quinta-feira, 16 de agosto de 2018

William Wilberforce: um modelo de vida pública


Série Política Reformada
Por Pedro Paulo Valente
“O Deus todo-poderoso tem colocado sobre mim dois grandes objetivos: a supressão do comércio escravocrata e a reforma dos costumes”.
William Wilberforce
“E não nos cansemos de fazer o bem, pois no tempo próprio colheremos, se não desanimarmos”.
Gálatas 6.9

O “maldito comércio de escravos”

No século 18, a Inglaterra detinha o monopólio do comércio de escravos negros. Os meios de transporte eram os mais cruéis imagináveis. Boa parte da população inglesa tirava proveito desse comércio, e o povo, de maneira geral, aceitava a escravidão. Havia aqueles que enriqueciam e, por isso, defendiam com veemência o escravagismo. Mas Deus graciosamente ergueu uma geração de políticos cristãos para lutar contra o que William Carey chamou de “maldito comércio de escravos”.

Vida – Preciosa Graça

É surpreendente que nenhum grande reformador da história ocidental seja tão pouco conhecido como William Wilberforce. Ele nasceu numa família nobre da Inglaterra, na cidade portuária de Hull, em Yorkshire, em 24 de agosto de 1759. Naquela época, como hoje, a aristocracia vivia em meio a contradições: nela se encontravam alguns dos grandes benfeitores da nação e alguns de seus maiores corruptores. Wilberforce era fruto dessas ambiguidades.

Após estudar em uma escola em Pocklington, foi aceito em 1776 no St. John’s College, na Universidade de Cambridge, onde decidiu dedicar-se à carreira política, tendo sido eleito representante de seu povoado aos 21 anos de idade. Além de repartir o dinheiro que possuía, mandou fazer um grande churrasco para todo o vilarejo, o que lhe valeu um bom número de votantes. Aos 24 anos, já era um político famoso por sua eloquência e acabou por ser eleito representante de Yorkshire, o maior e mais importante condado da Inglaterra, chegando a Londres cheio de popularidade.

Em 1784, ainda aos 24 anos de idade, partiu para uma viagem a Nice, na França, que traria grande transformação em seu caráter. Levou consigo a mãe, Elizabeth, a irmã Sally, uma amiga dela e Isaac Milner, seu antigo professor primário, e que veio a se tornar presidente do Queen’s College, na Universidade de Cambridge. Na bagagem de Milner, Wilberforce viu uma cópia do livro de Philip Doddridge – mais conhecido por ter escrito o famoso hino “Oh! Happy Day” [Oh! Dia Feliz!] -, The Rise and Progress of Religion in the Soul [O começo e o progresso da religião na alma]. Ele perguntou para seu amigo o que era aquilo e recebeu a resposta: “Um dos melhores livros já escritos”. Os dois concordaram em lê-lo juntos na jornada.

A leitura desse livro e das Escrituras, acompanhada de conversas com Milner, levaram o jovem político à conversão. Ele declarou em seu diário, em fins de outubro daquele ano:

Assim que me compenetrei com seriedade, a profunda culpa e tenebrosa ingratidão de minha vida pregressa vieram sobre mim com toda sua força, condenei-me por ter perdido tempo precioso, oportunidades e talentos […]. Não foi tanto o temor da punição que me afetou, mas um senso de minha grande pecaminosidade por ter negligenciado por tanto tempo as misericórdias indescritíveis de meu Deus e Senhor. Eu me encho de tristeza. Duvido que algum ser humano tenha sofrido tanto quanto eu sofri naqueles meses.

Wilberforce começou um programa que durou toda sua vida, de separar os domingos e um intervalo a cada manhã para se dedicar à oração e às leituras espirituais.

Uma longa e dura luta

Já de volta a Londres, a vida de Wilberforce tomou novos rumos. Ele considerou suas opções, inclusive o ministério cristão, mas foi convencido por John Newton que Deus o queria permanecendo na política, em vez de entrar para o ministério. “Espera e crê que o Senhor te levantou para o bem da nação”, escreveu Newton.

Depois de muito pensar e orar, Wilberforce concluiu que Newton estava certo. Deus o chamara para defender a liberdade dos oprimidos como parlamentar. “Minha caminhada é de vida pública. Meu negócio está no mundo, e é necessário que eu me misture nas assembleias dos homens ou deixe o cargo que a Providência parece ter-me imposto”, escreveu em seu diário, em 1788.

Outro que o influenciou fortemente foi John Wesley. Newton e Wesley tinham, além de uma fé vibrante no evangelho, uma forte convicção de que não havia maior pecado pesando sobre as costas do Império Britânico do que o terrível e abominável tráfico de escravos, que Wesley batizara de “execrável vileza”.

Bruce Shelley diz que os ingleses entraram nesse comércio em 1562, quando Sir John Hawkins pegou uma carga de escravos em Serra Leoa e a vendeu em São Domingos. Então, depois que a monarquia foi restaurada em 1660, o rei Carlos II deu uma concessão especial para uma companhia que levava três mil escravos por ano para as Índias Orientais. A partir daí, o comércio cresceu e atingiu enormes proporções. Em 1770, os navios ingleses transportavam mais da metade dos cem mil escravos vindos da África Oriental. Muitos ingleses consideravam o tráfico de escravos inseparavelmente ligado ao comércio e à segurança nacional da Grã-Bretanha.

John Wesley escreveu sua última carta a Wilberforce, em 24 de fevereiro de 1791, seis dias antes de morrer, encorajando-o a executar o plano da abolição da escravatura. Um parágrafo dessa carta diz o seguinte: “Oh! Não vos desanimeis de fazer o bem. Ide avante, em nome de Deus, e na força do seu poder, até que desapareça a escravidão americana, a mais vil que o sol já iluminou”.

Foi por conta dessas influências que Wilberforce decidiu dedicar toda a força de sua juventude e todo o talento que tinha a um único objetivo que consumiria toda sua vida: a abolição do tráfico negreiro. Algum tempo depois, num domingo, 28 de outubro de 1787, ele escreveu em seu diário as palavras que se tornaram famosas: “O Deus todo-poderoso tem colocado sobre mim dois grandes objetivos: a supressão do comércio escravocrata e a reforma dos costumes”.

Uma fonte de estímulo nessa luta foi sua participação ativa no chamado Grupo de Clapham (Clapham Sect), constituído de pessoas ricas cujas residências ficavam em Clapham, um elegante bairro localizado a 8 quilômetros de Londres, que apoiava muitos líderes leigos na busca de uma reforma social, liderados por um humilde ministro anglicano, John Venn. Como destacam Clouse, Pierard & Yamauchi, o Grupo de Clapham foi, de longe, a mais importante expressão anglicana na esfera da ação social. Esse grupo de leigos geralmente se reunia para estudar a Bíblia, orar e dialogar na biblioteca oval de Henry Thornton, um rico banqueiro que todo ano doava grande parte de seus rendimentos para a filantropia.

Outros que participavam do grupo eram: Charles Grant, presidente da Companhia das Índias Orientais; James Stephens, cujo filho, chefe do Departamento Colonial, auxiliou bastante os missionários nas colônias; John Shore, Lorde Teignmouth, governador-geral da Índia e primeiro presidente da Sociedade Bíblica Britânica e Estrangeira; Zachary Macauley, editor do Observador Cristão; Thomas Clarkson, famoso líder abolicionista; a educadora Hannah More, além de outros líderes evangélicos. Dentre várias atividades, eles ajudaram a fundar a colônia de Serra Leoa, onde escravos libertos poderiam viver livres.

Clouse, Pierard & Yamauchi dizem: Este grupo uniu-se numa intimidade e solidariedade incríveis, quase como uma grande família. Eles se visitavam e moravam um na casa do outro, tanto em Clapham, como na própria Londres e no campo. Ficaram conhecidos como ‘os Santos’ por causa de seu fervor religioso e desejo de estabelecer a retidão no país. Vários comentaristas observaram que eles planejavam e trabalhavam com um comitê que estava sempre reunido em ‘conselhos de gabinete’ em suas residências pata discutir o que precisava ser consertado e estratégias que poderiam usar para alcançar seus objetivos.

Neste grupo, discutiam os erros e as injustiças de seu país, e as batalhas que teriam de travar para estabelecer a justiça.

