segunda-feira, 7 de abril de 2014

Porta de saída

Por que tantos crentes têm deixado suas igrejas?

Porta de saída
A Palavra de Deus ensina que os crentes formam a família de Deus. O Corpo de Cristo, no modelo bíblico, deve perseverar na caminhada cristã em unidade de espírito e em amor, assim como os fiéis da Igreja primitiva estavam unidos em torno da doutrina dos apóstolos, do partir do pão e da oração, conforme o relato de Atos 2.42. Dessa forma, quem é salvo por Cristo e, assim, pertence à família da fé, o organismo místico que congrega aqueles que um dia foram lavados pelo sangue do Cordeiro, precisam permanecer unidos para funcionarem adequadamente. Nunca se viu uma orelha ou um pé andando por aí, sozinhos, porque se cansaram do corpo do qual faziam parte! A própria parábola da ovelha perdida, registrada em Lucas 15, demonstra que a vontade do Senhor é de que nem um crente sequer fique separado do rebanho. A Carta aos Hebreus ainda admoesta o cristão a não abandonar a sua igreja local, como era o costume de alguns já naquela época.
No entanto, o que temos observado nos arraiais evangélicos é algo bem diferente disso. Já é comum encontrarmos, em nossas igrejas – ou melhor, fora delas –, crentes que se cansaram de ser corpo. Os mais variados motivos são alegados; alguns dos quais, muito razoáveis, como fadiga espiritual, cansaço com modelos eclesiásticos pesados e opressores demais, frustração com a falta de resultados da espiritualidade na vida prática etc. Há quem, ainda, alegue motivos de ordem pessoal, como a intenção de se dedicar mais a projetos próprios ou o desejo de congregar em grupos mais restritos e homogêneos, longe do burburinho eclesiástico. Não há como deixar de fazer juízos de valor acerca de cada uma dessas afirmativas, mas é preciso, para ser justo, avaliar algumas delas à luz do Evangelho e da própria trajetória recente do movimento evangélico no Brasil.
Houve um tempo em que a conversão era tratada como um assunto sério. Tornar-se crente implicava em renúncia. O recém-convertido era estimulado a dar espaço à ação do Espírito Santo em sua vida e abandonar a prática deliberada do pecado. O crente era conhecido como o sujeito que abandonou a bebida, o fumo e a dissolução para viver em novidade de vida, de acordo com os ensinos da Palavra de Deus. E esse processo passava, necessariamente, pela igreja. Essa ruptura com o mundo gerava no indivíduo uma noção arraigada de pertencimento ao grupo pelo qual conhecera o Evangelho.
Pelo batismo, o novo crente se vinculava a uma família de fé – a igreja local – e nela construía, ou reconstruía, a sua vida. Era na igreja que ele conquistava amizades profundas e duradouras. As atividades eclesiásticas ocupavam boa parte de sua agenda, e uma das prioridades essenciais era participar dos cultos, colaborar e submeter-se, em amor, às lideranças e desenvolver ministérios voltados para a congregação. Assim, a pessoa, juntamente com sua família, passava anos e até décadas numa mesma denominação, o que gerava uma inarredável identidade confessional. "Sou batista"; ou "sou assembleiano"; ou, ainda, "pertenço à Igreja Quadrangular", era o tipo de resposta que um evangélico dava acerca de sua confissão. Havia identidade com o grupo. A igreja era uma extensão da vida do indivíduo, importante e relevante referência pessoal.
Isso está cada vez mais raro. Nos últimos anos, é possível constatar muita gente se tornando evangélica sem se converter. Busca-se uma igreja ou leva-se para ali uma oferta financeira ou o dízimo em busca apenas de uma recompensa material. As novas igrejas neopentecostais, justamente o grupo religioso que mais cresceu no país nas últimas décadas, redefiniram a conversão. Ser salvo, hoje, não significa ser salvo do pecado, do inferno, da inimizade com Deus, mas sim, ser salvo da dívida, da doença e da pobreza para uma vida de prestígio e sucesso financeiro. Assim, o crente, transformado em consumidor, circula de igreja em igreja em busca dos melhores produtos – e exige ser atendido imediatamente, como um cliente zeloso que paga a fatura e quer levar o produto. Não existe mais interesse e nem tempo para se construir um projeto de vida espiritual a médio e longo prazos. O crente moderno tem pressa em ser atendido. Se não o for num lugar, partirá em busca de outras opções.
Com isso, a experiência do sagrado passa a ser múltipla, ao invés de ligada a um ou, no máximo, poucos grupos eclesiásticos ao longo da vida. "Os migrantes religiosos geralmente recusam laços de pertença definida, e apegam-se a crenças e práticas que lhes parecem melhor adequar-se a si e ao estilo de vida que escolheram", diz o professor Alessandro Bartz, da Escola Superior de Teologia de São Leopoldo (RS). E, diante do fracasso das soluções mágicas, um grande contingente acabas abandonando tudo, passando a engrossar as estatísticas dos desviados da fé.
PORTA AFORA
As próprias igrejas, muitas e muitas vezes, se encarregam de empurrar seus membros porta afora. Não há prestação de contas à congregação, tanto das questões financeiras quanto morais, e a enorme distância entre o pastor e a ovelha é uma constante. O fiel não encontra na igreja aquele ambiente acolhedor para suas angústias e carências espirituais; ao contrário, o ambiente é competitivo, com membros passando a perna uns nos outros em busca de cargos e notoriedade, e isso acontece também devido a modelos adoecidos de liderança. Além disso, não há propostas estimulantes e falta uma mensagem relevante, que ofereça alternativas interessantes àquilo que os membros, sobretudo os mais jovens, encontram fora da igreja. Assim, o culto se torna um ajuntamento chato e sem sentido, com a repetição de liturgias e jargões desprovidos de sentido prático e de uma espiritualidade genuína.
Ao mesmo tempo, o crente sofre o assédio do hedonismo, vertente filosófica da era pós-socrática que professa que o prazer é o bem supremo da vida. Alguém já disse que três coisas movem a sociedade brasileira: sexo, cartão de crédito e drogas. Muitos crentes não escapam disso. Surgiu no seio da Igreja Evangélica brasileira uma geração que não tem mais qualquer disposição para sofrer pelo Evangelho. A busca da gratificação imediata ocupa um espaço considerável na agenda de muitos. As próprias músicas cantadas hoje demonstram tal atitude. Uma delas diz: "Sei que hoje é meu dia, chegou a minha vez". Verbos e termos importantes da fé cristã – como esperar, sofrer, compartilhar, humilhar-se e arrepender-se – foram substituídos por outros, mais de acordo com os tempos em que vivemos: conquistar, vencer, tomar posse e determinar.
O grupo dos desigrejados não para de se avolumar, também, porque uma grande parte da Igreja brasileira perdeu o interesse pelo ensino da Palavra de Deus. O livro A cabana, best-seller de William P.Young, fala com desdém sobre a Escola Bíblica dominical, centenária instituição cristã que deveria estar na base de qualquer igreja que se confessa cristã. Hoje, no entanto, tudo o que muitas igrejas precisam é de um salão com dois banheiros. Não há preocupação em montar uma estrutura de ensino para se atender crianças, adolescentes, jovens e adultos em suas necessidades de conhecimento da Palavra. Geralmente, são muitos cultos por dia, algo que impossibilita o ensino sistemático e consistente da Bíblia.
Existe hoje, no Brasil, uma Igreja Evangélica que não conhece mais a sua história, suas origens e sua teologia. Esses herdeiros da Reforma Protestante desconhecem por completo suas doutrinas, tais como a justificação pela fé, a eleição, a regeneração e a graça salvadora. Por isso, sua crença é débil, sem fundamentação nas Escrituras e na tradição cristã, e faltam-lhe alicerces seguros. Por outro lado, mesmo naquelas denominações onde o estudo da Palavra e a mensagem são consistentes, outras situações são alegadas pelos membros para se afastarem delas: são as contrariedades, decepções ou conflitos comuns a qualquer agrupamento humano, e não deixaria de ser assim nas igrejas, formadas que são por seres humanos.
Porém, não era assim há tempos atrás. Se algo não ia bem numa igreja – se o fiel fosse maltratado pelo pastor ou por algum irmão, ou se suas expectativas não se cumpriam, ele aguardava, e por muito tempo, em oração e resignação. Sua esperança era de que Deus "faria a obra", mudando as coisas, transformando os corações e promovendo o reencontro. Ao mesmo tempo, o crente insatisfeito insistia em permanecer na igreja, colaborando, na medida do possível, para a melhoria das coisas e a escolha de prioridades que lhe pareciam mais acertadas. Ele sabia esperar. Suas raízes estavam fincadas ali e não era qualquer luta que o removeria do lugar onde Deus o colocara.
OVELHAS SOLITÁRIAS
É pena que a mentalidade evangélica tenha mudado tanto, e para pior. Milhões de evangélicos hoje, no Brasil, e principalmente nos grandes centros urbanos, estão, constantemente, circulando de igreja em igreja. Não criam raízes, não conseguem cultivar relacionamentos e são avessos aos compromissos que naturalmente surgem do relacionamento entre o fiel e sua igreja: a frequência aos cultos, a colaboração financeira, o envolvimento nas atividades congregacionais e o engajamento nos projetos da comunidade. Há muita gente, hoje, que prefere visitar uma mega-igreja de vez em quando e simplesmente diluir-se na multidão. Ali, a pessoa entra e sai sem ser notada ou cobrada de alguma coisa.
E quanto àqueles que preferem o chamado "Cristo em casa", ou seja, uma vivência de fé circunscrita ao próprio indivíduo, à sua família ou, no máximo, a um pequeno grupo de amigos que pode ser tudo, menos igreja? Para estes, congregar em uma igreja é algo arcaico e desestimulante. Preferem uma vida de crente não praticante, restringindo sua espiritualidade a práticas devocionais isoladas, sem a boa e enriquecedora troca de experiências e testemunhos, sem discipulado, sem orientação pastoral. Para estes, o risco do esfriamento completo da fé é mais elevado – afinal, ovelha, sozinha, é presa mais fácil para o lobo.
Paulo Romeiro é pastor da Igreja Cristã da Trindade, em São Paulo, e doutor em Ciências da Religião. É autor, entre outros, dos livros Evangélicos em crise e Decepcionados com a graça.
Fonte: Cristianismo Hoje

