem verdades absolutas”. Precisam partir do fundamento da existência de verdades absolutas para poder argumentar que elas não existem.

Uma outra inconsistência é aquela da atitude. Pós-modernos defendem o conceito de tolerância como a total complacência para com o pensamento de outros quanto à política, sexo, religião, raça, gênero, valores morais e atitudes pessoais. Entretanto, existe claramente um ponto de vista que eles não toleram: o daqueles que insistem em se apegar a conceitos e valores definidos e objetivos.

inconsistência religiosa. Pós-modernos pregam o fim do cristianismo por ser uma religião absolutista, que crê em verdade, revelação, certo e errado. Porém, a religião por excelência da pós-modernidade é o antigo paganismo, que ressurge modernamente com seu dualismo cósmico entre o bem e o mal. Não consegue se livrar do conceito de que existe o certo e o errado, o bem e o mal.

Por fim, vem a inconsistência ética. É comum vermos pós-modernistas negando a verdade absoluta e, ao mesmo tempo, lutando pelos “direitos humanos” ou pelo estabelecimento da “justiça”, ou em favor da ecologia, especialmente nos países do terceiro mundo. Os pós-modernistas acabam caindo na inconsistência de aceitar verdades universais para resolver situações específicas. Eles aceitam regras gerais de coletividade ética, mas afirmam não existir padrão de verdades.

Os desafios que a pós-modernidade traz para uma universidade confessional são grandes. Primeiro, o desafio de não sermos um gueto. Segundo, o desafio de não engolirmos a mentalidade pós-moderna, que às vezes se oferece sob capa acadêmica, de forma acrítica. Por fim, o desafio de mantermos uma adesão a fundamentos éticos e morais em meio ao relativismo e pluralismo da nossa época.

Gostaria de sugerir que o cristianismo tem uma visão de mundo e de realidade que respeita e reafirma todos os fundamentos que nossa lógica e bom senso declaram existir.

Postado por Augustus Nicodemus Lopes.

Sobre os autores:
Dr. Augustus Nicodemus (@augustuslopes) é atualmentepastor da Primeira Igreja Presbiteriana de Goiânia, vice-presidente do Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana doBrasil e presidente da Junta de Educação Teológica da IPB.
O Prof. Solano Portela prega e ensina na Igreja Presbiteriana de Santo Amaro, onde tem uma classe dominical, que aborda as doutrinas contidas na Confissão de Fé de Westminster.
O Dr. Mauro Meister (@mfmeister) iniciou a plantação daIgreja Presbiteriana da Barra Funda.
Fonte: O Tempora, O Mores

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