Por Vinicius Couto
Introdução
A Bíblia trata do caráter apologético das doutrinas centrais da fé cristã em praticamente todos os seus livros do Novo Testamento. Desde a ressurreição de Cristo, muitas heresias se introduziram no meio da Igreja. Embora os Apóstolos, os pais apostólicos, os pais apologistas e os pais polemistas tenham lutado pela fé que uma vez nos foi dada, alguns resquícios dessas falsas doutrinas permaneceram e/ou evoluíram para os séculos posteriores.
Na presente era da Igreja, encontramos esses resíduos primitivos em conceitos teológicos profundamente equivocados. Os atributos de Deus são confundidos em muitas seitas pseudo-cristãs. A natureza de Cristo ainda sofre má interpretação em relação a Sua divindade e humanidade. O Espírito Santo é questionado em alguns grupos religiosos. A doutrina da graça ainda é pervertida. O cânon das Escrituras continua a ser atacado por alguns supostos cristãos. Certos homens insistem em recosturar o véu. A simonia permanece desgraçando a autenticidade do cristianismo.
No presente artigo poderemos ver que, na ânsia de alguns em querer reinventar a roda, trouxeram à tona heresias que não possuem nada de novo. São apenas continuações ou evoluções de ideias antigas, as quais permearam os primeiros cinco séculos da era cristã.
Misticismo e revelações
A maioria das heresias ocorre em virtude da ênfase exageradamente mística que alguns dão à religiosidade.[1] É certo que Deus é um ser pessoal e que se relaciona com seu povo. Todavia, devemos buscar explicações para nossas experiências à luz da Palavra de Deus e não vice-versa. Berkhof diz que, esta “posição deve ser sustentada em oposição a todas as classes de místicos”, pois eles alegam revelações especiais, bem como um conhecimento metafísico não mediado pela Palavra de Deus, o que pode nos levar “a um oceano de ilimitado subjetivismo”.[2]
Essa influência parte de um dos primeiros grupos heréticos que os cristãos tiveram que enfrentar: os gnósticos. Este termo deriva do grego, gnosis, que significa conhecimento. Tais pessoas acreditavam que existia uma revelação secreta e que somente pessoas especiais tinham o privilégio de ter acesso a elas. Para isso, usavam da astrologia, ocultismo, numerologia e outras práticas de adivinhação. Eles também negavam a natureza humana de Jesus. Era contra esse grupo que o Apóstolo João escrevia alertando os cristãos primitivos (1 Jo 4.1-3).
Os “cristãos” gnósticos provavelmente foram influenciados pelas religiões de mistério que os romanos haviam importado.[3] Dentre elas, podemos citar o mitraísmo, uma religião da antiga Pérsia e da Índia e que tinha muita popularidade entre os soldados romanos. Segundo essa religião, Mitra era o deus da luz e da sabedoria, o qual matou o touro sagrado. Logo após mata-lo, saíram todas as espécies boas da fauna e da flora do cadáver do touro. Eles acreditavam, ainda, que a imortalidade era era recebida através de rituais e de um rigoroso sistema ético.[4]
Na história da Igreja, alguns movimentos deram maior ênfase ao relacionamento pessoal com Deus, a fim de vivermos uma vida mais piedosa. O pietismo foi um desses. Ao passo que os luteranos haviam se dedicado ao conhecimento intelectual das doutrinas e haviam entrado num estado de relapso prático, numa espécie de secularização da igreja, o grupo citado buscava algo mais equilibrado, isto é, mais piedade e intimidade com Deus, sem no entanto, cair num cristianismo superficial.[5] Após estes, podemos citar os moravianos e o movimento wesleyano, os quais deram forte influência para o movimento pentecostal clássico.
Apesar de movimentos legítimos como os que foram citados, outros acabaram se desviando dos fundamentos escrituríticos. O descuido empírico levou muitas pessoas a afirmarem aberrações teológicas e até mesmo a negarem Cristo, como é o caso do islamismo. Experiências angelicais, como aconteceu no mormonismo, levou Joseph Smith a se afastar da ortodoxia e a contaminar a mentalidade de vários desconhecedores da Palavra de Deus (cf Gl 1.8).