Os membros do Grupo de Clapham demonstraram a diferença que um grupo de cristãos pode fazer. Eles elaboraram 12 marcas que nortearam seu esforço pela reforma social na Inglaterra do século 19:

1. Estabeleça objetivos claros e específicos.
2. Pesquise cuidadosamente para produzir uma proposta realista e irrefutável.
3. Construa uma comunidade comprometida que apoie uns aos outros. A batalha não pode ser vencida sozinha.
4. Não aceite retiradas como uma derrota final.
5. Comprometa-se a lutar de forma contínua, mesmo que a luta demore décadas.
6. Mantenha o foco nas questões; não permita que os ataques malignos de oponentes o distraiam ou provoquem resposta similar.
7. Demonstre empatia com a posição do oponente, de forma que diálogo significativo aconteça.
8. Aceite ganhos parciais quando tudo o que é desejado não puder ser obtido de uma só vez.
9. Cultive e apóie suas bases populares quando outros, que estiverem no poder, se opuserem a seus projetos.
10. Transcenda à mentalidade simplista e direcione-se às questões maiores, principalmente as que envolvem questões éticas!
11. Trabalhe através de canais reconhecidos, sem lançar mão de táticas sujas ou violentas.
12. Prossiga com senso de missão e convicção de que Deus o guiará providencialmente se estiver verdadeiramente a seu serviço.

Em 1797, Wilberforce publicou um livro intitulado Practical View of Real Christianity [Panorama prático do cristianismo verdadeiro], amplamente lido e ainda publicado, que evidenciava o interesse evangélico na redenção como a única força regeneradora, na justificação pela graça por meio da fé e na leitura da Escritura em dependência ao Espírito Santo, ou seja, numa piedade prática que redundasse em serviço relevante para a sociedade. Nessa obra, ele disse sobre o cristianismo verdadeiro:

“Eu compreendo que a marca prática e essencial dos verdadeiros cristãos é a seguinte: que os pecadores arrependidos, confiando na promessa de serem aceitos [por Deus], mediante o Redentor, têm renunciado e abjurado todos os outros senhores, e têm de maneira integral se devotado a Deus. Agora, seu propósito determinado é se dedicar integralmente ao justo serviço do legítimo Soberano. Eles não mais pertencem a si mesmos: todas as faculdades físicas e mentais, sua herança, sua essência, sua autoridade, seu tempo, sua influência, tudo o que desconsideram como sendo seus […] devem ser consagrados em honra a Deus e empregados a seu serviço.”

E sobre o poder e o direito:

“Eu devo confessar […] que minhas próprias [e sólidas] esperanças pelo bem-estar do meu país não depende de seus navios e exércitos, nem da sabedoria de seus governantes, ou ainda do espírito de seu povo, mas sim da [capacidade de] persuasão de todos aqueles que amam e obedecem ao evangelho de Cristo.”

No tempo de Deus

Wilberforce e seus amigos do Grupo de Clapham também ajudaram a fundar escolas cristãs para os pobres, a reformar as prisões, a combater a pornografia, a realizar missões cristãs no estrangeiro e a batalhar pela liberdade religiosa. Mas Wilberforce acabou por se tornar mais conhecido por seu compromisso incansável pela abolição de escravidão e do comércio de escravos.

Sua luta começou por volta de 1787 – ele já era parlamentar desde 1780. Haviam pedido a Wilberforce que propusesse a abolição do comércio de escravos, embora quase todos os ingleses achassem a escravidão necessária, ainda que desagradável, e que a ruína econômica certamente viria ao acabar com a escravidão. Apenas uns poucos achavam o comércio de escravos errado. A pesquisa de Wilberforce o pressionou até conclusões dolorosamente claras. “Tão enorme, tão terrível, tão irremediável aparentou a maldade desse comércio que minha mente ficou inteiramente decidida em favor da abolição”, disse ele à Casa dos Comuns: “Sejam quais forem as consequências, deste momento em diante estou resolvido que não descansarei até efetuar sua abolição.” Wilberforce falou primeiramente sobre o comércio de escravos na Casa de Câmara dos Comuns em 1788, num discurso de três horas e meia, que concluiu dizendo: “Senhor, quando nós pensamos na eternidade e em suas futuras consequências sobre toda conduta humana, se existe esta vida, o que esta fará a qualquer homem que contradisser as ordens de sua consciência e os princípios da justiça e da lei de Deus!”. Sua luta custou-lhe dezoito anos de trabalho incansável.

Os feitos de Wilberforce foram realizados em meio a tremendos desafios. Ele era um homem de constituição fraca e com uma fé desprezada. Quanto à tarefa, enquanto a prática da escravatura era quase universalmente aceita, o comércio de escravos era tão importante para a economia do Império Britânico quanto é a indústria de armamentos para os Estados Unidos hoje. Quanto à sua oposição, incluía poderosos interesses mercantis e coloniais e personalidades como o famoso Almirante Horacio Nelson e a maior parte da família real. E quanto à sua perseverança, Wilberforce continuou incansavelmente, anos a fio, antes de alcançar seu alvo. Sempre desprezado, ele foi duas vezes assaltado e surrado. Certa vez, um amigo lhe escreveu, dizendo-lhe que, do jeito que as coisas andavam, “eu espero ouvir dizer que foste carbonizado por algum dono de fazenda das Índias Ocidentais, feito churrasco por mercadores africanos e comido por capitães da Guiné, mas não desanime – eu escreverei o seu epitáfio!”.

O comércio de escravos foi finalmente abolido em 25 de março de 1806. Quando a lei foi aprovada, todo o Parlamento se pôs de pé e aplaudiu Wilberforce por vários minutos, enquanto ele, já desgastado pelos anos, chorava com o rosto entre as mãos.

Ele continuou a campanha contra a escravidão em todos os territórios britânicos, e o voto crucial da famosa Lei de Emancipação chegou quatro dias antes de sua morte, em 29 de julho de 1833.

Por conta da decisão parlamentar, poderosa como era e não querendo ser lesada em seus interesses, a Grã-Bretanha declarou ao mundo que nem ela nem ninguém mais poderia traficar escravos. Além disso, tornou-se a guardiã dos mares. Logo, Portugal e Bélgica, as duas nações rivais, tiveram também de parar com o tráfico, por força do poderio naval inglês.

Um ano depois da morte de Wilberforce, em julho de 1834, 800 mil escravos, principalmente na Índia Ocidental britânica, foram libertos. Em pouco tempo, a maior parte dos países ocidentais aboliria a escravidão em definitivo.

Uma vida de fé coerente

A vida de William Wilberforce é uma inspiração para todo cristão. A sua conversão genuína e o desdobramento desta fé no seu cotidiano o levou a uma decisão importante, entre ser pastor ou usar seus talentos e dons para promover profundas mudanças estruturais na sociedade britânica para a glória de Deus.

Wilberforce viveu de forma coerente com suas convicções e consciência, sempre as submetendo ao crivo da Palavra de Deus. Ele rompeu com o pensamento perverso de sua geração sobre a escravidão e lutou em prol da justiça e a promoção do reino de Deus. Com perseverança e ligado a Cristo, William mostrou que não há espaço para conformismo e omissão na vida cristã, nos lembrando das palavras do apóstolo Paulo: “E não nos cansemos de fazer bem, porque a seu tempo ceifaremos, se não houvermos desfalecido” (Gl 6:9) e insistiu novamente aos cristão de Tessalônica: “irmãos, nunca se cansem de fazer o bem” (II Ts 3:13).

Material consultado
• CLOUSE, Robert; PIERARD, Richard; YAMAUCHI, Edwin. Dois reinos: a igreja e a cultura interagindo ao longo dos séculos. São Paulo: Cultura Cristã, 2003, p. 413-20.
• GUINNESS, Os. O chamado. São Paulo: Cultura Cristã, 2001, p. 35-43. KERR NETO, Guilherme. O inglês que acabou com o tráfico negreiro.
• Ultimato, n.º 245, mar./1997, p. 28.
• NOIL, Mark. Momentos decisivos na história do cristianismo. São Paulo: Cultura Cristã, 2001, p. 256-81.
• SHAW, Mark. Lições de mestre: 10 insights para a edificação da igreja local. São Paulo: Mundo Cristão, 2004, p. 203-24.
• SHELLEY, Bruce L. História do cristianismo ao alcance de todos. São Paulo: Shedd, 2004, p. 407-16.
• WESTPHAL, Euler. A ética social na teologia de John Wesley. Vox Scripturae, 7/2, dez./1997, p. 83-97.

