sábado, 18 de outubro de 2014

Missão Integral ou Neocalvinismo: em busca de uma visão mais ampla da missão da Igreja

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Por Rev. Filipe Costa Fontes


Há algum tempo a Missão Integral (MI) tem sido objeto de controvérsia nos círculos conservadores do evangelicalismo brasileiro. De um lado estão aqueles que a rejeitam e a criticam, alegando que ela seria uma versão protestante da Teologia da Libertação. Isto é, para eles a MI seria uma tentativa de compreensão da missão da igreja por um viés filosófico-sociológico marxista, razão pela qual, na prática, desviaria o foco da missão da igreja para o engajamento político-social. De outro lado, existem aqueles que a defendem e aderem a ela, principalmente sob a alegação de que a igreja teria passado por uma espécie de achatamento em sua concepção de missão, reduzindo o alcance da missão da igreja ao aspecto espiritual da vida humana, e a MI permitiria uma ampliação necessária. Ou seja, ela possibilitaria uma visão da missão da igreja como um movimento em direção à integralidade da vida humana.

Devemos considerar a legitimidade da preocupação que tem levado algumas pessoas a aderirem à MI. De fato, não são poucas as igrejas que nutrem uma perspectiva dualista da realidade, sobretudo da pessoa humana. E, por consequência, vivenciam sua missão de modo reducionista, negligenciando oportunidades de aplicação do evangelho a outras esferas de nossa existência, que não a relativa à fé. Parece mesmo faltar a muitos pastores e igrejas uma compreensão da abrangência do impacto da missão da igreja. Contudo, o que tem acontecido recentemente com a MI no Brasil não é muito diferente e parece fortalecer o argumento daqueles que a tem rejeitado. Muitos pastores e igrejas que aderiram à MI parecem também estar sofrendo de uma prática reducionista.

Eles ficam tão fascinados com o engajamento político-social que acabam por atribuir a essa tarefa um caráter de centralidade, para não dizer de exclusividade.

A percepção desse reducionismo tem sido compartilhada até mesmo por alguns dos proponentes da MI, como é possível verificar no texto a seguir:

O paradigma da missão integral, movimento da missão integral, ou teologia da missão integral, popularizado após o Congresso Internacional de Evangelização Mundial realizado em Lausanne, Suiça, em 1974, ganhou as ruas no Brasil somente depois que o Pacto de Lausanne foi publicado em português, dez anos após sua elaboração. Desde então a expressão missão integral ficou restrita ao debate a respeito da relação entre evangelização e responsabilidade social, e chegou aos nossos dias tão reduzido que qualquer igreja que tem uma creche acredita estar “fazendo missão integral”. (...) Observe que alguém facilmente diria que um projeto social está relacionado com missão integral, mas dificilmente consideraria um encontro de casais realizado num hotel 5 estrelas como um projeto de missão integral. A organização de um centro comunitário é imediatamente percebida como ação de missão integral, mas um sarau com muita música e leituras de Fernando Pessoa e Adélia Prado exigiria muita explicação para que fosse associado à missão integral. O senso comum diria que o médico que dedica um final de semana para trabalho voluntário numa comunidade da periferia da cidade está fazendo missão integral, mas diria que o mesmo médico, cobrando R$ 700,00 por uma consulta em seu consultório, está realizando seu trabalho secular (não religioso), ou, no máximo, ganhando dinheiro para financiar projetos de missão integral. É urgente ampliarmos o horizonte de reflexão.
Extrapolar os limites definidos pelo debate evangelização /responsabilidade social e mergulharmos nas implicações das relações sagrado/profano e religioso/não religioso para a vivência da espiritualidade cristã pessoal e comunitária.[1]

É curioso perceber, no entanto, que esse reconhecimento não acontece sem que a suposta integralidade original da MI seja defendida. Geralmente, ele vem acompanhado do argumento de que esse reducionismo seria, para usar as palavras do autor acima, “uma distorção do conceito em seus termos originais”.[2]

Mas, afinal, o reducionismo verificado na prática de igrejas brasileiras que têm
aderido à MI seria de fato um desvio da proposta original ou um desdobramento natural originalmente gestado? Essa é a pergunta que pretendemos responder na parte inicial deste artigo, e que possui uma importante implicação para o debate inicialmente mencionado. Caso a segunda alternativa seja verificada, nossa hipótese é a de que teremos razões para questionar a contribuição da MI para a efetiva ampliação de nossa concepção de missão. O propósito do artigo, contudo, não se limita a esse movimento reativo. Além de levantar este questionamento queremos sugerir que a tradição calvinista, mais especificamente tal qual expressa no neocalvinismo holandês, oferece melhores condições para a compreensão da missão da igreja. Apresentar as razões desta sugestão é o que pretendemos fazer na segunda parte do texto.

1. missão integral?

A expressão Missão Integral foi cunhada por volta da década de 1970 por membros da Fraternidade Teológica Latino-Americana (FTL, na sigla em espanhol), para descrever uma compreensão da missão cristã que abrange tanto a proclamação quanto a demonstração do evangelho por meio da ação social.[3]

Geralmente a MI é apresentada como um chamado à integralidade; uma defesa da missão da igreja como um movimento em direção à “pessoa toda, com todo o evangelho, em todo o seu contexto social e cultural”.[4] É este chamado que tem atraído muitos evangélicos conservadores, mesmo no círculo reformado. É também ele que pretende ser, de alguma forma, assegurado pelo argumento de que o reducionismo prático da MI seria um desvio do propósito original.

Contudo, há razões para questionar este chamado à integralidade. Isso, por que a apropriação do adjetivo “integral” pela perspectiva que estamos analisando não parece estar relacionada ao significado semântico do termo – todo, inteiro, completo – mas à tentativa de superação de um dualismo específico, que se refere ao exercício da missão da igreja enquanto instituição: o dualismo evangelização/ação social. Oliva, citando Nóbrega, afirma que o uso do qualificativo integral tem como objetivo “lembrar as igrejas de que elas não devem optar por um dos polos opostos – salvação pessoal/espiritual ou responsabilidade social”.[5] Para Carvalho, esse dualismo teria sido o ponto central de discussão do Congresso de Lausanne, importante marco da MI, e também o responsável pela elaboração do conceito.

Entre as questões que o congresso de Lausanne procurou responder, talvez a mais importante seja a que focalizou a relação entre evangelização e responsabilidade social. O debate sobre essa relação levou à formulação de um conceito mais amplo de missão cristã, expresso no conceito de missão integral, englobando tanto a evangelização quanto a responsabilidade social, sendo ambas inter-relacionadas e essencialmente distintas. A partir daí, todas as discussões em torno da missão integral passaram a focalizar sua fundamentação e aplicação à luz da prática pastoral e missionária.[6]

Como é possível verificar, embora se utilize de um adjetivo cujo significado semântico aponta para a abrangência, a discussão da MI gira em torno de uma questão específica: o engajamento da igreja com a ação social e a relação entre este engajamento e a evangelização. A interpretação e referência ao engajamento social como um movimento voltado à integralidade revela sua semente reducionista.

É provável que esse reducionismo seja fruto da construção dialética da MI, o que a teria conduzido, pelo menos em parte, a uma síntese[7] com um paradigma filosófico-sociológico reducionista: o materialismo histórico – que reduz a dinâmica da realidade ao aspecto socioeconômico.[8] Descrevendo o ambiente intelectual que teria forjado a MI, Gondim afirma claramente seu caráter dialético, argumentando que ela teria se originado do desejo dos evangélicos de “fazer nascer uma teologia que se aventurasse em dialogar com as ciências e a filosofia”.[9] E sugere seu caráter sintético ao relacioná-la à Teologia da Libertação e ao apontar as Fraternidades Teológicas Latino-Americanas como fermentadoras do pensamento que lhe deu origem.[10] Mais que uma simples sugestão pode ser encontrada na argumentação de Sanches, que relaciona as origens da MI a um movimento denominado ISAL (Igreja e Sociedade na América Latina), fundado na década de 60, e que, em suas próprias palavras, “elaborou uma síntese entre o protestantismo e o marxismo, por meio de um fecundo diálogo entre a Teologia e as Ciências Sociais, a fim de interpretar o contexto de crise política vivida pelo povo latino-americano”.[11]

Se, por um lado, esses apontamentos não são suficientes para afirmar um compromisso original generalizado da MI com o projeto ideológico marxista, por outro, eles nos oferecem fortes indícios da influência do materialismo histórico na atmosfera intelectual que forjou tal pensamento. É ilustrativa dessa influência certa ênfase exclusivista nos impactos socioeconômicos do evangelho. Em palestra ministrada no Fórum Jovem de Missão Integral, Ramos sustenta:

Então o que foi que mudou com a chegada do reino? Mudou a economia. Agora, a proposta é a solidariedade e o alvo é a igualdade. Mudou a relação de trabalho. Porque agora, o trabalhador tem de ser o primeiro a desfrutar do resultado do seu trabalho. Mudou a relação política. Agora, o “sujeito” não é eleito para assumir o poder, o “sujeito” é eleito para assumir o serviço. Se a Igreja ganha essa consciência, a Igreja se torna profeta dos profetas, se torna o grande arauto da justiça.[12]

É também ilustrativa desta relação a apropriação e aplicação de conceitos próprios do materialismo histórico à obra de Cristo. Na palestra anteriormente citada, por exemplo, a vinda do reino de Cristo por ocasião de sua primeira vinda é descrita em termos de “ruptura” e “revolução”.[13] Finalmente, esta relação e influência podem ser percebidas pela constante crítica da MI à tradição teológica de pensamento e sua consequente defesa de “uma teologia legitimamente continental”,[14] o que se assemelha ao caráter antitradicionalista do materialismo histórico.[15]

O resultado dessa relação é não apenas a falta de um conceito de integralidade, mas de lastro histórico-teológico para localizar a questão da missão da igreja dentro de um escopo maior de pensamento,[16] o que culmina na impossibilidade de superação do dualismo inicialmente verificado: o dualismo evangelização/ação social na missão institucional da igreja. Carlos Antônio Barro sustenta que a partir de Lausanne é possível verificar três posições mais definidas dentro da MI sobre a relação entre os polos desse dualismo: uma mais conservadora, que enfatiza a evangelização como tarefa principal; uma mais moderada, que começa a pensar em integrar a busca pela justiça social à missão da igreja, e uma terceira que elimina prioridades e vê evangelização e ação social como tarefas complementares.[17] Esta última é a posição mais comumente defendida pela MI na atualidade, e mesmo ela não promove a superação do dualismo evangelização/ação social. Pois a defesa de que a igreja deve fazer uma coisa e outra, embora promova uma aproximação dos dois polos, os mantém separados, o que significa, no fim das contas, a manutenção da dualidade.