Lutero, afirmando o princípio sola scriptura, tomou uma medida drástica contra as experiências extra-bíblicas: “Fiz uma aliança com Deus: que Ele não me mande visões, nem sonhos nem mesmo anjos. Estou satisfeito com o dom das Escrituras Sagradas, que me dão instrução abundante e tudo o que preciso conhecer tanto para esta vida quanto para a que há de vir”.[6]
Graça barata
É assim que poderíamos conceituar os ensinos do pregador cingapuriano Joseph Prince contidos em seu Best-seller “Destined to Reign” (Destinados a Reinar). A expressão “graça barata” foi cunhada pela primeira vez pelo teólogo alemão, Dietrich Bonhoeffer. Para ele, “A graça barata é a pregação do perdão sem arrependimento, o batismo sem a disciplina comunitária, é a Ceia do Senhor sem confissão dos pecados, é a absolvição sem confissão pessoal. A graça barata é a graça sem discipulado, a graça sem a cruz, a graça sem Jesus Cristo vivo, encarnado”.[7] A graça barata tem sido mais chamada de “hipergraça” atualmente, tendo em vista a ênfase que seus proponentes dão nas conquistas do sacrifício de Cristo a despeito da santificação.
Prince ensina que nossos pecados do passado, presente e futuro já foram perdoados e que desta forma não é mais necessário que um cristão peça perdão a Deus caso venha a pecar. Além disso, ele crê que Deus não pune o homem por suas falhas e encontra apoio para esse argumento nas epístolas paulinas. Segundo ele, os demais livros são legalistas e não expressam genuinamente a graça de Deus, o qual até era punitivo e agia com justiça na Antiga Aliança, mas que na Nova a graça é o atributo em evidência. Ele baseia toda sua doutrina em torno de uma “graça” mal compreendida.[8]
Os ensinos de Prince, além de conduzirem ao antinomianismo, resgatam alguns aspectos da velha heresia marcionista. Marcião ensinava que os livros do Antigo Testamento estavam ultrapassados e rejeitava-os, usando seu próprio compêndio de livros sacros, os quais compreendiam o Evangelho de Lucas e as cartas de Paulo, exceto as pastorais. Ele propagava uma contradição de dois deuses: um Demiurgo inferior que criou o universo, o Deus do judaísmo (severo e manifesto na Lei) e um Deus supremo, cheio de graça e amor redentor, revelado em Cristo. Ele tinha convicção de que estava restaurando o “puro Evangelho”.[9]
Outra heresia relacionada a graça divina foi a de um grupo chamado em Apocalipse de Nicolaítas (Ap 2.6,15). A interpretação dessa passagem é analisada em pelo menos três perspectivas: 1) eram seguidores de Nicolau, um dos sete que foram designados diáconos em At 6 e que acabou deixando a ortodoxia; 2) gnósticos que queriam se infiltrar na igreja e 3) pessoas que seguiam o ensinamento de falsos Apóstolos e de Balaão.[10]
Embora não haja consenso sobre a origem dos nicolaítas, sabemos que eles pregavam uma versão inovadoramente imoral do Cristianismo. Era um evangelho sem exigências, liberal e sem proibições, no qual queriam gozar o melhor da igreja e o melhor do mundo. Eles incentivavam os crentes a comer comidas sacrificadas aos ídolos e diziam que o sexo antes e fora do casamento não era pecado, estimulando a imoralidade.[11]
Clemente de Alexandria disse que Nicolau (ele cria que fosse um dos sete diáconos) foi repreendido por se enciumar de sua mulher que era muito bonita. Respondendo a essa reprovação, ele disse que quem quisesse poderia tomá-la como esposa, ou seja, ter relações sexuais com ela. Clemente acrescenta, ainda, que Nicolau passou a ensinar que os apóstolos tinham permitido relações promíscuas e comunitárias com as mulheres.[12]