A Igreja sob risco?


Projetos de leis e ideologias de matriz secular compõem um panorama de enfrentamento à fé cristã.


A Igreja sob risco?
A fé cristã está sob risco no Brasil. Este é o alerta proclamado por líderes religiosos, igrejas, entidades cristãs, organizações confessionais e milhões de pessoas para quem, em um futuro próximo, as liberdades individuais – aí incluída a religiosa, insculpida como direito fundamental no artigo 5º da Constituição –, podem ser severamente afetadas. Não se trata do risco de uma ruptura institucional, como uma revolução, ou a possibilidade de guinada rumo a um regime avesso ao Cristianismo, como o foi o comunismo ao longo de boa parte do século 20. Não; as mudanças que têm ocorrido são perfeitamente legais, já que baseadas em processos legislativos previstos no Estado democrático de Direito. É aí que mora o perigo. Atualmente, tramitam no Congresso Nacional e em diversas Casas parlamentares estaduais e municipais uma série de projetos que, à primeira vista, visam apenas a promover o desenvolvimento de uma sociedade mais justa, pluralista e laica. Porém, alguns desses dispositivos podem não só interferir na expressão individual da fé como flexibilizar questões polêmicas para os cristãos, como a prática do aborto e o consumo de entorpecentes, além de introduzir novos entendimentos da ideia de família, dignidade humana e ética cristã – alguns dos quais, inconciliáveis com a Palavra de Deus.
A coisa não para por aí. O conjunto de projetos, propostas e substitutivos legais em tramitação nos Legislativos federal, estaduais e municipais mostra que o funcionamento das instituições religiosas também pode sofrer alterações, sobretudo em relação ao controle sobre os valores arrecadados e o uso desses recursos. As preocupações aumentaram a partir da tramitação do Projeto de Lei (PL) 122/06, a famigerada lei anti-homofobia, que acendeu a centelha de temores em amplos setores católicos e evangélicos. No texto original, ao tipificar como crime o cerceamento das liberdades da pessoa homossexual, a proposta abria margem para que um gay pudesse exigir de um pastor ou padre ser batizado, casado e recebido como membro da comunidade cristã nessa condição, ainda que isso contrarie os princípios da instituição. Os ministros poderiam ser processados, caso suas prédicas contra a homossexualidade fossem consideradas discriminatórias, ainda que baseadas na própria fé e moral cristã.
No dia 20 de novembro, a Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal votaria o substitutivo apresentado pelo relator da matéria, o senador gaúcho Paulo Paim, do PT. Com a sala lotada de pastores, representantes de entidades religiosas e políticos evangélicos, a proposta foi retirada de pauta. Houve um acordo entre Paim e as lideranças religiosas para tentar um maior entendimento em torno do texto final. É algo que parece impossível de se conseguir. Em tramitação há mais de 12 anos, o projeto, originado da Câmara dos Deputados, é uma amostra da queda-de-braço entre o segmento religioso e o Legislativo quando o assunto são temas ligados à moral e aos costumes. Tem sido assim desde que a Igreja começou a assumir destaque como ator político, a partir da Assembleia Nacional Constituinte de 1986. Organizados em bancadas religiosas suprapartidárias, parlamentares evangélicos e católicos deixam de lado suas diferenças teológicas para atuar em uma convergência de interesses.
Variadas esferas da vida pública têm sido afetadas nos últimos anos por uma série de iniciativas. A questão dos direitos e liberdades individuais e coletivos, por exemplo. Nas grandes cidades brasileiras, antigas práticas evangelísticas, como cultos ao ar livre e a simples distribuição de folhetos, têm sido cerceadas em nome de ordenamentos municipais. Já não se permite, nos trens suburbanos do Rio de Janeiro, a pregação da Palavra de Deus, sob a justificativa de que provoca incômodo e "constrangimento" aos adeptos de outros credos. "Existe um patrulhamento ideológico difuso, incentivado, por um lado, pelo Estado; e por outro, por setores organizados da sociedade, notadamente antipáticos ao Cristianismo", aponta o teólogo Paschoal Augusto Rheinner, membro da Igreja Metodista em Porto Alegre (RS), onde exerce o magistério cristão. Para ele, essa tendência tem se acentuado nos últimos anos. "Ao mesmo tempo em que o país desperta para agendas positivas, como o combate à discriminação de minorias e a valorização dos direitos humanos, ocorre um retrocesso quando vemos os poderes constituídos se envolvendo em questões que não lhe competem."
Segundo o teólogo, tem havido confusão entre os conceitos de laicidade e laicismo. "Estado laico é aquele que não tem ligação com qualquer confissão e assume uma posição de neutralidade perante as religiões, embora possa colaborar com elas em ações que visem ao bem comum", explica. "Nele, os professantes de qualquer crença, assim como os agnósticos e os ateus, têm respeitado seu direito de expressão". Já o laicismo, continua, é uma ideologia na qual a religião é vista de forma negativa. "Segundo o filósofo alemão Jürgem Habermas, uma autêntica democracia leiga estimula as instituições religiosas a que divulguem suas mensagens, oferecendo à sociedade matéria de reflexão de forma equânime". Rheinner entende que existe uma pressão política no sentido do laicismo, inspirada, entre outros, no modelo francês. "Desde o governo do socialista François Miterrand, nos anos 1980, a França tem caminhado nesta direção, proibindo por lei que cidadãos ostentem adereços pessoais que remetam à sua crença, como véus islâmicos e crucifixos". No Brasil, ele lembra o caso da terceira versão do Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3), que embute a determinação de se desenvolverem mecanismos para impedir a exibição de ostentação de símbolos religiosos cristãos em estabelecimentos da União. "Isso é uma compreensão equivocada do que se entende por laicidade. Tais símbolos não ofendem a liberdade religiosa de ninguém. Eles são elementos da nossa história, cultura e tradição."
"ABERRAÇÃO JURÍDICA"
"O que está em jogo, no Brasil, é a continuidade da democracia que tanto prezamos", receia o pastor Stênio de Oliveira, da Comunidade Cristã dos Discípulos de Curitiba (PR). "Quando se fala em punir um pai que corrija seu filho com uma palmada ou submeter a escrutínio externo as contas de uma igreja, que por força constitucional são imunes à interferência estatal, é razoável o temor". O pastor tem veiculado artigos nas redes sociais, alertando a sociedade em relação a uma escalada de pressões sobre o Cristianismo e seus valores no Brasil, incluindo aqueles restritos à esfera pessoal – caso do PL nº 7672/10, popularmente denominado como lei da palmada, que estabelece que os pais podem perder o poder familiar e até sofrer processos legais caso "pratiquem violência física" contra os filhos. "Isso é uma absurda tentativa de intromissão do Estado sobre questões de foro íntimo, típica de sistemas de governo autoritários". O mais perigoso, sustenta Oliveira, é que as regras são relativas, jogando sua interpretação e aplicação ao pantanoso terreno da subjetividade.
"No momento em que, mundialmente, advoga-se a tese do direito penal mínimo, isto é, uma diminuição dos tipos de conduta que se caracterizam como delito, o governo federal fomenta e investe na aprovação de um projeto de lei que, na sua primeira versão, chegou a prever a prisão de pastores que pregassem que a homossexualidade é pecado", critica o advogado Uziel Santana, presidente da Associação Nacional de Juristas Evangélicos e membro da Igreja Batista Betel, em Aracaju (SE). "O projeto ainda previa o fechamento de igrejas por até três meses. Isso é realmente preocupante, além de constituir uma aberração jurídica."
Doutorando em História do Direito pela Escola de Autos Estudos em Ciências Sociais de Paris, na França, Santana entende que o cenário legal do país ainda está sob a égide do conjunto de liberdades civis fundamentais conquistadas na Constituição Federal de 1988 – entre estas, destaca, a liberdade religiosa, de culto e de expressão. "Com a ascensão ao poder de um partido de esquerda, porém", assevera, "esse modelo democrático de liberdades passou a sofrer sérias tentativas daquilo que denominamos de capitis deminutio, isto é, relativização e ruptura. Vivemos, hoje, na chamada sociedade pós-cristã ou pós-moral, como preferem filósofos como o francês Gilles Lipovetsky, o que na Europa já está muito claro e definido. Há uma espécie de individualização ou internalização da fé, que outrora era expressa normalmente nas esferas institucionais e comuns da sociedade". Para Uziel Santana, o resultado disso é a supressão gradativa das manifestações públicas da fé. "Pelo que tenho visto nos discursos acadêmicos e na atuação de instituições como o Supremo Tribunal Federal, assim o será também no Brasil. Um simples exemplo para ilustrar esse percurso histórico é a impossibilidade que um jogador de futebol cristão tem hoje de, ao marcar um gol, comemorar mostrando uma camisa com frases em louvor a Deus. Isso já é considerado politicamente incorreto."
É preciso reconhecer que alguns exageros têm sido cometidos. A história recente do país mostra que iniciativas que supostamente causariam danos à fé cristã ou ao livre funcionamento das igrejas não acarretaram efeitos tão nocivos. Com o tempo, o que acabou acontecendo foi uma adaptação até mesmo benéfica. A Lei nº 6.515, de 1977, foi um bom exemplo. Anunciada como grave ameaça à família brasileira, a lei do divórcio foi satanizada dos púlpitos como tentativa maligna de destruir a família brasileira. Colaborou para isso o fato de que a separação conjugal era um tabu entre os evangélicos da época. Só que, com a entrada em vigor do novo dispositivo, a questão passou a ser vista sob novos ângulos, e a admissibilidade do divórcio em certos casos passou a ser uma realidade para muitas denominações. A partir dali, inúmeros crentes – pastores, inclusive – resolveram pôr fim a casamentos em crise, até então mantidos apenas por conveniência social. Há pouco mais de dez anos, a entrada em vigor do novo Código Civil (Lei nº 10.406) também assustou os evangélicos, que temiam ingerências no funcionamento das igrejas. Temeu-se até mesmo que templos seriam fechados e que os membros que transgredissem normas internas não mais pudessem ser disciplinados. Não se tem notícia de que uma única igreja tenha sido impedida de funcionar. O que se viu foi uma corrida pela modernização dos estatutos eclesiásticos à luz da nova legislação.
