terça-feira, 21 de agosto de 2018

PAULO FALA HOJE – A Mensagem de 2 Timóteo

2 Timóteo 1-4
Introdução

O Rev. Handley Moule confessou ter-lhe sido muito difícil ler a segunda carta de Paulo a Timóteo sem sentir as lágrimas brotarem nos olhos.[1]Isso é compreensível, já que se trata de um documen­to humano bastante comovedor.

Imaginemos o apóstolo Paulo, já idoso, definhando numa masmorra escura e úmida em Roma, de onde não deverá sair, a não ser para a morte. O seu trabalho apostólico está concluído, tan­to que ele pode dizer: “completei a carreira”. Agora, no entan­to, compete-lhe tomar providências para que, depois da sua par­tida, a fé seja transmitida sem se contaminar, genuína, às gerações futuras. Assim ele dá a Timóteo esta soleníssima missão. Ca­be-lhe preservar, a qualquer preço, o que recebeu, e transmiti-lo a homens fiéis, que por sua vez sejam também idôneos para ensi­nar a outros (2:2).

Para bem captar a mensagem da carta e sentir todo o seu im­pacto, é necessário entender a situação no contexto em que foi escrita. Há quatro pontos a considerar.

  1. 1Trata-se de uma genuína carta de Paulo a Timóteo

A genuinidade das três epístolas pastorais foi quase que universal­mente aceita na igreja primitiva. Alusões a elas possivelmente ocorrem na carta de Clemente de Roma aos coríntios, já no ano 95 d.C; provavelmente também nas cartas de Inácio e Policarpo, nas primeiras décadas do segundo século; e certamente ocorrem nas obras de Irineu, nos fins do século

  1. Paulo, o escritor da carta, estava preso em Roma

Paulo se intitula “encarcerado do Senhor” (1: 8) e esta era a se­gunda vez que se achava preso em Roma. Agora ele já não estava desfrutando da relativa liberdade e do conforto da casa que aluga­ra, situação em que se encontrava no final do relato de Lucas em Atos, após o que tudo indica ter sido posto em liberdade, como ele mesmo esperava. Agora, porém, estava encarcerado em algum “escuro calabouço subterrâneo, com um buraco no teto para a passagem de luz e de ar”.[2] Talvez fosse, como o quer a tradição, a Prisão Mamertina; de qualquer modo, onde quer que estivesse, Onesíforo o encontrou só depois de uma diligente busca (1: 17). Certamente Paulo estava acorrentado (1: 16), “sofrendo até alge­mas, como malfeitor” (2: 9). Também a solidão, o enfado e o frio da vida em prisão faziam-no sofrer (4: 9-13). A audiência pre­liminar de seu caso já se realizara (4: 16, 17); agora só lhe restava aguardar o julgamento, mas Paulo não contava com a absolvição. A morte lhe parecia inevitável (4:6-8). Como se deu isso?

Foi pouco antes de morrer, durante a sua última e mais severa prisão, que Paulo enviou a sua segunda mensagem a Timóteo. Paulo escrevia à sombra de sua execução, que lhe parecia iminente. Além de ser uma comunicação muito pessoal ao seu jovem amigo Timó­teo, esta carta foi também o registro de sua última vontade, o seu testamento à Igreja.

  1. Timóteo, a quem a carta foi endereçada, estava sendo colocado numa posição de responsabilidade, pela liderança cristã, muito além da sua capacidade natural

Por mais de 15 anos, desde que fora recrutado em sua cidade natal (Listra), Timóteo tinha sido o fiel companheiro missionário de Paulo. Viajara com ele durante a maior parte da segunda e da ter­ceira viagem, tendo sido, durante as mesmas, enviado como fiel delegado apostólico a diversas missões especiais, como por exem­plo a Tessalônica e a Corinto (1 Ts 3: 1ss; 1 Co 4: 17). Acom­panhou Paulo, então, a Jerusalém (Atos 20: 1-5) e possivelmente tenha ido com ele na perigosa viagem a Roma. De qualquer forma, Timóteo certamente se encontrava em Roma durante a primeira prisão de Paulo, já que o apóstolo incluiu o seu nome, junto ao seu próprio, ao escrever da prisão as cartas a Filemom, aos Filipenses e aos Colossenses (Fm 1; Fp 1:1; 2:19-24; Cl 1:1).

Uma grande obra lhe estava sendo confiada e, como Moisés, Jeremias e muitos outros antes e depois dele, Timóteo se sentia muito relutante em aceitá-la. Será que algum leitor destas pági­nas encontra-se numa situação semelhante? Você é jovem, fraco e tímido, e ainda assim Deus o está chamando à liderança? Esta carta contém uma mensagem especial para todos os tímidos Timóteos.

  1. Escrevendo a Timóteo, a preocupação de Paulo era com o evan­gelho, o depósito da verdade que lhe havia sido revelada e confia­da por Deus

A carreira de Paulo como obreiro do evangelho estava virtualmente encerrada. Pelo espaço de cerca de 30 anos, ele havia fielmente pregado as boas novas, fundado igrejas, defendido a fé e consolida­do a obra. Na verdade, havia “combatido o bom combate, comple­tado a carreira e guardado a fé” (2 Tm 4: 7). Agora aguardava tão-somente a coroa de vitória junto à linha de chegada. Agora era um prisioneiro, logo depois seria um mártir.

Timóteo é lembrado de que agora o precioso evangelho lhe foi confiado, que agora era a sua hora de assumir responsabilidade por ele, de pregá-lo e ensiná-lo, de defendê-lo contra os ataques e contra a falsificação, e de assegurar a sua correta transmissão às ge­rações vindouras. Em cada capítulo Paulo retorna ao mesmo assun­to básico, ou a algum aspecto dele. De fato, podemos resumir a mensagem da carta de Paulo a Timóteo em quatro exortações:

PRIMEIRA EXORTAÇÃO: GUARDA O EVANGELHO!(CAPÍTULO 1)

Antes de abordar o tema principal deste capítulo, que é a exorta­ção a Timóteo para não se envergonhar do evangelho e, sim, guar­dá-lo com toda a segurança (vs. 8-14), o apóstolo começa esta sua carta com a costumeira saudação pessoal (vs. 1, 2). Segue-se uma oração de agradecimento (vs. 3, 5) e uma admoestação (vs. 6, 8). No parágrafo inicial deparamo-nos, de um modo muito vivido, com Paulo e Timóteo, o autor da carta e o destinatário, respectivamen­te. Inteiramo-nos, particularmente, de como cada um deles che­gou a ser o que era. Estes versículos enfocam a providência divi­na, mostrando como Deus molda os homens, tornando-os confor­me ele quer que sejam.

  1. Paulo, apóstolo de Cristo Jesus (v. 1)

É assim, então, que Paulo se apresenta. Ele é um apóstolo de Cristo Jesus. O seu apostolado originou-se na vontade de Deus e consolidou-se na proclamação do evangelho de Deus, isto é, na “promessa da vida que está em Cristo Jesus”.

  1. Timóteo, o filho amado de Paulo (vs. 2-8)

Aqui Paulo chama Timóteo de “amado filho”, e em outra parte “filho amado e fiel no Senhor” (1 Co 4: 17), presumivelmente porque foi o instrumento humano usado para a conversão de Ti­móteo. Certamente a razão por que podia referir-se aos coríntios como “filhos meus amados”, era que “eu pelo evangelho vos ge­rei em Cristo Jesus” (1 Co 4: 14, 15).

  1. A formação familiar, b. A amizade espiritual, c. O dom espiritual e d. A disciplina pessoal

Paulo deixa, agora, os vários fatores que contribuíram para a formação de Timóteo e volta-se para a autenticidade do evange­lho e para a responsabilidade de Timóteo em relação ao mesmo. Antes de definir o evangelho, ele roga o Timóteo que não se en­vergonhe do mesmo (v.8). O ministério de Timóteo deveria ser caracterizado pelo sofrimento e não pela vergonha. Ele poderia ser jovem, débil, tímido e fraco;   também poderia recuar diante das tarefas para as quais estava sendo chamado. Mas Deus o mol­dou e o dotou para seu ministério, de modo que Timóteo não deveria envergonhar-se desse ministério, nem temer exercê-lo.

  1. O Evangelho de Deus (vs. 9,10)

Examinando com mais cuida­do a forma concisa com que Paulo apresenta o evangelho de Deus nestes versículos, constatamos que ele indica a sua essência (o que é o evangelho), a sua origem (de onde provém) e o seu fundamento (onde se baseia).

  1. Nossa responsabilidade perante o evangelho divino (vs. 11-18)

Paulo dá três respostas a esta pergunta:

  1. Nossa responsabilidade de comunicar o evangelho (v. 11)

  2. Nossa responsabilidade de sofrer pelo evangelho (v. 12a)

  3. Nossa responsabilidade de zelar pelo evangelho (vs. 12b-18)

Vimos que o evangelho é a boa nova da salvação, prometida desde a eternidade, concretizada na História por Cristo, e ofereci­da à fé.

A nossa primeira responsabilidade reside na comunicação do evangelho, fazendo uso de velhos métodos ou procurando novos caminhos para torná-lo conhecido por todo o mundo.

