domingo, 6 de abril de 2014

Calvino e a Pregação da Palavra

.


Por Rev. Felipe Camargo


Introdução

O pensamento de Calvino sobre pregação, ou Calvino como pregador tem sido estudado por muitos eruditos e com isto, artigos e livros já foram publicados sobre este assunto. Parker tem sido um dos autores que mais escreveu sobre o assunto, considerado, portanto, uma grande autoridade como intérprete de Calvino. O objetivo deste trabalho se limita a analisar o pensamento de Calvino sobre a autoridade da pregação e a edificação da Igreja, tendo como objeto de estudo os próprios escritos de Calvino.

Por isso, algumas questões devem ser levantadas. A primeira delas se refere à Palavra de Deus. Qual a visão de Calvino sobre a Palavra de Deus? Onde ela é encontrada? Qual o seu objetivo? Qual o valor dela para a Igreja? Uma questão paralela à esta está relacionada com pregação. Qual a finalidade da pregação? Qual o papel dos pregadores? Até que ponto o pregador tem autoridade ao proclamar a Palavra de Deus?

E por fim, uma última análise a ser feita está ligada aos ensinos de Calvino nos nossos dias. Qual a importância de se estudar o pensamento de Calvino sobre pregação? Portanto, o trabalho procura analisar se é possível aplicar os ensinos de Calvino sobre pregação nos dias atuais.

A Bíblia como Palavra de Deus

Para uma correta compreensão acerca do pensamento de Calvino sobre pregação, é necessário entender sua visão acerca da Palavra Escrita. Para Calvino, a Palavra Escrita deve ser considerada como sendo o único lugar onde se encontra a verdadeira sabedoria vinda da de Deus. [1]

Calvino, nas Institutas, afirma que o homem foi dotado de um desejo de conhecer a Deus [2], mas por causa do pecado esse conhecimento se tornou falho. [3] Nesse sentido, demonstra que Deus não somente se revela através da criação [4], mas também adiciona um recurso melhor para este fim. [5] Por isso, Deus, além da sua própria criação, resolveu se revelar também em palavras. 

Portanto, as Escrituras servem para nos mostrar a verdade sobre Deus: 

Assim a Escritura, coletando-nos na mente conhecimento de Deus que de outra sorte seria confuso, dissipada a escuridão, nos mostra em diáfana clareza o Deus verdadeiro. [6]

Por isso, a Escritura foi dada por Deus para que o homem conhecesse tudo o que precisa ser conhecido para não fazer cogitações da verdade. Sendo assim, somente através da sua Palavra, se pode ter um correto conhecimento acerca de Deus. [7] Neste sentido Calvino faz questão de enfatizar que, o que distingue o cristianismo das demais religiões é que Deus falou, e fez isso através da Escritura. [8]

“Moisés e os profetas não pronunciaram precipitadamente e ao acaso o que deles temos recebido, senão que, falando pelo impulso de Deus. Ousada e destemidamente testificaram a verdade de que era a boca do Senhor que falava através deles.” [9]

Um ensino primordial acerca das Escrituras e sua autoridade é perceber que há uma perfeita harmonia. Deus, ao revelar a Lei estabeleceu a base para os demais escritos. Nem os profetas nem o Novo Testamento estão fora desta harmonia. [10]

“Não se deve ter outra Palavra de Deus, a que se dê lugar na Igreja, senão aquela que se contém, primeiro na Lei e nos Profetas, então nos Escritos Apostólicos [...]. Daqui também coligimos que não se prometeu outra coisa aos apóstolos senão o que tiveram outrora os profetas, a saber, que expusessem a Escritura antiga.” [11]

Está em harmonia, portanto, o conceito que toda a Palavra de Deus é perfeita e infalível, devendo aceitá-la desta maneira. 

O fato de Calvino afirmar que “os escritos dos apóstolos nada contém além de simples e natural explicação da lei e dos profetas juntamente com uma clara descrição das coisas expressas neles” [12], não quer dizer que o Novo Testamento seja apenas uma explicação da Palavra de Deus. Mas na verdade, Calvino afirma que seus escritores também foram usados pelo Espírito Santo. Ele afirma que: 

“Entretanto, a própria realidade brada patentemente que esses homens haviam sido ensinados pelo Espírito que, antes desprezíveis em meio ao próprio vulgo, de repente começaram a dissertar tão magnificamente acerca de mistérios celestiais.” [13]

Não há dúvidas para Calvino que, embora a Bíblia tenha sido escrita por homens, não se deve ignorar o fato que eles foram usados por Deus. Eles não escreveram aquilo que imaginavam, mas escreveram o que vinha da parte de Deus. [14] O fato de ele ter usado homens pecadores não desmerece a revelação. Não faz das Escrituras imperfeitas ou falíveis. Pelo contrário, ainda assim, considera-se Palavra de Deus.

“Portanto, iluminados por seu poder, já não cremos que a Escritura procede de Deus por nosso próprio juízo, ou pelo juízo de outros; ao contrário, com a máxima certeza, não menos se contemplássemos nela a majestade do próprio Deus, concluímos, acima do juízo humano, que ela nos emanou diretamente da boca de Deus, através do ministério humano.” [15]

A reverência às Escrituras, portanto, se dá não pelos autores humanos, mas pelo autor divino. Aquele que desrespeita a Palavra de Deus desrespeita o próprio Deus. Calvino argumenta que “devemos à Escritura a mesma reverência devida a Deus, já que ela tem nele sua única fonte, e não existe nenhuma origem humana misturada nela.” [16] Por isso, é possível compreender o cuidado que Calvino dá à fiel exposição da mesma.

A Palavra de Deus e a Edificação

Um princípio importante para Calvino era que toda a Escritura trazia algum ensino para a vida dos cristãos. Nos seus escritos, Calvino fazia questão de enfatizar que toda a Escritura é útil e deve ser praticada. Não há grau de importância entre o Antigo Testamento e o Novo Testamento. Ambos são considerados como Palavra de Deus e útil para a vida cristã. [17]

Para Calvino, era através da Palavra que Deus concede vida ao pecador. Sem Deus não há vida, e todos estão condenados à morte eterna. Esta vida, portanto, é comunicada através de sua Palavra. Ele afirma que “embora temporária, seja a vida do homem, ela já feita eterna pela Palavra; por ela é modelada e feita nova criatura.” [18]

Mas as Escrituras não têm o único propósito de comunicar a vida eterna, mas também de corrigir para um crescimento espiritual. Na verdade, tudo o que é revelado por Deus nas Escrituras tem o propósito específico de corrigir a vida do homem. Calvino adverte que:

Se porventura nos sentirmos sempre tentados a menosprezar ou a sentir repugnância pelo evangelho, lembremo-nos de que o seu poder e eficácia estão no fato de que é por meio dele que nos vem a salvação; assim como alhures ele ensina que o evangelho é o poder de Deus para a salvação dos Crentes. [19]

Não se pode dizer que exista algo supérfluo e inútil em sua Palavra. [20] Pelo contrário, se torna pecaminoso estudar as Escrituras sem trazer para si uma aplicação e buscar uma vida prática, ou seja, sempre ao que é proveitoso. [21]

Calvino sustenta que a Lei de Deus é a norma de justiça pela qual nossa vida é moldada. [22] Este molde realizado pela Lei tem o objetivo de tornar o homem completo a ponto de não haver nada que o torne defeituoso, por isso, a obrigação do homem de querer conhecer cada vez mais a Palavra. [23]

Comentando o Salmo 19, Calvino diz: 

Se alguém deseja ter um método próprio para governar sua vida, a lei de Deus é a única perfeitamente suficiente para tal propósito; mas que, ao contrário, assim que as pessoas se apartam dela, são passíveis de cair em infindáveis erros e pecados. [24]

Portanto, qualquer meio que se utilize para obter a edificação da Igreja que não seja através da Palavra é condenada.