Nossa suspeita inicial, portanto, é que o reducionismo observado na prática da MI, ao invés de desvio, seria a consequência natural de sua construção dialética e aproximação sintética de um paradigma reducionista.

Consequentemente, seria possível questionar a contribuição da MI para a ampliação de nossa visão missiológica e promoção de uma concepção efetivamente integral de missão.

2. integralidade e missão no neocalvinismo holandês

Neocalvinismo é o nome comumente usado para se referir ao movimento originado na Holanda, nos séculos 19 e 20, sob a liderança de Abraham Kuyper, cuja proposta básica era aplicar os princípios do calvinismo ao relacionamento do cristão e da igreja com a sociedade e a cultura de sua época.[18] A partir dessa proposta “projetaram-se, no século 20, várias iniciativas de ação cristã transformadora em setores diversos, como filosofia e teologia, política e ação social, artes e ciências, educação e comunicações”.[19]

O neocalvinismo holandês é uma tentativa de contextualização que mantém o compromisso com a tradição teológica de pensamento. Nas palavras de Carvalho, o que Kuyper fez foi refundar o calvinismo, “seguindo de perto os princípios reformados da soberania de Deus e da unidade entre natureza e graça, articulando-os, porém, a um contexto definitivamente moderno (ou até mesmo pós-moderno)”.[20] Por um lado, portanto, o neocalvinismo é uma tentativa de aplicação relativamente recente. Por outro, ele se apresenta revestido de um lastro histórico-teológico que permite a reflexão sobre a missão da igreja dentro de um escopo amplo de discussão que considera os grandes temas da teologia. Esta é a primeira razão pela qual o consideramos uma proposta mais apropriada para a nossa reflexão missiológica. O neocalvinismo se propõe a pensar a missão da igreja em relação à cultura contemporânea sem a necessidade de promover uma revolução paradigmática messiânica, uma vez que ele pensa para além de uma teologia localizada restrita a determinados contextos socioculturais, como é o caso da MI.

Em segundo lugar, é importante destacar que o calvinismo, tradição teológica em que se fundamenta a perspectiva apresentada, é um esforço por construir um edifício teológico a partir da aplicação radical da Escritura Sagrada.

Nas palavras do próprio Calvino:

Eis aqui o princípio que distingue nossa religião de todas as demais, ou seja: sabemos que Deus nos falou e estamos plenamente convencidos de que os profetas não falaram de si próprios, mas que, como órgãos do Espírito Santo, pronunciaram somente aquilo para o qual foram do céu comissionados a declarar. Todos quantos desejam beneficiar-se das Escrituras devem antes aceitar isto como um princípio estabelecido, a saber: que a lei e os profetas não são ensinos passados adiante ao bel-prazer dos homens ou produzidos pelas mentes humanas como uma fonte, senão que foram ditados pelo Espírito Santo.[21]

Ao fazer essa afirmação não defendemos a perenidade do calvinismo enquanto paradigma teológico. Mas desejamos sugerir que existem vantagens em lidar com um edifício teológico que sustente como princípio fundamental a exclusividade de seu compromisso com a Escritura Sagrada, ao invés do diálogo sintético com qualquer pensamento imanente.[22] Foi esse compromisso radical com a Escritura que permitiu ao calvinismo e, consequentemente, ao neocalvinismo holandês, a apropriação da ideia de integralidade no sentido semântico pleno do termo. A posse desse conceito é a terceira razão de nossa sugestão. 

O conceito de integralidade é fundamental à teologia reformada. Uso o termo ‘fundamental’ em seu sentido radical, com a intenção de afirmar que o conceito é, de fato, um dos pilares do que Kuyper denominou “sistema de vida calvinista”.[23] De certa forma, esse conceito também surge no calvinismo como a superação de um dualismo. No entanto, enquanto na MI o conceito de integralidade visa a superação de um dualismo específico, que diz respeito à missão institucional da igreja, no calvinismo ele visa a superação de um dualismo abrangente, que envolve a realidade como um todo. Trata-se do dualismo natureza/graça, construído a partir de uma tentativa de síntese entre elementos do pensamento cristão com a filosofia grega, e impulsionado pelo catolicismo romano.[24] Assumindo o risco de imprecisões, poderíamos defini-lo como uma mentalidade que separava toda a realidade em dois polos distintos, concebendo parte dela em relação a Deus e parte como dotada de autonomia, sem qualquer relação com Deus.[25] Essa pode parecer uma discussão meramente filosófica, mas sua abrangência é ampla:

A relação entre natureza e graça é mais do que um problema teórico. De fato, trata-se de um problema religioso fundamental, pois procura responder como a reconciliação com Deus por meio de sua obra redentora se relaciona com as estruturas espaço-temporais, antropológicas e racionais da vida.[26]

A Reforma Protestante, com maior profundidade João Calvino e a tradição calvinista, encontraram na doutrina da soberania de Deus um caminho para a superação dessa polarização. A tradição calvinista fez isso ao assumir o senhorio absoluto de Cristo sobre a realidade, conforme ilustram as tão conhecidas palavras proferidas por Abraham Kuyper em 20 de outubro de 1880, na Nieuwe Kerk, em Amsterdã: “Não há um único centímetro quadrado em todos os domínios da existência humana sobre o qual Cristo, que é o Soberano sobre tudo, não clame: é meu!”.[27]

Primeiramente, o neocalvinismo fundamenta o conceito da soberania de Deus na doutrina bíblica da criação. Um exemplo de como essa doutrina foi radicalmente considerada no pensamento neocalvinista pode ser encontrado na filosofia da ideia cosmonômica de Herman Dooyeweerd, filósofo e discípulo de Kuyper. Sua ontologia, por exemplo, descreve uma diversidade de aspectos nos quais a realidade se manifesta temporalmente, cada um deles sujeito a uma estrutura de lei divinamente ordenada. De acordo com Dooyeweerd, a lei de Deus seria a condição de possibilidade e o que estabelece os limites de absolutamente toda a realidade, normatizando o funcionamento dela em sua integralidade, desde os aspectos mais básicos como o numérico ou o espacial, passando pelos intermediários como o analítico e o linguístico até aos mais complexos como o estético, o ético e o pístico (relativo à fé).[28] Em segundo lugar, a doutrina da soberania de Deus encontra fundamento também na compreensão radical da doutrina da redenção. As palavras de Kuyper nos remetem a essa doutrina ao se referirem a Cristo. Para o sistema de vida calvinista, a salvação de Deus em Cristo possui uma extensão cósmica, e não diz respeito apenas a parte do homem, mas ao homem todo; e não apenas ao homem, mas a partir dele se estende a toda a realidade.[29]

A partir dessa compreensão radical das doutrinas da criação e da redenção, o neocalvinismo pode empregar o termo “integralidade” em seu sentido semântico – todo, inteiro, completo – e “missão” como o esforço humano de “fazer convergir para Deus toda a criação e toda vida que se desenvolve nela”.[30] Essa superação do dualismo básico natureza/graça permitirá, por fim, a superação do dualismo específicoevangelização x ação social na missão da igreja, razão final pela qual sugerimos o neocalvinismo como perspectiva mais apropriada para a promoção da ampliação de nossa visão missiológica.

Filha da concepção neocalvinista de soberania é a ideia de “esferas de soberania” ou “soberania das esferas”.[31] Essa expressão foi cunhada e utilizada por Kuyper para, desafiando o absolutismo do estado moderno, afirmar o entendimento de que a soberania de Deus se manifesta socialmente no estabelecimento de um campo de atuação e de limites para as diversas instituições.

Num sentido calvinista nós entendemos que a família, os negócios, a ciência, a arte e assim por diante, todas são esferas sociais que não devem sua existência ao Estado, e que não derivam a lei de sua vida da superioridade do Estado, mas obedecem a uma alta autoridade dentro de seu próprio seio; uma autoridade que governa pela graça de Deus, do mesmo modo como faz a soberania do Estado. (...) Nesse caráter independente está necessariamente envolvida uma autoridade superior especial, a que intencionalmente chamamos de soberania das esferas sociais individuais, a fim de que possa estar claro e expresso que estes diferentes desenvolvimentos da vida social nada têm acima deles, exceto Deus, e que o Estado não pode intrometer-se aqui e nada tem a ordenar em seu campo.[32]

A partir dessa proposta do neocalvinismo holandês, a missão de sujeitar a realidade ao senhorio de Cristo é vista como uma missão coletiva. Em termos institucionais, ela não seria apenas a missão da igreja, mas a missão de cada instituição, dentro de sua esfera de atuação. Não apenas a igreja, mas “o casamento, a família, as instituições educacionais, o Estado e a sociedade como um todo devem ser organizados de acordo com os princípios cristãos”.[33]

Por consequência, seria correto dizer que a igreja possui um núcleo principal de ação que deve normatizar sua participação nesse esforço de sujeitar a realidade ao senhorio de Cristo. Segundo Kuyper esse núcleo seria promover a fé em Cristo pela pregação da Palavra, congregar os salvos e realizar serviço filantrópico ou diaconal.[34]

Ao definir a missão da igreja Kuyper enfatizou o elemento de proclamação do evangelho. Segundo ele, “para a glória de nosso Deus é necessário haver a regeneração seguida pela conversão, e a Igreja deve contribuir para esta conversão através da pregação da Palavra”.[35] Por isso, os outros dois elementos que compõem a missão da igreja são vistos em subordinação a esta tarefa de proclamação. O propósito da comunhão seria fortalecer esse testemunho. Nas palavras de Kuyper, “atiçar esta chama e fazê-la brilhar”.[36] E o serviço filantrópico ou diaconal teria como propósito manifestar o alcance da proclamação.

Isto é, revelar que “para o homem integral e para todos os aspectos da vida ele é o Christus Consolator”.[37]

Alguém pode afirmar que enfatizar a missão proclamatória da igreja seria uma visão limitadora do impacto da igreja na sociedade e na cultura. Contudo, tal afirmação revelaria ou uma visão imanente das causas da desordem social, ou uma visão limitada do poder e alcance redentor do evangelho. Pois, se partirmos da radicalidade da concepção calvinista da queda como causa de toda a desordem social, e de seu consequente apreço pelo evangelho como o poder de Deus para a transformação do homem em toda a sua relação com a realidade, a proclamação da igreja, compreendida em seu sentido amplo de aplicar o evangelho de Cristo a todas as esferas da vida, passa a ser vista como a mais fundamental necessidade para uma efetiva reforma da sociedade e da cultura, e a mais real contribuição da igreja para isso. Neste sentido, a perspectiva neocalvinista permite a superação do dualismoevangelização/ação social na missão da igreja, ao eliminar a polarização entre as duas coisas, apontando uma como efeito da outra. Ele sugere que ao invés de falar em uma coisa ou outra, ou numa coisa e outra, deveríamos falar em uma coisa pela outra.