Eusébio de Cesaréia confirma a citação de Clemente em sua história eclesiástica. Entretanto, alega ter pesquisado sobre a vida de Nicolau e descobriu que, embora este tenha ensinado que “cada um deve ofender a própria carne”, ele mesmo não viveu com outra mulher a não ser sua esposa, manteve suas filhas em virgindade até idade avançada, bem como seu filho incorrupto. Eusébio entende que Nicolau tenha permitido sua mulher se relacionar com outros homens para suprimir sua paixão carnal e os prazeres que buscava com tamanho empenho.[13]
Infelizmente, alguns seguiram a prática nicolaíta e se entregaram às paixões sob a alegação de que a carne para nada se aproveita. Easton disse que “eles se pareciam com uma classe de cristãos professos, que procuravam introduzir na igreja uma falsa liberdade ou licenciosidade, desta forma abusando da doutrina da Graça ensinada por Paulo”.[14]
Kistemaker, entretanto, faz uma excelente colocação sobre o tema. Segundo ele, os crentes de Éfeso odiavam as obras dos nicolaítas e além de serem elogiados por conta disso, Jesus acrescenta que Ele odeia igualmente essas obras. “Note que o ódio é direcionado para as obras, não para pessoas. Jesus odeia o pecado, porém estende seu amor para o pecador. Enquanto o pecado é uma afronta a sua santidade, a missão de Jesus é conduzir os pecadores ao arrependimento”.[15]
Judaizantes
Se por um lado “se introduziram furtivamente certos homens (…) ímpios, que convertem em dissolução a graça de nosso Deus, e negam o nosso único Soberano e Senhor, Jesus Cristo” (Jd 4), por outro vieram alguns que tentaram recosturar o véu que foi rasgado de alto abaixo no dia da expiação de Cristo.
Alguns grupos judaizantes da atualidade criaram doutrinas singulares, tais como negar o uso do nome Jesus no idioma português, sob o pretexto de que esse nome deriva da forma grega iesus, cujo significado seria deus-cavalo (para eles deve-se usar todos os nomes bíblicos no idioma hebraico), sistematizar o Espírito Santo num entendimento unicista, negar a fórmula batismal de Mt 28.19,20, negar a inspiração dos livros neotestamentários, além de dogmatizar a guarda do sábado.[16]
Israel é uma nação de importância histórica, política, econômica, militar e religiosa. Foi lá o berço do monoteísmo e também lá que nasceram homens que marcaram suas gerações. O judaísmo tinha aspectos de uma Aliança feita de Deus para com os homens, todavia, esses aspectos eram sombras que apontavam para o futuro, para uma Nova Aliança ratificada e firmada pelo Sangue do Cordeiro Jesus Cristo (Cl 2.17). Embora o cristianismo traga consigo a história dos hebreus, é peculiar e diferente do judaísmo.
Nos primeiros anos da jovem Igreja fundada por Cristo e dirigida pelo Espírito Santo, alguns homens que se converteram religiosamente ao cristianismo, não quiseram abrir mão de alguns aspectos do judaísmo farisaico e fizeram de tudo para misturar o Evangelho puro e simples com a Lei de Moisés. Essa controvérsia trouxe sérios aborrecimentos ao Apóstolo Paulo, o qual exortou irmãos que estavam deixando a doutrina de Cristo para ir após outro evangelho em sua carta aos gálatas.
As principais religiões judaicas do primeiro século da era cristã eram os fariseus, saduceus, zelotes e essênios. Cada um desses grupos tinham costumes que lhes eram próprios e com a proliferação do cristianismo para os gentios, houve um grande choque cultural entre estes e os judeus, os quais quiseram impor a continuação da circuncisão.
Esta discrepância doutrinária trouxe uma discussão acalorada entre Paulo, Silas e os fariseus recém-convertidos. Tal controvérsia só pôde ser apaziguada em uma reunião conciliatória em Jerusalém por volta do ano 51. d.C.. Embora este concílio tenha definido as contramedidas solucionadoras, algumas práticas judaizantes insistem em bater a nossa porta nos dias de hoje.