A supremacia da pregação

Assim como Calvino afirma que as Escrituras é o meio ordinário instituído por Deus para edificar sua Igreja, ele também sustenta que a pregação é o modo normal que o Senhor designou para comunicar sua Palavra. [25] Portanto, é através da pregação que Deus se utiliza para edificar seu povo. [26] Conforme Calvino, o propósito da pregação do evangelho é exatamente para que Deus guie todas as nações à obediência da fé. [27]

Calvino, neste ponto não aceita exceções: “Deve-se, porém, ser mantido por nós o que já citamos de Paulo: que a Igreja não é edificada de outro modo senão pela pregação externa.” [28] A maneira instituída por Deus para a edificação é a pregação da Palavra de Deus. Sem ela, não há progresso na fé, conforme Calvino explica com mais detalhes:

“Deus instila em nós a fé, mas pela instrumentalidade de seu evangelho, como adverte Paulo, de que “a fé vem do ouvir” [Rm 10.17], assim como também em Deus reside seu poder de salvar, mas, segundo atesta o próprio Paulo, o exibe e o desenvolve na pregação do evangelho [Rm 1.16].” [29]

Com isso em mente, ele desenvolve o ensino da prioridade da pregação dentro da Igreja de Cristo. Não há dúvidas de que o objetivo da Igreja é o crescimento na fé de cada cristão. E por isso Deus instituiu ministros da Palavra para realizar este propósito através da pregação:

E, para que a pregação do evangelho florescesse, depôs esse tesouro com a Igreja: instituiu “pastores e mestres” [Ef 4.11], por cujos lábios ensinasse aos seus, investiu-os de autoridade, enfim, nada omitiu que contribuísse para o santo consenso da fé e a reta ordem. [30]

A Igreja, portanto, não deve desprezar este meio fundamental para sua edificação, muito menos os pregadores ao subir no púlpito. Para Calvino, esta é uma grande responsabilidade para os pastores. Ao subir em um púlpito, o pastor deve ter sempre em mente: “Deus desejou revelar seu poder soberano através da espada espiritual de sua Palavra sempre que é pregada pelo pastor.” [31]

Este conceito de que “toda Escritura é útil para a edificação da Igreja” era algo concreto também no seu pastorado. Por isso, pregava sistematicamente à sua igreja versículo por versículo. [32] Acreditava que cada versículo das Sagradas Escrituras tem uma aplicação para a edificação da Igreja. Na exposição do livro de Daniel, nas suas 66 exposições ele termina com uma oração escrita. Em cada oração ele apresenta o ensino retirado dos versículos explanados fazendo uma aplicação para os seus dias. [33] Conforme ele mesmo diz:

Assim concluímos que este é o mais valioso tesouro da Igreja, que ele que ele tenha escolhido uma morada para ele mesmo, para residir nos corações dos fiéis por seu Espírito, e assim preservar entre eles a doutrina do seu evangelho. (Isaías 59.21) [34]

Para Calvino, portanto, a pregação não é apenas uma obrigação da Igreja e dos seus pastores, mas é um privilégio no qual Deus preserva a sua Igreja. 

Responsabilidade do Pregador

Visto que é por meio de ministros da Palavra que Deus instrui o seu povo, é necessário ressaltar que Calvino, por isso, destaca a grande responsabilidade do pastor. Para ele, o pastor deve estar munido da Palavra de Deus para guiar seu povo para edificação: 

Se o primeiro dever de um pastor é ser instruído no conhecimento da sã doutrina, e o segundo é reter sua confissão com firmeza e inusitada coragem, o terceiro é que adapte o método do ensino visando a produzir edificação, e não divague, movido pela ambição, por entre as sutilezas da curiosidade frívola; mas, ao contrário, que busque tão-somente o sólido avanço da Igreja. [35]

Mas é através da pregação que o pregador desempenha essa função. Portanto, para Calvino, o pastor não deve procurar guiar ou edificar o rebanho que não seja ela instrução da Palavra:

É esta, portanto, uma dádiva singular, quando, para instruir a Igreja, Deus não apenas se serve de mestres mudos, mas ainda abre seus sacrossantos lábios, não simplesmente para proclamar que se deve adorar a um Deus, mas ao mesmo tempo declara ser esse Aquele a quem se deve adorar; nem meramente ensina aos eleitos a atentarem para Deus, mas ainda se mostra como Aquele para quem devem atentar. [36]

Logo, o papel do pastor é apresentar a Deus para que a sua Igreja o adore. Para que isso aconteça, Calvino acredita que o pregador deva ser fiel em sua pregação.

Calvino acreditava que Deus poderia falar pelos céus ou através de anjos, mas o meio que ele escolheu foi através de homens comuns. Assim sendo, “não se requer de um pastor apenas cultura, mas também inabalável fidelidade pela sã doutrina, ao ponto de jamais apartar-se dela”. [37] À sua Igreja cabe a responsabilidade de procurar aqueles que pregam em nome de Deus e com autoridade divina. [38]

Calvino até certo ponto, foi um homem tolerante, mas ao mesmo tempo foi extremamente radical em certos assuntos. [39] Um desses assuntos em que se demonstrava intolerante se referia à pregação.

A pregação é um dos sinais essenciais para distinguir a verdadeira Igreja, por isso Calvino afirma que “Deus quis que fosse conservada pura a pregação de sua Palavra.” [40] Mas ao mesmo tempo que as Escrituras devem ser usadas para ensinar a sabedoria de Deus, deve se ter por certo que “os falsos profetas também fazem uso dela em busca de pretexto para o seu ensino. Para que ela seja proveitosa para a salvação, temos que aprender a fazer um uso correto.” [41]

Para ele, 

Não se deve ter outra Palavra de Deus, a que se dê lugar na Igreja, senão aquela que se contém, primeiro na Lei e nos Profetas, então nos Escritos Apostólicos; nem outro modo de ensinar a Igreja corretamente, senão aquele prescrito e normativo dessa Palavra. [42]

Por isso, Calvino sempre debateu contra aqueles que ensinavam outra doutrina que não fosse a verdadeira.

Partindo deste princípio de que não existe nenhuma verdade fora do Evangelho [43], ele insiste veementemente que “não é permitido aos ministros fiéis que forjem algum dogma novo, mas simplesmente que se apeguem à doutrina à qual Deus a todos sujeitou, sem exceção.” [44] Para exemplificar esta verdade, ele usa os próprios sacerdotes que foram orientados à se limitar no que foi dado:

Quando, porém, pareceu bem a Deus suscitar mais clara forma à Igreja, quis que fosse confiada à escrita, e assim selar sua Palavra, para que os sacerdotes daí buscassem o que ensinar ao povo e para que a essa regra se conformasse todo o ensino que se transmitisse. E assim, após a promulgação da lei, quando se ordena aos sacerdotes que ensinassem “pela boca do Senhor” [Ml 2.7], o sentido é que não ensinassem algo estranho ou alheio a esse gênero de ensino que Deus havia compreendido na Lei. Com efeito, lhes foi vedado acrescentá-la e diminuí-la. [45]

Mas Calvino entendia também que muitas vezes os pregadores são tentados a se desviar da verdadeira pregação. Não quer dizer com isso que eles são falsos profetas. Por isso, Calvino orienta aos pregadores a resistir a tentação de se desviar da pura e fiel pregação da Palavra:

Somos, naturalmente, dados à curiosidade, de modo que a nossa tendência é ignorar displicentemente, ou, pelo menos, experimentar só levemente o ensino que produz edificação, enquanto nos envolvemos com questões frívolas. A esta curiosidade adiciono a audácia e a temeridade, de maneira tal que nos prontificamos sem hesitação a pronunciar sobre coisas de que nada sabemos e que nos são ocultas. [46]

Por isso, muito sabiamente Calvino alerta aos pregadores a se limitarem àquilo que a Palavra de Deus nos diz. É somente isto que se deve saber e pregar. A Palavra de Deus é suficiente: “Eis o limite de nosso conhecimento.” [47]

Ao tratar sobre os anjos, Calvino acredita que possa trazer alguma curiosidade para o homem. Mas ele é insistente ao falar que quanto às coisas obscuras, “não falemos, ou sintamos, ou sequer almejemos saber outra coisa senão aquilo que nos é ensinado na Palavra de Deus”. Pois para Calvino, a busca por questões que não trazem edificação, são estudos inúteis. [48] Em outro lugar ele diz:

E visto que o Senhor nos quis instruir não em questões frívolas, mas na sólida piedade, no temor de seu nome, na verdadeira confiança, nos deveres da santidade, contentemo-nos com este conhecimento. [49]

Portanto, se o objetivo da Palavra de Deus é trazer edificação e fazer trilhar o caminho da salvação, nada mais correto do que os ministros transmitirem a Palavra da verdade com o mesmo objetivo.

Pregação como voz de Deus

Calvino afirma que um pregador ao fazer uma fiel pregação da Palavra de Deus, ele não está apenas repetindo ensinamentos, mas ele se torna a própria voz de Deus. [50] Antes de detalharmos este assunto é necessário salientar que para Calvino há uma grande diferença entre os escritores bíblicos e os pregadores posteriores:

“Todavia, entre os apóstolos e seus sucessores, como já disse, existe esta diferença: que aqueles foram infalíveis e autênticos amanuenses do Espírito Santo, e por isso seus escritos devem ser tidos como oráculos de Deus; os outros, porém, não têm outra função, senão que ensinem o que foi dado a conhecer e consignado nas Sagradas Escrituras.” [51]

Mas isso não quer dizer que anula a autoridade do pregador por não ser inspirado como os escritores. Para Calvino, o mesmo Espírito que inspirou os escritores é o mesmo que capacita os pregadores. É o Espírito Santo que torna capaz o árduo trabalho do pregador e torna suas palavras na poderosa voz de
Deus. [52]

Da mesma forma, o mesmo Espírito torna eficaz a pregação para os ouvintes. Desta forma, o Espírito Santo faz com que a mensagem pregada seja compreendida pela Igreja e aceita como a própria Palavra de Deus. [53] Nas palavras de Calvino, “a pregação é o instrumento da fé, por isso o Espírito Santo torna a pregação eficaz.” [54]

Evidentemente, a incapacidade humana não deve ser considerada quanto à autoridade da pregação fiel. Quanto a isso, Calvino afirma: 