Na prática, essa perspectiva desloca e aprofunda a questão do debate. Ao invés de nos perguntar: Deve a igreja abrir uma instituição de ensino escolar? Ela deve criar um grupo de artes? Deveríamos nos perguntar: Como uma igreja pode proclamar o evangelho de Cristo de tal modo aplicado à educação e aos relacionamentos que as instituições de ensino sejam levadas a imprimir os valores do Reino de Deus em seu exercício diário? Ou, como uma igreja proclama o evangelho de Cristo de tal modo aplicado à estética que a maneira de se fazer arte seja generalizadamente impactada? Talvez, ao fazer isso, igrejas locais pudessem descobrir vocações específicas e decidir proclamar as implicações do evangelho para determinada área da realidade, de modo especial e prático. Isso seria não apenas legítimo, mas desejável! Contudo o envolvimento da igreja neste caso deveria se dar, ainda, em subordinação à sua missão de proclamação do evangelho. Seu foco deveria ser não apenas a realização de determinadas atividades sociais ou culturais, mas a utilização delas como exemplo de como, pelo evangelho, pessoas e instituições podem trabalhar para “fazer convergir para Deus toda a criação e toda vida que se desenvolve nela”.[38] Neste caso, ela não estaria fazendo apenas evangelização e ação social/cultural, mas transformação social/cultural pela evangelização, aplicando o evangelho a todas as esferas da vida.

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Notas:
[1] KIVITZ, E. R. O evangelho integral. Disponível em: 
http://edrenekivitz.com/blog/tag/missao-integral/. Acesso em: 18 fev. 2014.
[2] KIVITZ, 2014.
[3] REIS, G. J. B. dos. C. René Padilla: introdução à sua vida, obra e teologia. São Paulo: Arte Editorial, 2011, p. 85-86.
[4] GONDIM, R. Missão Integral: Em busca de uma identidade evangélica. São Paulo: Fonte Editorial, 2010, p. 20.
[5] NÓBREGA, E. R. Missão Integral: Fundamentos teológicos e implicações práticas. João Pessoa: Betel Publicações & Ministério Mais que Palavras, 2011, p. 21-22.
[6] CARVALHO, G. V. R. de. A missão integral na encruzilhada: Reconsiderando a tensão no pensamento teológico de Lausanne. In: RAMOS, L.; CAMARGO, M.; AMORIM, R. Fé cristã e cultura contemporânea. Viçosa: Ultimato, 2009, p. 17.
[7] Um pensamento “sintético” é um sistema teórico construído na interação entre elementos original e estruturalmente cristãos e elementos de sistemas teóricos apóstatas, cujo ponto de partida é imanente.
[8] O erro básico do marxismo seria “assumir que é possível explicar as concepções estéticas, jurídicas, morais e písticas em termos de uma reflexão ideológica de um sistema econômico de produção”. DOOYEWEERD. A New Critique of Theoretical Thought. 3ª ed. Paideia: Ontario, 1984, v. 2, p. 293. Minha tradução.
[9] GONDIM, 2010, p. 20.
[10] Cf. GONDIM, 2010, p. 20.
[11] SANCHES, S. de M. A teologia da missão integral como teologia evangélica contextual latino-americana. Revista Caminhando v. 15, n. 1, p. 65-85, jan./jun. 2010, p. 76.
[12] RAMOS, A. Palestra no Fórum Jovem de Missão Integral. Disponível em: http://www.irmaos.com/artigos/?id=2432. Acesso em: 3 abr. 2014.
[13] Cf. RAMOS, 2014.
[14] GONDIM, 2010, p. 20.
[15] Samuel Escobar, sobre a origem da Fraternidade Teológica Latino-Americana: “Existia o convencimento de que fazia falta um ponto de encontro que permitisse aos evangélicos pensantes entender melhor o Evangelho e sua pertinência ante a crítica situação de nossos países. Havia um desejo de unir-se e ajudar-se mutuamente a escutar com clareza a voz do Espírito Santo para seu povo na América Latina. Não nos sentíamos representados pela teologia elaborada na América do Norte e imposta através de seminários e institutos bíblicos dos evangélicos conservadores, cujos programas e literatura eram tradução servil e repetitiva, forjada em uma situação totalmente estranha à nossa. Tampouco nos sentíamos representados pela teologia elitista dos protestantes ecumênicos, geralmente calcada em moldes europeus e distante do espírito evangelizador e das convicções fundamentais das igrejas evangélicas majoritárias do continente americano”. ESCOBAR, S. La fundación de la Fraternidad Teológica Latinoamericana: Breve ensayo histórico. In: PADILLA, C. R. (org). 25 Años de Teologia Evangelica Latino Americana. Buenos Aires: FTL, 1995, p. 16. Mario Vieira de Mello, sobre o antitradicionalismo marxista: “...o que mais impressiona em tal doutrina é a petulância, é a arrogância com que cinco mil anos de existência histórica são assim descartados e reduzidos a uma crônica de acontecimentos sem idoneidade ou transparência. Nenhum outro pensamento do mundo ocidental, seja ele o de Descartes, o criador da dúvida metódica, o de Rousseau, o denegridor da sociedade, ou mesmo o do grande rebelde que foi Friedrich Nietzsche, ousou repudiar a tradição cultural da maneira por que o fez o marxismo. (..) É como se tivéssemos subitamente encontrado um marciano que se risse ou se compadecesse dos nossos pobres esforços intelectuais no sentido de verificar hipóteses por meio de experiências, de conceber a verdade das relações matemáticas, ou mesmo de articular ideias. A ruptura com o passado é, no marxismo, total”. MELLO, M. V. de. Desenvolvimento e cultura: O problema do estetismo no Brasil3ª ed. Brasília: Funag, 2009, p. 55.
[16] Carvalho sustenta que a falta desse lastro teológico conduziria a uma teologia genérica, definida como: “uma teologia de baixo custo, acessível a todos, adaptável aos cristãos de todas as tradições, com apelo suficiente para mobilizá-los à ação”, e localiza sua fonte na “possibilidade de criar soluções teológicas originais, contextualizadas, independentes do debate entre as grandes tradições europeias”. Cf. CARVALHO, 2009, p. 44.
[17] Cf. BARRO, A. C. Revisão do marco da missão integral. In: Congresso Brasileiro de Evangelização, 2. Missão Integral: proclamar o reino de Deus vivendo o evangelho de Cristo. Viçosa: Ultimato, 2004, p. 75-76.
[18] Cf. LIMA, Leandro A. de. O futuro do calvinismo. São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 71-72.
[19] CARVALHO, 2009, p. 53-54.
[20] CARVALHO, 2009, p. 53.
[21] CALVINO, João. As Pastorais. São Paulo: Paracletos, 1998, p. 262.
[22] Pensamento imanente é todo pensamento que procura explicar a realidade ignorando a relação dela com Deus.
[23] Cf. KUYPER, Abraham. Calvinismo. São Paulo: Cultura Cristã, 2002.
[24] Cf. SCHAEFFER, Francis. A morte da razão. 8ª ed. São Paulo: ABU, 2001, p. 9-10.
[25] Cf. SCHAEFFER, 2001, p. 7.
[26] CARVALHO, 2009, p. 48.
[27] BRATT, James D. Abraham Kuyper: A Centennial Reader. Grand Rapids: Eerdmans, 1998, p. 488.
[28] Cf. KALSBEEK, L. Contours of a Christian Philosophy: An Introduction to Herman Dooyeweerd’s Thought: a supplement to the collected works of Herman Dooyeweerd. Lewiston, NY: Edwin Mellen Press, 2002, p. 100.
[29] Cf. CARVALHO, G. V. R. de. O senhorio de Cristo e a missão da igreja na cultura. In: RAMOS, L.; CAMARGO, M.; AMORIM, R. Fé cristã e cultura contemporânea. Viçosa: Ultimato, 2009, p. 64. [30] KUYPER, 2002. p.62. É importante esclarecer que o neocalvinismo não sustenta uma visão otimista ingênua do impacto do evangelho sobre a realidade nesta atual conjuntura. Kuyper sustenta que uma vida completamente redimida não se manifestará “antes do segundo advento” (KUYPER, 2002, p. 69). Por consequência, o incentivo do neocalvinismo ao esforço para sujeitar a realidade ao senhorio de Cristo não se dá na esperança de que uma transformação completa da realidade aconteça no atual momento, mas de que a conformidade da realidade ao projeto criacional e a antecipação do reino vindouro, promovem a glória de Deus e o bem comum (Cf. KUYPER, 2002, p. 80-81).
[31] Cf. KUYPER, 2002, p. 86.
[32] KUYPER, 2002, p. 98.
[33] VAN TIL, H. R. O conceito calvinista de cultura. São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 155.
[34] Cf. KUYPER, 2002, p. 74-76.
[35] KUYPER, 2002, p. 74.
[36] KUYPER, 2002, p. 75.
[37] KUYPER, 2002, p. 75.
[38] KUYPER, 2002. p. 62.
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Sobre o autor: O autor é ministro presbiteriano formado pelo Seminário Teológico Rev. José anoel da Conceição. É licenciado em Filosofia pelo Centro Universitário Assunção, mestre em Teologia Filosófica pelo CPAJ e em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Atua como professor assistente na área de teologia filosófica no CPAJ e professor do departamento de cultura geral do Seminário JMC.

Fonte: Revista Fides Reformata - XIX, Nº 1 (2014), p. 61-72.
Divulgação: Bereianos

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

A Ética Calvinista

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Por Gordon Clark


A ética calvinista é baseada na revelação. A distinção entre certo e errado não se resolve por meio de uma descoberta empírica da lei natural, como foi o caso de Aristóteles e de Tomás de Aquino, nem pelo formalismo lógico de Kant e, certamente, nem pelo cálculo impossível do utilitarismo do maior bem para maior número, mas pela revelação de Deus nos Dez Mandamentos. Essa revelação vem, primeiro, do ato de Deus de criar o homem à sua própria imagem e dos princípios morais básicos implantados no seu coração, mais tarde violados pelo pecado; segundo, das instruções específicas dadas a Adão e a Noé, que sem dúvida ultrapassavam e expandiam a doação inata; terceiro, da revelação mais compreensiva dada a Moisés; e mais, quarto, dos diversos preceitos subsidiários dados no restante da Bíblia.