Nota
Aula organizada a partir do artigo “William Wilberforce: “Todos vós sois um em Cristo Jesus”” de direitos autorais de RENAS – Rede Evangélica Nacional de Ação Social.
Copyright © 2005-2011. Conteúdo publicado originalmente no blog UPAPO ED.

• Pedro Paulo Valente é obreiro de jovens na Igreja Presbiteriana de Viçosa.

Fonte: Ultimatoonline

CALVINO E A RESISTÊNCIA AO ESTADO

Série Política Reformada

É preciso buscar uma explanação da teoria calviniana de resistência ao Estado. O objetivo é compreender a teoria calviniana da resistência à autoridade por meio de representantes denominados magistrados populares ou inferiores.

Uma nova onda de discussões doutrinárias a respeito do direito de resistência ao tirano veio logo depois da Reforma. Calvino, diferentemente de Lutero, permite a resistência por parte dos órgãos do Estado aos quais foram estabelecidos limites.404

Um dos problemas de interpretar o pensamento de Calvino nesta questão política, surge ao relacionar suas diversas afirmações e escritos que exigem obediência ao Estado e a Lei, e ao mesmo tempo em que a resistência ao governo tirano é para o cristão, somente um direito, mas também um dever de resistir. Cabe aqui a pergunta: Calvino estava seguro do que, de fato, queria dizer? Calvino ensinou a obediência ou a desobediência civil? Vamos, pois, tentar responder a estas questões.

 Calvino ao orientar sujeição, obediência, respeito e honra aos principados, se referiu aos magistrados que fazem jus aos títulos a eles conferidos. Mas alertou para a existência de príncipes indolentes, gananciosos, injustos, tiranos, assassinos e criminosos.405 Ainda assim, eles devem ser considerados com as mesmas honrarias e reverencias que seriam concedidas a um excelente rei. Calvino embasou sua tese com uma enxurrada de textos bíblicos.

Desta forma, mesmo que injusta, imoral ou anti-religiosa, a autoridade civil deve ser respeitada em sua função legítima. Calvino acreditava que Deus pode se servir de magistrados indignos e injustos para, soberana e providencialmente, cumprir a sua boa vontade na história.406 No entanto, bem à frente diz: “mas existe uma exceção a essa obediência (…)”.407

 Qual exceção?

Se eles nos ordenarem qualquer coisa contrária a vontade de Deus, nada deve significar para nós […] e neste caso devemos ignorar todas essa dignidade que os magistrados possuem.

E citando o exemplo da desobediência de Daniel, preconizou:

Estamos submetidos aqueles que foram colocados sobre nós, mas apenas por ele. 408

Aqui o pensamento de Calvino parece ambíguo. Ao mesmo tempo em que preconizou sujeição às autoridades, não importa como tenham chegado a seus cargos, ele também sugeriu uma teoria de resistência. É exatamente por esta ambiguidade que Skinner409 o chama de ‘mestre da ambiguidade’, pois, embora não haja dúvidas de que Calvino endossou uma teoria da não-resistência, na prática introduz várias exceções em sua argumentação.

Calvino assim asseverou:

Ao cidadão comum não assiste o direito de atentar contra a majestade dos reis; os magistrados, porém, que constituídos são para defender os direitos do povo, podem e devem resistir aos abusos dos soberanos.410

Para Calvino a resistência ao governo injusto é, pois, para o cristão, não apenas um direito, mas um dever.

[…] não os proíbo de agirem conforme seu dever de resistir à licenciosidade e a ira dos reis; pelo contrário, se forem coniventes com a violência sem limites contra o povo infeliz, eu afirmaria que tal omissão se constitui numa grave traição. Porque maliciosamente como traidores de seu país estão a perder a liberdade de seu povo, para cuja defesa e amparo devem saber que têm sido colocados por ordem divina como tutores e defensores.411

Com essa exceção, teria o pensamento calviniano se revestido de um potencial revolucionário? Ainda há outras questões. De fato, em Calvino, esse destaque para o verdadeiro papel dos magistrados do povo era um pormenor ou uma exceção em seus escritos. Poderia esse pormenor constituir-se no viés pelo qual o potencial revolucionário calviniano influenciou outros calvinistas?

Como uma hipótese que se formula para responder a essas questões, a resposta que se busca obter aponta nessa direção. Pois, com base em seus escritos e na repercussão que tiveram esse pormenor e esse destaque dado por Calvino ao papel dos magistrados do povo foi inovador. E essa foi sua contribuição para o desenvolvimento da teoria da resistência. Embora um mero detalhe, até mesmo uma pequena exceção, nisso encontrava-se a colaboração de Calvino para o desenvolvimento de uma teoria de resistência à autoridade iníqua ou ao tirano.

Foi também a partir da premissa da soberania de Deus que Calvino chegou ao seu ensino sobre a desobediência civil. Se é por causa de sua origem divina, que as autoridades civis têm o direito à obediência de todos os homens em geral e dos cristãos em particular, também é por ser de origem divina que, para Calvino, o poder político é limitado em sua função e em seu fim.

 Comentando Romanos 13.4, ele afirmou:

Os magistrados podem aprender disto a natureza de sua vocação. A sua administração não deve ser feita em função de si próprios, mas visando ao bem público. Nem têm eles poderes ilimitados, senão que sua autoridade se restringe ao bem-estar de seus súditos. Em resumo são responsáveis diante de Deus e dos homens pelo exercício de sua magistratura. Uma vez que foram escolhidos e delegados por Deus mesmo, é diante deste que são responsáveis. 412

Desta forma, somente Deus possui autoridade auto-gerada. A autoridade dos magistrados é delegada por Deus, a quem devem prestar contas. Por isto, a obediência devida às autoridades civis é limitada, sobretudo, pela obediência que o homem deve a Deus.

Calvino encerrou as Institutas com estas palavras:

Mas, na obediência que temos ensinado ser devida aos superiores, deve haver sempre uma exceção, ou antes, uma regra que se deve observar acima de todas as coisas: é que tal obediência não nos afaste da obediência Àquele sob cuja vontade é razoável que se contenham todos os editos dos reis, e que à sua ordenação cedam todos os mandamentos, e que à sua majestade humilhada seja e rebaixada toda a sua altaneira. E, para dizer a verdade, que perversidade seria, a fim de contentar os homens, provocar a indignação daquele por amor de quem obedecemos aos homens?  Devemos estar sujeitos aos homens que têm preeminência sobre nós, não, entretanto, de outra forma senão em Deus.    Se, porventura, os homens ordenam algo que contraria a Deus, de nenhum valor nos deve isto ser. 413

Para Calvino, o dever de submissão às autoridades civis não é ilimitado. Contra os governos injustos é preciso agir pelos meios legais que estão na mão do povo. Por isso, ele entendia que é necessário dar ao povo mecanismos legais para a derrubada de seu governo.  Assim a desobediência civil ao governo injusto, naquilo que ele tem de injusto.  A obediência às ordens injustas da autoridade civil, contrárias à vontade de Deus, é um crime contra o próprio Deus.  Mas a desobediência civil não se justifica senão àquela ordem injusta em particular, naquele ponto específico que o governo tem de injusto, e não ao governo como um todo. O governo injusto retém sua autoridade em tudo que exige de seus governados e que não contrarie sua obediência a Deus.

Calvino ensinou também que Deus pode, ocasionalmente, suscitar “salvadores providenciais”, de dentro ou de fora da própria nação, quando a desordem alimentada pelo governo é maior que a injustiça da revolução. Neste caso, a revolução é, de maneira excepcional, justificada. Obviamente, isto é, para Calvino, uma exceção e não uma regra que justifique toda e qualquer revolução.

Portanto, o que se pode concluir é que a tese de Calvino era a das obrigações e responsabilidades mútuas, divinamente ordenadas entre magistrados e cidadãos.

Nesta questão, Calvino se posicionou contra um duplo perigo: o da rebelião do povo contra o governo e o do abuso do poder do governo contra o povo. Ele rejeitou ambos os extremos. Para ele a falta de governo conduziria à anarquia e ao caos, e o absolutismo monárquico se oporia à verdadeira religião, elevando-se acima do trono do Deus soberano. Assim no pensamento de Calvino o autoritarismo é condenável, ao mesmo tempo em que o princípio de autoridade é desejável.

