1 João 1.1-2.17
A Primeira Carta de João, segundo alguns estudiosos, ocupa o lugar mais elevado nos escritos inspirados, a ponto de João Wesley chamá-la de “A PARTE MAIS PROFUNDA DAS ESCRITURAS SAGRADAS”.
Simon Kistemaker afirma que “ESSA EPÍSTOLA PODERIA SER CHAMADA DE TRATADO TEOLÓGICO”
Donald Guthrie tem razão quando diz que “ESSA CARTA COMBINA PENSAMENTOS PROFUNDOS COM SIMPLICIDADE DE EXPRESSÃO. ELA, É TANTO PRÁTICA QUANTO PROFUNDA”.
Antes de prosseguirmos, precisamos conhecer o autor dessa epístola. Quem foi João?
Primeiro, João era filho de Zebedeu e Salomé e irmão de Tiago. Seu pai era um empresário da pesca e sua mãe era irmã de Maria, mãe de Jesus. João era galileu e certamente deve ter crescido em Betsaida, às margens do mar da Galileia. Ele, à semelhança de seu pai, também era pescador.
Segundo, João tornou-se discípulo de Cristo. Inicialmente João era discípulo de João Batista, mas deixou suas fileiras para seguir o carpinteiro de Nazaré, o rabino da Galileia. Depois da morte de João Batista, João abandonou suas redes para integrar o grupo de Jesus permanentemente (Mc 1.16-20), tornando-se mais tarde um dos doze apóstolos (Mc 3.3-19).
Terceiro, João tornou-se integrante do círculo mais íntimo de Jesus. Ao lado dos irmãos Pedro e André, João integrava esse grupo seleto que desfrutava de uma intimidade maior com Jesus. Eles acompanharam Jesus no monte de Transfiguração (Lc 9.28), na casa de Jairo (Lc 8.51), onde Jesus ressuscitou sua filha de 12 anos, e também no Jardim do Getsêmani, na hora mais extrema da sua agonia (Mc 14.33). Desses três apóstolos, João é o único que encostou a cabeça no peito de Jesus e foi chamado de discípulo amado.
Quarto, João passou seus últimos dias em Éfeso. E muito provável que João tenha fugido para Éfeso por volta do ano 68 d.C., antes da destruição da cidade de Jerusalém por Tito Vespasiano em 70 d.C. Dali ele foi banido para a Ilha de Patmos pelo imperador Domiciano, onde escreveu o livro de Apocalipse (Ap 1.9). João morreu de morte natural, enquanto todos os outros apóstolos foram martirizados. Seu irmão Tiago foi o primeiro dos apóstolos a morrer enquanto João foi o último. De acordo com Irineu, o apóstolo João viveu “até o tempo de Trajano”. João morreu por volta do ano 98 d.C., durante o reinado do imperador Trajano (98-117 d.C.). O apóstolo João foi o autor desta carta que estamos considerando.
John Stott diz que as diferenças existentes entre o evangelho e a carta são explicadas pelo propósito diferente que o autor tinha ao escrever cada uma dessas obras. Assim escreve Stott: João escreveu O EVANGELHO PARA INCRÉDULOS A FIM DE DESPERTAR-LHES A FÉ (JO 20.30,31), e a EPÍSTOLA PARA CRENTES, A FIM DE APROFUNDAR A CERTEZA DELES (5.13).
O local e a data em que a carta foi escrita
E muito provável que o apóstolo João, o último representante do colégio apostólico vivo, tenha passado seus últimos dias morando na cidade de Éfeso, a capital da Ásia Menor. E quase certo que João escreveu essa e as outras duas epístolas de Éfeso, onde João pastoreou a igreja nos últimos dias da sua vida. Estudiosos normalmente datam a composição das epístolas de João entre 90 e 95 d.C. A razão para isso é o fato de as epístolas terem sido escritas para contra-atacar os ensinamentos do gnosticismo, que estava ganhando proeminência perto do final do século primeiro.
Os destinatários da carta
A Primeira Carta de João não foi endereçada a uma única igreja nem a uma pessoa específica, mas às igrejas do primeiro século. Trata-se de uma carta circular, geral ou católica.