“Mas, os que pensam que a autoridade da doutrina é desprezada pela baixa condição dos homens que foram chamados a ensiná-la, estes põem à mostra sua ingratidão, porquanto, entre tantos dotes preclaros com os quais Deus adornou o gênero humano, esta prerrogativa é singular: que a si digna consagrar as bocas e línguas dos homens, para que neles faça ressoar sua própria voz.” [55]

Deste modo, através do seu Espírito ele capacita homens para transmitir sua Palavra, colocando assim, sua própria Palavra em seus lábios. [56] Calvino enfatiza que os pregadores, no momento em que estão proclamando o evangelho, eles agem como instrumentos divinos:

A fé procedente do evangelho seria deveras frágil, se fôssemos nós olhar somente para os homens. Toda a sua autoridade procede de reconhecermos que os homens são meros instrumentos de Deus e de ouvirmos Cristo nos falando por meio de lábios humanos. [57]

Destarte, apesar da limitação humana, deve-se afirmar que a palavra que sai da boca de Deus é a mesma que sai da boca dos homens. [58]

O valor da pregação é tão valiosa e considerada, assim, a própria voz de Deus, que qualquer que rejeitar uma pregação fiel, não despreza homens, e sim a Deus. “Segue-se disto que aqueles que se retraem de ouvir a Palavra proclamada estão premeditadamente rejeitando o poder de Deus e repelindo de si a mão divina que pode libertá-los.” [59]

Cabe, portanto à igreja reconhecer a autoridade dos seus pastores, pois por meio deles elas são edificadas pela Palavra do próprio Deus. Deus instituiu este meio para ouvi-lo e não outro. Ninguém, pois, deve tentar advertir ou consolar a Igreja a não ser que seja um representante de Deus, falando assim “pela boca do Senhor”. [60] Esta foi a ordenança dada por Deus: 

Buscar a palavra e doutrina da boca dos profetas e professores, que prega em seu nome e por Sua autoridade, para que não possamos buscar loucamente por novas revelações. [61]

Conclui-se que uma Igreja que não ouve seu pastor, não ouve o Deus da Igreja, ou seja, o Deus da Palavra. Em outro lugar Calvino adverte os pastores a serem aqueles que mostrem a glória de Deus.

Eis o supremo poder com o qual convém que os pastores da Igreja sejam investidos, sem importar por que nome sejam chamados, isto é, que ousem fazer tudo confiantemente pela Palavra de Deus; que obriguem a todo poder, glória, sabedoria, exaltação do mundo a sujeitar-se-lhe e a obedecer-lhe à majestade; sustentados em seu poder, imperem sobre todos, desde o mais alto até o mais baixo; edifiquem a mansão de Cristo, desmantelem a de Satanás; apascentem as ovelhas, submetam os rebeldes e contumazes; liguem e desliguem; enfim, caso se faça necessário, relampejem e despeçam raios; tudo, porém, na Palavra de Deus. [62]

Implicações para os dias atuais

Calvino tem sido estudado como pregador. Poucos podem ser comparado à ele quando se fala de pregação. Calvino não era apenas o exegeta da reforma, mas o pregador da reforma. [63] Ele não ensinava sobre pregação, mas colocava em prática aquilo que ele cria e passava aos seus alunos. Calvino tem muito a nos ensinar sobre pregação. Subir num púlpito para pregar a Palavra de Deus não deve ser tido como algo sem muita importância. Algumas implicações devem ser tiradas desta pesquisa.

A primeira que deve ser ressaltada é que a Bíblia é a Palavra de Deus. Pode parecer óbvio para alguns que confessam a inspiração da Bíblia, mas algumas vezes não tem dado o devido valor à esta verdade. Saber que a Bíblia é a própria Palavra de Deus deve despertar no pregador o valor daquilo que ele transmite e saber que esta palavra é suficiente para transformar vidas. Saber que ela é a Palavra de Deus, deve fazer dela o centro dos cultos realizados na Igreja.

Outra verdade a ser destacada é a utilidade da Palavra de Deus. Calvino demonstrava em seu púlpito que cria que toda a Escritura é útil para edificação da Igreja. Sua prática era coerente com os seus ensinos. De fato ele pregava todos os versículos do livro escolhido para expor para a congregação.

Trazendo em cada um deles uma aplicação para transformação de vidas. Ignorar certas passagens bíblicas se torna, na verdade, uma descrença de que toda a Bíblia é útil para o ensino. E na verdade, essa prática não acaba transmitindo dúvidas para a congregação quanto a aplicabilidade de certas passagens? Em sua prática de pregação de versículo por versículo, Calvino transmitia esta verdade: “toda a Escritura é útil”.

O que mais se destaca nesta pesquisa é o valor da pregação. Calvino destacava algo que deve sempre ser valorizada no meio da Igreja: a pregação.

A pregação é o meio ordinário para a edificação da Igreja. Por mais que o pregador seja tentado a trazer algo que agrade os homens, ele deve sempre ser lembrado da autoridade e eficácia da pregação.

Embora seja natural que o homem se recuse a ouvir a Palavra, a fidelidade do pregador deve ser intacta. Sua responsabilidade é como nenhuma outra, pois ele é a própria voz de Deus. Lembrando-se sempre que ele não fala por si, mas é um instrumento dado por Deus para ser sua voz. Não é exagero, portanto, afirmar que os pregadores precisam sempre se lembrar que ao subir num púlpito ele está dizendo: “Assim diz o Senhor”.

Conclusão

Apresentei neste trabalho a visão de Calvino sobre a pregação e como isto é importante para a edificação da Igreja. Pode-se perceber que sua teologia sobre a pregação é tão importante quanto foi no seu tempo. A pregação ainda deve ser valorizada. Alguns pontos devem ser destacados com esta pesquisa.

Calvino acreditava fielmente na inspiração e perfeição da Bíblia, considerando-a como a própria Palavra de Deus. A imperfeição dos escritores não desmerece sua infalibilidade. A mesma foi dada para que o homem recebesse a salvação e fosse moldado por ela.

Desta maneira, Calvino cria que a pregação deveria ser fiel às Escrituras, não permitindo nenhum tipo de acréscimo ao transmiti-la. Para ele, a pregação fiel é a própria voz de Deus por intermédio humano. As imperfeições dos pregadores não desmerecem a autoridade da pregação, devendo ser respeitada como se respeita o próprio Deus. Concluindo assim, que a pregação é o meio ordinário para a edificação da Igreja.

_______________
Notas: Para visualizá-las, acesse o trabalho original através deste link!

***
Artigo gentilmente cedido pelo autor ao blog Bereianos.
Divulgação: Bereianos
.

sábado, 5 de abril de 2014

O perigo do sucesso

.


Por Rev. Ronaldo Mendes


“Então, regressaram os setenta, possuídos de alegria, dizendo: Senhor, os próprios demônios se nos submetem pelo teu nome! Mas ele lhes disse: Eu via Satanás caindo do céu como um relâmpago. Eis aí vos dei autoridade para pisardes serpentes e escorpiões e sobre todo o poder do inimigo, e nada, absolutamente, vos causará dano. Não obstante, alegrai-vos, não porque os espíritos se vos submetem, e sim porque o vosso nome está arrolado nos céus.” (Lucas 10.17-20).

No início do capítulo 10 vemos que o Senhor Jesus envia estes setenta homens para anunciar a sua chegada e proclamar seu evangelho, provavelmente nas cidades de Jerusalém (cf Lc 9.51). Não se revela quanto tempo levou para eles cumprirem a missão, nem em que lugar voltaram para Jesus. O que sabemos é que voltaram com alegria e júbilo pelo sucesso da missão.

Estes versículos nos mostram quão facilmente os crentes podem sentir-se envaidecidos por causa do sucesso. Fica claro que entre eles havia auto-satisfação no relato das realizações. A declaração de nosso Senhor Jesus a respeito da queda de Satanás do céu provavelmente tinha o objetivo de ser um alerta. Ele sondou o coração daqueles homens  e percebeu o quanto eles haviam sido ensoberbecidos pela sua primeira vitória. Com sabedoria, o Senhor os repreendeu em sua incorreta exultação, advertindo-os contra o orgulho.

É uma lição que precisa ser recordada por todos os que servem a Cristo. Pelos os fiéis trabalhadores da seara do evangelho que desejam sucesso. Os pastores das igrejas locais, os missionários, evangelistas, professores de Escola dominical e demais obreiros – por todos que esperam igualmente sucesso no trabalho que realizam. Todos eles desejam ver almas convertidas a Deus. E este desejo é correto e bom. Porém, jamais devemos esquecer que o tempo de sucesso é uma ocasião de perigo para a alma do crente. Os corações que se acham deprimidos, quando todas as coisas parecem estar contra eles, com frequência sentem-se indevidamente exaltados no dia da prosperidade.  O apóstolo Paulo instruiu que o presbítero: “não seja neófito, para não suceder que se ensoberbeça e incorra na condenação do diabo.”(1Tm 3.6). Muitos servos do Senhor Jesus provavelmente alcançam tanto sucesso quanto suas almas são capazes de suportar. O que fazer?