"Creio que a Igreja deve tomar cuidado com os que exageram nas propagandas contra projetos de lei natimortos em sua origem", opina o pastor presbiteriano André Mello. "Tenho muito mais preocupação com as leis de zoneamento urbano, que sempre foram injustas ao privilegiarem o catolicismo. O mesmo ocorre em relação às legislações contra emissão de ruído, seletiva para as igrejas e permissiva com as casas de shows". Ele critica o desconforto exagerado com algumas leis e a desatenção – ou simples desconhecimento – em relação a outras. "O fim da autonomia universitária, a restrição à liberdade de comunicação, o cerceamento da autonomia do mestre em sala de aula, a doutrinação das crianças com conceitos errôneos e a proibição de visitas hospitalares, bem como a vedação da reunião em condomínios e a supressão da educação confessional, são muito mais danosas, pois indicam uma tentativa de o Estado dar prosseguimento à nossa cultura autoritária de efetivo controle sobre o espaço do pensamento e a propriedade privada."
DESCONSTRUÇÃO
Uma conjuntura de fatores tem colaborado para alimentar uma crescente má vontade institucional contra os evangélicos, o que se reflete em tentativas de enfrentamento. A presença do deputado Marco Feliciano (PSC-SP) na presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDH) da Câmara dos Deputados foi uma espécie de estopim para arroubos de intolerância religiosa explícita. Conduzido ao cargo em fevereiro passado por uma negociação que envolveu a base parlamentar do governo, o deputado, eleito com 200 mil votos e pastor da Assembleia de Deus Catedral do Avivamento, igreja neopentecostal de São Paulo, sofreu todo tipo de ataques, nos quais se questionou até mesmo sua sexualidade. Tudo seria apenas por conta de suas posturas conservadoras e de declarações consideradas agressivas contra negros e gays – como quando disse que a homossexualidade é uma podridão e a Aids, uma doença gay? Há quem afirme que não. "Minha visão é que existem dois componentes explosivos no caso Feliciano. Primeiro, o fato de ele ser evangélico. Segundo,ter escolhido uma comissão que sempre foi um feudo dos gays", avalia o consultor legislativo do Senado Federal Rubem Amorese, crente presbiteriano e presidente da Missão Social Evangélica. "A CDH sempre foi deles, e dali o movimento homossexual emanava suas ideias, visões e orientações para toda a sociedade". Não por acaso, os maiores ataques a Feliciano partiram de grupos da militância gay e de adversários políticos como o deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ), que chegou ao Congresso empunhando a bandeira do arco-íris.
Réu por estelionato em uma ação penal e investigado em inquérito por discriminação, além de suspeito de usar o mandado em benefício de sua organização religiosa, Feliciano tornou-se mais conhecido como um brucutu homofóbico. Porém, a rejeição seria a mesma, caso o cargo na CDH fosse ocupado por qualquer outro evangélico, segundo Amorese. O mesmo sentimento, aliás, expresso contra qualquer posicionamento mais ruidoso da Igreja em relação a temas como a união civil homoafetiva, já que existe grande resistência evangélica à equiparação de parcerias entre dois homens ou duas mulheres ao casamento convencional. "Na verdade, os projetos sobre 'casamento gay' são bem antigos", continua Amorese. "Mas percebo uma mudança crescente nos últimos dez anos, e ela parece-me ligada à presença do PT no governo. O jeitão ideológico de donos da verdade é bem visível. Da forma de cultivar um jardim à questão gay, eles sabem de tudo e impõem esse saber à sociedade, seja em forma de leis, seja por decisões judiciais, seja publicando cartilhas para estudantes."
A reportagem tentou ouvir o ministro da Secretaria Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, mas as perguntas enviadas à sua assessoria não foram respondidas até o fechamento desta edição. A disseminação de conteúdos antifamília com patrocínio governamental é denunciada pela advogada Damares Alves. Assessora legislativa ligada à Frente Parlamentar Evangélica (FPE), ela acredita que esteja em curso um processo de destruição de valores morais na sociedade brasileira. "Movimento sociais influenciados pela teoria da desconstrução tiveram mais influência no governo PT do que em outros. Valores cristão foram e estão sendo colocados em cheque o tempo todo". Uma das evidências desse processo, ela diz, é a distribuição, nas escolas públicas, de material didático com apologia explícita à iniciação sexual precoce e à valorização do comportamento gay. "Há, na verdade, um projeto ideológico por trás de tudo isso. Esse fenômeno precisa ser observado e acompanhado por todos", defende.
Para Damares, a liberdade religiosa no país está ameaçada. Ela cita como exemplos as restrições cada vez maiores à ação evangélica em áreas indígenas, fato que tem gerado descontentamento não apenas entre as missões como por parte dos próprios povos indígenas, que veem-se alijados de serviços que não são supridos pelo governo federal, a quem compete a política indigenista nacional. "Outra iniciativa danosa é obrigar os hospitais do Sistema Único de Saúde a fazer aborto ou distribuir a pílula do dia seguinte [N.da Redação: esse tipo de medicamento é considerado abortivo, já que interrompe o desenvolvimento de um óvulo já fecundado] a mulheres que apenas aleguem terem tido uma relação sexual não consentida. Isso vai obrigar os hospitais confessionais a se retirarem da rede pública", argumenta.
Uma das atividades da FPE é o monitoramento do movimento legislativo, identificando propostas que, de alguma maneira, possam afetar os evangélicos. "Nossa lista passa de 800 itens", diz Damares. Segundo ela, o maior desafio, hoje, é a reforma do Código Penal, através do PL 236/2012, do Senado Federal. Sob a justificativa lógica de que é preciso reformar uma legislação que remonta aos anos 1940, os legisladores querem tocar em assuntos delicados, como a redução da idade que caracteriza o estupro em uma relação sexual de 14 para doze anos. "Isso seria o mesmo que legalizar a pedofilia", protesta o deputado João Campos (PSDB-GO), um dos líderes da Frente Evangélica no Congresso, que conta com 68 deputados e três senadores. "Somos a favor de mudanças, desde que no sentido de endurecer a legislação penal para diminuir a criminalidade e a impunidade neste país", frisa o deputado. Boa parte desses parlamentares têm participado de reuniões com as presidências das duas Casas e as lideranças partidárias, no sentido de aprofundar o debate em torno do texto proposto, que foi elaborado por uma comissão de juristas sob a coordenação do ministro Gilson Dipp, do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Alguns dos pontos mais combatidos pelos evangélicos são os que tratam de eutanásia, aborto, descriminalização do uso de drogas em pequenas quantidades e vários outros. "Resta saber se a proposta dessa comissão de juristas corresponde à vontade da maioria ou se só de algumas minorias. Só poderemos avaliar isso após um debate amplo, que exige mais tempo", reivindica o parlamentar. "Devo aos homossexuais o meu respeito e não sou homofóbico. Agora, é preciso ter liberdade de expressão. Por exemplo, se você descobre que a babá do seu filho é homossexual e não quer que ela oriente seu filho, já que isso vai contra o que acredita, você não pode despedi-la? Que conversa é essa?", questiona o senador Magno Malta (PR-ES).
ASSIMILAÇÃO DE VALORES
Mestre em Administração Pública e servidor público de carreira, o presidente do Instituto de Fiscalização e Controle (IFC) – entidade cujo foco é o controle de contas públicas e o combate à corrupção –, Henrique Ziller, avalia a questão de outra maneira. Na sua opinião, é fato que os valores cristãos estão ameaçados no país. Porém, ele diz que é a Igreja quem tem desprezado os principais deles. "Quais são os evangélicos que se levantam contra a injustiça, a corrupção, o extermínio dos pobres, o racismo, a falta de serviços públicos de qualidade?", indaga. "Esquecemos as lutas éticas históricas do protestantismo para defender uma agenda diminuta, que olha apenas para as questões morais e sexuais. Deixamos de lado essa herança para abraçar a agenda estreita do protestantismo fundamentalista dos republicanos norte-americanos, que jogam bomba em todo o planeta, condenam os muçulmanos ao inferno e acreditam que Deus só se importa mesmo com as questões do aborto e do homossexualismo". Ziller, defende que não existe uma rejeição ao Evangelho no contexto brasileiro – "A população, de maneira geral, já assimilou a pregação da Palavra e os valores a ela associados. Portanto, não vejo nenhum risco de que a legislação venha a impedir a pregação, até porque vivemos no país em que a própria Justiça não trabalha com leis que não "pegam".
O ponto crítico, para o fiel metodista, é a obrigatoriedade que pretende o movimento LGBT de impor que igrejas aceitem o homossexualismo tanto para a participação nas atividades comunitárias como na ordenação de pastores. "Não faz sentido algum que a lei se imponha em assuntos dessa natureza, de caráter privado das igrejas e denominações, que, na condição de associações privadas, têm o direito de definir as regras que observam ou não", advoga. "A meu ver, a força de um dispositivo legal dessa natureza é nula, de direito e de fato." Ziller vai além, e se posiciona de maneira favorável a que haja algum tipo de controle sobre os caixas eclesiásticos. "A bem da verdade, as igrejas merecem uma perseguição que ainda não aconteceu: a investigação de suas contas."
O pastor batista Clemir Fernandes, doutorando em Ciências Sociais e membro da Fraternidade Teológica Latinoamericana no Brasil, observa que as confrontações à Igreja Cristã crescem na mesma medida de seu gigantismo. "Os tempos são sempre diferentes e o desafio dessa Igreja é buscar interseções com a cultura, às vezes manifestando-se criticamente e rejeitando-a, e às vezes assimilando seus valores". Com a modernidade, prossegue, o mundo tornou-se plural, "mais religioso em alguns aspectos e mais laico em outros" - o que, para ele, tem de ser enfrentado com diálogo, e não necessariamente com oposição sem alternativas.
Fernandes lembra que, em passado recente, a situação da Igreja era bem pior, uma vez que os evangélicos não podiam construir templos, enterrar seus mortos em cemitérios públicos e eram perseguidos em muitos lugares até a metade do século 20. Em face disso, o estudioso acredita que a pregação alarmista de certos segmentos evangélicos pretende apenas a ampliação dos "próprios tentáculos", visando mais poder, seja político, econômico ou religioso. "A força da diversidade de nossa democracia supera a de qualquer movimento sectário e intolerante, seja de grupos religiosos, ateus, homossexuais ou outros. Nossa tradição histórica é o caminho do meio, dificilmente dos extremos."