Esta carta de João não foi endereçada à igreja de Éfeso, nem à igreja de Pérgamo, nem mesmo às igrejas da Ásia coletivamente, mas a todas as igrejas. Não há dúvida que ela circulou primeiramente entre as igrejas da Ásia e João tinha suas razões para escrevê-la em face dos perigos que atacavam as igrejas daquele tempo. Entretanto, seus ensinos e suas exortações não se restringem àquela época e àquelas igrejas. As doutrinas e exortações são tão oportunas para as igrejas de hoje como o foram para as igrejas daquele tempo.
Os propósitos da carta
João escreveu o evangelho para os descrentes e seu propósito era que seus leitores cressem que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenham vida em seu nome (Jo 20.31).
A Primeira Epístola, por sua vez, foi escrita aos crentes para dar-lhes segurança da salvação em Cristo (5.13). Myer Pearlman corretamente diz que o evangelho trata dos fundamentos da fé cristã, a epístola dos fundamentos da vida cristã.
O apóstolo João teve um duplo propósito ao escrever essa carta:
Em primeiro lugar, expor os erros doutrinários dos falsos mestres.
Esses falsos mestres estavam disseminando suas heresias perniciosas. João mesmo diz: “Isto que vos acabo de escrever é acerca dos que vos procuram enganar” (2.26). João escreveu para defender a fé e fortalecer as igrejas contra os falsos mestres e sua herética doutrina. Esses falsos mestres haviam saído de dentro da própria igreja (2.19). Eles se desviaram dos preceitos doutrinários. João identificou o surgimento de uma perigosa heresia que atacaria implacavelmente a igreja no segundo século, a heresia do gnosticismo.
Essa posição resultou em duas diferentes atitudes em relação ao corpo: ascetismo ou libertinagem.
As principais crenças do gnosticismo são: a impureza da matéria e a supremacia do conhecimento. Com isso, a filosofia gnóstica produziu uma aristocracia espiritual por um lado e uma acentuada imoralidade por outro.
O gnosticismo ensinava que a salvação podia ser obtida por intermédio do conhecimento, em vez da fé. Esse conhecimento era esotérico e somente poderia ser adquirido por aqueles que tinham sido iniciados nos mistérios do sistema gnóstico.
A heresia gnóstica atingiu verdades essenciais do cristianismo.
A primeira delas foi a doutrina da Criação. Os gnósticos estavam errados quando afirmavam que a matéria era essencialmente má. Deus criou o mundo e deu uma nota: “Muito bom” (Gn 1.31).
A segunda verdade que foi afetada pela heresia gnóstica foi a doutrina da Encarnação. Para os gnósticos, era impossível que Deus houvesse assumido um corpo físico, material. Essa heresia em sua forma mais radical é chamada de Docetismo. O verbo grego dokein significa “parecer” e os docetistas pensavam que Jesus só parecia ter um corpo.
De acordo com essa heresia de Cerinto Jesus morreu, mas Cristo não morreu. Para ele, o Cristo celestial era muito santo para estar em contato permanente com o corpo físico. Dessa maneira, ele negava a doutrina da Encarnação, que Jesus é o Cristo, e que Jesus Cristo é tanto Deus como homem.
João se levanta, e refuta também essa heresia de Cerinto, quando escreve: “Este é aquele que veio por meio de água e sangue, Jesus Cristo; não somente com água, mas também com a água e com o sangue…” (5.6). Para eles, o Cristo divino abandonara a Jesus antes de sua crucificação. O apóstolo João afirma, entretanto, que Jesus Cristo veio por meio de água e sangue.
Augustus Nicodemus destaca o fato de que esses ensinamentos heréticos que negavam a humanidade e a divindade de Cristo foram posteriormente rejeitados pela igreja nos concílios de Niceia e Calcedônia, que adotaram o ensino bíblico da perfeita humanidade e divindade de Cristo.
Ela é uma carta que enfatiza a necessidade de obediência aos mandamentos divinos. A prova moral de que pertencemos à família de Deus é a obediência (2.3-8,29; 3.3-15,22-24; 4.20,21; 5.2-4,17-19,21). O conhecimento de Deus e a obediência a Deus devem caminhar sempre juntos. Aquele que diz que conhece a Deus, mas não guarda seus mandamentos é mentiroso (2.35). A obediência a Deus é uma das condições para termos nossas orações respondidas (3.22). Somos conhecidos como crentes pela obediência a Deus e pelo amor aos irmãos.