Embora a igreja medieval conhecesse os dez mandamentos – Pelágio, em sua defesa do livre arbítrio ensinou até mesmo que era possível obedecê-los perfeitamente, e a maior parte da igreja passou a crer que a observação desses preceitos dava mérito para a salvação – Calvino foi quem iniciou um estilo quase completamente novo do uso sistemático dos Dez Mandamentos como base ética. Em suas Institutas, II 8, ele faz uma exposição da Lei Moral, para o que utiliza, aproximadamente, cinquenta páginas. Sua defesa, numa longa exposição, é de que “os mandamentos e as proibições sempre deixam implícito mais do que as palavras expressam… Em todos os mandamentos… se expressa uma parte e não o todo… A melhor regra, então, é que a exposição seja direcionada ao desígnio do preceito… como o final do quinto mandamento é que honra seja dada a aqueles a quem Deus determina a honra…” (II.vii.8).

Na parte principal da exposição, Calvino escreve sobre o sexto mandamento como se segue:
“O propósito desse preceito é que, como Deus uniu a humanidade num certo tipo de unidade, todo homem deve considerar-se responsável pela segurança de todos. Em suma, portanto, toda violência e injustiça e toda espécie de mal que possa ferir o corpo de nosso próximo, é-nos proibido… O Legislador Divino… pretende que a regra governe a alma… Portanto o homicídio mental é igualmente proibido… ‘Aquele que odeia seu irmão é assassino’” (II.viii.39).

Seguindo essa direção de Calvino, os estudiosos de Westminster dedicaram as questões 91-151 do Catecismo Maior à lei moral. Tomemos como exemplo a pergunta 139:

P. 139. Quais são os pecados proibidos no sétimo mandamento?
R. Os pecados proibidos no sétimo mandamento, além da negligência dos deveres exigidos, são: adultério, fornicação, rapto, incesto, sodomia e todas as concupiscências desnaturais, todas as imaginações, pensamentos, propósitos e afetos impuros; todas as comunicações corruptas ou torpes, ou o ouvir as mesmas; os olhares lascivos, o comportamento impudente ou leviano; o vestuário imodesto; a proibição de casamentos lícitos e a permissão de casamentos ilícitos; o permitir, tolerar ou ter bordéis e a frequentação deles; os votos embaraçadores do celibato; a demora indevida de casamento; o ter mais que uma mulher ou mais que um marido ao mesmo tempo; o divórcio ou o abandono injusto; a ociosidade, a glutonaria, a bebedice, a sociedade impura; cânticos, livros, gravuras, danças espetáculos lascivos e todas as demais provocações à impureza, ou atos de impureza, quer em nós mesmos, quer nos outros.

Isso faz sobressair a diferença de padrões morais entre o Calvinismo e o fundamentalismo. Nos Estados Unidos, igrejas arminianas muitas vezes exigem de seus membros que evitem o cinema por causa da lascividade de Hollywood. À vezes, o cinema é pior do que isso: é pornografia explícita. Nesse caso, então, alguns livros e revistas são, igualmente, pornográficos. Deve, uma igreja, então, proibir todos os livros e revistas? O calvinismo se mantém com a Bíblia e não proíbe nem cinema nem livros em geral, mas proíbe “Cânticos, livros, gravuras, danças, espetáculos lascivos”. Lendo adiante no Catecismo Maior vemos, para surpresa de alguns, como é ampla e detalhada a Lei de Deus. Assim sendo, pastores e escritores calvinistas têm feito, com regularidade, exposições dos Dez Mandamentos. Um exemplo anglicano é o de Ezekiel Hopkins, Bispo de Derry (1633-1689), cuja exposição ocupa dezenas de páginas.


Essas exposições das aplicações detalhadas da lei moral são uniformemente prefaciadas por alguns comentários sobre pecado, graça e moralismo. O sistema de méritos católico romano tornou isso necessário. Hoje outros dois pontos de vista necessitam o mesmo pano de fundo teológico. Primeiro, há uma visão petista que depende da direção ou de instruções diretas do Espírito Santo. As diretrizes das Escrituras são vistas como sendo insuficientes ou até mesmo como inaplicáveis “numa era de graça”. Assim sendo, a pessoa precisa receber uma resposta de oração para saber se determinado ato é certo ou errado. O calvinismo fica com a Bíblia e não aceita declarações de revelação especial tardia. O segundo fator que necessita o pano de fundo teológico é a nova definição de legalismo oferecida pelo liberalismo (q.v.). Antigamente, o legalismo era a teoria de que o homem poderia merecer a salvação completa ou parcial mediante o cumprimento da lei; a fé, portanto, não era o único meio de justificação. Mas o liberalismo contemporâneo define o legalismo como qualquer tentativa de distinguir o certo do errado por meio de regras, preceitos ou mandamentos. O argumento é que nenhuma regra cabe em todos os casos, pois sempre há exceções; ou, até mesmo, que toda situação é totalmente singular, tornando sempre impossível o uso de regras. Assim, toda situação deve ser percebida (não julgada) singularmente, e (geralmente) o amor decide o que fazer. Então, o amor naturalmente sanciona o aborto, a homossexualidade e qualquer coisa que seja feita com amor. O Apóstolo Paulo escreveu aos coríntios sobre essa espécie de ideia.

O calvinismo define o pecado como qualquer falta de conformidade para com, ou transgressão da lei de Deus. Salvo pela graça, ou seja, salvo do pecado e de seus efeitos, o cristão é santificado por meio de uma obediência cada vez mais completa aos Mandamentos de Deus.

Hoje, com a falha do modernismo em prover ordem moral separada de Deus e fundada na razão, o pós-modernismo (que não é outro, mas uma continuidade) alterou o pensamento ético moral transferindo da discussão entre o bem e o mal para uma discussão entre bens conflitantes. Para o homem pós-moderno, não há qualquer pressuposição, qualquer revelação nem qualquer absoluto (a não ser que não há proposições nem revelação nem absolutos…). Tudo consiste de narrativas, de liberdades individuais e de programas políticos para proteger a pessoa da imposição de valores morais. O pensamento ético-moral de Calvino se opõe diametralmente, à proposta ética pós-moderna, pressupondo a Criação, a Queda, a Redenção e a esperança bíblica, pressupondo a revelação natural e a revelação específica de Deus, e pressupondo a derivação de todos os aspectos da realidade, incluindo os mais elevados – estético, moral e ético – do aspecto maior da fé. 

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Fonte: Dicionário de Ética Cristã, Carl Henry, Cultura Cristã, p. 231-233
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terça-feira, 14 de outubro de 2014

Dicas preciosas para um ministério frutífero

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Por Rev. Ronaldo P. Mendes


…eu vos escolhi a vós outros e vos designei para que vades e deis fruto, e o vosso fruto permaneça....” (João 15.16).

Todo líder sonha ou busca um ministério abençoado. E nessa busca muitos procuram métodos meramente humanos para alcançar o sucesso. Mas existem alguns caminhos, bíblicos, para se produzir frutos e edificar a igreja de Cristo desempenhando a função de um bom líder do Senhor.

Assim vou destacar quatro características que você, como líder cristão, deve cultivar para que seu ministério tenha sucesso e seja frutífero. Sabemos que o Senhor é quem nos faz frutificar, mas ele nos dá direção para produzir estes frutos. Para ter um ministério frutífero:

1. Seja verdadeiro

Peça a Deus que o mantenha fiel a palavra escrita. Nunca subestime o poder de ensinar a verdade. Peça a Deus que você tenha integridade em seu coração, em sua maneira de pensar. Suplique-lhe que você seja honesto com todos – em responder perguntas e, de um modo mais ativo, em trabalhar para que as pessoas o conheçam.

2. Seja digno de confiança

Confie em Deus, e não em suas próprias habilidades e dons. Gaste tempo em oração particular, com os outros e com a igreja. Seja paciente. Lembre as palavras de Paulo à Timóteo: “prega a palavra, insta, quer seja oportuno, quer não, corrige, repreende, exorta com toda a longanimidade e doutrina.” (2Tm 4.2).

Entregue suas ambições ao Senhor. Esteja disposto a confiar nele com toda a sua vida. Ore a Deus para que a sua fé aumente e o ajude a ver que a preocupação dEle pela igreja é maior do que a sua própria.

3. Seja positivo

Peça a Deus que você não seja fundamentalmente um crítico, nem seja percebido como tal. Estabeleça uma agenda positiva. Esclareça seus planos e a visão de Deus para a igreja, em termos de objetivos imediatos e de longo prazo. Suplique ao Senhor que o ajude a construir relacionamentos pessoais firmes e, em especial, que o ajude a desenvolver mais lideres e sua igreja (2Tm 2.2). Peça-lhe que o torne um exemplo pessoal e um defensor de evangelização e missões. Ore a Deus para que seu zelo aumente – e de sua igreja – para a glória dEle

4. Seja paciente

Contextualize o interesse de Deus pela sua igreja. Use os bons recursos da história de sua própria igreja. Aprenda dos membros mais velhos a história de sua igreja. Torne-se o principal estudante da história de sua própria igreja. Ao fazer isso, você mostra respeito e aprende.

Que você se torne o agente para descobrir o melhor no passado de sua igreja, conduzindo-a às grandiosas coisas que Deus tem para ela no futuro, enquanto ela manifesta o caráter de Deus à sua criação. Que você produza frutos para a glória de Deus e edificação de Sua igreja.  

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Fonte: Solus Christus 
Estudo baseado no livro  “9 marcas de uma igreja saudável” de Mark Dever. 
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segunda-feira, 13 de outubro de 2014

O João Calvino dos calvinistas (parte 1)

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Por Rev. Misael Nascimento


Caminhamos para finalizar nossa análise do primeiro capítulo do livro Calvinismo Recalcitrante, de João Flávio Martinez. Eu já mencionei que a obra apresentadificuldades metodológicas para conceituar o Calvinismo. Além disso, critiquei pormenores do retrato “sombrio” de João Calvino apresentado no livro. Alister McGrath sugere que “os grandes estereótipos do passado, retratando Calvino como um ditador sanguinário e o Calvinismo como um rigorismo moral sem sentido, ficaram — apesar de serem ocasionalmente ressuscitados em escritos polêmicos — para trás”.[1] Calvinismo Recalcitrante ressuscita estes estereótipos e os assume como história ou fato.

Pretendo apresentar João Calvino como este é normalmente compreendido e acolhido pelos calvinistas. A ideia inicial era fazer isso em um único post, mas não consegui finalizar nesta semana a última seção, Um João Calvino Que Nem Todos Conhecem. Se Deus permitir, farei isso na semana que vem. Ademais, nos próximos dias eu provavelmente atualizarei o presente post, especialmente enriquecendo as referências bibliográficas. Um mal-estar físico prejudicou meu ritmo de leituras e estudos.