Se assim procedermos, certamente sofreremos por ele, já que o autêntico evangelho nunca foi popular. Ele humilha muito o peca­dor.

E ao sermos chamados a sofrer pelo evangelho, somos tentados a adaptá-lo, a eliminar aqueles elementos que ofendem e provocam oposição, a silenciar as notas que ferem os sensíveis ouvidos mo­dernos.

Mas devemos resistir a esta tentação. Pois, antes de tudo, fomos chamados a guardar o evangelho, conservando-o puro, a qualquer preço, preservando-o de toda corrupção.

Guardá-lo fielmente. Difundi-lo ativamente. Sofrer corajosa­mente por ele. Esta é a nossa tríplice responsabilidade perante o evangelho de Deus, de acordo com este primeiro capítulo.

SEGUNDA EXORTAÇÃO: SOFRE PELO EVANGELHO!(CAPÍTULO 2)

  1. Passando a verdade adiante (vs. 1 e 2)

O primeiro capítulo termina com a pesarosa referência que Paulo fez à generalizada deserção dos cristãos na província romana da Ásia (1: 15). Onesíforo e sua casa talvez tenham sido a única exce­ção. Agora Paulo insta com Timóteo para que ele se mantenha fir­me, em meio à debandada geral. Esta é a primeira de uma série de exortações similares na carta, que começam com su oun ou su de, “tu, pois” ou “mas tu”, ordenando que Timóteo resista a várias coisas predominantes naquela época. Timóteo fora chamado a exercer uma responsável liderança na Igreja, não somente a despei­to de sua inata falta de confiança em si mesmo, mas ainda na mesma área onde a autoridade do apóstolo estava sendo repudiada. É co­mo se Paulo lhe dissesse: “Não te importes com o que outras pes­soas possam estar pensando, dizendo ou fazendo. Não te importes com a fraqueza e a timidez que talvez estejas sentindo. Quanto a ti, Timóteo, sê forte!”

No restante deste segundo capítulo de sua carta, Paulo prossegue abordando o ministério do ensino, ao qual Timóteo foi cha­mado, Como ilustração, Paulo faz uso de seis vividas metáforas. As três primeiras são suas imagens favoritas: o soldado, o atleta, e o lavrador. Em cartas anteriores ele já fizera uso delas, em várias ocasiões, para salientar muitas verdades. Aqui todas elas enfatizam que a obra de Timóteo exigirá vigor, envolvendo tanto labuta quanto sofrimento.

  1. Metáfora 1: o soldado dedicado (vs. 3,4)

Participa dos meus sofrimentos, como um bom soldado de CristoJesus.   4Nenhum soldado em serviço se envolve em negócios desta vida, porque o seu objetivo é satisfazer àquele que o arregimentou.

A aplicação de tal versículo não é somente restrita a pastores. Cada cristão é, num certo grau, um soldado de Cristo, ainda que seja tímido como Timóteo. Não importando qual seja o nosso temperamento, não podemos evitar o conflito cristão. Se que­remos ser bons soldados de Cristo, devemos dedicar-nos à bata­lha, comprometendo-nos com uma vida de disciplina e de sofri­mento, e evitando tudo o que possa nos “envolver” e assim nos desviar do seu propósito.

  1. Metáfora 2: o atleta sujeito às regras (v.5)

Igualmente o atleta não é coroado, se não lutar segundo as normas.

Agora Paulo desvia os seus olhos da imagem do soldado romano para a do competidor nos jogos gregos. Em nenhuma competição atlé­tica do mundo antigo (assim como hoje também) o competidor dava uma demonstração de força ou de habilidade ao acaso. Cada esporte tinha as suas regras para a competição, e às vezes também para o treino preparatório.

Assim, Timóteo deve confiar o depósito a homens fiéis. Somente se ele, como Paulo, perseverar até a fim, combatendo também o bom combate, completando a car­reira e guardando a fé, somente assim poderá ele esperar receber, no último dia, a mais desejável de todas as coroas: “a coroa da justiça” (2Tm4:7-8).

  1. Metáfora 3: o lavrador diligente (v.6)

O lavrador que trabalha deve ser o primeiro a participar dos frutos.

Tendo o atleta de competir com honestidade, o lavrador, por sua vez, tem de trabalhar arduamente. O sucesso na lavoura só é conseguido com muito trabalho. Isso é verdade particularmente em países em desenvolvimento, antes de se ter as técnicas da mecanização moderna.

A que espécie de colheita se refere o apóstolo? Duas interpre­tações apresentam maiores evidências bíblicas.

Primeira, a santidade como colheita. Verdadeiramente, a santi­dade é “fruto (ou colheita) do Espírito”, sendo que o próprio Espírito é o principal agricultor, que produz uma boa safra de qualidades cristãs na vida do cristão. No entanto, nós também temos que fazer a nossa parte. Temos de “andar no Espírito” e “semear no Espírito” (Gl 5: 6; 6: 8), seguindo os seus impulsos e disciplinando-nos, para fazermos a colheita da santidade. Como o Rev. Ryle enfatiza repetidas vezes em seu notável livro Santidade: “não há prêmio sem esforço”. Por exemplo:

“Jamais abandonarei a minha convicção de que não há pro­gresso espiritual sem esforços. Não creio no sucesso de um agri­cultor que se contenta em apenas semear os seus campos, abandonando-os em seguida até a colheita, assim como não creio ser pos­sível que um crente alcance muita santidade sem ser diligente em sua leitura bíblica, em suas orações e no bom uso dos seus domin­gos. Nosso Deus é um Deus que se importa com os meios, e nun­ca abençoará a alma de quem se julga ser tão elevado e espiritual a ponto de achar que pode progredir sem eles”.[3]

A segunda interpretação é que a conquista de conversões é também uma colheita. “A seara na verdade é grande”, disse Jesus referindo-se aos muitos que esperam por ouvir e receber o evan­gelho (Mt 9: 37; cf. Jo 4: 35; Rm 1:13).

Olhando retrospectivamente para este capítulo, podemos ago­ra compor em nossas mentes o retrato completo do obreiro ou ministro cristão ideal, que Paulo vem pintando com toda essa va­riedade de palavras e imagens.

 Como bons soldados, como atletas fiéis ao regulamento, e como laboriosos agricultores, devemos nos dedicar completamente à obra.

Como obreiros que não têm do que se envergonhar, devemos ser acurados e claros em nossa exposição.

Como vasos para uso nobre, devemos ser corretos em nosso caráter e em nossa conduta, gentis e bondosos em nosso trato. Deste modo, cada metáfora se concentra em uma caracte­rística particular, contribuindo para o todo do retrato e, de fato, delineando a condição necessária para ser útil.

Somente se nos entregarmos sem reservas às nossas labutas como soldados, corre­dores e agricultores, poderemos esperar resultados. Somente se cortarmos a verdade em linha reta e não nos desviarmos dela, se­remos aprovados por Deus e não teremos do que nos envergonhar. Somente se nos purificarmos do que é ignóbil, de todo erro e peca­do, seremos vasos para uso nobre, úteis ao Senhor da casa. Somen­te se formos bondosos e avessos às intrigas, como fiéis servos do Senhor, Deus concederá aos nossos adversários arrependimento, conhecimento da verdade e livramento do diabo.

Tal é a nossa responsabilidade de labutar e sofrer pelo evange­lho. Assim, não é de se estranhar que este capítulo 2 tenha co­meçado com a exortação: “fortifíca-te na graça que está em Cris­to Jesus”.

TERCEIRA EXORTAÇÃO: PERMANECE NO EVANGELHO!(CAPÍTULO 3)

Deitado em sua cela, prisioneiro do Senhor, Paulo ainda se preo­cupa com o futuro do Evangelho. Sua mente vagueia pensando ora na maldade dos tempos, ora na timidez de Timóteo. Timóteo é tão fraco, e a oposição tão forte! Parece estranho que um ho­mem assim seja chamado, em tal situação, a combater pela verda­de. Assim o apóstolo começa com um vivido esboço desse cená­rio e, em oposição a tal pano de fundo, conclama Timóteo, a des­peito dessa situação caracterizada por um generalizado desvio de Deus, e a despeito da fraqueza de temperamento de Timóteo, a continuar fiel ao que aprendera.

. Enfrentando tempos difíceis (vs. 1,2a) –Sabe, porém, isto: nos últimos dias sobrevirão tempos difíceis; 2pois os homens serão egoístas,. ..

Por que será que Paulo inicia este capítulo dando uma ordem tão en­fática a Timóteo: “sabe, porém, isto”? Afinal, a existência de uma ativa oposição ao evangelho era evidente.

  1. Os homens maus são descritos (vs. 2-9)

O restante deste primeiro parágrafo do capítulo 3 dedica-se a uma perfeita descrição de tais homens. Paulo delineia particularmente a conduta moral (vs. 24), a observância religiosa (v.5) e o zelo proselitista (vs. 6-9) deles.

  1. Permanecendo firme na fé (vs. 10-15)

  2. A origem e o propósito da Escritura (vs. 15b-17)

Duas verdades fundamentais a respeito da Escritura são afirmadas aqui. A primeira concerne à sua origem (de onde ela provém) e a segunda ao seu propósito (o que ela pretende).