A doutrina política de Calvino, calcada no conceito teológico da soberania divina, preconizou que as sociedades calvinistas não mais deveriam se submeter a reis e autoridades tirânicas, fossem elas políticas, religiosas ou de qualquer espécie.

Ao cidadão comum não assiste o direito de atentar contra a majestade dos reis; os magistrados, porém, que constituídos são para defender os direitos do povo, podem e devem resistir aos abusos dos soberanos.414

Geralmente não se dá atenção à declaração de ‘grande alcance’415 que Calvino fez no final de suas Institutas. No entanto, é inegável desenvolvimento das teorias de resistência e da própria concepção da esfera política que encontramos nos discípulos de Calvino se deve a cosmovisão subjacente à sua teologia, cujas implicações o próprio reformador talvez não tivesse consciência, mas que no campo da política, viabilizou o envolvimento maciço dos calvinistas com a resistência política, e a reorganização do Estado. 416

Na França, por exemplo, temos uma obra bastante popular entre os huguenotes perseguidos, atribuída a Theodoro de Beza (1519-1605), discípulo e sucessor de Calvino em Genebra, que pressupõe responder a questões como: Até que limite será legítimo resistir ao príncipe que oprime ou destrói o Estado, e a quem caberá a resistência? 417

Parte do Capítulo 3- A TEOLOGIA POLÍTICA (3.4  A TEORIA DA RESISTÊNCIA AO ESTADO), da dissertação A TEOLOGIA POLÍTICA DE JOÃO CALVINO (1509-1564) NA INSTITUTAS DA RELIGIÃO CRISTÃ (1536), de EBER DA CUNHA MENDES


Notas de Referências
401  REID, op. cit., p. 57-58, nota 38.
402  CALVINO, Juan. Institución de la religión cristiana. 2v. Traducida y publicada por Cipriano de Valera en 1597 por Luiz de Usoz y Rio en 1858. Nueva edicion revisada en 1967. Paises Bajos: Fundacion Editorial de Literatura Reformada, 1967, p. 847.
403  Ibidem, p. 847.
404  HERBERT, Marcuse. Estado Democrático e Estado Autoritário. Rio de Janeiro: Zahar editores, 1969, p. 168.
405  CALVINO, 1995, p. 124,125, nota 335.
406  Ibidem, p. 125.
407  Ibidem, p. 126.
408  Ibidem, p. 137.
409  Skinner levanta a seguinte questão: na versão original de 1536 das Institutas esta posição é mais        dramática e estratégica que reapareceu inalterada nas outras edições subseqüentes da obra. No        entanto, na edição definitiva de 1559, Calvino apresenta mudanças de idéia. Ainda assim, até o        final de sua vida, a postura política de Calvino permaneceu mais coerente com o ensino Paulino        da não-resistência.
  1. 468,469, nota 81.
410  CALVINO, IV v., op. cit., p. 483, nota 60.
411  CALVINO, 2v., p. 1193, nota 402.
412  CALVINO, op. cit., nota 171.
413 CALVINO, 2v, op. cit., p. 1193, nota 402.
414  CALVINO, IV v., op. cit., p. 483, nota 60.
415  HERBERT, op. cit., p. 168, nota 404. Para o autor, a teoria de resistência é o calvinismo. No        capítulo 5 o autor aborda sobre os limites da desobediência justificável.
416  Para Skinner, temos boas razões para considerar a análise de Calvino como uma importante        contribuição para a construção das idéias políticas em meados do século XVI. SKINNER, op. cit.,          p. 507, nota 81.
417  CAVALCANTI, op. cit., p. 119, nota 396.

UM TEMPO DE CONVULSÃO POLÍTICA E SOCIAL



Abraham Kuyper: “A minha glória não darei a outrem”

Série Política Reformada

Mesmo despontando hoje como uma grande força política, por causa de seu crescimento, os evangélicos brasileiros continuam nutrindo aversão à política. Principalmente por esta estar associada a homens corruptos, cristãos de campanha, mentiras eleitoreiras, apostasia, satisfação de interesses pessoais, que deixam o eleitor desconfiado das reais motivações que levam determinado candidato a lutar tanto por tal cargo. Unido a isto, temos uma fé afastada dos negócios do mundo, e então temos os destinos da sociedade entregue a incrédulos. Precisamos de um evangelho integral, que tenha uma palavra de juízo e graça para todas as esferas da vida humana, manifestando o Reino de Deus em nosso mundo. Um homem que é um modelo como um evangélico envolvido na política é Abraham Kuyper, e, segundo D.M. Lloyd-Jones, a obra deste homem “se ergue como um grande monumento à única oposição verdadeira a toda a idéia que está por trás da Revolução Francesa.”

A Revolução Francesa, ocorrida no final do século XVIII, criou sua própria religião, chamada a princípio de “Culto à Razão” e depois “Culto ao Ser Supremo”. Seus líderes achavam que a ciência e a razão inaugurariam uma nova era, tendo então uma política fortemente anti-cristã. Tudo que era cristão foi abolido. O homem se tornou o centro, não Deus. Não somente em questões ligadas ao Estado, como também em questões de religião. Criou-se um novo calendário e novas cerimônias ocuparam o lugar das antigas datas religiosas, e cultuava-se simultaneamente Jesus, Sócrates, Rousseau e Voltaire. O lema francês desta época era “Nem Deus nem mestre”, e mais tarde, por onde os exércitos de Napoleão Bonaparte passaram, deixaram esta idéia como legado. A vizinha Holanda, anteriormente uma fortaleza da fé bíblica, também foi influenciada por estes acontecimentos. Seu recém-coroado rei, o autoritário William I, buscou controlar a Igreja Reformada Holandesa, enfraquecendo sua doutrina, por meio do favorecimento da teologia liberal (tendo como princípio a negação de tudo que aparentasse ser miraculoso, como a inspiração e inerrância bíblica, a divindade de Cristo e sua ressurreição) que começava a chegar nas faculdades de Teologia.

SUA PEREGRINAÇÃO ESPIRITUAL

Abraham Kuyper nasceu no meio desta convulsão, na Holanda, em 1837, em Maassluis, filho de um ministro da Igreja Reformada Holandesa. Fez seu curso superior na Universidade de Leiden, onde recebeu seu grau de Doutor em Teologia em 1862. Quando estudante, absorveu muitas idéias antibíblicas adotadas por seus professores liberais. Em 1871 ainda lembrava, diante dos alunos da Universidade Livre, sua petulância espiritual, causa de seus deslizes passados: “Em Leiden eu me achava entre os que aplaudiram calorosa e ruidosamente quando nosso professor manifestou sua ruptura total com a fé na ressurreição de Cristo”, acrescentando porém: “Hoje a minha alma treme por causa de desonra que outrora infligi a meu Salvador”. Ele também escreveu mais tarde: “No mundo acadêmico eu não tinha defesa contra os poderes da negação teológica. Fui roubado da fé da minha infância. Era inconverso, arrogante e aberto a dúvidas.” A despeito disto, ele foi ordenado pastor de uma congregação em Beesd, um povoado de Gelderland, onde permaneceu por quatro anos. Durante seu pastorado em Beesd, Kuyper ministrou a pessoas que permaneceram fiéis a Cristo, algumas das quais possuíam um notável conhecimento das Escrituras. Kuyper disse mais tarde: “Quando sai da universidade e fui para lá {Beesd}, meu coração estava vazio.” Mas não permaneceu vazio, pois os membros de sua congregação oraram pelo seu pastor e assistiram à sua conversão. Uma jovem camponesa, Pietje Baltus, fazia objeções à pregação de Kuyper, e a sua influência alterou a vida dele para sempre. Esta jovem testemunhou a seu pastor sobre a graça de Deus em sua vida. Estimulou-o a estudar as confissões de fé reformadas, e expôs para seu pastor a Palavra de Deus. Ele se converteu, e depois testificou que ela e outros em Beesd foram os meios que Deus usou para levá-lo a Cristo. No estudo dos escritos dos reformadores ele conseguiu fortes argumentos bíblicos para fazer frente à influência da teologia liberal de sua época.