domingo, 6 de abril de 2014

UM PARALELO ENTRE O CRENTE INGLÊS DO SÉCULO XIX E A IGREJA BRASILEIRA ATUAL



Por Antognoni Misael

Em um dos livros da coleção ‘A formação da classe Operária Inglesa’, especificamente no de Volume três, o autor E.P.Thompson, famoso por uma cosmovisão neomarxista, discorre sobre a formação da consciência da classe de trabalhadores ante o analfabetismo existente entre os ingleses do século XIX.

O que me chamou muita atenção em sua obra foi encontrar registros de que os protestantes daquela época exerceram um papel fundamental na construção do conhecimento, desenvolvimento do senso crítico social, e mais que isso, no processo de alfabetização de parte da população.

Havia uma grande busca pelo crescimento intelectual dentre os cristãos daquela época. Thompson ainda registra que era comum um trabalhador analfabeto andar quilômetros para ouvir um sermão de um pregador cristão. A ideia da obra de Thompson tem a premissa de que o analfabetismo de grande parte daquela massa, cujos cristãos eram maioria, não determinou que o nível de consciência política e social fosse comprometido. Eu vou mais além, digo que não comprometeu a sede em conhecer mais a Deus e que tipo de cosmovisão condizia com os valores dEle.

Thompson ainda relata que os cristãos que abandonavam o analfabetismo o faziam por insistentes leituras na Bíblia Sagrada aliadas as aulas informais solidarizadas por outros operários, enquanto que as suas crianças tinham o privilégio de serem logo cedo, veja:
Se as Sociedades Bíblicas e as sociedades da Escola Dominical não foram frequentadas para nenhum outro bem, pelo menos produziram um efeito benéfico – foram o meio de ensinar muitos milhares de crianças a ler” (Thompson, E.P., p. 308)
Apesar de relatos como estes não serem novidades, a saber que a Inglaterra pós-avivamento ainda aspirava busca pelo conhecimento sobre Deus, o mais interessante aqui é observar os registros de um historiador secular neomarxista a respeito dos hábitos protestantes.

Estamos no Brasil, século XXI. Em nossas igrejas é raro que nas Escolas Bíblicas Dominicais se alfabetize alguém, assim como dificilmente algum irmão andaria quilômetros para ouvir um sermão reformado! Estamos na era moderna, do evangelho moderno!

Mas o que me não me deixar parar de refletir é avaliar que se lemos a Bíblia, não primordialmente para aprender gramática… se nossas Escolas Bíblicas não, necessariamente, alfabetiza nossas crianças, mas as ensinam sobre o caminho; e se não precisamos andar quilômetros para ouvir um bom sermão na igreja, haja vista termos acessibilidade geográfica, de transporte e/ou mídia, me surpreende a situação a qual nos encontramos.

É como se atualmente grande parte de nossas igrejas fosse analfabeta em relação ao Evangelho; nossas Escolas Bíblicas fossem irrelevantes (a saber, que em muitas igrejas elas nem existem mais), e que as pessoas hoje em dia podem até andar quilômetros e mais quilômetros, só que, não para ouvir um bom sermão, mas para receber alguma cura, milagre ou benção material.

Reler estas passagens da oba de Thompson me deu vergonha de parte da igreja contemporânea, aliás, é esta dita parte que ao receber o fermento religioso e mercadológico inchou a ponto de tornar-se uma ofensa ao próprio Evangelho.