A primeira verdade é que “toda Escritura é inspirada por Deus”; ela é “soprada” por Deus. Alguns teólogos traduziram as primeiras palavras do versículo 16 assim: “toda Escritura inspirada é proveito­sa”.   Tal tradução daria lugar a uma dupla limitação da Escritura.

A segunda verdade abordada neste trecho refere-se a que Paulo explica o propósito da Escritura: “ela é útil ao ensino”. E isso decorre precisamente do fato de ser inspirada por Deus. Somente a sua origem divina garante e explica a sua utilidade para o homem. Para mostrar o que isso significa, Paulo emprega duas expressões.

Considerando tudo o que foi dito neste capítulo, podemos apreciar a relevância da mensagem de Paulo à nossa sociedade pluralista e permissiva.

 Os “tempos difíceis”, em que estamos vivendo, são desconcertantes. Às vezes nos perguntamos se o mundo e a igreja ficaram loucos, por serem tão estranhos os seus pontos de vista e tão frouxos os seus padrões. Alguns cristãos foram arrastados de seus ancoradouros por uma onda de pecado e de erro. Outros procuram esconder-se, como se fosse a melhor esperança de sobrevivência, a única alternativa para não capitularem. Mas estes processos não são cristãos. “Tu, porém”, Paulo nos diz, como o disse a Timóteo, “permanece naquilo que aprendeste, ainda que a pressão para se acomodar seja muito forte. Não importa que sejas jovem, inexperiente, tímido e fraco. Não importa se acontecer de ficares testemunhan­do sozinho.

 Até aqui seguiste o meu ensino; permanece, pois, da­qui para a frente, naquilo em que vieste a crer. Conheces as cre­denciais bíblicas da tua fé. A Escritura é inspirara por Deus, e útil. Mesmo em meio a estes tempos difíceis, em que os homens maus e impostores vão de mal a pior, ela pode te suprir e te equipar para o teu trabalho. Que a Palavra de Deus te faça um homem de Deus. Permanece leal para com ela, e ela te conduzirá à maturidade cristã.”

QUARTA EXORTAÇÃO: PREGA O EVANGELHO!(CAPÍTULO 4)

Este capítulo contém parte das últimas palavras proferidas ou es­critas pelo apóstolo Paulo.    São, certamente, as últimas que fo­ram preservadas.    Foram escritas a semanas, talvez não mais do que poucos dias antes do seu martírio.   De acordo com antiga tradição fidedigna, Paulo foi decapitado na Via Ápia.   Por trinta anos ininterruptos trabalhara como apóstolo e evangelista itinerante.   Fez, na verdade, o que ele mesmo escreve aqui: combateu o bom combate, completou a carreira e guardou a fé (v.7).  Agora ele aspira por seu prêmio, “a coroa da justiça”, que já lhe estava reservada no céu (v.8).   Estas palavras constituem-se no legado de Paulo à Igreja.   Elas estão impregnadas de uma atmosfera de gran­de solenidade.    É impossível lê-las sem uma profunda emoção. A primeira parte do capítulo toma a forma de uma comovente in­cumbência.   “Conjuro-te, perante Deus”, assim começa.   O verbo diamartyromai tem conotações legais e pode significar “testificar sob juramento” numa corte de justiça, ou “adjurar” uma testemu­nha a assim proceder.   No Novo Testamento refere-se a qualquer “elocução solene e enfática”.   A exortação de Paulo é endereçada, em primeiro lugar, a Timóteo, seu delegado apostólico e represen­tante em Éfeso.   É aplicada, também, a cada homem chamado a um ministério evangelístico ou pastoral, ou mesmo a todos os cristãos.

Há três aspectos da exortação a serem estudados, os quais são: sua natureza (o que Paulo de fato está comissionando a Timóteo), sua base (os argumentos sobre os quais Paulo baseia a sua exorta­ção)e uma ilustração pessoal dela, do exemplo do próprio Paulo em Roma. 

  1. A natureza da exortação (v.2)

Prega a palavra, insta, quer seja oportuno, quer não, corrige, repreende, exorta com toda a longanimidade e doutrina.

Timóteo deve “pregar” esta palavra; ele deve falar o que Deus falou. Sua responsabilidade não é somente ouvir essa palavra, crer nela e obedecê-la, nem somente guardá-la de toda falsidade; nem somente sofrer por ela e permanecer nela; mas, sim, pregá-la a outros. São as boas novas de salvação para os pecadores. Assim ele deve proclamá-la como um arauto em praça pública (kèryssö, cf. këryx, “um arauto” em 1: 11). Para fazê-la conhecida, deverá levantar a sua voz para todos, sem temor.

Paulo prossegue mostrando quatro sinais que deverão caracte­rizar a proclamação a ser feita por Timóteo.

  1. Uma proclamação urgente O verbo ephistëmi, “instar”, significa literalmente “assistir”, e assim “estar de prontidão”, “estar disponível”. Aqui, contudo, pa­rece ter o sentido não somente de alerta e zelo mas de insistência e urgência. “Nunca perca o teu sentido de urgência” (CIN). Nu­ma forma lânguida e indiferente, certamente não se faz

  2. Uma proclamação contextualO arauto que anuncia a Palavra deve corrigir, repreender e exortar.

c.Uma proclamação pacienteMesmo devendo instar (esperando obter das pessoas rápidas deci­sões em resposta à Palavra), devemos ter “toda a longanimidade na espera por essa resposta”. Nunca devemos nos valer do uso de técnicas humanas de pressão ou tentar forçar uma “decisão”.

d,   Uma proclamação inteligente

Não devemos só pregar a palavra, mas também ensiná-la, ou me­lhor, pregá-la “com toda a doutrina” (këryxon. . . en pasë..didachè). C. H. Dodd tornou clara a distinção entre kérygma didachè, sendo a primeira a proclamação de Cristo aos descrentes, com um apelo ao arrependimento; e a segunda, a instrução ética aos conver­tidos. A distinção é prática e importante; contudo, como já suge­rido no comentário de 1: 1, ela pode se tornar rígida e estreita. Pe­lo menos este versículo nos mostra que o nosso kèrygma deve conter muito de didachè. Se a nossa proclamação pretende antes de tudo convencer, repreender ou exortar, ela deve ser um ministério de doutrina.

Tal é a instrução de Paulo a Timóteo. Ele deve pregar a Pala­vra anunciando a mensagem dada por Deus, mas deve fazê-lo com um sentido de urgência, deve aplicá-la ao contexto da situação pre­sente, deve ser paciente em seu modo de ser e inteligente na sua apresentação.

  1. A base da exortação ( vs. 1, 3-8)

Pede que Timóteo olhe a três direções: primeiro para Jesus Cristo, o juiz e rei que retor­na; em segundo lugar, ao cenário contemporâneo; e, em terceiro, a ele, Paulo, o idoso prisioneiro à beira do martírio.

  Conclusão

Sublinhando esta carta inteira está a convicção básica que Paulo tinha de que Deus falou através de seus profetas e apóstolos, e que esta singular revelação – “a fé”, “a verdade”, “a palavra”, “o evangelho”, “a sã doutrina” — foi confiada à Igreja como um te­souro sagrado ou um “depósito”.

Agora o apóstolo, que por três décadas de ativo ministério con­fiou fielmente a outros o que ele mesmo tinha recebido, está em seus derradeiros momentos de vida. Ele está exatamente a pon­to de ser sacrificado. Com os olhos da mente parece ter tido um vislumbre da luzidia espada do carrasco. Por isso ele deseja vee­mentemente que Timóteo, seu jovem mas fiel tenente, o substitua, continuando a partir do momento em que parar, e que passe a tocha adiante a outros.

Helen Rosever, ela chegou no Congo com 28 anos de idade, a Dra Hele era médica com doutorado em medicina na Universidade de Cambridge com formação também em enfermagam, solteira, sozinha ela foi para o interior do Congo, em uma em que aquele país passava por uma guerra civil. Ali ela começou a trabalhar, pregar a Palavra de Deus incansavemente. Ela fundou uma escola de enfermeiras treinou em poucos anos cem enfermeiras missionárias e espalhou por todo o país.

Não havendo hospitais naquela região que ela trabalhava como médica, ela escreveu para sua igreja na Inglaterra que enviou uma boa oferta e construiu um hospital com cem leitos, mas o Congo era um país muito perigoso naquela época, certa feita a Dra Helem foi sequestrada por um grupo de rebeldes guerreilheiros, e eles a leveram-na e a mantiveram-na em cativeiro durante um longo período… Ela escreveu em seu diário algumas coisas, ela disse: eles me puxavam pelos pés, batiam em minha cabeça, chutavam-me na boca, quebraram os meus dentes, me humilharam, insultaram, agrediram dia a dia.

Semanas depois ela escreveu: em uma das noites o horror ultrapassou todos os limites, e fui violentamente abusada sexualmente, eu senti que Deus havia me abandonado.

Dias depois, ela escreveu: Logo depois senti uma impressionante presença de Deus que me dizia, Helem estes não são os seus sofrimentos, são os meus e o Senhor me encontrou com braços abertos e indizível amor, seu conforto foi total e eu ententi que o seu amor me era suficiente.