1 - Ore intensamente por humildade – Quando tudo ao nosso redor parece prosperar e todos nossos planos se realizam bem; quando as provações familiares e a enfermidade são mantidas longe de nós e os nossos afazeres seculares segue com tranquilidade; quando nossa cruz é suave e tudo em nossa vida vai bem – este é o tempo em que nossas almas encontram-se em perigo. É tempo em que necessitamos de reforço na vigilância dos nossos corações. É tempo que as sementes do mal são plantadas no nosso íntimo por Satanás. Há poucas pessoas que permanecem humildes nos tempos de grandes sucessos. Somos tendentes a pensar que nossa própria capacidade e sabedoria nos conquistaram a vitória. A advertência do Senhor Jesus nesta passagem jamais deve ser esquecida. Em meio ao triunfo, clamemos ao Senhor com sinceridade de coração: “Senhor, reveste-me de humildade”!

- Os dons e milagres não são superiores à graça de Deus – O Senhor Jesus disse aos setenta discípulos: “alegrai-vos, não porque os espíritos se vos submetem, e sim porque o vosso nome está arrolado nos céus.” Com toda certeza, foi uma honra e privilégio receberem eles o poder de expulsarem demônios. Tinham motivos corretos para estarem agradecidos. No entanto, um privilégio maior era serem convertidos, perdoados e salvos em Cristo. A distinção entre a graça da salvação e os dons é profundamente importante, mas com frequência tem sido esquecida em nossos dias. Dons, tais como uma poderosa inteligência, grande memória, eloquência admirável, argumentação hábil, são constantemente valorizados acima do que convém por aqueles que os possuem e admirados de maneira indevida por aqueles que não os tem. Estas coisas não devem ser assim. Os homens esquecem que os dons sem a graça divina não salvam a alma de ninguém e são uma característica do próprio Satanás. Aquele que têm dons, sem a graça, está morto em seus pecados, ainda que seus dons sejam admiráveis. Porém aquele que possui a graça divina está vivo em Deus, mesmo que pareça iletrado e inculto aos olhos dos homens.

Jamais nos contentemos com o falar com eloquência, o pregar com vigor, o debater com dinamismo, o argumentar com inteligência e conversar com muita fluência. Jamais nos contentemos em saber todas as doutrinas do cristianismo e ter à nossa disposição textos e passagens bíblicas. Estas coisas são boas e não devem ser menosprezadas. Elas são proveitosas, mas não constituem a graça de Deus e, portanto, não poderão livrar-nos do inferno. Não podemos descansar enquanto não tivermos o testemunho do Espírito Santo em nosso íntimo e não formos lavados, santificados e justificados em Cristo (cf 1Co 6.11). Esforcemo-nos para ser cartas de Cristo, conhecidas e lidas por todos os homens (cfr 2Co 3.2); devemos nos empenhar para demonstrar por meio de humildade, amor, fé e mentalidade espiritual que somos filhos de Deus. Esse é o verdadeiro cristianismo. Estas são verdadeiras características do cristianismo que salva. Sem elas, uma pessoa pode ter dons em abundância e tornar-se nada mais do que um seguidor de Judas Iscariotes.    

.

2 motivos para aprendermos com os pais da igreja


aprender-pais

patristica
Neste sábado (5/abril), das 9h às 17h30, acontecerá a transmissão ao vivo do Curso Fiel de Liderança História da Igreja – Módulo I: Patrística.

Pais da Igreja

Em um verbete sobre “patrística”, no Dicionário da Igreja Cristã de Oxoford, uma obra de referência padrão sobre o cristianismo, os pais da igreja são descritos como aqueles autores que “escreveram entre o final do século I… e o final do século VIII”; e isso abrange o que é chamado de “Era Patrística”.

Medo de “Santos”

A verdade da questão é que muitos evangélicos contemporâneos desconhecem ou se sentem incomodados com os pais da igreja. Sem dúvida, anos de menosprezo da tradição e de luta contra o catolicismo romano e a ortodoxia ocidental, com seus “santos” da igreja antiga, têm contribuído, em parte, para este cenário de ignorância e incômodo. Além disso, certas tendências de fundamentalismo anti-intelectual têm desencorajado o interesse nesse “mundo distante” da história da igreja. E a esquisitice de muito daquela época da igreja antiga se tornou uma barreira para alguns evangélicos em sua leitura sobre os primeiros séculos da igreja. Finalmente, um desejo intenso de ser uma “pessoa do Livro” – um desejo eminentemente digno – tem levado, também, a uma falta de interesse em outros estudantes das Escrituras que viveram naquele primeiro período da história da igreja depois da era apostólica. Charles Haddon Spurgeon (1834-1892) – que certamente não poderia ser acusado de elevar a tradição ao nível, ou acima, das Escrituras – disse muito bem: “Parece estranho que certos homens que falam tanto sobre o que o Espírito Santo lhes revela pensem tão pouco no que ele revelou a outros”.

2 Motivos para Conhecer os Pais da Igreja

Por que os cristãos evangélicos deveriam procurar conhecer o pensamento e a experiência destas testemunhas cristãs antigas?
Primeiramente, o estudo dos pais, como qualquer estudo histórico, nos liberta do presente. Cada época tem sua própria perspectiva, pressuposições que permanecem não questionadas até pelos oponentes. O exame de outra época de pensamento nos força a confrontar nossos preconceitos naturais, que, de outro modo, ficariam despercebidos.  Como observou acertadamente Carl Trueman, um teólogo histórico contemporâneo:
A própria natureza estranha do mundo em que os Pais viveram nos força a pensar mais criticamente sobre nós mesmos em nosso con- texto. Por exemplo, não podemos simpatizar muito com o ascetismo monástico; mas, quando o entendemos como uma resposta do sécu- lo IV à velha pergunta de como devia ser um cristão comprometido numa época em que ser cristão começava a ser fácil e respeitável, podemos, pelo menos, usá-lo como uma bigorna na qual podemos forjar nossa resposta contemporânea a essa mesma pergunta.
Em segundo, os pais podem nos prover um mapa para a vida cristã. É realmente estimulante ficar na costa leste dos Estados Unidos, contemplar a arrebentação do Atlântico, ouvir o barulho das ondas e, estando bastante perto, sentir o borrifo salgado. Todavia, esta experiência será de pouco proveito ao se navegar para Irlanda ou para as Ilhas Britânicas. Pois, neste caso, um mapa é necessário – um mapa baseado na experiência acumulada de milhares de navegadores. Semelhantemente, precisamos desse tipo de mapa para a vida cristã. Experiências são proveitosas e boas, mas elas não servem como um fundamento apropriado para nossa vida em Cristo. Sendo exato, temos as Escrituras divinas, um fundamento imprescindível e suficiente para todas as nossas necessidades como cristãos (2Tm 3.16-17). Contudo, o pensamento dos pais pode nos ajudar enormemente em edificarmos sobre este fundamento.
Um ótimo exemplo se acha na pneumatologia de Atanásio, em suas cartas a Serapião, bispo de Thmuis. Os dias atuais têm visto um ressurgimento do interesse na pessoa do Espírito Santo. Isto é admirável, mas também carregado de perigo, se o Espírito Santo é entendido à parte de Cristo. Entretanto, o discernimento perspicaz de Atanásio era que “Através de nosso conhecimento do Filho podemos ter um verdadeiro conhecimento do Espírito”.16 O Espírito não pode ser divorciado do Filho. O Filho envia e dá o Espírito, mas o Espírito é o princípio da vida de Cristo em nós. Muitos têm caído em entusiasmo fanático porque não compreendem esta verdade básica: o Espírito não pode ser separado do Filho.
Redescobrindo_os_Pais_da_Igreja_detPor Michael Haykin. Texto adaptado do 1º capítulo do livro Redescobrindo os Pais da Igreja
No livro “Redescobrindo os Pais da Igreja”, Michael Haykin oferece ao leitor uma introdução agradável do cristianismo nos seus primeiros séculos, através das histórias de vida dos pais da Igreja e de seus ensinos, como Inácio, Cipriano, Basílio de Cesaréia e Ambrósio, cujos legados representam um imenso valor para os cristãos hoje. Nesta obra, Haykin revela o posicionamento desses homens piedosos diante de questões importantes da teologia como o batismo, o martírio, a ceia do Senhor, a Trindade, a relação da igreja com o estado, entre outras.