Em 1870, Abraham Kuyper mudou-se para Amsterdã, para se tornar pastor da famosa Nieuwekerk. Aquela cidade fora um baluarte da teologia liberal, mas multidões, que apreciavam o calor e paixão de sua ortodoxia vinham ouvir as pregações de Kuyper. Ele falou de seu sonho para a igreja holandesa: “A igreja que eu quero é reformada e democrática, livre e independente, e também totalmente organizada no ensino doutrinário, no culto formal e no ministério pastoral.” Ele exortava os cristãos a adotarem o princípio da “purificação e desenvolvimento contínuos. A Igreja Reformada está sempre reformando-se diante de Deus.” Por esta época, ele já era um dos líderes da ala ortodoxa da Igreja Reformada Holandesa. Ele trabalhou para ter uma igreja livre do controle do Estado, que poderia reformar-se e assim recuperar seu estado anterior. Para Kuyper, os cristãos de todas as épocas precisam ser constantemente vigilantes para preservarem a pureza da igreja de Cristo, pois “Satanás se opõe a Deus e, no desespero de sua impotência, imita tudo o que Deus faz, para ver se consegue destruir o Reino de Deus com os próprios instrumentos de Deus.”

Tendo um grande interesse na pureza da igreja visível, Kuyper seguia os reformadores, vendo a pregação da Palavra e a correta administração das ordenanças como as marcas da igreja verdadeira. Embora nenhum grupo cristão mantenha perfeitamente estas marcas, as falsas igrejas descartam a Palavra de Deus, pervertem o uso das ordenanças e opõem-se aos que amam a verdade, e em seu entender, a separação de tal igreja é necessária quando ela impede que seus membros obedeçam a Deus. Ele afirmou: “Satanás cria uma igreja para o Anticristo subvertendo as igrejas cristãs existentes”. James E. McGoldrick, professor de História no Coderville College, EUA, resume o pensamento de Kuyper sobre este assunto da seguinte forma: “Você não deve retirar o seu amor da sua igreja só porque ela está doente ou incapacitada, o fato de estar enferma clama por sua maior compaixão. Somente quando estiver morta e deixar de ser a sua igreja, e quando os gases venenosos da falsa igreja ameaçarem matá-lo, fuja do seu toque e retire dela o seu amor.”Como Kuyper mesmo disse: “Ninguém deve deixar a sua igreja a menos que tenha certeza de que ela se tornou a sinagoga de Satanás.” A degeneração da Igreja Reformada começou com indiferença doutrinária, descambando para a heresia e mau testemunho de seus membros. Como não ocorreram as mudanças que Kuyper e seus amigos queriam — antes, seus adversários se tornaram mais intransigentes — cerca de duzentas congregações (170.000 crentes!) formaram “A Igreja dos Tristes” (por causa da tristeza de terem de retirar-se de suas igrejas) em 1886. Ele escreveu muitos livros e artigos sobre teologia, filosofia, política, arte e questões sociais, nos quais procurava expressar um conceito cristão do mundo e da vida.

SEU ENVOLVIMENTO NA EDUCAÇÃO

Em seus esforços para reformar a igreja, Kuyper entendeu que a educação teológica era da maior importância, e a Universidade Livre de Amsterdã foi a resposta ao liberalismo que havia infectado as faculdades da Igreja Reformada. Quando a Universidade Livre iniciou suas atividades em 1880, Abraham Kuyper declarou em seu discurso inaugural: “Não existe sequer um centímetro de nossa natureza humana do qual Cristo, que é soberano de tudo, não proclame ‘Meu!’” Ele afirmou ainda que o cristão “não pensa por um só momento em se limitar à teologia e à contemplação, deixando as outras ciências como personagens inferiores, nas mãos dos não-crentes”, pelo contrário, “considerando isso como seu tema para conhecer Deus em todos os seus trabalhos, está consciente de ter sido chamado para penetrar com toda a energia do seu intelecto nas questões terrestres, tanto quanto nas questões celestiais”. Seu sermão estava baseado em Isaías 48.11: “A minha glória não darei a outrem”, indicando que quando nos omitimos na esfera educacional, deixando que Satanás proclame as suas filosofias abertamente e sem contestação, enquanto passivamente assistimos seus avanços em todas as esferas, estamos fazendo justamente o que Deus expressa não permitir: deixamos que sua glória seja dada a outrem! Esta Universidade foi fundada como o meio principal de promover uma reforma da igreja e da sociedade, alcançando “a restauração da verdade e da santidade no lugar do erro e do pecado.” Por acreditar que toda verdade vem de Deus, e que cada centímetro da criação pertence a Cristo, ele não apenas estabeleceu uma escola de teologia, mas uma universidade na qual todo o currículo, todas as artes e ciências eram parte de uma cosmovisão bíblica. Kuyper ensinou ali teologia, homilética, hebraico e literatura.

SUA VISÃO POLÍTICA

Sua crescente preocupação acerca das questões sociais e políticas da Holanda lançou-o na vida política. Em 1874 foi eleito ao parlamento como representante do recém-formado Partido Anti-Revolucionário, que foi o primeiro partido político moderno da Holanda. Para se candidatar, afastou-se do ministério. Em 1900, o partido Anti-Revolucionário chegou ao poder, e Kuyper se tornou primeiro-ministro. Seus alvos políticos abrangiam a extensão do voto, o reconhecimento do Estado sobre o direito dos cristãos de conduzirem suas próprias escolas e uma legislação social que ajudasse a proteger o povo trabalhador. Em 1905, após uma amarga campanha eleitoral, perdeu seu mandato, mas continuou a exercer sua influência política como redator de um jornal político. O objetivo deste diário era “elucidar todos os fatos concernentes ao problema social…, abrir os olhos do povo para um governo que, de um lado, provoca uma revolução que em seguida sufocará com sangue e, de outro lado, causa condições sociais tão anormais que boa parte da população mal consegue sobreviver.” Ele escreveu neste jornal até pouco antes de sua morte, em 1920. Kuyper disse: “O medo da política… não é cristão e não é ético”. Apesar de ter perdido as duas primeiras eleições que participou, não desistiu. “Conosco, o que importa não é a influência que temos agora, mas a que teremos daqui a cinqüenta anos… Quantos da próxima geração serão seguidores dos nossos princípios?” Sua teoria social e política da soberania de Deus sobre todas as esferas da vida humana é uma tentativa de limitar o poder de um Estado totalitário. Em seu pensamento, cada esfera da vida humana (Família, Igreja, Estado) tem sua própria área de responsabilidade, que é derivada diretamente de Deus, e as pessoas dentro de cada esfera, são responsáveis apenas perante Deus. Este princípio foi um baluarte contra toda forma de totalitarismo. Ele entendia, então, que a função do Estado era preservar na sociedade a justiça de Deus, como revelada em sua Palavra.

SUA VISÃO SOCIAL

Neste tempo, quando pensamos em ação social, podemos aprender do pensamento de Kuyper nesta área. Em 1871, deixou clara a compreensão de sua tarefa: “Lutar contra um mal social isolado ou resgatar os indivíduos, embora excelente, é muito diferente de agarrar o problema sócio-econômico em si com o sagrado entusiasmo da fé”, reconhecendo que os interesses comerciais, e não apenas os governamentais, podem oprimir os pobres. Falando no Parlamento, em 1874, defendeu a elaboração de um código de Leis que protegessem o trabalhador, numa época em que tais códigos não existiam. Em seguida, tirou do bolso um Novo Testamento e leu o texto de Tiago 5.1–11. Em meio à reação escandalizada, disse: “Se eu mesmo tivesse falado essas palavras, que lhes parecem radicais e revolucionárias, vocês poderiam se opor. Mas foram escritas por um apóstolo do Senhor. Como pode, pois, alguém confessar a Cristo e não defender o trabalhador quando reclama?” Em outra ocasião, afirmou: “Quando ricos e pobres se opõem uns aos outros, [Jesus] nunca fica do lado dos ricos, mas sempre do lado dos pobres… Ele se colocava invariavelmente contra os poderosos e aqueles que viviam luxuosamente, e a favor dos que sofriam e eram oprimidos.” André Bielér, professor de Ciências Econômicas da Universidade de Genebra, Suíça, diz: “É certo que o Evangelho não deixa de encorajar à paciência aqueles que sofrem injustiças ou que são oprimidos… Mas ter-se-á uma idéia muito falsa da doutrina evangélica se pensar que a paciência e a caridade cristãs sejam sinônimos de passividade diante da desordem social, de complacência para com a injustiça ou de indiferença diante da tirania. Muito pelo contrário. A luta contra toda forma de opressão, seja política, econômica ou social, é uma das exigências da Reforma, e decorre diretamente de sua teologia e de sua concepção do homem.”