Ela foi liberta do cativeiro voltou para a Inglaterra, ficou praticamente um ano internada para se recuperar dos dentes quebrados, ossos quebrados, do trauma psicológico emocional, durante um ano.

Depois recebeu alta dos médicos daquele hospital inglês, voltou para a sede da missão  UEC, dizendo eu quero voltar para o Congo. E a diretoria disse: nós não vamos enviá-la a situação do Congo está mais difícil do que antes. Ela disse: se vocês não me enviarem eu saiu da missão para voltar para o Congo porque Deus me quer naquele lugar, eu ainda não pregeuei a palavra a todos que Deus colocou em meu coração.

E a missão a enviou para o Congo, ela voltou para o mesmo lugar, percebeu que os guerelheiros havia destruido aquele lugar… ela deixou aqueles país com centenas de pessoas que houviram a palavra de Deus. Ela foi uma mulher que rodou o mundo dando testemunho, mobilizando jovens para obra missionária.

Antes dela morrer, ela escreveu um artigo, que resume bem o ensino da teologia reformado da centraliadade da palavra de Deus, não apenas uma palavra liturgica,  não apenas uma palavra que tem espaço em nossa biblioteca porque está em nossa língua, mas uma palavra que nos desafia e nos transforma: quando nos transforma e nos empele a pregar este evangelho que tanto mexe com o nossso coração.

Dra. Helem escreve neste artigo o seguinte: “O PROBLEMA É QUANDO NÃO QUEREMOS SÓ JESUS, QUEREMOS JESUS E MAIS ALGUMA COISA, QUEREMOS JESUS E A POPULARIDADE, QUEREMOS JESUS E O SUCESSO, QUEREMOS JESUS E OS APLAUSOS QUEREMOS JESUS E O RECONHECIMENTO, QUEREMOS JESUS MAS TAMBÉM SERMOS OS PRIMEIROS, E SERMOS OS MELHORES, NÃO MEUS IRMÃOS, NÓS DEVEMOS DESEJAR SÓ JESUS”.

Pr. Eli Vieira

 Fonte: Mensagem adaptada do Comentário de John Stott de 2 Timóteo

[1] Moule, p. 16.

[2] Hendriksen, p. 234.

[3] Holiness.JC. Ryle (James Clarke 1952), p. 21.

Entenda por que cristãos e judeus são proibidos de orar no Monte do Templo

Um breve visão histórica

Entenda por que o Monte do Templo, na Cidade Velha de Jerusalém, é disputado entre judeus e muçulmanos.

Vista aérea do Monte do Templo, cercado por muralhas na Cidade Velha de Jerusalém. (Foto: Godot13/Andrew Shiva/Wikipedia)
Vista aérea do Monte do Templo, cercado por muralhas na Cidade Velha de Jerusalém. (Foto: Godot13/Andrew Shiva/Wikipedia)

Monte do Templo, na Cidade Velha de Jerusalém, é considerado um local sagrado para judeus, cristãos e muçulmanos. No entanto, o conflito entre as religiões o transformou em um dos lugares mais sensíveis e disputados do mundo.
Para o judaísmo, foi no monte Moriá — onde está localizado o Monte do Templo — que Abraão ofereceu Isaque como sacrifício. Para o islamismo, Ismael é quem foi oferecido ali pelo patriarca.
Os judeus também reforçam que ali foi construído o Templo de Salomão e o Templo de Herodes, que tem como único vestígio o famoso Muro das Lamentações. Mas para os muçulmanos, o lugar se chama Esplanada das Mesquitas, sendo o terceiro lugar mais sagrado do islamismo depois de Meca e Medina, na Arábia Saudita.
Em meio aos conflitos de interesses religiosos, judeus e cristãos têm acesso livre ao Monte do Templo, mas são proibidos de orar, cantar ou fazer qualquer outra expressão de fé. Por causa do acordo estabelecido no status quo, os atuais edifícios islâmicos no Monte do Templo são administrados pelo Waqf Islâmico de Jerusalém, controlado pela Jordânia.
De acordo com o rabino Yehuda Glick, que também é membro do parlamento de Israel (Knesset), a polícia raramente interfere na oração silenciosa feita por judeus e cristãos, “a menos que o Waqf afirme que há alguma ofensa”. “Antes, o Waqf jordaniano era muito rigoroso. Eles seguiam cada visitante e vigiavam seus lábios para garantir que não estavam orando”, explicou ao Breaking Israel News.
Onde isso começou?
Quando Israel conquistou a parte leste de Jerusalém em 1967, o então ministro da Defesa, Moshe Dayan, decidiu que seria melhor se o Waqf da Jordânia continuasse administrando o local, denominado pelos muçulmanos de Haram al-Sharif, a fim de evitar um conflito maior com o mundo islâmico.

Moshe Dayan no Monte do Templo, no dia 7 de junho de 1967. (Foto: Ilan Bruner/GPO)
Dayan decidiu que aos judeus seria permitido visitar, mas não fazer orações, tomando como base a lei religiosa judaica que defende que os judeus não deveriam colocar os pés no cume do Monte por medo de profanar o espaço mais sagrado do templo, o Santo dos Santos.
A partir de então, ficou acertado que Israel seria responsável pela segurança em todo o perímetro do local, enquanto o Waqf de Jerusalém seria responsável pelo que acontece dentro do complexo.
Hoje, o Waqf de Jerusalém controla não apenas o Monte do Templo, mas também escolas, orfanatos, bibliotecas, museus islâmicos, mesquitas, tribunais da Sharia e propriedades residenciais e comerciais em toda Jerusalém.
Para o rabino Glick, a renúncia do Monte do Templo em 1967 foi um movimento ingênuo, no qual Israel acreditou erroneamente que abrir mão do controle de um local sagrado para os muçulmanos criaria uma paz duradoura entre Israel e seus vizinhos árabes.
O pesquisador Joshua Wander também classifica esse acontecimento como “uma das maiores tragédias da história judaica”, de acordo com o Breaking Israel News.
Pedido de mudanças
Para alguns ativistas israelenses, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, deveria recorrer a abertura do local para a oração judaica. “A legislação israelense prevê a liberdade de culto; qualquer pessoa tem o direito de orar livremente neste país”, destacou Wander.
Turistas do mundo inteiro visitam o Monte do Templo, em Jerusalém. (Foto: Guiame/Marcos Paulo Corrêa)
Da mesma forma, o rabino Glick afirma que a oração deveria ser permitida para qualquer pessoa, com base no trecho bíblico de Isaías 56:7, que diz: “A minha casa será chamada casa de oração para todos os povos”.
O pesquisador defende ainda que os judeus deveriam começar a caminhar em busca da construção do Terceiro Templo no Monte do Templo. “Embora existam leis diferentes sobre culto e sacrifício, o Templo é igualmente importante para judeus e não-judeus”, disse Wander.
Wander também acredita que o ambiente político está maduro, já que “Trump nos deu uma janela de oportunidade” que o governo de Israel deve aproveitar. “Estamos vivendo milagres com as profecias se desdobrando diante de nossos olhos. Não vai demorar muito mais até atingirmos nossos objetivos”, argumenta.
A cúpula dourada é um dos pontos mais emblemáticos de Jerusalém. (Foto: Guiame/Marcos Paulo Corrêa)
FONTE: GUIAME

DA ADMINISTRAÇÃO POLÍTICA – NATUREZA E FUNÇÃO DO MAGISTRADO CIVIL

Série Política Calvinista
A NATUREZA E FUNÇÃO DO MAGISTRADO CIVIL, POR MAIS COERCITIVAS E AUTORITÁRIAS QUE PAREÇAM, NÃO SÃO CONTRÁRIAS À VOCAÇÃO E À FÉ
CRISTÃS

Aqueles, porém, que não se sentem movidos por tantos testemunhos da Escritura a que não ousem invectivar este sagrado ministério, como sendo algo que não se coaduna com a religião e piedade cristã, que outra coisa fazem senão ultrajar ao próprio Deus, cuja ignomínia não pode deixar de ser associada com o opróbrio de seu ministério? E não rejeitam simplesmente aos magistrados, mas também alijam a Deus para que sobre eles não reine. Ora, se isso foi realmente dito pelo Senhor a respeito do povo de Israel, visto que recusara o mando de Samuel [1Sm 8.7], por que menos verdadeiramente se dirá hoje daqueles que persistem na liberdade de ferozmente falar contra todos os governos instituídos por Deus? Uma vez que, porém, aos discípulos foi dito pelo Senhor que os reis das nações dominam sobre eles, mas que entre eles não é assim, onde para ser o primeiro então se faça o menor [Mt 20.24-27; Mc 10.42-44; Lc 22.25, 26], argumentam que com esta palavra foi proibido a todos os cristãos que assumam reinos ou soberanias. Oh, destros intérpretes! Surgira entre os discípulos a contenda sobre quem seria superior ao outro. Para reprimir esta vã ambição, o Senhor ensinou que seu ministério não é semelhante aos reinos deste mundo, nos quais entre os demais um só tem a preeminência. Em que, pergunto eu, esta comparação denigre a dignidade régia? Mais ainda, o que simplesmente convence, senão que o ofício régio não é o ministério apostólico?