Falsos Cristos e falsos profetas
Vez ou outra aparece alguém com ideias absurdamente loucas, se autoproclamando um emissário de Deus, um profeta especial ou até mesmo Cristo. Na Sibéria, por exemplo, um homem chamado Sergei Torop passou por uma experiência mística em Maio de 1990. Nessa ocasião, ele alega ter recebido uma revelação de que é a reencarnação de Jesus e tem arrebatado milhares de seguidores pelo mundo.
Além dele, outros homens fizeram a mesma exposição. Podemos destacar o inglês David Shapler, o americano Ernest L. Norman, o cômico brasileiro INRI Cristo, o suicida Jim Jones, o japonês já morto Shoko Asahara, o americano Michel Travesser e o porto-riquenho José Luís de Jesus Miranda (o mais perigoso entre eles).[17]
Champlin ainda enumera pelo menos seis falsos Cristos da antiguidade, a saber: Teudas (44 d.C.), Barcocabe (132 d.C.), Moisés cretense (400 d.C.), Davi Alroy (1160 d.C.), Asher Lammlein (1502 d.C.) e Sabbethai Zebi (1625-1676 d.C.).[18] Desde o século XIX podemos também destacar outros nomes: John Nichols Thom (1799-1838), Arnold Potter (1804-1872), Bahá’u’lláh (1817-1892), William W. Davies (1833-1906), Mirza Ghulam Ahmad, (1835-1908) e Lou de Palingboer (1898-1968).[19]
Outra pessoa que teve certa expressividade no Brasil foi o fundador da Igreja da Unificação, o Reverendo Sun Myung Moon. Ele alegava ter sido comissionado pelo próprio Jesus enquanto ainda era um espírito vagante para completar a missão messiânica, pois Cristo não teria conseguido termina-la por completo. [20] O unificacionismo ensina que a missão de Cristo era estabelecer uma nova humanidade, casando-se e tendo filhos purificados da natureza satânica implantada no homem através da queda de Adão.[21] A culpa da missão inacabada de Cristo era de João Batista que deveria ter seguido Jesus logo após batiza-lo. Dessa forma, Moon se auto declarava o paracleto de Deus.
Entre os anos 120 e 180 da era cristã, viveu Montano, um profeta da Frígia que tinha profecias e revelações sobre a segunda vinda, além de outras ideias inovadoras. Ele denominou-se o “paracleto”, isto é, aquele em quem se iniciaria e se findaria o ministério do Espírito Santo. Ele acreditava ser o consolador prometido.[22] Tertuliano, um dos mestres da igreja acabou se aliando ao montanismo no final de sua vida.
Batalha Espiritual
Existe um movimento no evangelicalismo pós-moderno que trouxe consigo uma gama de heresias problemáticas. Estamos nos referindo ao movimento de batalha espiritual. Este movimento consiste em enfatizar a guerra que os crentes enfrentam a todo o momento com satanás e suas hostes malignas. Possui uma visão dualística do reino de Deus.
A existência de anjos, demônios e de tentativas do inimigo de nossas almas em frustrar a propagação do Evangelho é inegável. Paulo estava preso quando escreveu sua epístola aos efésios e nessa ocasião tranquilizou-os sobre sua situação. O fato de ter sido preso não deveria desmotivar os demais irmãos na continuação da missão da Igreja. Destarte, ele avisa àqueles irmãos que, embora ele tenha sido perseguido pelos soldados romanos, seus reais adversários não eram eles e sim as hostes espirituais da maldade (Ef 6.12).
Não era necessário tomar espadas e combater líderes religiosos, políticos, soldados ou pessoas que não criam na mensagem de Boas Novas. Aliás, as armas da milícia de Cristo não são carnais, mas espirituais e poderosas o suficiente para derrubar raciocínios errados, bem como todo baluarte que se ergue contra o conhecimento de Cristo (2 Co 10.4,5).