20 igrejas destruídas e 100 cristãos assassinados no último mês


Março foi um dos meses mais sangrentos dos últimos anos para os cristãos nigerianos
por Jarbas Aragão

20 igrejas destruídas e 100 cristãos assassinados no último mês20 igrejas destruídas e 100 cristãos assassinados no último mês
Muçulmanos pertencentes a etnia Fulani fizeram em março uma série de ataques no estado de Benue, na Nigéria. O resultado foram 20 igrejas destruídas e 100 cristãos assassinados. Este foi um dos meses mais sangrentos dos últimos anos para os cristãos nigerianos.
Os incidentes ocorreram no Estado de Benue, na região central do país. Quase todos os ataques foram contra a vida de agricultores cristãos pertencentes a tribo Tiv. Até o governador local, Gabriel Suswam foi vítima de uma emboscada, mas escapou ileso graças a agilidade de seus guarda-costas.
Benue é 95% cristão e historicamente não há ataques de muçulmanos. As autoridades acreditam que eles vieram de estados vizinhos, onde são maioria. Também chamou atenção a maneira rápida de atacar, matar, atear fogo a casas e igreja e sumir em pouco tempo. O povo Tiv acredita que os muçulmanos pretendem ficar com suas terras.
Segundo a organização World Watch Monitor, que trabalha com igrejas perseguidas, todas as igrejas queimadas estão ligadas à Associação Cristã da Nigéria, lideradas por Yiman Orkwar.
“É um ataque em duas frentes para tomar a nossa terra e converter ao Islã as pessoas que aqui vivem, mas nós resistimos”, disse ele. “Eles foram matando todo mundo que encontram nas aldeias. Não pouparam as mulheres e nem nossos filhos. O que eles estão fazendo é muito semelhante aos ataques dos terroristas do Boko Haram”, lamenta Orkwar.
O líder cristão pediu que o governo da Nigéria envie soldados para a região. “O governo federal não pode permitir que o genocídio continue no Estado de Benue para continuar. Não podemos admitir esta matança indiscriminada”. Com informações Charisma News.
Fonte:gospelprime

Fogo estranho: bizarrices na igreja evangélica brasileira é tema da revista Cristianismo Hoje

.

Em tempos de aberrações teológicas, apologistas e líderes evangélicos demonstram perplexidade diante de desvios doutrinários

O crente brasileiro sabe: vez por outra, a Igreja Evangélica é agitada por uma novidade. Pode ser a chegada de um novo movimento teológico, de uma doutrina inusitada ou mesmo de uma prática heterodoxa, daquelas que causam entusiasmo em uns e estranheza em outros. Quem frequentava igrejas nos anos 1980 há de se lembrar do suposto milagre dos dentes de ouro, por exemplo. Na época, milhares de crentes começaram a testemunhar que, durante as orações, obturações douradas apareciam sobrenaturalmente em suas bocas, numa espécie de odontologia divina. Muito se disse e se fez em nome dessa alegada ação sobrenatural de Deus, que atraiu muita gente aos cultos. Embora contestados por dentistas e nunca satisfatoriamente explicados – segundo especialistas, o amarelecimento natural de obturações ao longo do tempo poderia explicar o fenômeno, e houve quem dissesse que a bênção nada mais era que o efeito de sugestão –, os dentes de ouro marcaram época e ainda aparecem em bocas por aí, numa ou noutra congregação.

Outras manifestações nada convencionais sacudiram o segmento pentecostal de tempos em tempos. Uma delas era a denominada queda no Espírito, quando o fiel, durante a oração, sofria uma espécie de arrebatamento, caindo ao solo e permanecendo como que em transe. Disseminada a partir do trabalho de pregadores americanos como Benny Hinn e Kathryn Kuhlman, a queda no poder passou a ser largamente praticada como sinal de plenitude espiritual e chegou com força ao Brasil. A coqueluche também passou, mas ainda hoje diversos ministérios e pregadores fazem do chamado cair no poder elemento importante de sua liturgia. A moda logo foi substituída por outras, ainda mais bizarras, como a “unção do riso” e a “unção dos animais”. Disseminadas pela Comunhão Cristã do Aeroporto de Toronto, no Canadá, a partir de 1993, tais práticas beiravam a histeria coletiva – a certa altura do culto, diversas pessoas caíam ao chão, rindo descontroladamente ou emitindo sons de animais como leões e águias. Tudo era atribuído ao poder do Espírito Santo.

A chamada “bênção de Toronto” logo ganhou mundo, à semelhança das mais variadas novidades. Parece que, quanto mais espetacular a manifestação, mais ela tende a se popularizar, atropelando até mesmo o bom senso. Mas o que para muita gente é ato profético ou manifestação do poder do Senhor também é visto por teólogos moderados como simples modismos ou – mais sério ainda – desvios doutrinários. Pior é quando a nova teologia é usada com fins fraudulentos, para arrancar uma oferta a mais ou exercer poder eclesiástico autoritário. “A Bíblia diz claramente que haverá a disseminação de heresias nos últimos dias, e não um grande reavivamento, como alguns estão anunciando”, alerta Araripe Gurgel, pesquisador da Agência de Informações Religiosas (Agir). Pastor da Igreja Cristã da Trindade, ele é especialista em seitas e aberrações cristãs e observa que cada vez mais a Palavra de Deus tem sido contaminada e pervertida pelo apelo místico. “Esse tipo de abordagem introduz no cristianismo heresias disfarçadas em meias-verdades, levando a uma religião de aparência, sensorial, sem a real percepção de Deus”, destaca.

“Não dá para ficar quieto diante de tanta bizarrice”, protesta o pastor e escritor Renato Vargens, da Igreja Cristã da Aliança, em Niterói (RJ). Apologista, ele tem feito de seu blog uma trincheira na luta contra aberrações teológicas como as que vê florescer, sobretudo, no neopentecostalismo. “Acredito, que, mais do que nunca, a Igreja de Cristo precisa preservar a sã doutrina, defendendo os valores inegociáveis da fé cristã. A apologética cristã é um ministério indispensável à saúde do Corpo de Cristo”. Na internet, ele disponibiliza farto material, como vídeos que mostram um pouco de tudo. Um dos mais comentados foi um em que um dos líderes do Ministério de Madureira das Assembleias de Deus, Samuel Ferreira, aparece numa espécie de arrebatamento sobre uma pilha de dinheiro, arrecadado durante um culto. “Acabo de ver no YouTube o vídeo de um falso profeta chamado reverendo João Batista, que comercializa pó sagrado, perfume da prosperidade e até um tal martelão do poder”. acrescenta Vargens. Autor do recém-lançado livro Cristianismo ao gosto do freguês, em que denuncia a redução da fé evangélica a mero instrumento de manipulação, o pastor tem sido um crítico obstinado de líderes pentecostais que fazem em seus programas de TV verdadeiras barganhas em nome de Jesus. “O denominado apóstolo Valdomiro Santiago faz apologia de sua denominação, a Igreja Mundial do Poder de Deus, desqualificando todas as outras. E tem ensinado doutrinas absolutamente antibíblicas, onde o ‘tomá-lá-dá-cá’ é a regra”. Uma delas é o trízimo, em que desafia o fiel a ofertar à instituição 30% de seus rendimentos, e não os tradicionais dez por cento. A “doutrina das sementes”, defendida por pregadores americanos como Mike Murdock e Morris Cerullo nos programas do pastor Silas Malafaia, também rendeu diversos posts. Segundo eles, o crente deve ofertar valores específicos – no caso, donativos na faixa dos mil reais – em troca de uma unção financeira capaz de levá-lo à prosperidade. “Trata-se de um evangelho espúrio, para tirar dinheiro dos irmãos”, reclama Vargens. “Deus não é bolsa de valores, nem se submete às nossas barganhas ou àqueles que pensam que podem manipular o sagrado estabelecendo regras de sucesso pessoal.”


Crise teológica


Numa confissão religiosa tão multifacetada em suas expressões e diversa em termos de organização e liderança, é natural que o segmento evangélico sofra com a perda de identidade. O próprio conceito do que é ser crente no país – tema de capa da edição nº 15 de CRISTIANISMO HOJE – é extremamente difuso. E muitas denominações, envolvidas em práticas heterodoxas, vez por outra adotam ritos estranhos à tradição protestante. Joaquim de Andrade, pastor da Igreja Missionária Evangélica Maranata, do Rio, é um pesquisador de seitas e heresias que já enfrentou até conflitos com integrantes de outras crenças, como testemunhas de Jeová e umbandistas. Destes tempos, guarda o pensamento crítico com que enxerga também a situação atual da fé evangélica: “Vivemos uma verdadeira crise teológica, de identidade e integridade. Os crentes estão dando mais valor às manifestações espirituais do que à Palavra de Deus”.

Neste caldo, qualquer liderança mais carismática logo conquista seguidores, independentemente da fidelidade de sua mensagem à Bíblia. “Manifestações atraem pessoas. O próprio Nicodemos concluiu que os sinais que Cristo operou foram além do alcance do povo, mas não temos evidência de que ele tenha mesmo se convertido”, explica o pastor Russel Shedd, doutor em teologia e um dos mais acreditados líderes evangélicos em atuação no Brasil. Ele refere-se a um personagem bíblico que teve importante discussão com Jesus, que ao final admoestou-lhe da necessidade de o homem nascer de novo pela fé. “Líderes que procuram vencer a competição entre igrejas precisam alegar que têm poder”, observa, lembrando que a oferta do sobrenatural precisa atender à imensa demanda dos dias de hoje. “Mas poder não salva nem transmite amor”, conclui.