     Além disso, ainda que entre os próprios magistrados as formas são variadas, entretanto não há neste aspecto nenhuma diferença para que não devam ser tomados por todos nós como ordens de Deus. Ora, Paulo inclusive abrange a todas em conjunto quando diz que não existe potestade, senão da parte de Deus [Rm 13.1]; e aquela que de todas é menos aprazível, isto é, o senhorio de um só, foi recomendada por exímio testemunho acima das outras, a qual, porque consigo leva a servidão pública de todos, excetuado aquele único a cujo talante sujeitou todas as coisas, aos engenhos heróicos e mais excelentes pôde ser outrora menos aprovado. Mas a Escritura, para remediar os juízos humanos iníquos, afirma expressamente que os reis reinam pela providência da divina sabedoria [Pv 8.15], e preceitua particularmente que o rei seja honrado [Pv 24.21; 1Pe 2.17].

João Calvino
As Institutas – Livro IV Capítulo XX

DA ADMINISTRAÇÃO POLÍTICA-MINISTROS DE DEUS NO EXERCÍCIO DO OFÍCIO DE GOVERNAR

Série Política Calvinista
MINISTROS DE DEUS NO EXERCÍCIO DO OFÍCIO DE GOVERNAR, OS MAGISTRADOS CIVIS DEVEM ESMERAR-SE NO FIEL DESEMPENHO DE SUA OCUPAÇÃO

Esta consideração deve exercitar continuamente aos próprios magistrados; uma vez que pode servir-lhes de forte estímulo, pelo qual sejam animados para sua atividade e trazer-lhes singular consolação, pela qual sejam aliviadas as dificuldades de seu ofício; as quais certamente são muitas e pesadas. Pois, quão grande zelo de integridade, de prudência, de mansuetude, de domínio próprio, de inocência devem aplicar a si próprios aqueles que forem constituídos ministros da divina justiça? Com que ousadia haverão de admitir a iniqüidade diante de seu tribunal, do qual aprendem ser o trono do Deus vivo? Com que audácia haverão de pronunciar uma sentença injusta com essa boca que entendem ser um instrumento destinado à divina verdade? Com que consciência haverão de assinar ímpios decretos com essa mão que sabem ser ordenada para registrarem-se os atos de Deus? Em suma, caso se lembrassem de que são vigários de Deus, impõe-se que vigiem com todo cuidado, zelo, diligência, para que representem em si, aos homens, uma como que imagem da divina providência, proteção, bondade, benevolência e justiça.

     E devem ter isto perpetuamente diante de si: “Maldito aquele que fizer a obra do Senhor fraudulentamente; e maldito aquele que retém sua espada do sangue” [Jr 48.10]. Muito mais gravemente malditos aqueles que, em uma vocação justa, se conduzem fraudulentamente. Assim sendo, como quisessem Moisés e Josafá exortar a seus juízes para, com seu ofício, nada mais eficaz tiveram com que incitar seu ânimo do que o que referimos antes: “Ouvi a causa entre vossos irmãos, e julgai justamente entre o homem e seu irmão, e entre o estrangeiro que está com ele” [Dt 1.16]. “Vede o que fazeis; porque não julgais da parte do homem, mas da parte do Senhor, e ele está convosco quando julgardes. Agora, pois, seja o temor do Senhor convosco; guardai-o, e fazei-o; porque não há no Senhor nosso Deus iniqüidade nem acepção de pessoas, nem aceitação de suborno” [2Cr 6, 7]. E noutro lugar se diz que “Deus está na congregação dos poderosos; julga no meio dos deuses” [Sl 82.1], para que sejam animados ao dever, enquanto ouvem que são legados de Deus, a quem importa um dia prestar contas do cargo administrado. E entre eles, merecidamente, deve valer muito esta exortação, pois, se cometem alguma falta, não só estão lesando aos homens, a quem celeradamente molestam, mas também estão sendo injustos para com o próprio Deus, cujos sacrossantos juízos poluem [Is 3.14, 15]. Por outro lado, têm também donde claramente se consolem, enquanto refletem consigo que não estão engajados em ocupações profanas, nem alheias a um servo de Deus; pelo contrário, em um ofício santíssimo, visto que, de fato, a desempenham por delegação de Deus.

João Calvino
As Institutas – Livro IV capítulo XX

sexta-feira, 17 de agosto de 2018

Mais de 1.800 soldados do Exército dos EUA se entregam a Jesus



A cada semana, aumenta o número de soldados das Forças Armadas do Missouri que aceitam Jesus.

A cada semana, mais soldados do Exército dos EUA se rendem a Jesus. (Foto: Facebook/Jose Rondon)


A cada semana, mais soldados do Exército dos EUA se rendem a Jesus. (Foto: Facebook/Jose Rondon)

Um avivamento está acontecendo na base do Exército dos Estados Unidos em Fort Leonard Wood, no Missouri. De acordo com o capelão Jose Rondon, mais de 1.800 soldados aceitaram Jesus Cristo desde março deste ano.
“Desde 11 de março de 2018, vimos 1.839 soldados se entregando a Cristo. Deus está fazendo um trabalho inacreditável através das forças armadas em Fort Leonard Wood”, disse Rondon no Facebook, destacando que só no último domingo (12), 380 oficiais aceitaram Jesus.
O capelão acredita que agir intencionalmente e pregar o Evangelho tem sido fundamental para as conversões. “Ser intencional não significa apenas pregar a Palavra de Cristo na capela, mas ser sensível ao Espírito Santo para compartilhar a mensagem de reconciliação quando o tempo se encaixar”, disse Jose ao site Baptist Press.
O major-general aposentado Doug Carver, diretor de capelania do Conselho de Missões da América do Norte, observa que homens e mulheres nas forças armadas estão com fome de Deus.

A cada semana, mais soldados do Exército dos EUA se rendem a Jesus. (Foto: Facebook/Jose Rondon)
“Nossas tropas, que estão cada vez mais famintas por verdade e relevância em suas vidas, estão encontrando uma fé que funciona, através de um relacionamento pessoal com o Senhor Jesus Cristo”, disse Carver. “O despertamento espiritual em Fort Leonard Wood indica que um grande movimento de Deus está acontecendo dentro das Forças Armadas hoje”.
Enquanto isso, Jose acredita que o número recorde de salvação é uma resposta de oração. “O Senhor é bom e deseja não somente nos reconciliar através de sua morte e ressurreição, mas também que o mundo inteiro saiba que Ele está fazendo grandes coisas nas forças armadas”, afirma.
“Ele continuará fazendo grandes coisas, em nós e através de nós, para a Sua glória em nossa sociedade tão necessitada de Cristo”, Jose acrescenta.
FONTE: GUIAME

O OFÍCIO DO MAGISTRADO CIVIL, A QUEM INCUMBE O GOVERNO DO POVO, É DE VOCAÇÃO DIVINA

Série Política Reformada

No que respeita à função dos magistrados, não só é aprovada e aceitável ao Senhor, mas também ele a honrou com títulos mui eminentes, além de no-la recomendar com cumulada dignidade. Para lembrar apenas uns poucos títulos: o fato de que são chamados deuses todos quantos exercem a função de magistrados, não deve levar ninguém a pensar que nessa designação reside leve importância, pois com ela significa que possuem um mandato de Deus, que foram providos de divina autoridade e representam inteiramente a pessoa de Deus, cujas vezes de certo modo desempenham. Isso não contém nenhuma cavilação de minha parte, mas é interpretação de Cristo. “Se a Escritura”, diz ele, “chamou deuses àqueles a quem sobreveio a Palavra de Deus [1Jo 10.35]; que é isso, senão que por Deus lhes foi conferida a incumbência de o servirem em seu ofício, e que a seus juízes, a quem constituíam em cada cidade de Judá, como diziam Moisés e Josafá, para que exercessem o juízo, não segundo o homem, mas segundo Deus [Dt 1.16, 17; 2Cr 19.6]? Com o mesmo propósito é o que a Sabedoria de Deus afirma pela boca de Salomão: que é obra sua “que reinam os reis e os conselheiros decretam coisas justas, que os príncipes exercem o principado e todos os juízes da terra” [Pv 8.15, 16]. Ora, isto vale exatamente como se fosse dito que não provém de humana perversidade que nas mãos de reis e outras autoridades esteja, na terra, o arbítrio de todas as coisas, mas pela divina providência e santa ordenação de Deus, a quem assim pareceu bem regular as atividades dos homens, uma vez que ele está presente com eles e também preside em sua formulação das leis e no exercício da eqüidade dos juízos.