Diante do exposto quero meditar com os irmãos sobre as três provas cardinais que evidencia os verdadeiros cristãos:
1- A PRIMEIRA MARCA É TEOLÓGICA, CRER EM JESUS CRISTO “O FILHO DE DEUS” (3.23; 5.6,10,13).
A Primeira Carta de João tem uma mensagem tão urgente e decisiva para a igreja que o apóstolo, deixando de lado as saudações costumeiras, vai direto ao assunto e apresenta Jesus, a manifestação suprema de Deus entre os homens.
João não se detém em detalhes como remetente, endereçamento e saudação quando tem algo tão imenso a declarar.
A intimidade com seus leitores é tal que várias vezes se dirige a eles como “filhinhos”, “amados”, “irmãos” (2.1,12,18; 3.7,18; 4.4; 5.21). João é uma pessoa que possui autoridade e fala como testemunha ocular.
No primeiro parágrafo (1.1-4) o tema central é Jesus, o verbo da vida. João abre sua carta falando sobre Jesus: Quem é Jesus. Como podemos conhecê-lo. Como ele pode ser experimentado. Como ele deve ser proclamado. Qual a principal razão da sua vinda ao mundo.
A mensagem de João é que Deus não está distante nem indiferente a este mundo, como pensam os gnósticos e deístas. O testemunho de João é que Deus está profundamente interessado neste mundo. Ele enviou seu Filho ao mundo e seu nome é Jesus Cristo, o verbo da vida. Ele é o Messias, o Salvador do mundo.
Não há qualquer sombra de dúvida de que o propósito da carta é anunciar aquele que é, desde o princípio, o verbo da vida, a vida eterna. Aquele que estava com o Pai manifestou-se em carne e foi ouvido, visto e tocado.
Destacaremos, agora, as verdades essenciais do texto em tela:
A preexistência do verbo de Deus (1.1)- Como a autoexistência e a eternidade sáo atributos exclusivos da divindade, concluímos, com diáfana clareza, que Jesus é divino. Essa verdade fica ainda mais clara quando lemos no prólogo do evangelho de João: “No princípio era o verbo, e o verbo estava com Deus, e o verbo era Deus” (Jo 1.1).
A humanidade do verbo de Deus (1.1) João continua: “[…] o que temos ouvido, o que temos visto com os nossos próprios olhos, o que contemplamos, e as nossas mãos apalparam, com respeito ao verbo da vida” (1.1). O Eterno penetrou no tempo e foi manifestado aos homens. O verbo de Deus preexistente, eterno e divino fez- se carne (Jo 1.14).
A encarnação de Cristo é a pedra fundamental onde se apoia o cristianismo. Negando a encarnação, os falsos mestres estavam na verdade atacando todas as doutrinas centrais do cristianismo.
A proclamação do verbo da vida (1.3,4) Eis o relato de João: O que temos visto e ouvido anunciamos também a vós outros, para que vós, igualmente, mantenhais comunhão conosco. Ora, a nossa comunhão é com o Pai e com seu Filho, Jesus Cristo. Estas coisas, pois, vos escrevemos para que a nossa alegria seja completa (1.3,4).
João combate os hereges gnósticos mostrando que Jesus é o Filho de Deus, o Messias prometido, o ungido de Deus (1.7; 2.1,22; 3.8; 4.9,10,14,15; 5.1,9-13,18,20).
Ela é uma carta que enfatiza a humanidade de Cristo. Contrariando os ensinos gnósticos que proclamavam que a matéria era essencialmente má, João mostra que Jesus veio em carne (1.1-3,5,8; 4.2,3,9,10,14; 5.6,8,20). John Stott está coberto de razão quando diz que a mensagem de João está supremamente interessada na manifestação histórica, audível, visível e tangível do Eterno. João está atestando a sua mensagem com a sua experiência pessoal.
Ela é uma carta que enfatiza que Jesus é o Salvador. Jesus morreu pelos pecados dos homens (1.7; 2.1,2; 3.5,8,16; 4.9,10,14). O Pai enviou seu Filho como Salvador do mundo (4.14).