O CRISTÃO NUMA ÉPOCA REVOLUCIONÁRIA

Devemos ter mais cristãos se candidatando à política. Agora, qual o perfil do candidato cristão? Precisamos cada vez menos de pessoas despreparadas, amadoras, ingênuas ou desonestas, que são eleitas por um voto corporativista, para representar os interesses de uma igreja particular, para fazer favores, conseguir emprego, telha, terreno ou tijolo para a congregação. Temos que ter, isto sim, mais pessoas preparadas, que tenham uma formação bíblica sólida e abrangente, que possam ir aos centros de decisão (sejam eles simples associações comunitárias, sindicatos, partidos políticos, assembléias legislativas ou palácios do governo) representando o Senhor da glória, para expansão de Seu reino, e para o bem comum da sociedade, sendo “sal da terra” e “luz do mundo”. Como Abraham Kuyper, precisamos de cristãos que tenham o desejo de termos uma igreja forte, ortodoxa e disciplinada e uma sociedade justa. Que tenham o lema de Kuyper: “Estimar a Deus como tudo, e todos os outros como nada.”

Por Rev. Franklin Ferreira

HERMAN DOOYEWEERD, PIONEIRO DA FILOSOFIA CALVINÍSTICA E REFORMACIONAL


“O filósofo mais profundo, inovador e penetrante desde Kant”, conforme o filósofo Dr. Giorgio Delvecchio.

Série Política Reformada
HERMAN DOOYEWEERD: UMA BREVE APRESENTAÇÃO
BIOGRÁFICA

Herman Dooyeweerd nasceu em Amsterdã, na Holanda, no dia 7 de outubro de 1894, oriundo de uma família cujo cristianismo havia sido revigorado pelo movimento Doleantie liderado por Abraham Kuyper. Esse movimento resultou na criação da Igreja Reformada Livre e na Universidade Livre de Amsterdã, materializando assim os anseios de Abraham Kuyper em ver tanto a igreja como as instituições de ensino e o Estado exercendo os seus poderes e obedecendo a seus limites dentro daquilo que ele mesmo cunhou de “esfera de soberania”.

A família de Dooyeweerd tinha um vínculo muito forte com o movimento neocalvinista, o que o levou a crescer e a se desenvolver imerso
nessa tradição. Seu pai era um ardoroso seguidor de Kuyper,21 inclusive tendo tomado parte com ele no Doleantie, sendo um assíduo leitor de De Heraut, um periódico escrito e publicado por Kuyper que refletia os anseios do partido anti-revolucionário e a reivindicação dos valores cristãos na vida política, econômica e social da Holanda.

O jovem Dooyeweerd desde muito cedo foi atraído pela música e pelas
artes, tornando-se um “pianista completo”. Ele dominava muito bem as línguas clássicas e a literatura, além de possuir profundo conhecimento histórico, sendo este fator um elemento facilitador na sua futura incursão acadêmica.

Além disso, era “homem de fé simples e profunda”.23 H. Evan Runner, um de seus ex-alunos norte-americanos, professor do Calvin Theological Seminary durante anos, declarou que os alunos que estiveram sob a influência acadêmica direta de Dooyeweerd não somente aprenderam a fazer filosofia, mas também, através do seu exemplo, aprenderam a ser cristãos…. O que é que o meu cristianismo tem haver com a política? com as artes, etc? 

Conheça um pouco este pensador file:///C:/Users/pasto/Desktop/Pr.%20Eli/dooyeweerd-apresentacao-panoramica_fabiano-almeida.pdf

Aborto, o Grito Silencioso dos que não Nasceram

Por Hernandes Dias Lopes

A questão do aborto esteve no topo da lista das grandes discussões políticas em nossa nação. Este é um assunto solene, que merece nossa maior atenção. Não devemos ser frívolos em sua análise. O aborto sempre foi e ainda é assunto de debates entre juristas e legisladores; é tema da ética cristã que exige um posicionamento da igreja. Algumas ponderações precisam ser feitas no trato dessa matéria: Quando começa a vida? Quem tem o direito de decidir sobre a interrupção da vida? Em que circunstâncias um aborto pode ser justificado? O que a Palavra de Deus tem a dizer sobre o assunto? Não queremos, neste artigo, discutir aqueles casos de exceção, onde a medicina e a ética cristã precisam fazer uma escolha entre a vida da mãe ou do nascituro. Queremos, sim, alertar para a prática indiscriminada e irresponsável do aborto, fruto muitas vezes, de uma conduta imoral.

Embora seja ainda matéria de discussão, é consenso geral que a vida começa com a fecundação. A ciência apresenta o fato de que a vida humana inicia com a fecundação e termina com a morte. Desde a concepção, todos os componentes da vida já estão potencialmente presentes para o seu pleno desenvolvimento. É desse óvulo fertilizado que se desenvolve o ser humano pleno, corpo e alma. Na perspectiva bíblica, Deus é o autor da vida e ele mesmo é quem forma o nosso interior e nos tece no ventre da nossa mãe. É Deus quem nos forma de maneira assombrosamente maravilhosa. O salmista diz: “Os meus ossos não te foram encobertos, quando no oculto fui formado e entretecido como nas profundezas da terra. Os teus olhos me viram a substância ainda informe, e no teu livro foram escritos todos os meus dias, cada um deles escrito e determinado, quando nem um deles havia ainda” (Sl 139.15,16). A Bíblia fala do ser antes do nascer. Davi diz: “Eu nasci na iniqüidade, e em pecado me concebeu minha mãe” (Sl 51.5). Jó descreve sua existência pré-natal afirmando: “Porventura não me vazaste como leite e não me coalhaste como queijo? De pele e carne me vestiste, e de ossos e tendões me entreteceste” (Jó 10.10). Fica claro na perspectiva da Escritura, que a vida começa na concepção.

A lei de Deus é enfaticamente clara: “Não matarás” (Ex 20.13). Deus é o autor da vida e só ele tem autoridade para tirá-la (1Sm 2.6). A decisão acerca do aborto não pode ser apenas uma discussão restrita à mãe e ao seu médico. O direito à vida é um direito sagrado e deve ser amplamente discutido, sobretudo, à luz da ética cristã. O aborto é a eliminação de uma vida. É um assassinato. E o mais grave: um assassinato com requintes de crueldade. O aborto é matar um ser indefeso, incapaz de proteger-se. É tirar uma vida que não tem sequer o direito de erguer a voz e clamar por socorro. Ah! Se os milhões de crianças que não chegaram a nascer pudessem gritar aos ouvidos do mundo, ficaríamos estarrecidos diante dessa barbárie. Ficamos chocados com o Holocausto, onde seis milhões de judeus foram mortos nos campos de concentração e nos paredões de fuzilamento. O aborto, entretanto não é menos perverso. O ventre materno em vez de ser um refúgio da vida, torna-se o corredor da morte; em vez de ser o berço da proteção, torna-se o patíbulo da tortura; em vez de ser o reduto mais sagrado do direito à vida, torna-se a arena mais perigosa da morte. O aborto é um crime com vários agravantes, pois não raro, a criança em formação é envenenada, esquartejada e, sugada do ventre como uma verruga pestilenta e indesejável. Oh, que Deus tenha misericórdia da nossa sociedade! Que Deus tenha piedade daqueles que legislam! Que Deus tenha compaixão daqueles que favorecem ou praticam tamanha crueldade!
Foto de Defendendo O Evangelho.

TRANSFORMADO A DERROTA EM VITÓRIA

Josué 8

     No dia 12 de agosto de 1849 o famoso pregador britânico F. W. Robertson disse:

A vida, assim como a guerra, é uma série de erros, e não é o melhor cristão nem o melhor general que dá o menor número de passos em falso. A mediocridade pode levar a essa ideia. Na verdade, porém, o melhor é aquele que conquista as vitórias mais esplêndidas extraindo-as dos erros. Esqueça os erros; use-os para organizar vitórias. Essas palavras, afirma exatamente o oposto do que quase todos hoje em dia – inclusive as pessoas da igreja – pensam da vida.