     Também ensina isso abertamente quando enumera governos entre os dons de Deus, os quais, variadamente distribuídos segundo a diversidade da graça, devem ser aplicados pelos servos de Cristo à edificação da Igreja [Rm 12.8]. Pois, ainda que o Apóstolo esteja aí falando propriamente de um senado de homens sérios que na Igreja primitiva foram constituídos para presidir à disciplina pública a ser conformada, ofício que na Epístola aos Coríntios [1Co 12.28] Paulo chama kubernh,seij [kyb$rn@seis – governos], visto que, no entanto, vemos recair ao mesmo fim o alvo do poder civil, sem dúvida ele está nos recomendando todo gênero de governo justo. Muito mais claramente, porém, Paulo o assevera onde elabora discussão justa desta matéria. Ora, ensina também que a potestade é uma ordenação de Deus, e que não há qualquer poder que não seja ordenado por Deus [Rm 13.1, 2]; pelo contrário, os próprios príncipes são ministros de Deus, para louvor aos que agem bem e como vingadores com ira aos maus [Rm 13.3, 4]. Além do mais, acrescentam-se aqui os exemplos de santos dos quais uns exerceram reinados, como Davi, Josias, Ezequias; outros satrapias, como José e Daniel; outros governos civis, em um povo livre, como Moisés, Josué e os Juízes, cujas funções o Senhor declarou que foram por ele aprovadas.

     Portanto, a ninguém mais deve ser duvidoso que a potestade civil seja vocação não só santa e legítima diante de Deus, mas até a mais sagrada e a mais honrosa de todas em toda a vida dos mortais.

Por João Calvino
Institutas Vol IV, Capítulo XX

quinta-feira, 16 de agosto de 2018

O Cristão e a Política: Da Administração Política




Série Política Reformada

1. DA NECESSIDADE E IMPORTÂNCIA DE FOCALIZAR-SE O PODER CIVIL E SUA RELAÇÃO COM O PODER ESPIRITUAL

Com efeito, uma vez que já previamente declaramos o duplo governo no homem e dentre esses um que foi posto na alma, ou no homem interior, e que visa à vida eterna, o que discorremos em outro lugar com suficiente amplitude, é chegado aqui o lugar onde dissertaremos um pouco acerca também do outro, a saber, o que diz respeito apenas ao estabelecimento da justiça civil e a justiça exterior dos costumes. Ora, ainda que o teor desta consideração pareça ser em natureza distinto da doutrina espiritual da fé, o qual me propuz haver de tratar, contudo o andamento da matéria mostrará que com razão tenho que enfrentá-la, mais ainda, sou impelido pela necessidade a fazer isso, especialmente porque, de uma parte, homens dementes e bárbaros tentam furiosamente subverter esta ordem divinamente estabelecida; de outra, porém, os aduladores dos príncipes, exaltando-lhes desmedidamente o poder, não duvidam opô-la ao domínio do próprio Deus. A menos que se resista a um e outro desses dois males, a integridade da fé perecerá. Acrescenta-se a isto que nos é coisa muito útil para permanecer no temor de Deus saber quão imensa é sua benignidade nesta parte ao prover tão bem o gênero humano, a fim de que com isso nos sintamos mais estimulados a servi-lo para dar testemunho de que não lhe somos ingrato.

     De princípio, antes que entremos na própria matéria, deve-se levar em conta aquela distinção por nós anteriormente estabelecida, de sorte que, a um tempo, não misturemos imprudentemente, o que comumente sucede a muitos, estas duas coisas que têm natureza inteiramente diversa. Porque, quando ouvem que no evangelho se promete uma liberdade que, segundo se diz, não reconhece a nenhum rei e a nenhum magistrado, antes, pelo contrário, visa somente a Cristo, não podem compreender qual é o fruto de sua liberdade enquanto vêem alguma autoridade sobre eles. Por isso, julgam que nada pode estar a salvo, a menos que o mundo inteiro adote uma nova forma, na qual não existam juízes, nem leis, nem magistrados, nem outras coisas semelhantes com que estimam que sua liberdade é cortada.

     Mas quem sabe discernir entre o corpo e a alma, entre esta vida presente e transitória, e aquela vida futura e eterna, não terá dificuldade em entender que o reino espiritual de Cristo e a ordem civil são coisas muitíssimo distintas entre si. E visto ser uma loucura judaica buscar e incluir o reino de Cristo sob os elementos deste mundo, nós, refletindo melhor ser um fruto espiritual o que a Escritura claramente ensina, fruto que se colhe do benefício de Cristo, nos lembramos ainda mais de conter dentro de seus limites toda esta liberdade que nele nos é prometida e oferecida. Ora, por que é que o próprio Apóstolo, que ordena que nos postemos firmes, não nos sujeitando ao jugo da servidão [Gl 5.1], em outro lugar veda que os servos estejam anciosos quanto a seu estado [1Co 7.21], senão porque a liberdade espiritual pode persistir muito bem lado a lado com a sujeição política? Além disso, neste sentido devem ser tomadas estas afirmações suas: “No reino de Deus não há judeu nem grego, nem macho nem fêmea, nem servo nem livre” [Gl 3.28]; de igual modo: “Não há judeu nem grego, nem incircuncisão nem circuncisão, bárbaro, cita, servo, livre; pelo contrário, Cristo é tudo em todos” [Cl 3.11]. Afirmações com as quais significa que não importa em que condição estejas entre os homens, sob as leis de que país vivas, uma vez que o reino de Cristo está mui longe de se situar nessas coisas.

2. O REINO DE DEUS E O GOVERNO CIVIL, EMBORA DISTINTOS EM NATUREZA E FUNÇÃO, NÃO SE EXCLUEM MUTUAMENTE, NEM SÃO INCOMPATÍVEIS ENTRE SI

     Apesar disso, esta distinção não serve para que tenhamos a ordem social como uma coisa imunda e que não é pertinente aos cristãos. É verdade que os espíritos utópicos e fanáticos, que não buscam senão uma licença desenfreada, falam dessa maneira atualmente e afirmam que, posto que já morremos em Cristo para os elementos deste mundo e já fomos trasladados ao reino de Deus entre os habitantes do céu, é coisa ignóbil e vil para nós e indigna de nossa excelência nos ocuparmos dessas preocupações imundas e profanas concernentes aos negócios deste mundo, dos quais os cristãos devem afastar-se o máximo possível. A que propósito, dizem eles, servem leis sem juízos e tribunais? Todavia, que o homem cristão tem a ver com os próprios juízos? Com efeito, se não é lícito matar, a que nos servem leis e juízos?      Mas, como há pouco chamamos a atenção dizendo que este gênero de governo é distinto daquele reino espiritual e interior de Cristo, devemos também saber que de forma alguma é contrário a ele. Ora, este reino espiritual começa justamente aqui na terra em nós uma certa prelibação do reino celeste, e de certo modo auspicia nesta vida mortal e passageira a bem-aventurança imortal e incorruptível. Mas o objetivo do governo temporal é manter e conservar o culto divino externo, a doutrina e religião em sua pureza, o estado da Igreja em sua integridade, levar-nos a viver com toda justiça, segundo o exige a convivência dos homens durante todo o tempo que vivermos entre eles, instruir-nos numa justiça social, fomentar a harmonia mútua, manter e conservar a paz e tranqüilidade comuns, coisas essas que reconheço serem supérfluas, se o reino de Deus, como ora se acha entre nós, extingue a presente vida.

     Se, pelo contrário, for a vontade de Deus que, enquanto aspiramos à verdadeira piedade, peregrinemos sobre a terra, enquanto suspiramos por nossa verdadeira pátria; e se, além do mais, tais auxílios nos forem necessários para nossa jornada, aqueles que querem privar aos homens delas, os querem impedir que sejam homens. Ora, a respeito do que alegam, que deve haver na Igreja de Deus tal perfeição que façam as vezes de quantas leis demandem, tal imaginação é uma insensatez, pois jamais poderá existir tal perfeição em qualquer sociedade humana. Pois, como tão grande é a insolência dos réprobos, tão contumaz sua impiedade, que mal se deixa coibir pela extrema severidade das leis, que esperamos que eles façam, se vêem sua improbidade patentear-se em impune desbragamento, os quais nem pela força se deixam compelir para que não procedam mal?

3. NATUREZA E FUNÇÃO DO GOVERNO CIVIL, MESMO EM REFERÊNCIA À RELIGIÃO, E SUA TRÍPLICE ORDEM DE ELEMENTOS A CONSIDERAR-SE: MAGISTRADOS, LEIS E POVO
Mas, quando for mais oportuno falaremos da operação do governo civil em seu devido lugar. Agora queremos que seja entendido apenas isto: é desumana barbárie cogitar que esta ordem seja exterminada, cuja necessidade não é menor entre os homens do que a do pão, da água, do sol e do ar; e sua dignidade, certamente, é até muito mais eminente. Pois atenta não apenas para aquilo que todos os homens respiram, comem, bebem e sejam mantidos confortáveis, ainda que certamente abranja a todas estas coisas, enquanto provê que vivam juntos; insisto, contudo, que se deve atentar não só para isso, mas também que a idolatria, os sacrilégios contra o nome de Deus, as blasfêmias contra sua verdade e outras ofensas da religião não emerjam publicamente e se espalhem entre o povo, para que não se perturbe o sossego público; que cada um possua o que é propriamente seu; que os homens mantenham entre si transações justas; que se cultive honestidade e modéstia entre eles; enfim, que entre os cristãos subsista a expressão pública da religião, seja a humanidade firmemente estabelecida entre os homens.