“A busca pela expansão evangélica traz consigo essa necessidade de aculturação e, na cultura religiosa brasileira, nada mais puro do que a mistura”, acrescenta o pastor Fabrício Cunha, da Igreja Batista da Água Branca, em São Paulo. “O candomblé já fez isso, usando os símbolos do catolicismo; o espiritismo, usando a temática cristã; e agora, vêm os evangélicos neopentecostais, usando toda uma simbologia afro e um misticismo pagão”, explica. Como um dos coordenadores do Fórum Jovem de Missão Integral e membro da Fraternidade Teológica Latinoamericana, ele observa que mesmo os protestantes são fruto de uma miscigenação generalizada, o que, no campo da religião, tem em sua gênese um alto nível de sincretismo.

Acontece que, em determinadas comunidades cristãs, alguns destes elementos precisam ser compreendidos como estratégias de comunicação e atração de novos fiéis. Aí, vale tanto a distribuição de objetos com apelo mágico, como rosas ungidas ou frascos de óleo, como a oferta de manifestações tidas como milagrosas, como o já citado dente de ouro ou as estrelinhas de fogo – se o leitor ainda não conhece, saiba que trata-se de pontos luminosos que, segundo muitos crentes, costumam aparecer brilhando em reuniões de busca de poder, sobretudo vigílias durante a noite ou cultos realizados nos montes, prática comum nas periferias de grandes cidades como o Rio de Janeiro. O objetivo das tais estrelinhas? Ninguém sabe, mas costuma-se dizer que é fogo puro, assim como tantas outras manifestações do gênero.

“Alguns desses elementos são resultado de um processo de sectarização religiosa”, opina o teólogo e mestre em ciências da religião Valtair Miranda. “Ou seja, quanto mais exótica for a manifestação, mais fácil será para esse líder carismático atrair seguidores para seu grupo”. Miranda explica que, como as igrejas evangélicas, sobretudo as avivadas, são, em linhas gerais, muito parecidas, o que os grupos sectários querem é se destacar. “Eles preconizam um determinado tópico teológico ou passagem bíblica, e crescem em torno disso. Objetos como lenços ungidos, medalhas, sal ou sabonete santificados são exemplos. Quanto mais diferente, maior a probabilidade de atrair algum curioso”. A estratégia tende a dar resultado quando gira em torno de uma figura religiosa carismática. “Sem carisma, estes elementos logo provocam sarcasmo e evasão”, ressalva. O estudioso lembra o que caracteriza fundamentalmente um grupo sectário – o isolamento. “Uma seita precisa marcar bem sua diferença para segurar seu adepto. Quanto mais ele levantar seus muros, mais forte será a identidade e a adesão do fiel.”


“Propósito de Deus”

Mas quem faz das manifestações do poder do Espírito Santo parte fundamental de seu ministério defende que apenas milagres não bastam. “É necessário um propósito e uma mudança de vida”, declara o bispo Salomão dos Santos, dirigente da Associação Evangélica Missionária Ministério Vida. Como ele mesmo diz, trata-se de uma igreja movida pelo poder da Palavra de Deus, “que crê que Jesus salva, cura, liberta e transforma vidas”. O próprio líder se diz um fruto desse poder. Salomão conta que já esteve gravemente doente, sofrendo de hepatite, câncer e outras complicações que a medicina não podia curar. “Cheguei a morrer, mas miraculosamente voltei à vida”, garante o bispo, dizendo que chegou a jazer oito horas no necrotério de um hospital. “Voltei pela vontade de Deus”, comemora, cheio de fé.

Consciente, Salomão diz que milagres e manifestações naturais realmente acontecem, mas “somente para a exaltação e a glória do Senhor, e não de homens ou denominações”. O bispo também observa que alguns têm feito do poder extraordinário de Jesus uma grande indústria de milagres: “O Senhor não dá sua glória para ninguém. Ele opera maravilhas através da instrumentalidade de nossas vidas”. E faz questão de reiterar a simplicidade com que Jesus viveu sua vida terrena e que, muitas vezes, realizou grandes milagres sem nenhum alarde. “O agir de Deus não é um espetáculo.”


Sangue fajuto

A novidade chama a atenção pelo seu aspecto bizarro. Num templo da Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd), fiéis caminham através de pórticos representando diversos aspectos da vida (“Saúde”, “Família”, “Finanças”). Até aí, nada demais – os chamados atos proféticos como este são comuns na denominação. O mais estranho acontece depois. Caracterizados como sacerdotes do Antigo Testamento, pastores da Universal recebem as pessoas e, sobre um pequeno altar estilizado, fazem um “sacrifício de sangue”. A nova prática vem ganhando espaço nos cultos da Iurd, igreja que já introduziu no neopentecostalismo uma série de elementos simbólicos. Tudo bem que o sangue não é real (trata-se de simples tinta), mas a imolação simulada vai contra tudo o que ensina o Novo Testamento, segundo o qual Jesus, o Cordeiro de Deus, entregou-se a si mesmo como supremo e definitivo sacrifício pela humanidade. Com sangue puro, e não cenográfico.

***
Fonte: [ Cristianismo Hoje ]
Via: [ 
Púlpito Cristão ]

sexta-feira, 4 de abril de 2014

Curso de Capelania Escolar no Instituto Bíblico do Norte

O Instituto Bíblico do Norte em Garanhuns-PE está oferecendo neste final de semana o Curso de Capelania Escolar. Segundo informações do Diretor do IBN Rev. Milton estão participando 80 pesssoas. Muito bom.

Aguarde maiores informações




Filme Noé: Fantasia Antibíblica



Por Roger Patterson


Um exame das escolhas de entretenimento do cristão e o filme NoéVer ou não ver?

[Alerta de spoilers: Esta breve análise revela certos elementos do filme Noé, mas apenas até o ponto de comunicar as preocupações com o filme. Esta crítica pré-lançamento se baseia em informações de uma variedade de fontes, inclusive afirmações de várias pessoas que foram à pré-estreia do filme e publicaram artigos em vários sites, assim como informações de um membro da equipe do Answers in Genesis que viu todo o filme na versão sem cortes em novembro de 2013. Eu fiz o melhor que pude para representar o filme de forma precisa com base nessas informações. Se houver algum equívoco revelado quando o filme for lançado, eu alegremente os corrigirei como um adendo a este artigo. A AiG publicará uma análise breve inicial em 28 de março e uma crítica completa assim que puder.]

Ultimamente, há muita discussão sobre se cristãos deveriam investir em certos filmes. Esses filmes vêm em vários formatos e têm níveis diferentes de precisão bíblica. Alguns são relatos fictícios retratando a vida de cristãos, enquanto outros presumem retratar relatos bíblicos na telona.

Minha esperança com este artigo é usar o filme Noé como um arcabouço para discutir a questão de assistir a filmes com temas cristãos e enredos bíblicos. Espero que você consiga entender os princípios discutidos aqui e aplicá-los a outras situações. Por exemplo, há um filme retratando o Êxodo a ser lançado no futuro, assim como outros que certamente virão. Eu não tenho a menor intenção de dizer a você o que fazer ou pensar (...). Antes, peço que você procure pensar com o filtro das Escrituras e tomar todo pensamento cativo à obediência de Cristo segundo a sua consciência quanto a essas questões.

Que fique claro, eu pretendo assistir o filme Noé com alguns colegas quando este sair, mas não por entretenimento. Eu pessoalmente creio que seja errado buscar entretenimento em meios que promovem blasfêmia (más representações de Deus e Sua Palavra ou Seus representantes[1]) ou que celebram os pecados pelos quais meu Salvador morreu (e.g., linguagem vulgar, fornicação, indecência, humor impróprio e por aí vai). Porém, há aqueles no corpo de Cristo que trabalham para ajudar outros a entender certas questões e a exercitar discernimento. Compreendo esse como um dos meus papéis como presbítero na minha igreja local e parte do meu papel no Answers in Genesis. Eu também dependo de outros para me ajudar a fazer escolhas sábias e que glorificam a Cristo no que se trata de livros, filmes, e coisas tais. Isso dito, não creio que seja sábio que todos os cristãos saiam correndo para assistir a esse filme ou outros que aparecerão no futuro. Não estou sendo hipócrita; estou clamando que nós, como corpo, tenhamos sabedoria. Peço que considerem meu argumento quanto a isso abaixo.

Noé: Um Estudo

Num artigo publicado online recentemente no Christian Post, John Snowden, o consultor bíblico da produção, conta às pessoas da fé que elas podem aceitar o novo filme Noé. Eu gostaria de examinar algumas das afirmações dele e chamar os cristãos a considerar cuidadosamente se vale a pena investir nesse filme. Outros acrescentaram suas vozes à discussão, e eu incluirei links para alguns deles dentro do artigo.

Erros na abertura

Snowden começa seu artigo afirmando, “Infelizmente, aqueles que se sentiram compelidos a criticar o filme nessas histórias, na verdade, não o viram – então é difícil entender exatamente o que eles estão criticando. Eu assisti a Noé – na verdade, estive trabalhando nele durante os últimos dois anos como o consultor bíblico dos produtores”[2]. Bem, essa censura não é verdadeira no caso da crítica vinda do Answers in Genesis. Em novembro de 2013, um membro da equipe e outros assistiram o filme na forma bruta (rough cut)[3] e, em fevereiro de 2014, outros membros da equipe participaram de uma discussão na Convenção Nacional de Broadcasters onde o Sr. Snowden discutiu essas questões. As críticas publicadas neste site se basearam nessa sessão e na discussão, em vez de em especulação cega. Mesmo os cristãos postando em nossas páginas do Facebook a respeito do filme – supostamente nossos apoiadores – têm batido na mesma tecla dizendo que não devemos condenar um filme ao qual não assistimos. Isso não é verdade e apenas mostra que, ironicamente, as pessoas que nos criticam por criticar o filme, na verdade, não leram o que escrevemos sobre ele.