Ele manifestou-se para tirar os pecados e nele não existe pecado (3.5). Com respeito ao pecado do homem, Jesus é: primeiro, o nosso advogado junto ao Pai (2.1) e, segundo, a propiciação pelos nossos pecados (2.2; 4.10). Um sacrifício propiciatório restaura a relação quebrada entre duas partes. E um sacrifício que reconcilia o homem e Deus.
2- SEGUNDA MARCA É MORAL (OBEDECER=SANTIDADE) – SE PRATICAMOS OS MANDAMENTOS DE DEUS (1.5; 2.3-11; 3.5)
A teologia não é separada da ética, mas exige santidade de vida. A teologia cristã não é apenas conceitual, mas, sobretudo, prática.
João não é um filósofo, mas um teólogo. Sua mensagem não é apenas para o deleite da mente, mas para a transformação do coração. Sua teologia não é destinada apenas a uma elite intelectual na igreja, mas para todos os que reconhecem seus pecados e se voltam contritos para Deus.
Sua mensagem tem profundas implicações práticas. O propósito do apóstolo é mostrar que não podemos ter comunhão com Deus e com os irmãos sem santidade. E impossível andar nas trevas e ter comunhão com Deus, que é luz. William Barclay tem razão quando diz que o caráter de uma pessoa estará determinado necessariamente pelo caráter do Deus a quem adora.
Simon Kistemaker diz: que a santidade exige verdade em palavras e atos.
A teologia não é neutra, mas exige do homem um posicionamento. Aqueles que dizem conhecer a Deus, que é luz, mas vivem nas trevas; aqueles que, embora pecadores, negam a própria natureza pecaminosa; aqueles que, embora manchados pela mácula do pecado.
A natureza santa de Deus é exposta (1.5) João escreve: “Ora, a mensagem que, da parte dele, temos ouvido e vos anunciamos é esta: que Deus é luz, e não há nele treva nenhuma”. João passa da revelação do verbo de Deus para a revelação do próprio Deus, a quem revela.
Destacamos aqui alguns pontos:
EM PRIMEIRO LUGAR, a mensagem acerca da natureza de Deus vem do próprio Jesus (1.5).
A natureza pecaminosa do homem é declarada (1.6-10) Os falsos mestres, que haviam desembarcado na Ásia Menor, traziam em sua bagagem uma teologia falsa acerca de Deus, de Cristo, do homem, do pecado e da salvação. No pacote de suas heresias, esses falsos mestres desconectavam a religião da vida, afirmando que podiam ter comunhão com Deus e ao mesmo tempo viver nas trevas (1.6).
Eles chegavam a ponto de negar a própria existência do pecado (1.8) e afirmar que não eram susceptíveis a ele (1.10).
Quais eram essas atitudes dos falsos mestres? Em primeiro lugar, a tentativa de enganar os outros (1.6). “Se dissermos que mantemos comunhão com ele e andarmos nas trevas, mentimos e não praticamos a verdade.” Os mestres gnósticos separaram a teologia da vida, a religião da prática da piedade. Mesmo imersos no caudal de seus pecados ainda proclamavam que tinham comunhão com Deus.
Concordo com Augustus Nicodemus quando diz: “Os atos de um cristão professo são mais eloquentes do que suas palavras, e revelam o estado real de seu relacionamento com Deus”.
Simon Kistemaker tem toda razão quando escreve: “O pecado aliena o ser humano de Deus e de seu próximo. Ele perturba a vida e gera confusão. Em vez de paz, há discórdia; em vez de harmonia, há desordem; e, no lugar de comunhão, há inimizade”.
EM SEGUNDO LUGAR, a tentativa de enganar a nós mesmos (1.8). “Se dissermos que não temos pecado nenhum, a nós mesmos nos enganamos, e a verdade não está em nós.”O pecado nos leva a mentir não apenas para os outros, mas também a mentir para nós mesmos. O problema agora não é enganar os outros, mas enganar a nós mesmos.
O pecado anestesia o coração, insensibiliza a alma e cauteriza a consciência. E possível viver em pecado e ainda assim sentir-se seguro e ter a certeza de que tudo está bem na relação com Deus. Isso é mais do que esconder o pecado como fez Davi. Isso é negar a própria existência do pecado, como fizeram os falsos mestres do gnosticismo.