Após observar os soldados que lhe guardavam no cárcere, Paulo ainda compara suas armas com nosso equipamento bélico espiritual. Ao invés de uma couraça de metal, devemos utilizar a couraça da justiça. Verdade ao invés de cinto. A pregação do Evangelho a toda criatura ao invés de sandálias de couro. A Palavra de Deus ao invés de um gládio romano. A fé ao invés de um escudo. Uma mente renovada em Cristo ao invés de um capacete.
O movimento da batalha espiritual é cheio de ramificações. O Dr. Augustus Nicodemus cita em seu livro “O Que Você Precisa Saber Sobre Batalha Espiritual” um estudo do Professor do Christian Counseling & Educational Foundation (CCEF), David Powlison, no qual são citadas quatro linhas do movimento em questão: 1) Os carismáticos, representado dentre várias personalidades por Benny Hinn; 2) Os dispensacionalistas, de orientação não-carismática, com uma filosofia menos fantástica e mais concentrada em aconselhamento pastoral e oração em favor pelos oprimidos, cujos proponentes mais conhecidos são Mike Bubeck e Merril Unger; 3) Uma linha mais moderada com representantes como Neil Anderson, Timothy Warner e Ed Murphy e 4) a que tem mais popularidade no Brasil, identificada com o diretor de Escola de Missões Mundiais do Seminário Fuller, C. Peter Wagner [23].
As principais controvérsias do movimento de batalha espiritual, são portanto, ensinos como mapeamento espiritual, espíritos territoriais, quebra de maldições, maldições hereditárias, transferências de espíritos, terceirização da culpa pelo pecado (tudo passa a ser culpa do diabo, inclusive as obras da carne), revelações demoníacas, criaturas místicas e folclóricas (lobisomens, vampiros e zumbis), supervalorização dos demônios em detrimento de Cristo, bem como atribuições de super poderes às hostes do mal.
O movimento da batalha espiritual acaba por resgatar um tipo de heresia que já foi combatida há séculos pela Igreja: o Maniqueísmo. Esse foi o movimento fundado por Mani, que foi considerado com o último dos gnósticos. Ele nasceu por volta de 216 d.C. na Babilônia e ensinava que Deus usou diversos servos, como Buda, Zoroastro, Jesus e, finalmente, ele mesmo, o profeta final (paracleto, como ele afirmava).
Dizia, ainda, que o universo é dualista, isto é, existem duas linhas morais em existência, distintas, eternas e invictas: a luz e as trevas. Segundo os maniqueístas, essas duas forças cósmicas eram iguais, porém, opostas entre si.[24] As ideias de Mani foram refutadas por Orígenes e Agostinho, sendo ainda rejeitadas pela Igreja por contrariar a Soberania de Deus em controlar todas as coisas, além de ser satanás uma mera criatura, diferentemente da forma como o consideravam.
Apesar dos exageros do movimento de guerra espiritual, “precisamos nos guardar contra dois perigos extremos. Não podemos tratá-lo com muita leviandade, para não subestimar seus perigos. Por outro lado, também não podemos nos interessar demais por ele”. [25]
Finalizando esta seção, é válido comentar que, a Bíblia afirma ainda que o adversário das nossas almas é astuto, isto é, possui uma habilidade para enganar as pessoas de forma inteligente e usa de ciladas, armadilhas bem elaboradas, como fez com Eva no jardim do Éden (Gn 3.1; Ef 6.11).
Todavia, o diabo não é invencível. Jesus riscou o escrito de dívida que era contra nós, cravando-o na cruz, onde despojou os principados e as potestades, exibiu-os publicamente e deles triunfou (Cl 2.14,15). Além disso, aguardamos o cumprimento da promessa de que “o Deus de paz em breve esmagará a Satanás debaixo dos nossos pés” (Rm 16.20 – paráfrase de nossos em vossos).