O perigo da calvinolatria

Escrevo como cristão bíblico, repudiando toda idolatria em torno da pessoa ou obra de João Calvino. Dito de outro modo, eu não sou calvinólatra. Calvino era cheio de falhas; ele não foi um “super-herói”, mas um pecador salvo pela graça. Louvo a Deus por sua vida, ao mesmo tempo em que enxergo o perigo da calvinolatria, ou da arminiolatria ou de qualquer outra “latria” que porventura ameace a sã doutrina, culto e serviço cristãos. Quando consideramos homens ou instituições infalíveis, o ajuntamento de “crentes” deixa de ser igreja de Cristo.

Digo isso para que se saiba que o presente post é escrito com honestidade e respeito. A imparcialidade é impossível porque escrevo discordando do retrato de João Calvino fornecido por Calvinismo Recalcitrante. O texto é honesto e respeitoso porque não há, de minha parte, qualquer falsidade ou espírito beligerante. Meu intuito não é brigar, mas discordar honesta e humildemente de Martinez, sempre disposto a mudar de posição caso sejam fornecidas fontes bibliográficas confiáveis (explicarei isso na próxima seção).

Opiniões e fontes divididas

A celeuma em torno de Calvino não é recente; o organizador da Reforma em Genebra sempre foi um divisor de opiniões. Como afirma Van Halsema, desde os tempos em que ele era ainda vivo, “as pessoas ou seguiam a sua liderança com entusiasmo ou o odiavam amargamente”.[2] Só pra termos ideia do grau desta resistência:

Na sua cidade Natal de Noyon, os cônegos da catedral organizaram uma procissão pública para celebrar sua morte, quando dela ouviram um rumor falso em 1551. Mais tarde, a residência da família Calvino na praça do mercado foi incendiada pela raiva de seus inimigos. [...] Na cidade francesa de Lyons, a notícia da morte de Calvino foi dada “mais de dez vezes”, tão ansiosos estavam os seus opositores de que fosse eliminado. A Igreja de Roma o considerava como seu maior inimigo.[3]

Alguns contemporâneos de Calvino que o odiavam escreveram sobre ele. Sebastião Castellio publicou “um livro denunciando a queima de Servetus”.[4] Foi Calvino quem nomeou o jovem Castellio como diretor do ginásio de Genebra.[5] Tudo ia bem até o momento em que este último escreveu uma tradução popular do Novo Testamento e pediu a Calvino que a recomendasse. Considerando a tradução “tosca e, em alguns pontos, inexata”[6] e sem tempo para discutir com Castellio cada ponto, Calvino recusou recomendá-la. Castellio irritou-se sobremaneira.

Para Gonzalez, Calvino fez Castellio ser expulso de Genebra porque este último interpretou o Cântico dos Cânticos “como um poema de amor”.[7] O problema foi muito mais sério. Castellio assumia uma concepção heterodoxa das Escrituras, afirmando que o Cântico dos Cânticos era apenas um escrito romântico, ou seja, “não era um livro inspirado da Bíblia”.[8] Ademais, Calvino não fez Castellio ser expulso de Genebra, como sugere Gonzalez. A expulsão de Castellio foi iniciativa do Pequeno Conselho.[9]

Além da concepção errada sobre a inspiração de Cântico dos Cânticos, havia outras discordâncias doutrinárias entre Castellio e não apenas Calvino, mas a ortodoxia abraçada por Genebra (como pastor fiel, Calvino era guardião da sã doutrina nas igrejas e cidade sob sua jurisdição). Castellio repudiava parte do Credo dos Apóstolos(“desceu ao Hades”), bem como a doutrina da eleição. Calvino tolerou tais desacordos até o momento em que Castellio pediu ao Pequeno Conselho para ser ordenado ao Sagrado Ministério, alegando “que o salário de diretor era baixo demais”.[10] O Pequeno Conselho aprovou, mas o conselho da igreja, liderado por Calvino, vetou a ordenação, ao mesmo tempo em que solicitou “aos conselhos da cidade queaumentassem o salário do diretor”.[11]

Com raiva pela recusa de sua admissão ao ministério, Castellio demitiu-se da direção do ginásio. Calvino ofereceu-lhe cartas de recomendação a Viret em Lausanne. “Estou verdadeiramente preocupado com ele”, escreveu Calvino. “Ajude-o no que for possível”.[12]

Não obtendo trabalho em Lausanne ou outra cidade, Castellio voltou a Genebra.

Numa tarde de 1544, apareceu numa reunião semanal de ministros e leigos [...]. [...] levantou-se de repente e interrompeu a palestra. Os ministros de Genebra não são como Paulo, disse sarcasticamente. [...] Calvino nada respondeu. Controlando-se, fechou a Bíblia e saiu da sala.[13]

Isso provocou uma reação no Pequeno Conselho, que decidiu expulsar Castellio de Genebra. “Saiu com cartas de recomendação de Calvino e dos ministros, os quais estavam prontos a recomendá-lo como professor embora não aprovassem sua admissão ao ministério”.[14] Tempos depois Castellio escreveu condenando Calvino pela queima de Servetus.

Uma busca rápida no Google revela que Castellio é tido atualmente como “reformado liberal”, “humanista” e “erudito”. Na obra A Ficção Cética, Gustavo Bernardo menciona elogiosamente seu legado, como segue:

A intolerância da Reforma se confirma quando Calvino, o sucessor de Lutero [isso não é historicamente exato; o sucessor de Lutero é Felipe Melanchton], ajuda a condenar o trinitário Miguel Servetus à morte na fogueira como herege [Servetus não era trinitário, pelo contrário, ele era antitrinitário]. O único defensor de Servetus entre os protestantes, oerudito Sebastião Castellio de Basileia, argumentou contra a condenaçãoatacando a pretensão à certeza dos calvinistas. Em seu De Haereticis, escrito em 1554, Castellio mantinha, com base na obscuridade das Escrituras e no constante desacordo em torno delas, que ninguém pode estar tão certo da verdade em questões religiosas de modo que se justifique queimar alguém por isso.[15]

Eis Castellio, um ferrenho opositor contemporâneo de Calvino. Qualquer historiador que consultar suas obras obterá um retrato muito negativo do reformador de Genebra.

Um segundo opositor foi Jerome Bolsec, mencionado na longa citação de Dave Hunt, em Calvinismo Recalcitrante.[16] Hunt nos informa que Bolsec “ousou discordar [da] doutrina da predestinação de João Calvino. Ele [...] foi preso e banido de Genebra com a advertência [de] que se ele retornasse seria açoitado”.[17] Hunt é mais exato do que Suffert, que sugere o seguinte dado falso: “Bolsec, um ex-carmelita que recusa a doutrina de Calvino sobre a predestinação, é queimado em 1553”.[18]

O ataque da Bolsec à doutrina da predestinação é destituído de qualquer originalidade.

Transformais Deus num tirano. E se Deus decidiu tudo desde o princípio, ele mesmo é responsável pelo pecado. Esse Calvino, que vos ensinais tais coisas, é um impostor. Sois loucos se seguis sua liderança.[19]

Calvino refutou Bolsec e o Pequeno Conselho decidiu expulsá-lo de Genebra. Bolsec assumiu seu lugar na fila dos inimigos mortais de Calvino. Como nos informa Van Halsema:

Na sua velhice, e com o seu ligeiro contato com Calvino, Bolsec produziu um livro sobre a vida do reformador de Genebra. De todos os livros escritos pelos inimigos de Calvino, este é provavelmente o que está mais cheio de mentiras maliciosas, acusações e invencionices.[20]

De acordo com McGrath:

Calvino, de acordo com Bolsec, era irremediavelmente aborrecido, malicioso, violento e frustrado. Ele considerava suas próprias palavras como se fosse palavra de Deus e se permitia ser adorado como Deus. Além de, frequentemente, ser vítima de suas tendências homossexuais, ele tinha o hábito de flertar com qualquer mulher que se aproximasse dele. De acordo com Bolsec, Calvino abriu mão de seus benefícios, em Noyon, em razão de terem vindo a público suas atividades homossexuais. A biografia de Bolsec é uma leitura muito mais interessante do que as de Teodoro de Beza ou de Nicolas Colladon; no entanto, sua obra se baseia, predominantemente, em relatos orais, anônimos e inconsistentes, provenientes de “pessoas dignas de confiança” (personnes digne de foy), que pesquisas mais recentes consideraram de valor questionável. A despeito desse fato, a reconstituição de Calvino, traçada por Bolsec, tem influenciado muitas outras descrições, bastante desfavoráveis, a respeito da vida e das ações do Reformador, que apresentam uma linha divisória, cada vez mais nebulosa, entre fatos e ficção.[21]

McGrath menciona também Stephan Zweig, o escritor austríaco que morreu no Brasil, em 1942, e que descreveu Calvino — provavelmente em Castellio ou Contra Calvino: Uma Consciência Contra a Violência (1936) — como “o grande ditador de Genebra, [...] governando aquela cidade desafortunadamente com mãos de ferro”.[22] McGrath entende que a obra de Zweig:

[...] deve ser julgada pela ampla falta de qualquer fundamento histórico substancial como sendo, de modo geral, inconsistente com fortes evidências históricas e baseada em um entendimento inadequado a respeito das estruturas de poder e dos procedimentos de tomada de decisão operantes em Genebra.[23]

Deve ser ressaltado que exatamente Stephan Zweig, desconstruído por McGrath, é usado como fonte de pelo menos parte da citação de Dave Hunt, em Calvinismo Recalcitrante.[24]

Outro livro recente explica a Reforma em Genebra em uma seção intitulada A Reforma Pela Marreta,[25] ou seja, não faltam detratores da pessoa e obra de João Calvino em Genebra. Uma pesquisa nos escritos acerca de Calvino, do 16º século até agora, revelará opiniões e fontes divididas.

Isso significa que o leitor ou pesquisador tem de decidir: Qual fonte é confiável? Qual conjunto de dados ou informações — e qual leitura ou interpretação destes dados — corresponde aos fatos? Os favoráveis a Calvino sublinham que os escritos contrários (contemporâneos de Calvino) foram produzidos por pessoas que discordavam do seu ensino ou gestão em Genebra, especialmente que sentiram-se diminuídas, limitadas ou prejudicadas por ele. De modo geral, os calvinistas assumem como confiáveis os escritos doutrinários, os comentários bíblicos, os registros das atas dos conselhos de Genebra e as correspondências de Calvino. Também é tida como acreditável a biografia de Beza, sucessor de Calvino na liderança da igreja genebrina.