EM TERCEIRO LUGAR, a tentativa de enganar a Deus (1.10). “Se dissermos que não temos cometido pecado, fazemo-lo mentiroso, e a sua Palavra não está em nós.” O pecado pode nos fazer mentir para os outros, mentir para nós mesmos e mentir para Deus. Tendo-se tornado mentiroso, depois também se procura transformar Deus em mentiroso.
Concluímos este ponto com as palavras de Warren Wiersbe, dizendo que os falsos mestres e os falsos crentes mentem sobre sua comunhão com Deus (1.6), sobre sua natureza pecaminosa (1.8) e sobre seus atos pecaminosos (1.10). Aquele que procura encobrir os seus pecados perde a Palavra de Deus. Ele deixa de praticar a Palavra de Deus (1.6), logo a verdade deixa de estar nele (1.8), e, finalmente, ele torna a verdade em mentira (1.10). Aquele que tenta encobrir os seus pecados perde a comunhão com Deus e com o seu povo (1.6,7).
NO CAPÍTULO I de sua epistola, O apóstolo João identificou três marcas de um falso cristão: ele tenta enganar os outros, a si mesmo e a Deus.
A obediência, a evidência do verdadeiro conhecimento de Deus (2.3-6) Conhecer a Deus e ter comunhão com ele é a própria essência da vida eterna (Jo 17.3). Comunhão com Deus e conhecimento de Deus são dois lados da mesma moeda.
Em suas Confissões, Agostinho de Hipona diz: “DEUS NOS CRIOU PARA ELE E NOSSA ALMA NÃO ENCONTRARÁ REPOUSO ATÉ DESCANSARMOS NELE”.
Destacaremos quatro pontos para a nossa reflexão:
Em primeiro lugar, a obediência é a prova do conhecimento de Deus (2.3). “Ora, sabemos que o temos conhecido por isso: se guardamos os seus mandamentos.”
Conhecer nas Escrituras e especialmente em João (2.3,4,13,14) não significa nunca um conhecimento intelectual, teórico, mas um conhecimento experimental do coração. O que João está dizendo é que nenhum conhecimento é verdadeiro se não for transformador.
Warren Wiersbe diz que a obediência pode ter três motivações: obedecemos porque somos obrigados, porque precisamos ou porque queremos. O escravo obedece porque é obrigado. Do contrário, será castigado. O empregado obedece porque precisa. Pode não gostar de seu trabalho, mas certamente gosta de receber o salário no final do mês! Precisa obedecer, pois tem uma família para alimentar e vestir. Mas o cristão deve obedecer ao Pai celestial porque quer — porque tem um relacionamento de amor com Deus. Jesus disse: “Se me amais, guardareis os meus mandamentos” (Jo 14.15).
Em segundo lugar, a inconsistência moral é a negação do conhecimento de Deus (2.4). “Aquele que diz: Eu o conheço e não guarda os seus mandamentos é mentiroso, e nele não está a verdade.” O pior dos enganos é o autoengano.
Em terceiro lugar, a obediência à Palavra é a prova de que Deus está em nós e nós nele (2.5). “Aquele, entretanto, que guarda a sua palavra, nele, verdadeiramente, tem sido aperfeiçoado o amor de Deus. Nisto sabemos que estamos nele…” O amor de Deus por nós é aperfeiçoado na obediência à Palavra. Nosso amor por Deus é demonstrado pela observância dos mandamentos de Cristo (5.3; Jo 14.15,21,23).
Como podemos saber que estamos em Deus? João responde com uma sucessão de declarações: Quando estamos nele (2.5), quando permanecemos nele (2.6) e quando andamos assim como ele andou (2.6).
Em quarto lugar, a imitação de Cristo é a prova de que pertencemos a ele (2.6). “Aquele que diz que permanece nele, este deve também andar assim como ele andou.” Cristo não é apenas nosso mestre; é também nosso exemplo. Qualquer pessoa que diga que é cristão deve viver como Cristo viveu.