     Henry Ford teria concordado com Robertson, pois definia um erro como “uma oportunidade de recomeçar de modo mais inteligente”. Josué também teria concordado, pois estava prestes a “recomeçar de modo mais inteligente” e a transformar seus erros em vitória. Mas, para transformarmos as nossas derrotas em vitórias, nós precisamos:

1- ELIMINAR O PECADO JS 7.10-13 – Israel havia enfrentado a grande cidade de Jericó, para os soldados de Josué, vencer a cidade de Ai seria algo fácil. Mas, após a grande vitória contra a poderosa Jericó, foi derrotado de forma humilhante por Ai (Josué 7). A causa da derrota coletiva foi o pecado de Acã. O erro de Acã levara Israel a uma derrota humilhante, a um desastre inconcebível naquele momento. Como consequência Deus se irou contra Israel e não só contra Acã? A resposta para a ira de Deus contra Israel está na doutrina da Aliança (pacto), o erro de um era o erro de todos. A causa da derrota de Israel foi a desobediência de Acã (Js 7.1,20,21).

     Oh meus irmãos, como consequência da desobediência, Israel foi derrotado ( Js 7.2-5) Josué e os seus soldados ficaram desesperados (Js7,6-9) de tal maneira que Josué não sabia mais o que fazer. Naquele momento difícil Josué buscou a face do Senhor então Deus lhe deu a direção Js 7.10-15). A oração trouxe a descoberta do pecado (Js 7.16-21). Com a descoberta do pecado, Josué precisou tratar o erro, para isso ele aplicou a disciplina (Js 7.22-26) e assim o pecado foi eliminado do meio da congregação do povo de Deus.

     Meus irmãos, assim podemos ver que o pecado foi investigado, identificado, confessado, julgado e punido.  Israel precisava continuar marchando e Ai precisava ser enfrentada e derrotada.

2-RECOMEÇAR DE NOVO (JS 8:1, 2) – Uma vez que a nação de Israel havia julgado o pecado que contaminara o arraial, Deus poderia lhes falar em misericórdia e dirigi-los na conquista da terra. “O Senhor firma os passos do homem bom e no seu caminho se com praz; se cair, não ficará prostrado, porque o Senhor o segura pela mão” (SI 37:23, 24).

      Não importa quantos erros venhamos a cometer, o pior erro de todos é não tentar outra vez. Alexandre Whyte diz: “A vida cristã vitoriosa é uma série de recomeços”. O capitulo de Josué 8 nos ensina a transformar derrotas em vitória. Nele aprendemos a recomeçar de forma mais inteligente. Para recomeçar o ponto partida é a palavra de Deus. Porque na Palavra de Deus é:

      A palavra de ânimo (v. 1a). O fracasso costuma ser acompanhado de duas reações: o desânimo em função do passado e o medo do futuro. Olhamos para trás e nos lembramos dos erros que cometemos, e, em seguida, olhamos adiante e nos perguntamos se há algum futuro para pessoas que fracassam tão tolamente.

     A resposta para nosso desânimo e medo é ouvir e crer na Palavra de Deus: “Não temas, não te atemorizes” (v. 1). Veja as declarações de “não temas” em Gênesis, Isaías 41 – 44 e nos oito primeiros capítulos de Lucas. Deus nunca desencoraja seu povo de fazer progresso. Enquanto obedecemos a seus mandamentos, temos o privilégio de nos apropriarmos de suas promessas. Deus tem prazer em “mostrar-se forte para com aqueles cujo coração é totalmente dele” (2 Cr 16:9).

      A palavra de instrução (vv. 1b-2). Deus sempre tem um plano para seu povo, e a única forma de alcançarmos a vitória é obedecer às instruções do Senhor. Em sua primeira investida contra Ai, Josué seguiu o conselho de seus espias e usou apenas parte do exército, mas Deus lhe ordenou que levasse “toda a gente de guerra” (Js 8:1). O Senhor também disse a Josué para usar uma emboscada e aproveitar-se da autoconfiança de Ai em decorrência da primeira derrota de Israel (Js 7:1-5). Por fim, Deus deu aos soldados o direito de apropriar-se dos despojos, mas deviam queimar a cidade. Se Acã tivesse esperado apenas alguns dias, poderia ter pego toda a riqueza que quisesse. Deus sempre dá o que há de melhor para aqueles que deixam a escolha ao encargo dele. Quando corremos na frente do Senhor, normalmente nos privamos de bênçãos e prejudicamos a outros.

     A palavra de promessa (v. 1c). “Olha que entreguei” – essa foi a promessa de Deus (ver Js 6:2) e a garantia a Josué de que teriam a vitória, desde que obedecessem às instruções do Senhor. Mas é preciso nos apropriarmos de todas as promessas pela fé. A promessa de Deus não tem eficácia alguma a menos que seja “acompanhada pela fé” (Hb 4:2). Israel sofreu uma derrota terrível por ter agido de modo presunçoso no primeiro ataque contra Ai. As promessas de Deus fazem a diferença entre a fé e a presunção.

     Não importa quão terrível tenha sido nosso fracasso, podemos sempre nos levantar e começar outra vez, pois nosso Deus é um Deus de recomeços.

     Hoje em dia meus irmãos, Deus não nos fala de modo audível, como acontecia com frequência nos tempos bíblicos, mas temos a Palavra de Deus diante de nós e o Espírito de Deus dentro de nós; e Deus nos guiará, se esperarmos pacientemente na sua presença e se assim recomeçarmos nós vamos transformar as nossas derrotas em vitórias.

3- SEGUIR A ESTRATÉGIA DE DEUS (JS 8:3-13) – Meus irmãos, Deus não é apenas o Deus de recomeços, mas também o Deus da variedade infinita. Como disse certa vez o rei Artur: “Deus cumpre seus propósitos de muitas maneiras, para que uma boa tradição não venha a corromper o mundo”.

     Deus muda seus líderes para que não comecemos a confiar na carne e no sangue, em vez de confiar no Senhor, e ele muda seus métodos para que não passemos a depender de nossa experiência pessoal, em vez de depender das promessas divinas (W. Wiersbe).

    A estratégia que Deus deu a Josué para tomar a cidade de Ai foi quase o oposto da estratégia usada em Jericó. A operação em Jericó foi constituída de uma semana de marchas realizadas à luz do dia. O ataque a Ai envolveu uma operação noturna sigilosa que preparou o caminho para o ataque durante o dia. Em Jericó, o exército invadiu a cidade unido, mas para o ataque contra Ai, Josué dividiu suas tropas. Deus realizou um grande milagre em Jericó ao fazer as muralhas ruírem, mas não houve milagre algum desse tipo em Ai. Josué e seus homens simplesmente obedeceram às instruções de Deus ao fazerem uma emboscada e atraírem o povo para fora da cidade, e o Senhor lhes deu a vitória.

    É importante que se busque a vontade de Deus para cada empreendimento da vida, a fim de não depender de vitórias passadas ao planejar o futuro. Como é fácil os ministérios cristãos acabarem em becos sem saída pelo simples fato de sua liderança não discernir se Deus deseja fazer algo novo por eles. Nas palavras do empresário norte-americano Bruce Barton (1886-1967): “Quem pára de mudar pára de viver”.

     A estratégia de Ai tomou por base a derrota anterior de Israel, pois Deus estava transformando os erros de Josué em vitória. O povo de Ai estava seguro demais de si mesmo, pois havia derrotado Israel no primeiro ataque, e foi essa segurança excessiva que os condenou à derrota. “Vencemos uma vez, venceremos novamente!”

     O plano era simples, mas eficaz. Liderando o restante do exército israelita, Josué viria do Norte e realizaria um ataque frontal contra Ai. Seus homens fugiriam, como haviam feito da primeira vez, o que levaria o povo de Ai, seguro de si, a afastar-se da proteção de sua cidade. Quando Josué desse o sinal, os soldados na emboscada entrariam na cidade e a incendiariam. O povo de Ai se veria encurralado entre dois exércitos, e o terceiro exército cuidaria de qualquer socorro que pudesse vir de Betel.

    Como todo bom general, Josué acampava com seu exército (Js 8:9). Sem dúvida, incentivou os soldados a confiar no Senhor e a crer na promessa divina de vitória. O príncipe do exército do Senhor (Js 5:14) iria adiante deles, pois obedeceram à Palavra de Deus e confiaram em suas promessas.

     A obra do Senhor requer estratégia, e, em seu planejamento, os líderes cristãos devem buscar a vontade de Deus. O termo estratégia vem de duas palavras gregas que, juntas, significam “liderar um exército”. A liderança exige planejamento, e o planejamento é uma parte importante da estratégia.