Sr. Snowden também afirma que “as Escrituras são abertamente citadas por vários personagens em Noé. As palavras de Deus da Bíblia são indiscutivelmente uma parte deste filme. O filme é pró-Deus”. Então, quero tratar essa questão neste artigo para ver se esse realmente é o caso. Intencionalmente distorcer a Palavra de Deus e representar mal o que a Bíblia claramente ensina é blasfêmia. Fazer um filme cheio de distorções blasfemas não é pró-Deus.

Para validar ainda mais esse ponto, Darren Aronofsky, o produtor do filme, contou a um amigo que Noé é “o filme bíblico menos bíblico já feito”[4], e outra fonte diz que “o filme é completamente honroso ao texto”[5]. Parece que a “história” é o que importa, em vez de ser fiel ao que Deus revelou.

As Declarações

Depois de afirmar que o filme é mais próximo do texto bíblico do que já foi sugerido, o Sr. Snowden sustenta a declaração, dizendo, entre outras coisas, “Ninguém mais sobrevive o dilúvio que não devia. Há uma pomba, um arco-íris, dois de cada animal…” Mas quem sobrevive no filme? Noé, sua esposa, seus três filhos e uma nora. Isso não é fiel ao texto; é um erro que leva aqueles que estão assistindo o filme a crer que a Bíblia ensina que um casal repopulou o planeta, em vez de confiar no que as Escrituras ensinam em Gênesis 9–11. Isso também rejeita o ensinamento claro do Novo Testamento de que oito pessoas foram salvas (2Pedro 2.5). Além disso, fica claro a partir do trailer e do filme bruto (rought cut)[6] que mais do que dois de cada tipo de animal foi salvo na arca. Vários que assistiram o filme se referem aos animais sendo “apertados” para dentro da arca. Isso é uma distorção do texto e provavelmente servirá para reforçar a ideia promovida por escarnecedores de que não havia espaço suficiente na arca para todos os animais.

Snowden aponta para Noé buscando sabedoria com um ancião como um ponto positivo: “Num mundo pós-moderno que diz para nunca confiarmos em quem tem mais de 30 anos, essa história mostra Noé buscando seu avô amoroso, sábio (e bíblico), Matusalém, para ajudá-lo a interpretar a visão que está recebendo de Deus e a agir com base nisso. Matusalém também dá a explicação bíblica chave de por que Deus está causando o dilúvio. Fique atento a isso.” O único problema é que o personagem de Matusalém “é um tipo de pajé, cuja saúde mental é questionável”, de acordo com quem viu o filme bruto. Um pajé dando explicações bíblicas é blasfemo e só promoverá a má compreensão do caráter de Deus na mente do espectador que não é cônscio do verdadeiro caráter de Deus revelado nas Escrituras.

Sob o título “Noé toma uma posição firme pela justiça”, Snowden afirma, “Um Noé hollywoodiano bonzinho seria tentado a deixar uma penca de humanos ‘bonzinhos’ ou ‘legais’ entrar no barco, ou três ou quatro girafas muito fofas das quais ele tivesse pena. Mas Noé é firme. Sua missão é clara: Ninguém além de sua família sobrevive.”

Então o personagem de Noé no filme só se importa com sua família e os “inocentes” – os animais. Essa é uma forma incrível de interpretar a Bíblia, especialmente quando sabemos a partir de 2Pedro 2.5 que o Noé bíblico era um pregador de justiça. Qual era o assunto da pregação? Chamar as pessoas ao arrependimento. Por que Noé pregaria sobre a justiça encontrada na graça de Deus (Gênesis 6.8) se ele só se importava com sua família e os animais? Retratar mal um dos servos fiéis de Deus (Hebreus 11.7) assim é total zombaria da Palavra perfeita de Deus. Isso desconecta o Novo do Antigo Testamento, uma violação da boa interpretação bíblica. Pregadores não apontam para longe da salvação.

Ademais, o filme retrata Noé como um homem ríspido e perverso. Não há dúvida de que o Noé verdadeiro era um pecador (ele era um descendente de Adão), mas Deus descreve Noé com estas palavras: “Esta é a história da família de Noé: Noé era um homem justo, íntegro entre o povo da sua época; ele andava com Deus” (Gênesis 6.9). No filme bruto, apresenta-se um retrato diferente da personagem de Noé:

Noé a princípio é retratado como um homem humilde, contudo forte e bom — um pai e um marido que protegia a sua família do mal que sobreviera a terra. Porém, ao ajudar a construir a arca, ele era retratado mais como um maluco que estava convencido de que a sua família era a última geração. Ele repetia vez após vez que Deus não permitiria que eles repopulassem, visto que Deus replantaria o Éden sem o homem e a perfeição se reestabeleceria com os ‘animais inocentes’ que Deus trouxera à arca. Mesmo quando o filho de Noé trouxe à família na arca a notícia de que sua esposa estava grávida, o Noé do filme disse, essencialmente, ‘Se for macho, ele viverá. Se for menina, eu a matarei porque não é a vontade de Deus que o homem repopule’.

Outra distorção apresentada no filme é a de que Noé não entende claramente a mensagem de Deus a ele. Isso está em clara contradição do texto de Gênesis 6–7, onde Deus clara e diretamente Se comunica com Noé. Não foi uma série de sonhos enigmáticos que Noé tinha que decifrar. Snowden apresenta essa luta interna na personagem de Noé. “É saudável que Noé lute para compreender exatamente o que Deus está dizendo, porém, a despeito disso, Noé confia e age com fidelidade. A luta nem sempre é fácil de ver, especialmente em partes posteriores do filme, mas os valores que saem dessa narrativa são especiais.” Como um humano, Noé provavelmente teve momentos de dúvida, mas Deus falou claramente a Noé. Sugerir o contrário é representar mal a Palavra de Deus. Sugerir o contrário é afirmar que Deus manteve Noé no escuro, sem Se comunicar claramente com ele. Isso é uma má representação do caráter de Deus conforme é revelado a nós na Bíblia.

Ademais, os animais na terra não eram inocentes:

Ora, a terra estava corrompida aos olhos de Deus e cheia de violência. Ao ver como a terra se corrompera, pois toda a humanidade havia corrompido a sua conduta, Deus disse a Noé: ‘Darei fim a todos os seres humanos, porque a terra encheu-se de violência por causa deles. Eu os destruirei juntamente com a terra’.” (Gn 6.11-13)

Toda carne enfrentava o juízo de Deus como extensão da maldição que sobreviera aos animais assim como à humanidade.

A intenção de Deus em trazer os animais à arca era salvá-los e repopular a terra (Gn 8.17). O filme bruto retrata um homem frustrando os planos de Deus: “Um Tubal-Caim entra às machadadas na arca em mais ou menos dez minutos e se esconde lá dentro… Tubal-Caim sobrevive alimentando-se de lagartos que hibernavam”. Como animais impuros, os lagartos teriam sido representados por um par. Ao comer os lagartos, ele teria frustrado o plano de Deus de manter aqueles lagartos vivos para repopular a terra. Isso apresenta Deus como um desastrado que não consegue realizar os Seus planos. Isso pode parecer picuinha, mas é exatamente esse tipo de coisa que zombadores usam para tirar sarro da Bíblia e de Deus, sugerindo que Noé ou os tigres podem ter sentido vontade de comer uma carninha e feito uma refeição de alguma outra criatura a bordo. Mas a Bíblia revela que homens e animais ainda estavam comendo uma dieta vegetariana, e só após o dilúvio Deus permitiu que se comesse carne (Gn 1.29-31; 9.3-4).

Snowden também indica em seu apelo que o filme retrata a intervenção sobrenatural de Deus. “Um Deus ativo com um plano frequentemente se moverá em poder para fazer milagres acontecerem. Nosso Deus torna conhecido o fim desde o começo; Seus propósitos permanecerão e Ele fará tudo que Lhe agrada, inclusive curar os fisicamente afligidos para realizar o Seu plano.” Isso aparentemente faz referência a essa descrição (a partir da apresentação do filme bruto) de uma menina sendo curada de um ferimento, mas não de forma sobrenatural que dê glória a Deus:

Por exemplo, os principais personagens no filme são Noé, sua esposa e três filhos – e uma garotinha que eles salvaram depois que toda a família dela foi assassinada por uma tribo perversa. Ela estava gravemente ferida quando a encontraram, mas a esposa de Noé passou um néctar curativo na barriga dela, e ela cresceu para se tornar depois a esposa do filho mais velho. Por bastante tempo ela foi estéril até que a esposa de Noé convenceu Matusalém de abençoar o ventre dela – contra a vontade de Noé.