     Ninguém se perturbe crendo que estou agora a atribuir ao governo dos homens o cuidado de corretamente estabelecer-se a religião, que acima pareço haver posto além do arbítrio de homens, visto que, aqui em nada diferente do que disse antes, estou permitindo ao homens que elaborem a seu arbítrio leis quanto à religião e ao culto de Deus, quando aprovo uma ordem civil que faça com que a verdadeira religião, que está contida na lei de Deus, não seja abertamente e por sacrilégios públicos impunemente violada e conspurcada. Mas, ajudados pela própria perspicuidade da disposição, os leitores compreenderão melhor qual é o consenso de toda a matéria da administração política, se examinarmos suas partes, separada e minuciosamente. De fato suas partes são três: o magistrado, que é o defensor e guardião das leis; as leis, segundo as quais ele governa; o povo, que é regido pelas leis e obedece ao magistrado. Vejamos, pois, em primeiro lugar, quanto à própria função do magistrado, se porventura seja vocação legítima e aprovada por Deus, de que natureza é o ofício, quão grande é o poder; em seguida, de que leis um governo cristão deva ser constituído; então, finalmente, que benefício resulte das leis ao povo, que se deva obediência ao magistrado.

Por João Calvino
Institutas, Volume IV – Capítulo XX

William Wilberforce: um modelo de vida pública


Série Política Reformada
Por Pedro Paulo Valente
“O Deus todo-poderoso tem colocado sobre mim dois grandes objetivos: a supressão do comércio escravocrata e a reforma dos costumes”.
William Wilberforce
“E não nos cansemos de fazer o bem, pois no tempo próprio colheremos, se não desanimarmos”.
Gálatas 6.9

O “maldito comércio de escravos”

No século 18, a Inglaterra detinha o monopólio do comércio de escravos negros. Os meios de transporte eram os mais cruéis imagináveis. Boa parte da população inglesa tirava proveito desse comércio, e o povo, de maneira geral, aceitava a escravidão. Havia aqueles que enriqueciam e, por isso, defendiam com veemência o escravagismo. Mas Deus graciosamente ergueu uma geração de políticos cristãos para lutar contra o que William Carey chamou de “maldito comércio de escravos”.

Vida – Preciosa Graça

É surpreendente que nenhum grande reformador da história ocidental seja tão pouco conhecido como William Wilberforce. Ele nasceu numa família nobre da Inglaterra, na cidade portuária de Hull, em Yorkshire, em 24 de agosto de 1759. Naquela época, como hoje, a aristocracia vivia em meio a contradições: nela se encontravam alguns dos grandes benfeitores da nação e alguns de seus maiores corruptores. Wilberforce era fruto dessas ambiguidades.

Após estudar em uma escola em Pocklington, foi aceito em 1776 no St. John’s College, na Universidade de Cambridge, onde decidiu dedicar-se à carreira política, tendo sido eleito representante de seu povoado aos 21 anos de idade. Além de repartir o dinheiro que possuía, mandou fazer um grande churrasco para todo o vilarejo, o que lhe valeu um bom número de votantes. Aos 24 anos, já era um político famoso por sua eloquência e acabou por ser eleito representante de Yorkshire, o maior e mais importante condado da Inglaterra, chegando a Londres cheio de popularidade.

Em 1784, ainda aos 24 anos de idade, partiu para uma viagem a Nice, na França, que traria grande transformação em seu caráter. Levou consigo a mãe, Elizabeth, a irmã Sally, uma amiga dela e Isaac Milner, seu antigo professor primário, e que veio a se tornar presidente do Queen’s College, na Universidade de Cambridge. Na bagagem de Milner, Wilberforce viu uma cópia do livro de Philip Doddridge – mais conhecido por ter escrito o famoso hino “Oh! Happy Day” [Oh! Dia Feliz!] -, The Rise and Progress of Religion in the Soul [O começo e o progresso da religião na alma]. Ele perguntou para seu amigo o que era aquilo e recebeu a resposta: “Um dos melhores livros já escritos”. Os dois concordaram em lê-lo juntos na jornada.

A leitura desse livro e das Escrituras, acompanhada de conversas com Milner, levaram o jovem político à conversão. Ele declarou em seu diário, em fins de outubro daquele ano:

Assim que me compenetrei com seriedade, a profunda culpa e tenebrosa ingratidão de minha vida pregressa vieram sobre mim com toda sua força, condenei-me por ter perdido tempo precioso, oportunidades e talentos […]. Não foi tanto o temor da punição que me afetou, mas um senso de minha grande pecaminosidade por ter negligenciado por tanto tempo as misericórdias indescritíveis de meu Deus e Senhor. Eu me encho de tristeza. Duvido que algum ser humano tenha sofrido tanto quanto eu sofri naqueles meses.

Wilberforce começou um programa que durou toda sua vida, de separar os domingos e um intervalo a cada manhã para se dedicar à oração e às leituras espirituais.

Uma longa e dura luta

Já de volta a Londres, a vida de Wilberforce tomou novos rumos. Ele considerou suas opções, inclusive o ministério cristão, mas foi convencido por John Newton que Deus o queria permanecendo na política, em vez de entrar para o ministério. “Espera e crê que o Senhor te levantou para o bem da nação”, escreveu Newton.

Depois de muito pensar e orar, Wilberforce concluiu que Newton estava certo. Deus o chamara para defender a liberdade dos oprimidos como parlamentar. “Minha caminhada é de vida pública. Meu negócio está no mundo, e é necessário que eu me misture nas assembleias dos homens ou deixe o cargo que a Providência parece ter-me imposto”, escreveu em seu diário, em 1788.

Outro que o influenciou fortemente foi John Wesley. Newton e Wesley tinham, além de uma fé vibrante no evangelho, uma forte convicção de que não havia maior pecado pesando sobre as costas do Império Britânico do que o terrível e abominável tráfico de escravos, que Wesley batizara de “execrável vileza”.

Bruce Shelley diz que os ingleses entraram nesse comércio em 1562, quando Sir John Hawkins pegou uma carga de escravos em Serra Leoa e a vendeu em São Domingos. Então, depois que a monarquia foi restaurada em 1660, o rei Carlos II deu uma concessão especial para uma companhia que levava três mil escravos por ano para as Índias Orientais. A partir daí, o comércio cresceu e atingiu enormes proporções. Em 1770, os navios ingleses transportavam mais da metade dos cem mil escravos vindos da África Oriental. Muitos ingleses consideravam o tráfico de escravos inseparavelmente ligado ao comércio e à segurança nacional da Grã-Bretanha.

John Wesley escreveu sua última carta a Wilberforce, em 24 de fevereiro de 1791, seis dias antes de morrer, encorajando-o a executar o plano da abolição da escravatura. Um parágrafo dessa carta diz o seguinte: “Oh! Não vos desanimeis de fazer o bem. Ide avante, em nome de Deus, e na força do seu poder, até que desapareça a escravidão americana, a mais vil que o sol já iluminou”.

Foi por conta dessas influências que Wilberforce decidiu dedicar toda a força de sua juventude e todo o talento que tinha a um único objetivo que consumiria toda sua vida: a abolição do tráfico negreiro. Algum tempo depois, num domingo, 28 de outubro de 1787, ele escreveu em seu diário as palavras que se tornaram famosas: “O Deus todo-poderoso tem colocado sobre mim dois grandes objetivos: a supressão do comércio escravocrata e a reforma dos costumes”.

Uma fonte de estímulo nessa luta foi sua participação ativa no chamado Grupo de Clapham (Clapham Sect), constituído de pessoas ricas cujas residências ficavam em Clapham, um elegante bairro localizado a 8 quilômetros de Londres, que apoiava muitos líderes leigos na busca de uma reforma social, liderados por um humilde ministro anglicano, John Venn. Como destacam Clouse, Pierard & Yamauchi, o Grupo de Clapham foi, de longe, a mais importante expressão anglicana na esfera da ação social. Esse grupo de leigos geralmente se reunia para estudar a Bíblia, orar e dialogar na biblioteca oval de Henry Thornton, um rico banqueiro que todo ano doava grande parte de seus rendimentos para a filantropia.

Outros que participavam do grupo eram: Charles Grant, presidente da Companhia das Índias Orientais; James Stephens, cujo filho, chefe do Departamento Colonial, auxiliou bastante os missionários nas colônias; John Shore, Lorde Teignmouth, governador-geral da Índia e primeiro presidente da Sociedade Bíblica Britânica e Estrangeira; Zachary Macauley, editor do Observador Cristão; Thomas Clarkson, famoso líder abolicionista; a educadora Hannah More, além de outros líderes evangélicos. Dentre várias atividades, eles ajudaram a fundar a colônia de Serra Leoa, onde escravos libertos poderiam viver livres.

Clouse, Pierard & Yamauchi dizem: Este grupo uniu-se numa intimidade e solidariedade incríveis, quase como uma grande família. Eles se visitavam e moravam um na casa do outro, tanto em Clapham, como na própria Londres e no campo. Ficaram conhecidos como ‘os Santos’ por causa de seu fervor religioso e desejo de estabelecer a retidão no país. Vários comentaristas observaram que eles planejavam e trabalhavam com um comitê que estava sempre reunido em ‘conselhos de gabinete’ em suas residências pata discutir o que precisava ser consertado e estratégias que poderiam usar para alcançar seus objetivos.