A divindade de Cristo
As principais heresias cristológicas dos tempos hodiernos são as das Testemunhas de Jeová. Esequias Soares escreveu uma excelente obra esgotando cada uma das controvérsias jeovistas. As TJ’s não creem que Jesus é Deus e traduziram Jo 1.1 como sendo Jesus “um deus”, admitindo uma espécie de henoteísmo, isto é, um politeísmo em que existe um deus superior a outros deuses súditos menores do que ele.[26]
Na concepção jeovista, portanto, Jesus é um deus inferior a Jeová, bem como criatura sua. Essa alegação fica ainda pior quando admitem satanás sendo um terceiro deus, baseados em 2 Co 4.4. Jesus e Cristo são duas coisas distintas na concepção das TJ’s. Ele teria se tornado Cristo somente após o batismo no Jordão. Depois de sua morte, o Jesus de Nazaré terrestre não fora ressuscitado, isto é, não houve ressurreição corporal, apenas espiritual. Afirmam, ainda, que a verdadeira identidade de Jesus é outra. Ele seria na verdade o Arcanjo Miguel.[27]
Uma vez negada a divindade de Cristo, a doutrina cristã da Trindade fica ausentada de uma pessoa, Cristo. Mas não é apenas Ele que fica fora de Seu posto. O Espírito Santo também. Para a doutrina jeovista, o Espírito Santo é nada mais, nada menos que uma força ativa impessoal.
Além disso, eles negam alguns atributos incomunicáveis de Deus (entenda-se aqui Jeová), alegando que Ele não é onipresente porque tem morada e não é onisciente porque não sabe o futuro e não sabia o resultado da prova de Abraão.[28]
Não é objetivo deste artigo analisar as heresias da Sociedade Torre de Vigia, pois além de falta de espaço sairia de nosso propósito inicial. Entretanto, como se vê, as TJ’s afetam não apenas doutrinas cristológicas, mas paracletológicas, teontológicas, soteriológicas, hamartiológicas e escatológicas também. Isso sem falar de outras heresias não citadas.
Destarte, mostraremos que as heresias expostas aqui possuem considerável tempo de existência e embora tenham sido descartadas pelos primeiros cristãos, sofreram mutações e fundições no arraial jeovista.
A primeira delas foi a controvérsia conhecida como arianismo. Ário foi presbítero de Alexandria. Ele ensinava que Jesus Cristo era um ser criado e que encarnou num corpo humano que faltava uma alma racional. Sua profissão de fé declarava que ele reconhecia apenas um único Deus que é o único não gerado (auto-existente), único eterno, único sem começo, único verdadeiro, único detentor de imortalidade, único sábio, único bom, único juiz, etc. O Filho então, na visão ariana, seria uma criatura formada a partir do nada e sem nenhum dos atributos incomunicáveis da divindade (sempiterno, onipotente, onisciente, onipresente).[29]
Nestório ensinava que existiam as duas naturezas (humana e divina), porém, negava que ambas as naturezas compunham uma verdadeira unidade. Assim sendo, ele acabou ensinando que as duas naturezas eram duas pessoas. Para ele, Jesus era um hospedeiro de Cristo.[30]
Os monarquianistas dinâmicos (ou adocianistas) diziam que Cristo tinha assumido a forma divina somente após o batismo. Para eles, Jesus era um homem comum e que depois foi escolhido ou adotado como filho de Deus.[31]
Além das controvérsias já citadas, muitas outras confusões foram feitas sobre a natureza de Cristo. Os ebionitas entendiam que Jesus fosse apenas humano; Os docetas criam que Ele fosse apenas divino e que Seu sofrimento tinha sido apenas simbólico; Os eutiquianistas (monofisistas) ensinavam, à semelhança dos atuais localistas, uma natureza amalgamada. Os apolinarianistas negavam a natureza humana completa de Jesus, alegando que oLogos substituiu a alma humana de Cristo; cria-se, ainda, que Seu corpo era glorificado antes da ressurreição. Os sabelianos (monarquianistas modalistas ou somente modalistas) diziam ser Cristo o segundo modo das três sucessivas manifestações de Deus. Os patripassianistas, uma variante desta última, ensinavam que o próprio Pai havia morrido na cruz (patripassianismo).