Não gostarão de Calvino aqueles que lerem sobre ele com os óculos do presente século. Especialmente no Brasil dominado pela cultura inclusiva, esquerdista-materialista e afetada pelo conceito “politicamente correto”. As ideias ou possibilidades de exclusão, de aplicação de disciplina social com base em convicções religiosas sobre uma minoria (rotulada pelos “detentores da autoridade religiosa” como “hereges”) são inconcebíveis no ideário compartilhado ocidental deste século. Basta folhear os escritos atuais para constatar que teólogos irenistas, tais como Erasmus de Roterdã — que abraçou o protestantismo, depois retornou à Igreja de Roma e era absolutamente contra qualquer uso de violência — são elogiados e academicamente recomendados.

Também não gostarão de Calvino os articuladores da supremacia da vontade humana, e aqui eu não me refiro estrita e necessariamente aos arminianos, pois conheço arminianos que ressaltam a soberania divina e respeitam João Calvino, considerando-o um homem de Deus, apesar de discordar dele em alguns pontos de doutrina. É o caso de Roger Olson, que apesar de refutar o Calvinismo[26] oferece também uma reconstituição séria e confiável da vida e ideias do reformador de Genebra.[27]

A estrutura de poder em Genebra

Calvino detinha poder absoluto sobre Genebra? Cabe a ele a designação de “déspota” ou “ditador” tanto da igreja quanto da cidade? McGrath nos informa com acerto:

A frase “A Genebra de Calvino” é carregada de implicações potencialmente enganosas, resultando, talvez, em interpretações incorretas acerca do status e do âmbito de liberdade de ação de que Calvino gozava em Genebra”.[28]

A “Genebra de Calvino” era regida por três conselhos. O primeiro, o Pequeno Conselho, era composto por vinte e cinco homens, dentre eles, “quatro síndicos, os mais importantes oficiais da cidade, porquanto eleitos pelo povo”[29] (tabela 01).

Tabela 01. O Pequeno Conselho

          • Principal instância de governo | 25 integrantes
          • 4 integrantes eleitos pelo povo — os síndicos, o tesoureiro da cidade
          • 20 integrantes eleitos pelo Conselho dos Duzentos

O segundo conselho era o Conselho dos Duzentos, eleito pelo Pequeno Conselho (tabela 02).[30]

Tabela 02. O Conselho dos Duzentos

          • Segunda instância de governo
          • Homens eleitos pelo Pequeno Conselho

O terceiro conselho “era o Conselho Geral, ao qual pertenciam todos os homens de Genebra. Este era convocado somente para assuntos de suma importância”[31] (tabela 03).

Tabela 03. O Conselho Geral

          • Terceira instância de governo
          • Todos os homens (cidadãos) de Genebra


Hunt, citado por Martinez, menciona Zweig, sugerindo que quase todo dia, antes de tomar uma decisão, o “Conselho da Cidade” consultava Calvino.[32] Isso é admissível se considerarmos a época de 1556 a 1564, mas em suas primeiras quase duas décadas em Genebra, Calvino sofreu contestação e até humilhação por parte dos Conselhos, nos quais constavam seus grandes opositores, denominados Libertinos.[33] Quando John Knox chegou a Genebra a fase mais difícil havia passado. Sua declaração, de que “existe aqui a mais perfeita escola de Cristo desde os dias dos apóstolos”,[34] só pode ser entendida no contexto de uma Genebra pacificada e reformada.

Mesmo depois de consolidada a Reforma, e por conseguinte, a influência de Calvino, este não agia como um “ditador”. Suas ideias tinham de ser aprovadas primeiramente pelo Conselho de Ministros, depois, pelos outros Conselhos genebrinos. Só pra exemplificar, a Academia de Genebra, “o sonho de Calvino”, só foi estabelecida em junho de 1550, dezoito anos depois do início da segunda fase de seu ministério.[35] O livro de cânticos da igreja, o Saltério de Genebra, só foi publicado em 1562, depois de vinte e um anos de ministério![36] Algumas propostas de Calvino eram acolhidas e acatadas. Outras não. Trocando em miúdos, ele trabalhou sob a autoridade de outros pastores e membros dos Conselhos de Genebra. Destarte, algumas coisas que são atribuídas a Calvino não ocorrem apenas por causa dele, de fato, em determinadas situações, ocorreram a despeito dele.

Outro detalhe a considerar é o ethos que conduz as cidades e reinos a aplicar a pena de morte no 16º século. Suffert explica que “em Genebra, condena-se à morte pormotivo religioso”[37] — uma declaração anacrônica por desconsiderar o contexto histórico e cultural de Calvino. A pena de morte por questão religiosa era práticacomum não apenas em Genebra, mas virtualmente em todas as culturas desde a antiguidade até a aurora renascentista. Politicamente, não havia nítida distinção entre Religião e Estado. A Europa Cristã (incluindo Genebra) abraçava e submetia-se ao “Codex de Justiniano, o livro legal padrão ainda seguido no Santo Império Romano”.[38] Apenas pra exemplificar, de acordo com o Codex, “pelo crime de negar a Trindade [...] a penalidade é a morte”.[39]

Quem não reconhece tais coisas extrapola os limites de poder de Calvino em Genebra e atribui a ele uma vileza injustificada. A compreensão adequada do ethos daquela época nos ajuda a compreender melhor muitas coisas, inclusive a execução de Servetus.

O episódio de Miguel Servetus

Olhemos mais de perto para a execução de Miguel Servetus, explicada laconicamente por Suffert, como segue:

Era um médico espanhol que residia em Lyon e negava a Trindade e a divindade de Cristo. Ele é denunciado, por intermédio de Calvino, à Inquisição católica de Lyon. Tratava-se de um sábio — sem dúvida, foi ele quem descobriu a circulação do sangue. Servet — que se correspondia há muitos anos com Calvino — fugiu de Lyon para Genebra. Reconhecido, ele é preso enquanto assiste a um sermão de Calvino. Este organiza o processo de seu amigo, manda condená-lo e queimá-lo em 1553.[40]

Servetus foi queimado na colina Champel com quarenta e dois anos de idade, em 27 de outubro de 1553, acorrentado a uma estaca e com um livro amarrado debaixo do braço.[41] Os calvinistas não celebram sua morte. Como registra Van Halsema:

Hoje existe uma pedra no lugar onde Servetus morreu. [...] Há uma inscrição francesa na pedra: “Como filhos reverentes e agradecidos de Calvino, nosso grande Reformador, repudiando seu erro, que foi o erro da sua época, e, de acordo com os verdadeiros princípios da Reforma e do Evangelho, apegando-nos à liberdade de consciência, erigimos este monumento de reconciliação neste 27º dia de outubro de 1903”. 
Olhando para trás, [...] lamenta-se que Calvino, na maneira de tratar Servetus, tenha agido como outros homens de seu tempo. Lamenta-se, especialmente, porquanto nos seus escritos e nos seus atos Calvino estava muito além da sua época, apontando o caminho para a tolerância e a liberdade, a separação entre a igreja e o estado, ao direito de cada homem crer em Deus conforme a sua consciência.
O milagre consiste em que Deus tenha usado um servo pecador como João Calvino de maneira tão poderosa para edificar sua igreja e influenciar seu mundo.[42]

E como Calvino agiu? Tentarei responder retornando à citação de Suffert que sugere um Calvino maligno, um “amigo” que se corresponde por muitos anos com Servetus e, no fim das contas, o trai e mata.[43]

Não é bem assim.

Desde os dezoito anos de idade, Miguel Servetus declara sua descrença na doutrina da Trindade. Para ele Jesus não é divino e o Espírito Santo não é um ser distinto. Seu primeiro livro com tais ideias é publicado quando ele tem apenas vinte anos de idade e é rejeitado tanto pelos líderes protestantes (os conselhos de Estrasburgo e Basel, bem como Lutero, Melanchton, Bucer, Bullinger e Zwinglio) quanto pelo Supremo Conselho da Inquisição Espanhola.[44]

Servetus altera seu nome para Michel de Villeneuve e dedica-se a muitas coisas. Aos vinte e dois anos de idade, marca um encontro com João Calvino em Paris, mas não comparece.[45] Naquela cidade ele edita “uma geografia do mundo”, estuda medicina (descobrindo como “o sangue circula nos pulmões”) e dá palestras “sobre geografia e astrologia”, aventurando-se “a prognosticar pelas estrelas” o que acontecerá “a homens e nações”. É julgado pelo parlamento francês por insolência a um professor. Consegue escapar e muda-se para Vienne, onde vive doze anos pacíficos, editando livros, praticando medicina, conquistando a amizade do arcebispo e fazendo-se de católico fiel a Roma.[46] Ali ele se dedica a outro livro que intitula As Restitutas, que considera uma “restauração” ou “resgate” do Cristianismo primitivo e puro.[47]

Assim que completa trinta e cinco anos (em 1546 e 1547) Servetus escreve a Calvino, que lhe responde com cortesia e envia-lhe “uma cópia de suas Institutas”. Servetus devolve a cópia “com anotações insultantes” e prossegue remetendo mais cartas longas, tratando Calvino com “condescendência e aspereza”. Considerando perda de tempo debater com ele, Calvino deixa de responder-lhe. Observe-se que Calvino, “apesar de saber a identidade real de Servetus, não tomou nenhuma providência para revelá-la às autoridades católico-romanas em Vienne”.[48]

Seis anos depois, as Restitutas são publicadas. “No lugar de seu nome Servetus usou somente as iniciais M. S. V. (Miguel Servetus Villeneuve) na página titular. Mas incluiu as trinta cartas a Calvino no apêndice do livro”.[49]

Na cidade vizinha, Lyon, cinco pastores protestantes são presos. Depois de um ano, em maio de 1553, eles são “acorrentados em grupo e queimados vivos”.[50] A situação provoca indignação nos protestantes. Entre a prisão e execução destes pastores, um morador de Genebra escreve a um primo que mora em Lyon, criticando-lhes porque estão maltratando verdadeiros servos de Deus, ao mesmo tempo em que suportam, próximo a eles, um “herege [...] que blasfema contra a Trindade e que acaba de escrever um novo livro cheio de heresias. [...] O herege de quem falo é Servetus, o espanhol, conhecido em Vienne como Miguel de Villeneuve”. Para comprovar, o protestante envia ao primo católico “as quatro primeiras páginas” do livro de Servetus.[51]

O primo católico-romano de Lyon foi logo às autoridades eclesiásticas com a notícia. Convocaram Servetus, o qual jurou por tudo que era somente Miguel de Villeneuve, um fidelíssimo seguidor de Roma. As autoridades precisavam de mais provas. Pediram ao primo católico-romano que escrevesse a Genebra solicitando-as.[52]

Este primo protestante é amigo de Calvino e pede que este lhe forneça algumas cartas de Servetus. Estas são enviadas ao primo católico-romano com uma observação: “Mas preciso dizer-lhe que não foi pouca a dificuldade em receber de Calvino o que lhe estou remetendo”.[53] Como prossegue Van Halsema:

Será que Calvino sabia que as cartas originais de Servetus seriam entregues às autoridades para serem usadas para Servetus? O próprio Calvino negou mais tarde que tivesse participado na entrega de Servetus à Igreja de Roma, e não temos motivo para duvidar da sua palavra. Mas as cartas, afinal de contas, tornaram-se as provas finais contundentes contra Servetus, não importando os motivos por que foram remetidas. Não adiantaram os esforços de Servetus para eximir-se da culpa. As provas estavam ali. Foi colocado na prisão em abril de 1553 para aguardar sentença.[54]

A prisão de Vienne não o segura. Servetus foge. As autoridades, indignadas, queimam solenemente uma efígie cheia de palha, representando-o.[55] Quatro meses depois, ei-lo em Genebra, hospedando-se na Estalagem da Rosa Dourada e encomendando “um barco para atravessar o lago em direção a Zurique”.[56]

No domingo seguinte, 13 de agosto, ele comparece a um culto. Alguém o reconhece e comunica Calvino, que pede aos conselhos que o prendam. Eis o que consta nas atas:

Miguel Servetus foi reconhecido por alguns irmãos, e parecia conveniente fazer dele um prisioneiro para que o mundo não mais fosse infectado pelas suas heresias e blasfêmias, porquanto é conhecido como incorrigível.[57]

Inicia-se um julgamento de dois meses e meio. Calvino escreve um documento com trinta e nove acusações e confronta Servetus face a face. É então que os Libertinos dos Conselhos — incluindo Ami Perrin, presidente do Pequeno Conselho — demonstram apoio a Servetus. Este percebe a oposição crescente a Calvino e o trata com insolência e desprezo,[58] chamando-o de “criminoso, assassino, desgraçado, mentiroso, anão ridículo, [...] acha que tem a capacidade de ensurdecer os ouvidos dos juízes com o seu latido de cão?”[59]

Calvino prossegue com sua argumentação — muitas vezes raivosa e áspera — consolidando doutrinariamente suas trinta e nove acusações e finalizando com a exigência de punição de Servetus, nos termos do Codex de Justiniano.[60]

A partir de então, a sentença tem de ser proferida pelo Pequeno Conselho que, como dissemos é presidido por um opositor de Calvino favorável a Servetus. Como afirma Van Halsema, “nunca foi tão pouca a influência de Calvino sobre o Conselho como nos meses em que Servetus esteve na prisão”.[61] De fato, paralelamente ao problema de Servetus ocorre uma celeuma em torno da excomunhão de Berthelier, o líder Libertino. O Pequeno Conselho assume o poder da igreja e, à revelia do Conselho de Ministros e desafio a Calvino, restaura Berthelier e o autoriza a participar da Santa Ceia.[62] O protesto de Calvino é veemente, mas rejeitado pelo presidente do Pequeno Conselho. No sábado anterior à Ceia ele diz aos vinte e cinco homens: “Assevero que prefiro morrer do que ver desonrada a Ceia do Senhor [...]. Preferia estar morto cem vezes do que cometer tão terrível escárnio contra Cristo”. No domingo seguinte, orientado pelo Pequeno Conselho, Berthelier não comparece ao culto de Ceia.[63]

Tudo disso deixa Servetus altivo e bem-humorado.

A sua ousadia chegara ao ponto de escrever ao Pequeno Conselho: “Portanto, meus senhores, exijo que o meu falso acusador seja punido, [...] que sua propriedade me seja outorgada em recompensa pela minha [...] e que seja ele conservado prisioneiro assim como eu até que o julgamento seja decidido pela sua morte ou por qualquer outra punição”. É interessante que mesmo Servetus esperava que o veredito do julgamento fosse a morte, mas não esperava que seria ele quem iria morrer.[64]

Ocorre um fato novo que muda tudo. Ao invés de proferir imediatamente sua sentença, o Pequeno Conselho decide consultar “igrejas e conselhos de representantes de quatro cidades suíças. [...] Apoiados por uma provável repetição de respostas moderadas, o Pequeno Conselho poderia então libertar Servetus”.[65]

[...] as respostas de Zurich, Bern, Basel e Schaffhausen foram surpreendentes — um abalo, mesmo, para o Libertinos. [...] Cada conselho e cada igreja denunciou Servetus, afirmando que as suas blasfêmias precisavam ser cortadas antes que pudessem prejudicar ainda mais a igreja de Cristo. Em nossa cidade, disse Bern, a penalidade seria a morte pelo fogo.[66]

Ami Perrin tergiversou, protelou a decisão e tentou passá-la ao Conselho dos Duzentos, onde haviam mais opositores de Calvino, mas o Pequeno Conselho entendeu que deveria proferir a sentença, condenando Servetus à morte pela fogueira.

Foi um veredito unânime porquanto até os Libertinos perceberam que não poderiam ignorar as opiniões de quatro influentes cidades. Calvino ouviu a sentença e imediatamente pediu ao Conselho que substituísse a estaca pela espada, porquanto a decapitação era mais misericordiosa do que a queima na estaca. Mas o Pequeno Conselho, rápido para recusá-lo, recusou-lhe esse pedido também.[67]

É interessante um registro deste incidente por Van Halsema:

Calvino foi visitá-lo. Servetus pediu-lhe perdão. Calvino respondeu [...]: “Creia-me, jamais tive a intenção de processá-lo por causa de alguma ofensa pessoal contra mim. Há dezenove anos, colocando em perigo a minha vida, quis encontrar-me com você em Paris para ganhá-lo para o nosso Senhor. E depois, quando você vivia como um fugitivo, quis novamente mostrar-lhe o caminho certo pelas minhas cartas até que você começou a odiar-me por causa de minha firmeza [...] Mas [...] peça perdão ao Deus perene que você blasfemou [...]. Seja reconciliado ao Filho de Deus [...] ao Salvador”.[68]

Farel também foi a Genebra e visitou Servetus, mas este permaneceu irredutível — apegado às suas crenças até o fim.[69]

Calvino foi responsável pela morte de Servetus? Do ponto de vista jurídico, a execução decorreu de uma deliberação do Pequeno Conselho influenciado pelos conselhos da regiões protestantes da Suíça. Na ocasião, o Pequeno Conselho não estava sob a influência de Calvino, pelo contrário, era-lhe oposto. No entanto, como afirma Van Halsema:

Calvino havia participado da morte de Servetus. Tinha pedido aos Conselhos que prendessem o espanhol. Tinha feito acusações contra ele. Tinha debatido perante o Pequeno Conselho para provar que as heresias deste homem estavam ameaçando a igreja de Cristo. E apesar de Calvino não ter participado na sentença, ele a aprovou, embora não pelo fogo.[70]

A fim de não incorrermos em anacronismo, entendamos que:

Outros líderes protestantes estavam a favor da pena de morte. O brando Melanchton, sempre inclinado à paz e à transigência, escreveu a Calvino: “A igreja de Cristo ficar-lhe-á grata. [...] O seu governo, de acordo com todas as leis, providenciou a morte desse blasfemo”. A época era de estacas, [...] quando os homens ainda acreditavam ser do seu dever julgar as crenças que outros tinham de Deus.[71]

Isso não confere a Calvino inocência, mas nos ajuda a compreendê-lo em seu contexto. O triste fato é que “a partir de então esse incidente se tornou o símbolo do dogmatismo rígido que reinava na Genebra de Calvino. E não há dúvida de que há muito de verdade nisso”.[72] Gonzalez prossegue afirmando que:

Em todo caso, depois da execução de Servetus, a autoridade de Calvino em Genebra não teve rival, sobretudo porque os teólogos de todas as demais regiões da Suíça protestante lhe tinham dado apoio, ao mesmo tempo em que seus opositores se colocaram na difícil situação de defender um herege condenado tanto pelos católicos como pelos protestantes da Suíça.[73]

O que se enxerga no episódio de Servetus? Os detratores de Calvino encontram um monstro. Os calvinistas encontram um homem que, como Moisés ou Davi, a despeito de seus pecados, não deixa de ser homem de Deus.

Notas biográficas e legado de João Calvino

Não pretendo alongar sobremaneira esta postagem. Eu imagino que somente uma minoria conspícua se dispõe a ler meus posts do início ao fim. Sendo assim, não é meu propósito (muito menos tenho capacidade para) fornecer uma biografia de João Calvino. Martinez já nos brinda com um resumo útil ao citar o texto sobre o reformador publicado no web site do Instituto Presbiteriano Mackenzie.[74] Ademais, os leitores interessados em mais informações serão beneficiados compulsando os livros e links mencionados nas notas deste post.

Cinco fases da vida de Calvino

Basicamente, a vida de Calvino pode ser dividida em cinco fases (tabela 04), sendo a primeira, sua infância e pré-adolescência, de 1509 a 1523, quando obteve status de menino clérigo de Noyon e destacou-se pela inteligência privilegiada, obediência aos pais, hábitos disciplinados e ares de aristocrata (devido ao convívio com amigos nobres).[75]

A fase seguinte é a de João Calvino antes de Genebra, de 1523 a 1536, abarcando sua mudança para Paris, sua iniciativa como escritor humanista, sua conversão, sua fuga de Paris, viagens sob perseguição, publicação da primeira edição das Institutas e primeiras experiências de pregação, ensino e serviço aos cristãos protestantes de fala francesa.[76]

A terceira fase remete ao primeiro tempo de Calvino em Genebra, de 1536 a 1538. Esta fase começa como uma tempestade (com o apelo dramático de Farel para que Calvino permaneça em Genebra) carregada de promessas e termina como um terremoto (a trágica expulsão de Calvino e seus amigos). Calvino é recebido festivamente e a cidade assume compromissos de Reforma, mas não deseja, de fato, implementá-las. No fim, Calvino, Farel e o cego Corault são escoltados para fora de Genebra, em 25 de abril de 1538.[77]

Segue-se a quarta fase da vida de Calvino, seu abençoado exílio em Estrasburgo, de 1538 a 1541. Ali ele amadurece teologicamente e na prática pastoral e se casa com Idelette de Bure. Ele não tem planos de sair da cidade, até ser novamente convocado a Genebra.[78] É quando inicia a quinta e última fase, que corresponde ao seu estabelecimento definitivo em Genebra, de 1541 até sua morte, em 1564. Esta fase pode ser subdividida em duas, um difícil período de consolidação (os primeiros quinze anos, de 1541 a 1556) e o ponto alto da reforma em Genebra, de 1556 a 1564.[79]