     Deus sempre tem um plano estratégico para o seu povo. E o caminho mais curto e eficaz para a vitória é seguirmos as estratégias de Deus. Em sua primeira investida contra Ai, Josué seguiu o conselho dos homens e usou apenas parte da sua força militar. Agora, Deus diz: “toma contigo toda a gente de guerra, e dispõe-te, e sobe a Ai” (v.1). Deus ordena a Josué a usar todo o seu potencial de guerra. A estratégia divina tomou por base a derrota anterior, pois Deus nos ensina a transformar fracassos em sucessos. A estratégia que Deus deu a Josué para vencer Ai foi o oposto da estratégia usada em Jericó. Deus tem estratégias diferentes para cada empreendimento da nossa vida. Não confie em estratégias de sucesso, mas em Deus. Charles Stanley diz: “Ter sucesso é, dia após dia, ser como Deus quer que sejamos e alcançar as metas que estabelecemos sob a orientação dele”.

     Deus diz a Josué: “olha que entreguei nas tuas mãos o rei de Ai, e o seu povo, e a sua cidade, e a sua terra” (v.1). A vitória vem do Senhor para aqueles que se apropriam das suas promessas. A promessa de Deus não tem nenhuma eficácia se não for acompanhada pela fé: “Porque também a nós foram anunciadas as boas-novas, como se deu com eles; mas a palavra que ouviram não lhes aproveitou, visto não ter sido acompanhada pela fé naqueles que a ouviram” (Hebreus 4.2). Sem fé é impossível agradar a Deus e receber dele alguma vitória.

     Não importa o tamanho ou a dimensão do seu fracasso. Você pode levantar e recomeçar outra vez. F. W. Robertson disse: “A vida, assim como a guerra, é uma série de erros, e não é o melhor cristão nem o melhor general que dá o menor número de passos em falso. A mediocridade pode levar a essa ideia. Na verdade, porém, o melhor é aquele que conquista as vitórias mais esplendidas extraindo-as dos erros. Esqueça os erros; use-os para organizar vitórias”.

4-ASSUMIR UM NOVO COMPROMISSO (JS 8:30-35) – Algum tempo depois da conquista de Ai, Josué conduziu o povo cerca de cinquenta quilômetros para o Norte até Siquém, uma cidade entre os montes Ebal e Gerizim. Nesse local, a nação cumpriu a ordem que Moisés havia lhes dado em seu discurso de despedida (Dt 27:1-8). Josué interrompeu as atividades militares para dar a Israel a oportunidade de firmar um novo compromisso com a autoridade de Jeová expressa em sua lei.

     Josué construiu um altar (vv. 30, 31). Uma vez que Abraão havia construído um altar em Siquém (Gn 12:6, 7) e que Jacó havia morado ali por um breve período (Gn 33 – 34), aquela região possuía fortes laços históricos com Israel. O altar de Josué foi construído sobre o monte Ebal, o “monte da maldição”, pois somente um sacrifício de sangue pode salvar os pecadores da maldição da lei (Gl 3:10-14).

     Ao construir o altar, Josué teve o cuidado de obedecer a Êxodo 20:25 e de não usar qualquer ferramenta nas pedras recolhidas dos campos. Nenhuma obra humana deveria ser associada ao sacrifício para que os pecadores não pensassem que seriam capazes de ser salvos por suas obras (Ef 2:8, 9). Deus pediu um altar simples de pedra e não um altar elaborado e decorado por mãos humanas, “a fim de que ninguém se vanglorie na presença de Deus” (1 Co 1:29). Não é a beleza da religião criada por homens que concede o perdão aos pecadores, mas sim o sangue no altar (Lv 1 7:11). O rei Acabe substituiu o altar de Deus por um altar pagão, que lhe não conferiu a aceitação de Deus nem o aperfeiçoou como ser humano (2 Rs 16:9-16).

     Os sacerdotes ofereceram holocaustos ao Senhor representando o compromisso total de Israel com Deus (Lv 1). As ofertas pacíficas foram uma expressão de gratidão a Deus por sua bondade (Lv 3; 7:11-34). Uma porção da carne foi entregue aos sacerdotes e outra aos ofertantes para que pudessem desfrutá-la alegremente com sua família na presença do Senhor (Lv 7:15, 16, 30-34; Dt 2:17, 18). Por meio desses sacrifícios, a nação de Israel estava declarando diante de Deus seu compromisso e comunhão com ele.

      Josué escreveu a lei em pedras (vv. 32, 33). Esse ato foi realizado em obediência à ordem de Moisés (Dt 27:1-8). No Oriente Próximo daquela época, era costume os reis celebrarem sua grandeza escrevendo registros de seus feitos militares em grandes pedras cobertas de reboco. Mas o segredo da vitória de Israel não era seu líder nem seu exército, e sim a obediência à lei de Deus Js 1:7, 8).

     Esse é o quarto monumento público de pedras a ser erigido. O primeiro foi em Gilgal (Js 4:20), comemorando a travessia do Jordão pelo povo de Israel. O segundo foi no vale de Acor, um monumento ao pecado de Acã e ao julgamento de Deus (Js 7:26). O terceiro foi na entrada de Ai, uma lembrança da fidelidade de Deus ao ajudar seu povo (Js 8:29). Essas pedras no monte Ebal lembravam Israel de que seu sucesso dependia inteiramente de sua obediência à lei de Deus (Js 1:7,8).

     Josué fez a leitura da lei (vv. 34, 35). Seguindo as instruções de Moisés em Deuteronômio 27:11-13, foi determinado um lugar para cada tribo em um dos dois montes. Rúben, Gade, Aser, Zebulom, Dã e Naftali ficaram no monte Ebal, o monte da maldição. Simeão, Levi, Judá, Issacar, José (Efraim e Manassés) e Benjamim ocuparam o monte Gerizim, o monte da bênção. As tribos no monte Gerizim foram fundadas por homens que eram filhos de Lia ou de Raquel, enquanto as tribos do monte Ebal era constituídas de descendentes de filhos de Zilpa ou de Bila, servas de Lia e Raquel. As únicas exceções foram Rúben e Zebulom, pertencentes à descendência de Lia. Rúben havia perdido sua posição de primogênito, pois havia pecado contra seu pai (Gn 35:22; 49:3, 4).

      O vale entre os dois montes foi ocupado pelos sacerdotes e levitas com a arca, cercados pelos anciãos, oficiais e juízes de Israel. Todo o povo estava voltado para a arca, que representava a presença de Deus no meio deles. Quando Josué e os levitas leram as bênçãos do Senhor unia a uma (ver Dt 28:1-14), as tribos do monte Gerizim responderam em uníssono e em alta voz “Amém!”, que, no hebraico, significa “Assim seja!”. Quando leram as maldições (ver Dt 27:14-26), as tribos do monte Ebal responderam com um “Amém!” depois da leitura de cada maldição.

     Deus havia dado a lei por intermédio de Moisés no monte Sinai (Êx 19 – 20), e o povo havia aceitado e prometido obedecer. Moisés havia repetido e explicado a lei nas campinas de Moabe, na fronteira com Canaã. Aplicou a lei à vida do povo na Terra Prometida e admoestou os israelitas a obedecer. “Eis que, hoje, eu ponho diante de vós a bênção e a maldição: a bênção, quando cumprirdes os mandamentos do S e n h o r,vosso Deus, que hoje vos ordeno; a maldição, se não cumprirdes os mandamentos do S e n h o r, vosso Deus, mas vos desviardes do caminho que hoje vos ordeno, para seguirdes outros deuses que não conhecestes” (Dt 1 1:26-28, observar os vv. 29-32).

       No entanto, o fato de os cristãos “não [estarem] debaixo da lei, e sim da graça” (Rm 6:14; 7:1-6) não significa que podemos viver como bem entendermos e ignorar ou contestar a lei de Deus. Não somos salvos por guardar a lei, nem santificados por tentar observar os preceitos da lei; antes, o “preceito da lei se [cumpre] em nós” ao andarmos no poder do Espírito Santo (Rm 8:4). Se nos colocarmos sob a lei, deixamos de desfrutar as bênçãos da graça (Gl 5). Se andarmos no Espírito, experimentamos seu poder transformador e vivemos com o propósito de agradar a Deus.

     Sejamos gratos a Jesus, que levou sobre si na cruz a maldição da lei em nosso lugar e que nos concede todas as bênçãos celestiais pelo Espírito. Pela fé, podemos nos apropriar de nossa herança em Cristo e marchar avante em vitória!

Pr. Eli Vieira

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