Ela é uma carta que enfatiza a necessidade de separação do mundo. O amor a Deus e o amor ao mundo são incompatíveis e irreconciliáveis (2.1517; 3.1,3,13; 4.3-5; 5.4; 5.19). O mundo é hostil a Deus e ao crente (3.1). Os falsos profetas são do mundo e não de Deus, porque falam a linguagem do mundo (4.4,5). Todo o mundo está sob o maligno (5.19). Por isso, o crente deve vencer o mundo pela fé (5.4). Todos os desejos do mundo são passageiros (2.17). Entregar o coração ao mundo que marcha para a destruição é uma verdadeira loucura.
Ela é uma carta que enfatiza a necessidade de obediência aos mandamentos divinos. A prova moral de que pertencemos à família de Deus é a obediência (2.3-8,29; 3.3-15,22-24; 4.20,21; 5.2-4,17-19,21).
O conhecimento de Deus e a obediência a Deus devem caminhar sempre juntos. Aquele que diz que conhece a Deus, mas não guarda seus mandamentos é mentiroso (2.35).
A obediência a Deus é uma das condições para termos nossas orações respondidas (3.22). Somos conhecidos como crentes pela obediência a Deus e pelo amor aos irmãos.
John Stott diz que temos razão de suspeitar dos que alegam intimidade mística com Deus e, entretanto, “andam nas trevas”. Religião sem moralidade é ilusão, uma vez que o pecado é sempre uma barreira para a comunhão com Deus. Andar nas trevas significa viver no erro, no pecado, na ignorância de Deus e em hostilidade a ele. Nesse caso, mentimos e não praticamos a verdade. Andamos em trevas quando as coisas mais cruciais da vida passam sem o exame da luz de Cristo. Se nossa carreira, nossa vida sexual, dinheiro, família, autoimagem, esperanças e sonhos jamais lhe foram abertos, nosso cristianismo e vida eclesiástica são uma mentira eloquente. E esse o motivo da falta de poder de tantos cristãos hoje e a razão de haver igrejas sem vida e sem poder.
3-A TERCEIRA MARCA É SOCIAL (AMOR) – SE NOS AMAMOS UNS AOS OUTROS ( 2.7-11)
O amor, a evidência da verdadeira caminhada na luz (2.7-11)
Se CRER em Jesus é a Marca teológica, a obediência é a Marca Moral que identifica o verdadeiro cristão, o amor é a Marca Social.
João faz uma transição da Marca Moral para a Marca Social, da obediência aos mandamentos para o amor ao próximo.
Algumas verdades preciosas são aqui destacadas:
Em primeiro lugar, o amor é um mandamento velho e novo ao mesmo tempo (2.7,8). O apóstolo João escreve: Amados, não vos escrevo mandamento novo, senão mandamento antigo, o qual, desde o princípio, tivestes. Esse mandamento antigo é a palavra que ouvistes. Todavia, vos escrevo novo mandamento, aquilo que é verdadeiro nele e em vós, porque as trevas se vão dissipando, e a verdadeira luz já brilha.
João não está entrando em contradição. Na língua grega há duas palavras para “novo”. A palavra NEÓS é novo em termos de tempo e KAINÓS é novo em termos de qualidade.
A palavra usada por João aqui é KAINÓS. O mandamento para amar uns aos outros não é novo em termos de tempo, mas o é em termos de qualidade.
Podemos afirmar que o mandamento de amar o próximo é novo em três aspectos:
O mandamento é novo em profundidade. O novo mandamento de Cristo nos desafia a amar como ele nos amou. Isso é mais do que amar o próximo como a si mesmo, uma vez que Cristo nos amou e a si mesmo se entregou por nós. O amor cristão não é sentimento, é ação. Não somos quem dizemos ser, mas o que fazemos. Cristo deu sua vida por nós e devemos dar a nossa vida pelos irmãos (3.16).
O mandamento é novo em extensão. Jesus redefiniu o significado de “próximo”. O próximo que devemos amar é qualquer pessoa que precise da nossa compaixão, independentemente de raça ou posição. Devemos amar até mesmo os nossos inimigos. Em Jesus o amor busca o pecador. Para os rabinos judeus ortodoxos, o pecador era uma pessoa a quem Deus queria destruir. Os judeus desprezavam os pecadores, considerando-os indignos do amor de Deus, e repudiavam os gentios, considerando-os combustível do fogo do inferno. Porém Deus amou o mundo.