Tabela 04. Cinco fases da vida de João Calvino


Prosseguiremos no próximo post, quando aprenderemos sobre Um João Calvino Que Nem Todos Conhecem. Até lá. Fiquem na paz do Senhor.
_______
Notas:
[1] MCGRATH, Alister. A Vida de João Calvino. São Paulo: Cultura Cristã, 2004, p. 13.
[2] VAN HALSEMA, Thea B. João Calvino Era Assim. São Paulo: Editora Vida Evangélica, 1968, p. 148. Enquanto eu preparava este post, descobri com alegria que há uma nova edição em português. Os dados atualizados são VAN HALSEMA, Thea B. João Calvino Era Assim. São Paulo: Editora Os Puritanos, [201-?]. Disponível em:<http://loja.livrariareformada.com.br/puritanos/joao-calvino-era-assim.html> Acesso em: 25 Set. 2014. As citações deste post correspondem à edição de 1968.
[3] VAN HALSEMA, op. cit., loc. cit. Grifo nosso.
[4] Ibid., p. 165.
[5] Ibid., p. 163.
[6] Ibid., p. 164.
[7] GONZALEZ, Justo L. E Até Os Confins da Terra: Uma História Ilustrada do Cristianismo: A Era dos Reformadores. São Paulo: Vida Nova, 1983, p. 116. v. 6.
[8] VAN HALSEMA, op. cit., loc. cit.
[9] Ibid., p. 165.
[10] Ibid., p. 164. Grifo nosso.
[11] Ibid., loc. cit.
[12] Ibid., loc. cit.
[13] Ibid., p. 164-165.
[14] Ibid., p. 165.
[15] GUSTAVO, Bernardo. A Ficção Cética. São Paulo: Editora Annablume, 2004, p. 146. Grifos nossos.
[16] HUNT, Dave. O Lado B do Calvinismo em Genebra. In: Instituto Teológico Gamaliel: Onde Cada Aluno é um Discípulo e Cada Discípulo é um Irmão. Disponível em:
<http://www.institutogamaliel.com/portaldateologia/o-lado-b-do-calvinismo-em-genebra/teologiaAcesso em: 18 Set. 2014, apud MARTINEZ, op. cit., p. 23-28. Endereçamento de fonte corrigido.
[17] HUNT, apud MARTINEZ, op. cit., p. 26.
[18] SUFFERT, Georges. Tu És Pedro: Santos, Papas, Profetas, Mártires, Guerreiros, Bandidos: A História dos Primeiros 20 Séculos da Igreja Fundada Por Jesus Cristo. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 268.
[19] VAN HALSEMA, op. cit., p. 173.
[20] Ibid., p. 174. O título do livro é Histoire de La Vie, des Moeurs … De Jean Calvin, publicado em Lyon e Paris em 1577. A obra teve edições em Latim (1580) e alemão (1581).
[21] MCGRATH, op. cit., p. 33-34.
[22] Ibid., p. 13.
[23] Ibid., p. 13-14. Grifos nossos.
[24] HUNT, apud MARTINEZ, op. cit., p. 25.
[25] FERNÁNDEZ-ARMESTO, Felipe; WILSON, Derek. Reforma: O Cristianismo e o Mundo 1500-2000. Rio de Janeiro: Record, 1997, p. 144-147.
[26] OLSON, Roger. Contra o Calvinismo. São Paulo: Editora Reflexão, 2013; OLSON, Roger.Teologia Arminiana: Mitos e Realidades. São Paulo: Editora Reflexão, 2013.
[27] OLSON, Roger. História da Teologia Cristã: 2000 Anos de Tradição e Reformas. São Paulo: Vida, 2001, p. 407-423.
[28] MCGRATH, op. cit., p. 13.
[29] VAN HALSEMA, op. cit., p. 79.
[30] Ibid., loc. cit.
[31] Ibid., loc. cit.
[32] HUNT, apud MARTINEZ, op. cit., p. 25.
[33] VAN HALSEMA, op. cit., p. 163-190.
[34] Ibid., p. 191.
[35] Ibid., p. 193-197.
[36] Ibid., p. 193.
[37] SUFFERT, op. cit., loc. cit.
[38] VAN HALSEMA, op. cit., p. 183.
[39] Ibid., loc. cit.
[40] SUFFERT, op. cit., loc. cit.
[41] VAN HALSEMA, op. cit., p. 188.
[42] Ibid., p. 189.
[43] SUFFERT, op. cit., loc. cit.
[44] VAN HALSEMA, op. cit., p. 176-177.
[45] Ibid., p. 177.
[46] Ibid., loc. cit.
[47] Ibid., p. 177-178.
[48] Ibid., p. 178.
[49] Ibid., loc. cit.
[50] Ibid., p. 178-179.
[51] Ibid., p. 179.
[52] Ibid., loc. cit.
[53] Ibid., p. 180.
[54] Ibid., loc. cit.
[55] Ibid., p. 180-181.
[56] Ibid., p. 181.
[57] Ibid., loc. cit.
[58] Ibid., p. 182.
[59] Ibid., p. 183.
[60] Ibid., loc. cit.
[61] Ibidem.
[62] Ibidem.
[63] Ibid., p. 185.
[64] Ibid., p. 186.
[65] Ibid., p. 187.
[66] Ibid., loc. cit.
[67] Ibidem. Os mesmos fatos são mencionados, com menos detalhes, por GONZALEZ, op. cit., p. 116.
[68] Ibid., p. 188.
[69] Ibid., loc. cit.
[70] Ibidem.
[71] Ibid., p. 189.
[72] GONZALEZ, op. cit., loc. cit.
[73] Ibid., p. 117.
[74] MATOS, Alderi Souza de. João Calvino: Síntese Biográfica. Disponível em:<http://www.mackenzie.com.br/7034.html>. Acesso em: 25 Set. 2014, apud MARTINEZ, op. cit., p. 20. Endereçamento de fonte corrigido.
[75] Os detalhes desta fase podem ser obtidos em VAN HASELMA, op. cit., p. 10-14.
[76] Rápidos detalhes extraídos de ibid., p. 14-70: Formação em Paris, Orleans (conversão?) e Bourges. Novas amizades. Publicação de comentário sobre Sêneca. Fuga de Paris. Noyon, Angoulême e Nérac. Retorno a Noyon; em 21 de maio de 1534, abriu mão de seu benefício clerical. Reuniões secretas em Paris, visita à região dos urzais, próxima a Poitiers. Fuga para Angoulême e Orleans, viagem sob perseguição até a fronteira germânica. Desejo de ir até Estrasburgo. Estabelecimento em Basel. Primeira edição das Institutas com carta a Francisco I e viagem frustrante à Itália. Retorno a Paris nos seis meses de isenção aos protestantes, em 1536. Decisão para ir a Estrasburgo. Retorno passando por Genebra.
[77] Rápidos detalhes extraídos de ibid., p. 70-93: Apelo de Farel. Aulas em Saint Pierre. Versão francesa das Institutas. Debate em Lausanne. Confissão de Fé. Pedido de quatro reformas ao Pequeno Conselho: (a) Celebração contínua da Ceia do Senhor e liberdade para a igreja aplicar a excomunhão (não é bem recebida pelo Conselho); (b) Estudo e atualização das leis matrimoniais de acordo com a Palavra de Deus; (c) Instrução das crianças utilizando-se um catecismo; (d) Que os Salmos sejam cantados na igreja. Debate com os anabatistas (Caroli). Imposição dos ritos de Bern, eliminados antes por Farel. O Pequeno Conselho e a população fazem oposição a Calvino, Farel e ao cego Corault. Estes se recusam a celebrar a Ceia do Senhor no culto de Páscoa. Na Igreja de Rive, homens desembainham espadas durante a pregação de Calvino. Os síndicos reúnem-se após o culto da noite e o Conselho dos Duzentos na manhã de segunda-feira. Decisão: Calvino, Farel e Corault devem ser imediatamente expulsos de Genebra.
[78] Rápidos detalhes extraídos de ibid., p. 94-125: Calvino, Farel e Corault são ouvidos no sínodo em Zurich. Aceitam os ritos de Bern, mas sugerem uma separação da igreja (questões litúrgicas e poder de excomunhão pertencem à primeira e não ao segundo). Genebra insiste em não recebê-los de volta. Viagem até Basel. Farel vai pastorear em Neuchâtel. Calvino segue até Estrasburgo, retorna para Basel e daí, novamente para Estrasburgo. Em 8 de setembro de 1538, prega como pastor dos refugiados franceses. Torna-se amigo e é mentoreado por Martin Bucer. Amadurece teologicamente e na prática pastoral. Casa-se com Idelette de Bure. Firma amizade com Melanchton e escreve a Lutero. Publica o Pequeno Tratado Sobre a Santa Ceia do Nosso Senhor. Participa das dietas de Worms e, ali, recebe carta dos síndicos e conselhos de Genebra, convidando-o a retornar. Toma conhecimento de que Estrasburgo é tomada pela peste. Reluta em aceitar o pedido de Genebra. Viaja a Ratisbon, para nova dieta, que abandona ao perceber que não produzirá resultados. Mais uma vez admoestado por Farel, aceita o convite de Genebra, chegando à cidade em 13 de setembro de 1541.
[79] Rápidos detalhes extraídos de ibid., p. 127-206: Período de consolidação; os primeiros quinze anos, de 1541 a 1556. Bem-recebido em Genebra. Presenteado com um toga de veludo preto. Instalado na casa na Rua do Canhão, perto da Catedral. Novo púlpito em Saint Pierre. Uma carruagem vai buscar Madame Calvino em Estrasburgo. Registra-se na ata do Pequeno Conselho: “Resolve-se conservar Calvino aqui para sempre”. Proposta de planos. Auxiliado por Viret. Escrita, aprovação e execução das Ordens Eclesiásticas da Igreja de Genebra — estabelecimento de quatro funções na igreja (ministro, professor, presbítero e diácono) e organização das atividades eclesiásticas (cultos, sermões, batismos, casamentos, Ceia do Senhor e visitações). As Ordens foram aprovadas em dois meses e demorou catorze difíceis anos para colocá-las em prática. Compilação das leis da cidade. Em 1542, o primeiro filho de Calvino, Jacques, morre duas semanas após o nascimento. Três anos depois nasce e falece uma filha. Dois anos adiante, espera-se uma terceira criança que morre ao nascer. Idellete adoece e morre em 29 de março de 1549. Embates com os Conselhos de Genebra, além de Sebastião Castellio, Pierre Ameaux, a família Favré, Philibert Berthelier, Pierre Vandel, Jacques Guet (Gruet), Bolsec, Zeraphin Trolliet e Miguel Servetus. Última tentativa de oposição dos Libertinos em 1555.

***
Fonte: Somente pela Graça

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