Há outros elementos do filme que são apresentados como mágicos ou fantasiosos. Isso também mina a autoridade das Escrituras, fazendo o relato depender de um Noé com uma pulseira de superpoderes e criaturas de pedra gigantes que não estão em nenhum lugar do texto. Em cima disso, a criação dos animais é descrita por Noé como um processo evolutivo, não uma criação especial de Deus, e os tons ambientalistas são altos, para não dizer retumbantes.[7]

Uma plataforma para o evangelho

Snowden sugere que em “uma época em que conversas sobre a cultura pop tende a focalizar entretenimento que apresenta super-heróis, vampiros e zumbis, todo o país está alvoroçado por uma história que abraça temas das Escrituras”. Mas ela ainda distorce a Palavra de Deus. Ela pode abraçar um tema bíblico, mas ela abraça a verdade sobre o Deus que inspirou a Bíblia?

Snowden encerra com:

Se você está preocupado que um descrente vai aprender a história com detalhes errados, eu o encorajo a reler a lista acima e começar a ter conversas lindas sobre fé para acompanhar um pouco de pipoca e refrigerante de forma não ameaçadora com pessoas com as quais você nunca teria essa oportunidade de outra forma. O Evangelho por si só é boa nova com ou sem um filme, mas quando perguntas teológicas começam a emergir de dentro de qualquer pessoa, eu preferiria muito que você e eu ouvíssemos em vez de criticar. Lembre-se: é a responsabilidade da igreja anunciar o evangelho – não de Hollywood. Que Noé dê início a uma conversa sobre Deus e Seu plano de salvação para nós é uma bênção ponderável.

Eu concordo que esse filme abrirá oportunidades para as pessoas se engajarem em conversas, mas isso não significa que todo cristão precisa assistir o filme para ter uma conversa. Eu duvido que o sr. Snowden encorajaria as pessoas a assistirem a um filme que maldissesse a mãe dele da forma como esse filme faz para com a verdade da Bíblia e o caráter de Deus – mesmo que viesse com um aviso de isenção na introdução. Podemos engajar as pessoas numa conversa perguntando o que elas aprenderam sobre Noé ou Deus ou sobre outros aspectos do filme e as ouvindo. Porém, por causa da natureza muito antibíblica da história, há de haver alguma crítica – erros precisarão ser apontados ou a verdade não será revelada. A verdade sempre critica a mentira.

Ao fazer boas perguntas, podemos extrair as ideias apresentadas no filme e então convidar as pessoas a se sentarem conosco com uma Bíblia aberta. Podemos ler para elas as palavras inspiradas das Escrituras que entesouramos e guiar as pessoas até a magnífica graça de Deus revelada em todas as Escrituras, mas finalmente à vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo em favor dos pecadores.

Muitos cristãos sugerem que se eles não assistiram o filme, não serão capazes de falar com credibilidade com um descrente. Isso é um falso argumento – você não diria a mesma coisa sobre ver pornografia, ficar bêbado ou outros atos impiedosos a fim de falar deles com mais credibilidade. Em cada um desses casos, tudo que você precisa fazer é comparar essas coisas com a verdade da Palavra de Deus. Você não precisa experimentar a embriaguez para poder falar com um beberrão sobre a verdade. O mesmo é verdadeiro sobre qualquer filme – seja ele baseado na Bíblia ou não. Não engula essa falsa linha de raciocínio se você está convencido que não vale a pena assistir a esse filme. Você pode tomar essa decisão inicial lendo uma resenha do filme escrita por alguém em quem você confia e que escolheu assistir o filme, e então usar esses elementos para discutir com outros. Além disso, não julgue seus irmãos e irmãs que optam por assistir a filmes que você acha impróprio com base em questões da consciência que não são questões claras de pecado (Rm 14.5-13).

Na verdade, responder a alguém que lhe pergunta se você assistiu o filme com, “Eu decidi não assistir porque soube de uma fonte fidedigna que ele retrata mal as Escrituras e o Deus a quem amo tanto”, pode ser um testemunho forte para eles. Diga-lhes, com graça e verdade, que você escolheu tomar uma posição quanto a suas convicções e evitar algo que você considera blasfemo. Fale que você ama seu Deus mais do que o entretenimento. Esse é um testemunho radical em nossa cultura.

Pergunte a eles qual é o propósito da arca no filme. Pergunte como era Noé. Peça que lhe contem e depois abra a fonte de verdade e esperança com eles e mostre o que Deus realmente disse e como Ele realmente é. Diga-lhes que Ele abriu um caminho para eles serem perdoados dos seus pecados, assim como Noé foi, ao confiar no Salvador para receber perdão.

Temas ou Verdade

Um padrão fica claro no artigo – sr. Snowden está mais interessado nos “temas” das Escrituras a serem retratados do que na sua veracidade. Certamente há temas na Bíblia, mas esses temas são alicerçados na verdade. Essa verdade se alicerça no caráter de Deus. Esse filme apresenta um Deus que não cumpre aquilo que a Bíblia claramente diz que Ele Se propôs a fazer nem Se comunica claramente com Seus filhos. Apresenta Noé não como um homem reto, justo e fiel que é perfeito em meio a sua geração, mas como um homem iracundo e perturbado que pretende assassinar sua neta pra exterminar o futuro da humanidade.

“Pessoas de fé” talvez possam aceitar esse filme, mas eu sinceramente peço que você considere se um cristão que confia na Palavra inspirada, infalível, inerrante e suficiente de Deus pode aceitá-lo. Muitos ditos cristãos não creem que Noé foi uma pessoa real da qual todos descendemos. Muitos creem que o dilúvio foi apenas um evento regional. Outros creem que o dilúvio é apenas uma alegoria que comunica um certo tema que todos aceitamos. Eu oro para que todos nos posicionemos ao lado da autoridade da Palavra de Deus e busquemos defender Sua honra a todo custo, mesmo à custa do nosso próprio entretenimento.

A Paramount Pictures quer o seu dinheiro, e querem que você creia, como um aviso acrescentado ao material promocional diz, que Noé “é inspirado pela história de Noé. Por mais que a licença artística tenha sido tomada, cremos que o filme seja fiel à essência, aos valores e à integridade de uma história que é a pedra angular de fé para milhões de pessoas por todo o mundo. A história bíblica de Noé se encontra no livro de Gênesis.”[8] Deixarei a seu encargo decidir se eles estão contando a verdade ou uma estória. Antes de você comprar um ingresso, leia Efésios 4.17–5.21 e peça por sabedoria do Espírito Santo, para que você caminhe em obediência a seu Senhor, Jesus Cristo.

____________
Notas:
[1] O dicionário bíblico Tyndale inclui esta explicação sob o verbete “Blasfêmia”: “A forma mais comum de blasfêmia no Novo Testamento é a blasfêmia contra Deus. Pode-se insultar Deus diretamente ( Ap 13.6; 16.9), zombar da sua palavra (Tt 2.5), ou rejeitar sua revelação e seu portador (At 6.11)” (Tyndale Bible Dictionary, Logos Version 2001, s.v. “Blasphemy”).
[2] John Snowden, Why People of Faith Can Embrace the ‘Noah’ Movie, Christian Post, February 26, 2014.
[3] Para ler uma resenha da pré-estreia, veja Ken Ham, Don’t Be Taken in by the Noah Movie’s Promotion, Around the World with Ken Ham. Embora seja possível que algumas pequenas mudanças tenham sido feitas desde que o filme bruto foi apresentado em novembro, é impossível que todos esses elementos antibíblicos tenham sido removidos, visto que são centrais para o enredo do filme.
[4] Darren Aronofsky Gets Biblical, The New Yorker, March 10, 2014. 
[5] Darren Aronofsky: Noah is the perfect film to bring believers and non-believers together, Christianity Today, March 11, 2014.
[6] A partir do filme bruto, “parece que todas as espécies foram apertadas para dentro da arca em vez de só os tipos de animais, assim zombando do relato da arca da mesma forma que os secularistas fazem hoje”.
[7] Ed Stetzer, Noah: Five Negative Features about the Film, Christianity Today, March 3, 2014.

***
Traduzido por: Tirzah Fernandes Pinto
Confira o original, clicando aqui!
Imagem: Tuporém
Fonte: Tuporém
.

Cidade aprova projeto de vereador evangélico para o uso da Bíblia como

A Câmara Municipal de Itapema, interior de Santa Catarina, aprovou por unanimidade um projeto de lei que coloca a Bíblia como material de estudo nas aulas de história das escolas municipais e particulares da cidade.
O projeto, de autoria do vereador Mouzatt Barreto (DEM), deverá ser encaminhado ao prefeito Rodrigo Costa (PSDB) para sanção.
De acordo com Barreto, que é presbítero assembleiano e teólogo, o projeto sugere o uso da Bíblia como material de estudo, mas não a impõe aos educadores, e por isso, não desobedeceria a Constituição Federal.
Segundo o jornal local Diário Catarinense, o vereador acredita que a Bíblia Sagrada não constrangerá os alunos adeptos de outras religiões porque será usado como livro de história.
Por Tiago Chagas, para o Gospel+
  


Formulário de contato

Nome

E-mail *

Mensagem *