Conclusão
Olhar para o passado nos ajuda a refletir sobre o presente e a pensar como queremos ser no futuro. Estudar as heresias primitivas nos capacita a entender o reflexo de suas controvérsias na atualidade e prevenir futuros resgates do que já foi antes rejeitado.
Embora dezenas de heresias tenham sido citadas aqui, muitas outras ainda ficaram faltando. Algumas por falta de espaço, outras por falta de pertinência temática. Contudo, que a Igreja continue utilizando o divino par de lentes que “coletando-nos na mente conhecimento de Deus de outra sorte confuso, dissipada a escuridão, mostra-nos em diáfana clareza o Deus verdadeiro”,[32] afinal, “A Bíblia, toda a Bíblia e nada mais do que a Bíblia, é a religião da igreja de Cristo.”[33] Ela é efetivamente “absoluta ou obsoleta”.[34]
Notas
[1] BREESE, Dave. Conheça as marcas das seitas. Fiel, 2001, pp.18-22
[2] BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. Cultura Cristã, 2012, p.614.
[3] GONZALEZ, Justo. Uma História Ilustrada do Cristianismo: a era dos mártires. Volume I. Vida Nova, 1989 , pp. 25-28.
[4] CAIRNS, Earle E.. O cristianismo através dos séculos. Vida Nova, 2008, pp. 31-33.
[5] RIVERA, Paulo B., Tradição, transmissão e emoção religiosa. Olho d’água, 2001, 234.
[6] LUTERO apud BLANCHARD, John. Pérolas para a vida. Edições Vida Nova, 1993.
[7] BONHOEFFER, Dietrich. Discipulado. São Leopoldo: Sinodal, 2004, p. 10
[9] KELLY, J.N.D. Patrística. Vida Nova, 2009, p. 42.
[10] KISTEMAKER, Simon. Comentário do Novo Testamento: Apocalipse. Cultura Cristã, 2004, pp. 158-159.
[11] LOPES, Hernandes Dias. Comentário bíblico expositivo de Apocalipse. Hagnos, 2005, p. 21.
[12] CLEMENTE, Tito Flávio. Stromata 3.4.
[13] CESAREIA, Eusébio de. História Eclesiástica. CPAD, 1999, pp. 107-108.
[14] EASTON, George. Easton’s Bible Dictionary: Nicolaitanes. Thomas Nelson, 1897.
[15] KISTEMAKER, Simon. Op. cit., pp. 158-159.
[16] SOARES, Ezequias. Heresias e modismos. CPAD, 2010, pp. 286-302.
[17] CASTRO, Carol. Ele está entre nós. Superinteressante, n 298 de dezembro de 2011.
[18] CHAMPLIN, Norman; BENTES, João. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia. Volume 2. Hagnos, 1991, p. 677
[20] Série Apologética – Volume IV. Instituto Cristão de Pesquisas, pp. 51-63.
[21] OLSON, Roger. História das controvérsias da teologia cristã. Vida, pp. 229, 231-232, 241, 245.
[22] CESAREIA, Eusébio de. Op. Cit., pp. 180-184.
[23] NICODEMUS, Augustus. O Que Você Precisa Saber Sobre Batalha Espiritual. Cultura Cristã. São Paulo. 2006, p. 30,31.
[24] Heresias Primitivas. Artigo da Edição Especial Defesa da Fé – ICP, CD-Rom, 26/07/10.
[25] ERICKSON, Millard J. Introdução a Teologia Sistemática. Vida Nova. São Paulo. 1992, p. 200
[26] SOARES, Ezequias. Testemunhas de Jeová. Hagnos, 2008, 113.
[27] Ibid, p. 114.
[28] Ibid, p. 112.
[29] KELLY, J.N.D. Op. cit., pp. 172-176; 212-218.
[30] Ibid, pp234-240.
[31] Ibid, pp. 86, 103, 239-240.
[32] CALVINO, João. Institutas. I, VI, 1.
[33] SPURGEON apud BLANCHARD, John. Op. Cit.
[34] HAVNER apud BLANCHARD, John. Op. Cit.
Fonte:NAPEC