Portanto, sugiro que aprendamos um pouco com os operários da Inglaterra do século XIX – conscientes, questionadores, andarilhos em busca de sermões, profissionais que faziam de seus ofícios um culto a Deus. É a prova de que a igreja brasileira pode até ter um bom currículo, mas isto não a exime de ser analfabeta biblicamente, “desconsciente”, dicotomizada, burrificada, porém alegando ter a mente do Cristo. #SQN!

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Antognoni Misael, pós-graduando em História (UEPB), músico, editor do Arte de Chocar e Púlpito Cristão.

P.S.: Não me surpreenderá um "maluco" ler este post e sair por aí dizendo que eu sou um comunista!

Internet está afastando as pessoas da igreja, diz estudo

Pesquisa mostra que aumento do uso da rede acompanha declínio das igrejas
por Jarbas Aragão


Internet está afastando as pessoas da igreja, diz estudo
Usar a Internet pode destruir a sua fé. Essa é a conclusão de um estudo recente mostrando que a queda dramática na filiação religiosa desde 1990 estaria intimamente ligada ao aumento do uso da Internet.
Em 1990, cerca de 8% da população dos EUA não tinha filiação religiosa. Em 2010, esse percentual mais que dobrou, chegando a 18%. A diferença, cerca de 25 milhões de pessoas, indica o total de pessoas que, de alguma forma, abandonaram sua fé.
Embora o levantamento tenha sido feito apenas no EUA, levanta a questão óbvia: Por que isso aconteceu?
Temos uma resposta possível graças ao trabalho de Allen Downey, um cientista da Olin College de Engenharia da computação, com sede em Massachusetts. Ele analisou os dados detalhadamente. Sua tese é que são vários fatores, sendo o mais controverso a popularização da Internet. Downey defende que o aumento do uso da rede mundial nas últimas duas décadas causou grande impacto na filiação religiosa.
Os dados usados por Downey vem da General Social Survey, um estudo sociológico anual, promovido pela Universidade de Chicago. Desde 1972 são medidas questões demográficas e de comportamento. Além da preferência religiosa, as pessoas foram divididas por idade, nível de escolaridade, o grupo socioeconômico. As perguntas-chave dos estudos mais recentes são: “Em que religião você foi criado?” e “Quanto tempo você passa online?”
Para Downey, é inegável que o declínio na frequência aos templos depende de vários fatores. Um dos que mais chama atenção é que 25% dos entrevistados se afastou da religião em que foi criado quando no ano em que ingressou na universidade.
Na década de 1990, o uso da Internet passou a ser medido. Em 2010, 53% da população afirmava que passava duas horas por semana on-line, enquanto 25% ficava mais de 7 horas.
A correlação entre aumento do tempo na internet e diminuição na frequência aos templos é baseada na teoria das estatísticas, pois seria um elemento novo na equação que mostrou resultados significativos.
Por exemplo, é fácil imaginar que uma pessoa que foi educada em uma determinada religião possa se afastar dela, mas a proporção atual foge das tendências ao longo da história. Logo, para os estatísticos deve haver algum fator determinante.  Para os pesquisadores, nenhum elemento novo causou tanto impacto na sociedade de maneira geral nos últimos 25 anos como o uso da Internet.
“Para as pessoas que vivem em comunidades homogêneas, a Internet oferece oportunidades para se
encontrar informações sobre pessoas de outras religiões (e sem religião), e de interagir com elas no nível pessoal”, defende Downey.
Perguntado se não haveria um “fator não identificado” que tenha influenciado a desfiliação religiosa, Downey descarta essa possibilidade. “Nós temos controlado todas as tendências, desde mudanças na educação, status socioeconômico e mudanças do ambientes rural/ urbano. Nenhum deles causou tanta alteração antes”, explica.
A queda na filiação religiosa e o aumento no uso da Internet estão necessariamente ligados? Embora os resultados desta pesquisa possam ser questionados, para os pesquisadores, somente a continua análise desses dois elementos no futuro poderão comprovar definitivamente. Com informações de Technology Review

Fonte:gospelprime


Calvino e a Pregação da Palavra

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Por Rev. Felipe Camargo


Introdução

O pensamento de Calvino sobre pregação, ou Calvino como pregador tem sido estudado por muitos eruditos e com isto, artigos e livros já foram publicados sobre este assunto. Parker tem sido um dos autores que mais escreveu sobre o assunto, considerado, portanto, uma grande autoridade como intérprete de Calvino. O objetivo deste trabalho se limita a analisar o pensamento de Calvino sobre a autoridade da pregação e a edificação da Igreja, tendo como objeto de estudo os próprios escritos de Calvino.

Por isso, algumas questões devem ser levantadas. A primeira delas se refere à Palavra de Deus. Qual a visão de Calvino sobre a Palavra de Deus? Onde ela é encontrada? Qual o seu objetivo? Qual o valor dela para a Igreja? Uma questão paralela à esta está relacionada com pregação. Qual a finalidade da pregação? Qual o papel dos pregadores? Até que ponto o pregador tem autoridade ao proclamar a Palavra de Deus?

E por fim, uma última análise a ser feita está ligada aos ensinos de Calvino nos nossos dias. Qual a importância de se estudar o pensamento de Calvino sobre pregação? Portanto, o trabalho procura analisar se é possível aplicar os ensinos de Calvino sobre pregação nos dias atuais.

A Bíblia como Palavra de Deus

Para uma correta compreensão acerca do pensamento de Calvino sobre pregação, é necessário entender sua visão acerca da Palavra Escrita. Para Calvino, a Palavra Escrita deve ser considerada como sendo o único lugar onde se encontra a verdadeira sabedoria vinda da de Deus. [1]

Calvino, nas Institutas, afirma que o homem foi dotado de um desejo de conhecer a Deus [2], mas por causa do pecado esse conhecimento se tornou falho. [3] Nesse sentido, demonstra que Deus não somente se revela através da criação [4], mas também adiciona um recurso melhor para este fim. [5] Por isso, Deus, além da sua própria criação, resolveu se revelar também em palavras. 

Portanto, as Escrituras servem para nos mostrar a verdade sobre Deus: 

Assim a Escritura, coletando-nos na mente conhecimento de Deus que de outra sorte seria confuso, dissipada a escuridão, nos mostra em diáfana clareza o Deus verdadeiro. [6]

Por isso, a Escritura foi dada por Deus para que o homem conhecesse tudo o que precisa ser conhecido para não fazer cogitações da verdade. Sendo assim, somente através da sua Palavra, se pode ter um correto conhecimento acerca de Deus. [7] Neste sentido Calvino faz questão de enfatizar que, o que distingue o cristianismo das demais religiões é que Deus falou, e fez isso através da Escritura. [8]

“Moisés e os profetas não pronunciaram precipitadamente e ao acaso o que deles temos recebido, senão que, falando pelo impulso de Deus. Ousada e destemidamente testificaram a verdade de que era a boca do Senhor que falava através deles.” [9]

Um ensino primordial acerca das Escrituras e sua autoridade é perceber que há uma perfeita harmonia. Deus, ao revelar a Lei estabeleceu a base para os demais escritos. Nem os profetas nem o Novo Testamento estão fora desta harmonia. [10]

“Não se deve ter outra Palavra de Deus, a que se dê lugar na Igreja, senão aquela que se contém, primeiro na Lei e nos Profetas, então nos Escritos Apostólicos [...]. Daqui também coligimos que não se prometeu outra coisa aos apóstolos senão o que tiveram outrora os profetas, a saber, que expusessem a Escritura antiga.” [11]

Está em harmonia, portanto, o conceito que toda a Palavra de Deus é perfeita e infalível, devendo aceitá-la desta maneira. 

O fato de Calvino afirmar que “os escritos dos apóstolos nada contém além de simples e natural explicação da lei e dos profetas juntamente com uma clara descrição das coisas expressas neles” [12], não quer dizer que o Novo Testamento seja apenas uma explicação da Palavra de Deus. Mas na verdade, Calvino afirma que seus escritores também foram usados pelo Espírito Santo. Ele afirma que: 

“Entretanto, a própria realidade brada patentemente que esses homens haviam sido ensinados pelo Espírito que, antes desprezíveis em meio ao próprio vulgo, de repente começaram a dissertar tão magnificamente acerca de mistérios celestiais.” [13]

Não há dúvidas para Calvino que, embora a Bíblia tenha sido escrita por homens, não se deve ignorar o fato que eles foram usados por Deus. Eles não escreveram aquilo que imaginavam, mas escreveram o que vinha da parte de Deus. [14] O fato de ele ter usado homens pecadores não desmerece a revelação. Não faz das Escrituras imperfeitas ou falíveis. Pelo contrário, ainda assim, considera-se Palavra de Deus.