Neste grupo, discutiam os erros e as injustiças de seu país, e as batalhas que teriam de travar para estabelecer a justiça.

Os membros do Grupo de Clapham demonstraram a diferença que um grupo de cristãos pode fazer. Eles elaboraram 12 marcas que nortearam seu esforço pela reforma social na Inglaterra do século 19:

1. Estabeleça objetivos claros e específicos.
2. Pesquise cuidadosamente para produzir uma proposta realista e irrefutável.
3. Construa uma comunidade comprometida que apoie uns aos outros. A batalha não pode ser vencida sozinha.
4. Não aceite retiradas como uma derrota final.
5. Comprometa-se a lutar de forma contínua, mesmo que a luta demore décadas.
6. Mantenha o foco nas questões; não permita que os ataques malignos de oponentes o distraiam ou provoquem resposta similar.
7. Demonstre empatia com a posição do oponente, de forma que diálogo significativo aconteça.
8. Aceite ganhos parciais quando tudo o que é desejado não puder ser obtido de uma só vez.
9. Cultive e apóie suas bases populares quando outros, que estiverem no poder, se opuserem a seus projetos.
10. Transcenda à mentalidade simplista e direcione-se às questões maiores, principalmente as que envolvem questões éticas!
11. Trabalhe através de canais reconhecidos, sem lançar mão de táticas sujas ou violentas.
12. Prossiga com senso de missão e convicção de que Deus o guiará providencialmente se estiver verdadeiramente a seu serviço.

Em 1797, Wilberforce publicou um livro intitulado Practical View of Real Christianity [Panorama prático do cristianismo verdadeiro], amplamente lido e ainda publicado, que evidenciava o interesse evangélico na redenção como a única força regeneradora, na justificação pela graça por meio da fé e na leitura da Escritura em dependência ao Espírito Santo, ou seja, numa piedade prática que redundasse em serviço relevante para a sociedade. Nessa obra, ele disse sobre o cristianismo verdadeiro:

“Eu compreendo que a marca prática e essencial dos verdadeiros cristãos é a seguinte: que os pecadores arrependidos, confiando na promessa de serem aceitos [por Deus], mediante o Redentor, têm renunciado e abjurado todos os outros senhores, e têm de maneira integral se devotado a Deus. Agora, seu propósito determinado é se dedicar integralmente ao justo serviço do legítimo Soberano. Eles não mais pertencem a si mesmos: todas as faculdades físicas e mentais, sua herança, sua essência, sua autoridade, seu tempo, sua influência, tudo o que desconsideram como sendo seus […] devem ser consagrados em honra a Deus e empregados a seu serviço.”

E sobre o poder e o direito:

“Eu devo confessar […] que minhas próprias [e sólidas] esperanças pelo bem-estar do meu país não depende de seus navios e exércitos, nem da sabedoria de seus governantes, ou ainda do espírito de seu povo, mas sim da [capacidade de] persuasão de todos aqueles que amam e obedecem ao evangelho de Cristo.”

No tempo de Deus

Wilberforce e seus amigos do Grupo de Clapham também ajudaram a fundar escolas cristãs para os pobres, a reformar as prisões, a combater a pornografia, a realizar missões cristãs no estrangeiro e a batalhar pela liberdade religiosa. Mas Wilberforce acabou por se tornar mais conhecido por seu compromisso incansável pela abolição de escravidão e do comércio de escravos.

Sua luta começou por volta de 1787 – ele já era parlamentar desde 1780. Haviam pedido a Wilberforce que propusesse a abolição do comércio de escravos, embora quase todos os ingleses achassem a escravidão necessária, ainda que desagradável, e que a ruína econômica certamente viria ao acabar com a escravidão. Apenas uns poucos achavam o comércio de escravos errado. A pesquisa de Wilberforce o pressionou até conclusões dolorosamente claras. “Tão enorme, tão terrível, tão irremediável aparentou a maldade desse comércio que minha mente ficou inteiramente decidida em favor da abolição”, disse ele à Casa dos Comuns: “Sejam quais forem as consequências, deste momento em diante estou resolvido que não descansarei até efetuar sua abolição.” Wilberforce falou primeiramente sobre o comércio de escravos na Casa de Câmara dos Comuns em 1788, num discurso de três horas e meia, que concluiu dizendo: “Senhor, quando nós pensamos na eternidade e em suas futuras consequências sobre toda conduta humana, se existe esta vida, o que esta fará a qualquer homem que contradisser as ordens de sua consciência e os princípios da justiça e da lei de Deus!”. Sua luta custou-lhe dezoito anos de trabalho incansável.

Os feitos de Wilberforce foram realizados em meio a tremendos desafios. Ele era um homem de constituição fraca e com uma fé desprezada. Quanto à tarefa, enquanto a prática da escravatura era quase universalmente aceita, o comércio de escravos era tão importante para a economia do Império Britânico quanto é a indústria de armamentos para os Estados Unidos hoje. Quanto à sua oposição, incluía poderosos interesses mercantis e coloniais e personalidades como o famoso Almirante Horacio Nelson e a maior parte da família real. E quanto à sua perseverança, Wilberforce continuou incansavelmente, anos a fio, antes de alcançar seu alvo. Sempre desprezado, ele foi duas vezes assaltado e surrado. Certa vez, um amigo lhe escreveu, dizendo-lhe que, do jeito que as coisas andavam, “eu espero ouvir dizer que foste carbonizado por algum dono de fazenda das Índias Ocidentais, feito churrasco por mercadores africanos e comido por capitães da Guiné, mas não desanime – eu escreverei o seu epitáfio!”.

O comércio de escravos foi finalmente abolido em 25 de março de 1806. Quando a lei foi aprovada, todo o Parlamento se pôs de pé e aplaudiu Wilberforce por vários minutos, enquanto ele, já desgastado pelos anos, chorava com o rosto entre as mãos.

Ele continuou a campanha contra a escravidão em todos os territórios britânicos, e o voto crucial da famosa Lei de Emancipação chegou quatro dias antes de sua morte, em 29 de julho de 1833.

Por conta da decisão parlamentar, poderosa como era e não querendo ser lesada em seus interesses, a Grã-Bretanha declarou ao mundo que nem ela nem ninguém mais poderia traficar escravos. Além disso, tornou-se a guardiã dos mares. Logo, Portugal e Bélgica, as duas nações rivais, tiveram também de parar com o tráfico, por força do poderio naval inglês.

Um ano depois da morte de Wilberforce, em julho de 1834, 800 mil escravos, principalmente na Índia Ocidental britânica, foram libertos. Em pouco tempo, a maior parte dos países ocidentais aboliria a escravidão em definitivo.

Uma vida de fé coerente

A vida de William Wilberforce é uma inspiração para todo cristão. A sua conversão genuína e o desdobramento desta fé no seu cotidiano o levou a uma decisão importante, entre ser pastor ou usar seus talentos e dons para promover profundas mudanças estruturais na sociedade britânica para a glória de Deus.

Wilberforce viveu de forma coerente com suas convicções e consciência, sempre as submetendo ao crivo da Palavra de Deus. Ele rompeu com o pensamento perverso de sua geração sobre a escravidão e lutou em prol da justiça e a promoção do reino de Deus. Com perseverança e ligado a Cristo, William mostrou que não há espaço para conformismo e omissão na vida cristã, nos lembrando das palavras do apóstolo Paulo: “E não nos cansemos de fazer bem, porque a seu tempo ceifaremos, se não houvermos desfalecido” (Gl 6:9) e insistiu novamente aos cristão de Tessalônica: “irmãos, nunca se cansem de fazer o bem” (II Ts 3:13).

Material consultado
• CLOUSE, Robert; PIERARD, Richard; YAMAUCHI, Edwin. Dois reinos: a igreja e a cultura interagindo ao longo dos séculos. São Paulo: Cultura Cristã, 2003, p. 413-20.
• GUINNESS, Os. O chamado. São Paulo: Cultura Cristã, 2001, p. 35-43. KERR NETO, Guilherme. O inglês que acabou com o tráfico negreiro.
• Ultimato, n.º 245, mar./1997, p. 28.
• NOIL, Mark. Momentos decisivos na história do cristianismo. São Paulo: Cultura Cristã, 2001, p. 256-81.
• SHAW, Mark. Lições de mestre: 10 insights para a edificação da igreja local. São Paulo: Mundo Cristão, 2004, p. 203-24.
• SHELLEY, Bruce L. História do cristianismo ao alcance de todos. São Paulo: Shedd, 2004, p. 407-16.
• WESTPHAL, Euler. A ética social na teologia de John Wesley. Vox Scripturae, 7/2, dez./1997, p. 83-97.

Nota
Aula organizada a partir do artigo “William Wilberforce: “Todos vós sois um em Cristo Jesus”” de direitos autorais de RENAS – Rede Evangélica Nacional de Ação Social.
Copyright © 2005-2011. Conteúdo publicado originalmente no blog UPAPO ED.

• Pedro Paulo Valente é obreiro de jovens na Igreja Presbiteriana de Viçosa.

Fonte: Ultimatoonline

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