O mandamento é novo em experiência. Andar em amor e andar na luz são a mesma coisa. Quando conhecemos a Deus tornamo-nos filhos da luz. Na vida cristã as trevas vão se dissipando, pois as trevas não podem prevalecer sobre a luz. Na vida cristã a verdadeira luz, que é Cristo, já brilha. Quando Jesus nasceu, o “[…] sol nascente das alturas” visitou o mundo (Lc 1.78).
Em segundo lugar, o ódio não sobrevive na luz (2.9). “Aquele que diz estar na luz e odeia a seu irmão, até agora, está nas trevas.”
Concordo com Lloyd John quando diz que a inimizade é cancerosa. Ela gera a própria espécie. Ela se multiplica desordenadamente. Ela adoece, deforma e mata.
João repete a ideia desse capítulo nos dois capítulos seguintes, quando diz que “Todo aquele que odeia a seu irmão é assassino” (3.15) e que “Se alguém disser: Amo a Deus, e odiar a seu irmão, é mentiroso” (4.20). Quem odeia a seu irmão desobedece aos mandamentos de Deus, está longe da verdade e vive em trevas espirituais.
Augustus Nicodemus diz que o ódio ao irmão é bastante revelador: “indica a falta do verdadeiro conhecimento de Deus. Indica falta de conversão; aponta, portanto, para o estado de perdição daquele que odeia”.
Em terceiro lugar, o amor não produz tropeço para si nem para os outros (2.10). “Aquele que ama a seu irmão permanece na luz, e nele não há nenhum tropeço.” A palavra grega SKANDALON, traduzida por “tropeço”, é metáfora bíblica para uma pedra saliente que faz tropeçar o viajor. O uso desta palavra mostra que a falta de amor produz escândalo e causa tropeço.
Lloyd John Ogilvie está correto quando escreve: “As trevas da animosidade tornam o caminho traiçoeiro, mas a luz de Cristo transforma as pedras de tropeço em calçada”.
Warren Wiersbe narra a história de um homem que certa noite andava por uma rua escura quando viu um ponto muito pequeno de luz vindo em sua direção com movimentos hesitantes. Pensou que a pessoa carregando a luz talvez estivesse doente ou bêbada, mas, ao se aproximar, viu que o homem com a lanterna também segurava uma bengala branca. Por que será que um homem cego está carregando uma lanterna acesa?, o homem pensou e resolveu perguntar a ele. O cego sorriu e respondeu: “Eu carrego essa luz para que eu veja, mas para que outros me vejam. Não fazer coisa alguma a respeito da minha cegueira, isso fazer algo para não ser um tropeço”.
Em quarto lugar, o ódio é um veneno que corói aqueles que dele se nutrem (2.11). “Aquele, que odeia a seu irmão está nas trevas, e anda na escuridão, e não sabe para onde vai, porque as trevas lhe cegaram os olhos.”
Augustus Nicodemus diz, acertadamente, que as trevas a que João se refere são a escuridão moral e espiritual, característica de pecado e corrupção em que a humanidade vive.
Quem odeia a seu irmão evidencia em sua vida três amargas realidades:
Quem odeia a seu irmão não tem a salvação de sua alma (2.11a). “Aquele, porém, que odeia a seu irmão está nas trevas…”. As trevas são o oposto da luz. O diabo é o príncipe das trevas.
Quem odeia a seu irmão não tem propósito na vida (2.11b). “[…] e anda nas trevas…”. Quem anda nas trevas, anda sem segurança. Quem anda nas trevas, anda sem projeto e sem propósito. Quem anda nas trevas, não sai do lugar, não faz progresso, não tem direção clara na jornada na vida.
Quem odeia a seu irmão não tem direção na caminhada da vida (2.11c). “[…] e não sabe para onde vai…”. Aquele que vive e anda nas trevas não tem direção segura na vida. Aquele que anda nas trevas vive tateando, tropeçando e caindo. Fazer uma viagem nas trevas é caminhar em direção ao desastre.
João ergue sua voz para dizer que o ódio cega como as trevas. O amor não é cego; o ódio, sim, cega! Uma pessoa amargurada fica cega. Seu raciocínio obscurece. Perde-se o equilíbrio. Perde-se o discernimento. Perde-se a direção. Perde-se a bem-aventurança eterna.
Pastor Eli Vieira
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