“Portanto, iluminados por seu poder, já não cremos que a Escritura procede de Deus por nosso próprio juízo, ou pelo juízo de outros; ao contrário, com a máxima certeza, não menos se contemplássemos nela a majestade do próprio Deus, concluímos, acima do juízo humano, que ela nos emanou diretamente da boca de Deus, através do ministério humano.” [15]

A reverência às Escrituras, portanto, se dá não pelos autores humanos, mas pelo autor divino. Aquele que desrespeita a Palavra de Deus desrespeita o próprio Deus. Calvino argumenta que “devemos à Escritura a mesma reverência devida a Deus, já que ela tem nele sua única fonte, e não existe nenhuma origem humana misturada nela.” [16] Por isso, é possível compreender o cuidado que Calvino dá à fiel exposição da mesma.

A Palavra de Deus e a Edificação

Um princípio importante para Calvino era que toda a Escritura trazia algum ensino para a vida dos cristãos. Nos seus escritos, Calvino fazia questão de enfatizar que toda a Escritura é útil e deve ser praticada. Não há grau de importância entre o Antigo Testamento e o Novo Testamento. Ambos são considerados como Palavra de Deus e útil para a vida cristã. [17]

Para Calvino, era através da Palavra que Deus concede vida ao pecador. Sem Deus não há vida, e todos estão condenados à morte eterna. Esta vida, portanto, é comunicada através de sua Palavra. Ele afirma que “embora temporária, seja a vida do homem, ela já feita eterna pela Palavra; por ela é modelada e feita nova criatura.” [18]

Mas as Escrituras não têm o único propósito de comunicar a vida eterna, mas também de corrigir para um crescimento espiritual. Na verdade, tudo o que é revelado por Deus nas Escrituras tem o propósito específico de corrigir a vida do homem. Calvino adverte que:

Se porventura nos sentirmos sempre tentados a menosprezar ou a sentir repugnância pelo evangelho, lembremo-nos de que o seu poder e eficácia estão no fato de que é por meio dele que nos vem a salvação; assim como alhures ele ensina que o evangelho é o poder de Deus para a salvação dos Crentes. [19]

Não se pode dizer que exista algo supérfluo e inútil em sua Palavra. [20] Pelo contrário, se torna pecaminoso estudar as Escrituras sem trazer para si uma aplicação e buscar uma vida prática, ou seja, sempre ao que é proveitoso. [21]

Calvino sustenta que a Lei de Deus é a norma de justiça pela qual nossa vida é moldada. [22] Este molde realizado pela Lei tem o objetivo de tornar o homem completo a ponto de não haver nada que o torne defeituoso, por isso, a obrigação do homem de querer conhecer cada vez mais a Palavra. [23]

Comentando o Salmo 19, Calvino diz: 

Se alguém deseja ter um método próprio para governar sua vida, a lei de Deus é a única perfeitamente suficiente para tal propósito; mas que, ao contrário, assim que as pessoas se apartam dela, são passíveis de cair em infindáveis erros e pecados. [24]

Portanto, qualquer meio que se utilize para obter a edificação da Igreja que não seja através da Palavra é condenada.

A supremacia da pregação

Assim como Calvino afirma que as Escrituras é o meio ordinário instituído por Deus para edificar sua Igreja, ele também sustenta que a pregação é o modo normal que o Senhor designou para comunicar sua Palavra. [25] Portanto, é através da pregação que Deus se utiliza para edificar seu povo. [26] Conforme Calvino, o propósito da pregação do evangelho é exatamente para que Deus guie todas as nações à obediência da fé. [27]

Calvino, neste ponto não aceita exceções: “Deve-se, porém, ser mantido por nós o que já citamos de Paulo: que a Igreja não é edificada de outro modo senão pela pregação externa.” [28] A maneira instituída por Deus para a edificação é a pregação da Palavra de Deus. Sem ela, não há progresso na fé, conforme Calvino explica com mais detalhes:

“Deus instila em nós a fé, mas pela instrumentalidade de seu evangelho, como adverte Paulo, de que “a fé vem do ouvir” [Rm 10.17], assim como também em Deus reside seu poder de salvar, mas, segundo atesta o próprio Paulo, o exibe e o desenvolve na pregação do evangelho [Rm 1.16].” [29]

Com isso em mente, ele desenvolve o ensino da prioridade da pregação dentro da Igreja de Cristo. Não há dúvidas de que o objetivo da Igreja é o crescimento na fé de cada cristão. E por isso Deus instituiu ministros da Palavra para realizar este propósito através da pregação:

E, para que a pregação do evangelho florescesse, depôs esse tesouro com a Igreja: instituiu “pastores e mestres” [Ef 4.11], por cujos lábios ensinasse aos seus, investiu-os de autoridade, enfim, nada omitiu que contribuísse para o santo consenso da fé e a reta ordem. [30]

A Igreja, portanto, não deve desprezar este meio fundamental para sua edificação, muito menos os pregadores ao subir no púlpito. Para Calvino, esta é uma grande responsabilidade para os pastores. Ao subir em um púlpito, o pastor deve ter sempre em mente: “Deus desejou revelar seu poder soberano através da espada espiritual de sua Palavra sempre que é pregada pelo pastor.” [31]

Este conceito de que “toda Escritura é útil para a edificação da Igreja” era algo concreto também no seu pastorado. Por isso, pregava sistematicamente à sua igreja versículo por versículo. [32] Acreditava que cada versículo das Sagradas Escrituras tem uma aplicação para a edificação da Igreja. Na exposição do livro de Daniel, nas suas 66 exposições ele termina com uma oração escrita. Em cada oração ele apresenta o ensino retirado dos versículos explanados fazendo uma aplicação para os seus dias. [33] Conforme ele mesmo diz:

Assim concluímos que este é o mais valioso tesouro da Igreja, que ele que ele tenha escolhido uma morada para ele mesmo, para residir nos corações dos fiéis por seu Espírito, e assim preservar entre eles a doutrina do seu evangelho. (Isaías 59.21) [34]

Para Calvino, portanto, a pregação não é apenas uma obrigação da Igreja e dos seus pastores, mas é um privilégio no qual Deus preserva a sua Igreja. 

Responsabilidade do Pregador

Visto que é por meio de ministros da Palavra que Deus instrui o seu povo, é necessário ressaltar que Calvino, por isso, destaca a grande responsabilidade do pastor. Para ele, o pastor deve estar munido da Palavra de Deus para guiar seu povo para edificação: 

Se o primeiro dever de um pastor é ser instruído no conhecimento da sã doutrina, e o segundo é reter sua confissão com firmeza e inusitada coragem, o terceiro é que adapte o método do ensino visando a produzir edificação, e não divague, movido pela ambição, por entre as sutilezas da curiosidade frívola; mas, ao contrário, que busque tão-somente o sólido avanço da Igreja. [35]

Mas é através da pregação que o pregador desempenha essa função. Portanto, para Calvino, o pastor não deve procurar guiar ou edificar o rebanho que não seja ela instrução da Palavra:

É esta, portanto, uma dádiva singular, quando, para instruir a Igreja, Deus não apenas se serve de mestres mudos, mas ainda abre seus sacrossantos lábios, não simplesmente para proclamar que se deve adorar a um Deus, mas ao mesmo tempo declara ser esse Aquele a quem se deve adorar; nem meramente ensina aos eleitos a atentarem para Deus, mas ainda se mostra como Aquele para quem devem atentar. [36]

Logo, o papel do pastor é apresentar a Deus para que a sua Igreja o adore. Para que isso aconteça, Calvino acredita que o pregador deva ser fiel em sua pregação.

Calvino acreditava que Deus poderia falar pelos céus ou através de anjos, mas o meio que ele escolheu foi através de homens comuns. Assim sendo, “não se requer de um pastor apenas cultura, mas também inabalável fidelidade pela sã doutrina, ao ponto de jamais apartar-se dela”. [37] À sua Igreja cabe a responsabilidade de procurar aqueles que pregam em nome de Deus e com autoridade divina. [38]

Calvino até certo ponto, foi um homem tolerante, mas ao mesmo tempo foi extremamente radical em certos assuntos. [39] Um desses assuntos em que se demonstrava intolerante se referia à pregação.

A pregação é um dos sinais essenciais para distinguir a verdadeira Igreja, por isso Calvino afirma que “Deus quis que fosse conservada pura a pregação de sua Palavra.” [40] Mas ao mesmo tempo que as Escrituras devem ser usadas para ensinar a sabedoria de Deus, deve se ter por certo que “os falsos profetas também fazem uso dela em busca de pretexto para o seu ensino. Para que ela seja proveitosa para a salvação, temos que aprender a fazer um uso correto.” [41]

Para ele, 

Não se deve ter outra Palavra de Deus, a que se dê lugar na Igreja, senão aquela que se contém, primeiro na Lei e nos Profetas, então nos Escritos Apostólicos; nem outro modo de ensinar a Igreja corretamente, senão aquele prescrito e normativo dessa Palavra. [42]

Por isso, Calvino sempre debateu contra aqueles que ensinavam outra doutrina que não fosse a verdadeira.

Partindo deste princípio de que não existe nenhuma verdade fora do Evangelho [43], ele insiste veementemente que “não é permitido aos ministros fiéis que forjem algum dogma novo, mas simplesmente que se apeguem à doutrina à qual Deus a todos sujeitou, sem exceção.” [44] Para exemplificar esta verdade, ele usa os próprios sacerdotes que foram orientados à se limitar no que foi dado:

Quando, porém, pareceu bem a Deus suscitar mais clara forma à Igreja, quis que fosse confiada à escrita, e assim selar sua Palavra, para que os sacerdotes daí buscassem o que ensinar ao povo e para que a essa regra se conformasse todo o ensino que se transmitisse. E assim, após a promulgação da lei, quando se ordena aos sacerdotes que ensinassem “pela boca do Senhor” [Ml 2.7], o sentido é que não ensinassem algo estranho ou alheio a esse gênero de ensino que Deus havia compreendido na Lei. Com efeito, lhes foi vedado acrescentá-la e diminuí-la. [45]

Mas Calvino entendia também que muitas vezes os pregadores são tentados a se desviar da verdadeira pregação. Não quer dizer com isso que eles são falsos profetas. Por isso, Calvino orienta aos pregadores a resistir a tentação de se desviar da pura e fiel pregação da Palavra:

Somos, naturalmente, dados à curiosidade, de modo que a nossa tendência é ignorar displicentemente, ou, pelo menos, experimentar só levemente o ensino que produz edificação, enquanto nos envolvemos com questões frívolas. A esta curiosidade adiciono a audácia e a temeridade, de maneira tal que nos prontificamos sem hesitação a pronunciar sobre coisas de que nada sabemos e que nos são ocultas. [46]

Por isso, muito sabiamente Calvino alerta aos pregadores a se limitarem àquilo que a Palavra de Deus nos diz. É somente isto que se deve saber e pregar. A Palavra de Deus é suficiente: “Eis o limite de nosso conhecimento.” [47]

Ao tratar sobre os anjos, Calvino acredita que possa trazer alguma curiosidade para o homem. Mas ele é insistente ao falar que quanto às coisas obscuras, “não falemos, ou sintamos, ou sequer almejemos saber outra coisa senão aquilo que nos é ensinado na Palavra de Deus”. Pois para Calvino, a busca por questões que não trazem edificação, são estudos inúteis. [48] Em outro lugar ele diz:

E visto que o Senhor nos quis instruir não em questões frívolas, mas na sólida piedade, no temor de seu nome, na verdadeira confiança, nos deveres da santidade, contentemo-nos com este conhecimento. [49]

Portanto, se o objetivo da Palavra de Deus é trazer edificação e fazer trilhar o caminho da salvação, nada mais correto do que os ministros transmitirem a Palavra da verdade com o mesmo objetivo.

Pregação como voz de Deus

Calvino afirma que um pregador ao fazer uma fiel pregação da Palavra de Deus, ele não está apenas repetindo ensinamentos, mas ele se torna a própria voz de Deus. [50] Antes de detalharmos este assunto é necessário salientar que para Calvino há uma grande diferença entre os escritores bíblicos e os pregadores posteriores:

“Todavia, entre os apóstolos e seus sucessores, como já disse, existe esta diferença: que aqueles foram infalíveis e autênticos amanuenses do Espírito Santo, e por isso seus escritos devem ser tidos como oráculos de Deus; os outros, porém, não têm outra função, senão que ensinem o que foi dado a conhecer e consignado nas Sagradas Escrituras.” [51]

Mas isso não quer dizer que anula a autoridade do pregador por não ser inspirado como os escritores. Para Calvino, o mesmo Espírito que inspirou os escritores é o mesmo que capacita os pregadores. É o Espírito Santo que torna capaz o árduo trabalho do pregador e torna suas palavras na poderosa voz de
Deus. [52]

Da mesma forma, o mesmo Espírito torna eficaz a pregação para os ouvintes. Desta forma, o Espírito Santo faz com que a mensagem pregada seja compreendida pela Igreja e aceita como a própria Palavra de Deus. [53] Nas palavras de Calvino, “a pregação é o instrumento da fé, por isso o Espírito Santo torna a pregação eficaz.” [54]

Evidentemente, a incapacidade humana não deve ser considerada quanto à autoridade da pregação fiel. Quanto a isso, Calvino afirma: 

“Mas, os que pensam que a autoridade da doutrina é desprezada pela baixa condição dos homens que foram chamados a ensiná-la, estes põem à mostra sua ingratidão, porquanto, entre tantos dotes preclaros com os quais Deus adornou o gênero humano, esta prerrogativa é singular: que a si digna consagrar as bocas e línguas dos homens, para que neles faça ressoar sua própria voz.” [55]

Deste modo, através do seu Espírito ele capacita homens para transmitir sua Palavra, colocando assim, sua própria Palavra em seus lábios. [56] Calvino enfatiza que os pregadores, no momento em que estão proclamando o evangelho, eles agem como instrumentos divinos:

A fé procedente do evangelho seria deveras frágil, se fôssemos nós olhar somente para os homens. Toda a sua autoridade procede de reconhecermos que os homens são meros instrumentos de Deus e de ouvirmos Cristo nos falando por meio de lábios humanos. [57]

Destarte, apesar da limitação humana, deve-se afirmar que a palavra que sai da boca de Deus é a mesma que sai da boca dos homens. [58]

O valor da pregação é tão valiosa e considerada, assim, a própria voz de Deus, que qualquer que rejeitar uma pregação fiel, não despreza homens, e sim a Deus. “Segue-se disto que aqueles que se retraem de ouvir a Palavra proclamada estão premeditadamente rejeitando o poder de Deus e repelindo de si a mão divina que pode libertá-los.” [59]

Cabe, portanto à igreja reconhecer a autoridade dos seus pastores, pois por meio deles elas são edificadas pela Palavra do próprio Deus. Deus instituiu este meio para ouvi-lo e não outro. Ninguém, pois, deve tentar advertir ou consolar a Igreja a não ser que seja um representante de Deus, falando assim “pela boca do Senhor”. [60] Esta foi a ordenança dada por Deus: 

Buscar a palavra e doutrina da boca dos profetas e professores, que prega em seu nome e por Sua autoridade, para que não possamos buscar loucamente por novas revelações. [61]

Conclui-se que uma Igreja que não ouve seu pastor, não ouve o Deus da Igreja, ou seja, o Deus da Palavra. Em outro lugar Calvino adverte os pastores a serem aqueles que mostrem a glória de Deus.

Eis o supremo poder com o qual convém que os pastores da Igreja sejam investidos, sem importar por que nome sejam chamados, isto é, que ousem fazer tudo confiantemente pela Palavra de Deus; que obriguem a todo poder, glória, sabedoria, exaltação do mundo a sujeitar-se-lhe e a obedecer-lhe à majestade; sustentados em seu poder, imperem sobre todos, desde o mais alto até o mais baixo; edifiquem a mansão de Cristo, desmantelem a de Satanás; apascentem as ovelhas, submetam os rebeldes e contumazes; liguem e desliguem; enfim, caso se faça necessário, relampejem e despeçam raios; tudo, porém, na Palavra de Deus. [62]

Implicações para os dias atuais

Calvino tem sido estudado como pregador. Poucos podem ser comparado à ele quando se fala de pregação. Calvino não era apenas o exegeta da reforma, mas o pregador da reforma. [63] Ele não ensinava sobre pregação, mas colocava em prática aquilo que ele cria e passava aos seus alunos. Calvino tem muito a nos ensinar sobre pregação. Subir num púlpito para pregar a Palavra de Deus não deve ser tido como algo sem muita importância. Algumas implicações devem ser tiradas desta pesquisa.

A primeira que deve ser ressaltada é que a Bíblia é a Palavra de Deus. Pode parecer óbvio para alguns que confessam a inspiração da Bíblia, mas algumas vezes não tem dado o devido valor à esta verdade. Saber que a Bíblia é a própria Palavra de Deus deve despertar no pregador o valor daquilo que ele transmite e saber que esta palavra é suficiente para transformar vidas. Saber que ela é a Palavra de Deus, deve fazer dela o centro dos cultos realizados na Igreja.

Outra verdade a ser destacada é a utilidade da Palavra de Deus. Calvino demonstrava em seu púlpito que cria que toda a Escritura é útil para edificação da Igreja. Sua prática era coerente com os seus ensinos. De fato ele pregava todos os versículos do livro escolhido para expor para a congregação.

Trazendo em cada um deles uma aplicação para transformação de vidas. Ignorar certas passagens bíblicas se torna, na verdade, uma descrença de que toda a Bíblia é útil para o ensino. E na verdade, essa prática não acaba transmitindo dúvidas para a congregação quanto a aplicabilidade de certas passagens? Em sua prática de pregação de versículo por versículo, Calvino transmitia esta verdade: “toda a Escritura é útil”.

O que mais se destaca nesta pesquisa é o valor da pregação. Calvino destacava algo que deve sempre ser valorizada no meio da Igreja: a pregação.

A pregação é o meio ordinário para a edificação da Igreja. Por mais que o pregador seja tentado a trazer algo que agrade os homens, ele deve sempre ser lembrado da autoridade e eficácia da pregação.

Embora seja natural que o homem se recuse a ouvir a Palavra, a fidelidade do pregador deve ser intacta. Sua responsabilidade é como nenhuma outra, pois ele é a própria voz de Deus. Lembrando-se sempre que ele não fala por si, mas é um instrumento dado por Deus para ser sua voz. Não é exagero, portanto, afirmar que os pregadores precisam sempre se lembrar que ao subir num púlpito ele está dizendo: “Assim diz o Senhor”.

Conclusão

Apresentei neste trabalho a visão de Calvino sobre a pregação e como isto é importante para a edificação da Igreja. Pode-se perceber que sua teologia sobre a pregação é tão importante quanto foi no seu tempo. A pregação ainda deve ser valorizada. Alguns pontos devem ser destacados com esta pesquisa.

Calvino acreditava fielmente na inspiração e perfeição da Bíblia, considerando-a como a própria Palavra de Deus. A imperfeição dos escritores não desmerece sua infalibilidade. A mesma foi dada para que o homem recebesse a salvação e fosse moldado por ela.

Desta maneira, Calvino cria que a pregação deveria ser fiel às Escrituras, não permitindo nenhum tipo de acréscimo ao transmiti-la. Para ele, a pregação fiel é a própria voz de Deus por intermédio humano. As imperfeições dos pregadores não desmerecem a autoridade da pregação, devendo ser respeitada como se respeita o próprio Deus. Concluindo assim, que a pregação é o meio ordinário para a edificação da Igreja.

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Notas: Para visualizá-las, acesse o trabalho original através deste link!

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Artigo gentilmente cedido pelo autor ao blog Bereianos.
Divulgação: Bereianos
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sábado, 5 de abril de 2014

O perigo do sucesso

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Por Rev. Ronaldo Mendes


“Então, regressaram os setenta, possuídos de alegria, dizendo: Senhor, os próprios demônios se nos submetem pelo teu nome! Mas ele lhes disse: Eu via Satanás caindo do céu como um relâmpago. Eis aí vos dei autoridade para pisardes serpentes e escorpiões e sobre todo o poder do inimigo, e nada, absolutamente, vos causará dano. Não obstante, alegrai-vos, não porque os espíritos se vos submetem, e sim porque o vosso nome está arrolado nos céus.” (Lucas 10.17-20).

No início do capítulo 10 vemos que o Senhor Jesus envia estes setenta homens para anunciar a sua chegada e proclamar seu evangelho, provavelmente nas cidades de Jerusalém (cf Lc 9.51). Não se revela quanto tempo levou para eles cumprirem a missão, nem em que lugar voltaram para Jesus. O que sabemos é que voltaram com alegria e júbilo pelo sucesso da missão.

Estes versículos nos mostram quão facilmente os crentes podem sentir-se envaidecidos por causa do sucesso. Fica claro que entre eles havia auto-satisfação no relato das realizações. A declaração de nosso Senhor Jesus a respeito da queda de Satanás do céu provavelmente tinha o objetivo de ser um alerta. Ele sondou o coração daqueles homens  e percebeu o quanto eles haviam sido ensoberbecidos pela sua primeira vitória. Com sabedoria, o Senhor os repreendeu em sua incorreta exultação, advertindo-os contra o orgulho.

É uma lição que precisa ser recordada por todos os que servem a Cristo. Pelos os fiéis trabalhadores da seara do evangelho que desejam sucesso. Os pastores das igrejas locais, os missionários, evangelistas, professores de Escola dominical e demais obreiros – por todos que esperam igualmente sucesso no trabalho que realizam. Todos eles desejam ver almas convertidas a Deus. E este desejo é correto e bom. Porém, jamais devemos esquecer que o tempo de sucesso é uma ocasião de perigo para a alma do crente. Os corações que se acham deprimidos, quando todas as coisas parecem estar contra eles, com frequência sentem-se indevidamente exaltados no dia da prosperidade.  O apóstolo Paulo instruiu que o presbítero: “não seja neófito, para não suceder que se ensoberbeça e incorra na condenação do diabo.”(1Tm 3.6). Muitos servos do Senhor Jesus provavelmente alcançam tanto sucesso quanto suas almas são capazes de suportar. O que fazer?

1 - Ore intensamente por humildade – Quando tudo ao nosso redor parece prosperar e todos nossos planos se realizam bem; quando as provações familiares e a enfermidade são mantidas longe de nós e os nossos afazeres seculares segue com tranquilidade; quando nossa cruz é suave e tudo em nossa vida vai bem – este é o tempo em que nossas almas encontram-se em perigo. É tempo em que necessitamos de reforço na vigilância dos nossos corações. É tempo que as sementes do mal são plantadas no nosso íntimo por Satanás. Há poucas pessoas que permanecem humildes nos tempos de grandes sucessos. Somos tendentes a pensar que nossa própria capacidade e sabedoria nos conquistaram a vitória. A advertência do Senhor Jesus nesta passagem jamais deve ser esquecida. Em meio ao triunfo, clamemos ao Senhor com sinceridade de coração: “Senhor, reveste-me de humildade”!

- Os dons e milagres não são superiores à graça de Deus – O Senhor Jesus disse aos setenta discípulos: “alegrai-vos, não porque os espíritos se vos submetem, e sim porque o vosso nome está arrolado nos céus.” Com toda certeza, foi uma honra e privilégio receberem eles o poder de expulsarem demônios. Tinham motivos corretos para estarem agradecidos. No entanto, um privilégio maior era serem convertidos, perdoados e salvos em Cristo. A distinção entre a graça da salvação e os dons é profundamente importante, mas com frequência tem sido esquecida em nossos dias. Dons, tais como uma poderosa inteligência, grande memória, eloquência admirável, argumentação hábil, são constantemente valorizados acima do que convém por aqueles que os possuem e admirados de maneira indevida por aqueles que não os tem. Estas coisas não devem ser assim. Os homens esquecem que os dons sem a graça divina não salvam a alma de ninguém e são uma característica do próprio Satanás. Aquele que têm dons, sem a graça, está morto em seus pecados, ainda que seus dons sejam admiráveis. Porém aquele que possui a graça divina está vivo em Deus, mesmo que pareça iletrado e inculto aos olhos dos homens.

Jamais nos contentemos com o falar com eloquência, o pregar com vigor, o debater com dinamismo, o argumentar com inteligência e conversar com muita fluência. Jamais nos contentemos em saber todas as doutrinas do cristianismo e ter à nossa disposição textos e passagens bíblicas. Estas coisas são boas e não devem ser menosprezadas. Elas são proveitosas, mas não constituem a graça de Deus e, portanto, não poderão livrar-nos do inferno. Não podemos descansar enquanto não tivermos o testemunho do Espírito Santo em nosso íntimo e não formos lavados, santificados e justificados em Cristo (cf 1Co 6.11). Esforcemo-nos para ser cartas de Cristo, conhecidas e lidas por todos os homens (cfr 2Co 3.2); devemos nos empenhar para demonstrar por meio de humildade, amor, fé e mentalidade espiritual que somos filhos de Deus. Esse é o verdadeiro cristianismo. Estas são verdadeiras características do cristianismo que salva. Sem elas, uma pessoa pode ter dons em abundância e tornar-se nada mais do que um seguidor de Judas Iscariotes.    

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