2 R eis 6 :8 – 7:20
A nosso ver, teria sido muito mais lógico o Senhor designar Elias, o “filho do trovão”, para confrontar os exércitos inimigos que invadiram Israel. Em vez disso, porém, Deus escolheu Eliseu, o jovem agricultor de espírito pacífico. Eliseu era como o “cicio tranquilo e suave” que veio depois do tumulto do vento, do terremoto e do fogo (1 Rs 19:11, 12), assim como Jesus veio depois de João Batista, o pregador com um machado na mão. Ao declarar a justiça de Deus e chamar ao arrependimento, tanto Elias quanto João Batista prepararam o caminho para o ministério de seus sucessores, pois sem convicção da culpa não há verdadeira conversão.
Neste momento convido você para juntos olharmos para este texto da Palavra de Deus e aprendermos algumas lições que nos ajudarão em nossa caminhada no meio da batalhas da vida.
O DEUS QUE VÊ (2 RS 6:8-14)
Sempre que os siros planejavam um ataque à fronteira, o Senhor dava a informação a Eliseu, e o profeta avisava o rei. Baal jamais poderia ter feito isso pelo rei Jorão, pois os ídolos “Têm olhos e não vêem” (Sl 115:5). O Senhor não apenas vê as ações, mas também os pensamentos de todos (Sl 9 4:11; 139:1-4) bem como o coração (Pv 15:3, 11; Jr 1 7:10; At 1:24). A maioria das pessoas em Israel, o reino do Norte, não era fiel ao Senhor e, no entanto, em sua misericórdia, ele cuidou do seu povo. “É certo que não dormita, nem dorme o guarda de Israel” (Sl 121:4).
O rei da Síria estava certo de que havia um traidor em seu acampamento, pois a mente do incrédulo interpreta todas as coisas do ponto de vista do mundo. Os idólatras tornam-se como os deuses que adoram (Sl 11 5:8), de modo que Ben-Hadade estava tão cego quanto seu deus Rimom (2 Rs 5:18). Porém, um dos oficiais de Ben-Hadade sabia o que estava acontecendo e informou ao rei que o profeta Eliseu estava encarregado da “inteligência militar” e tinha conhecimento do que o rei dizia e fazia até no próprio quarto.
A solução lógica era eliminar Eliseu. Mais uma vez, vemos a ignorância do rei, pois se Eliseu ficava sabendo de todos os planos do rei para o ataque à fronteira, por certo também ficaria sabendo desse plano – e foi exatamente o que aconteceu! Os espias de Ben-Hadade encontraram Eliseu em Dotã, uma cidade cerca de 20 quilômetros ao norte da capital, Samaria. A casa de Eliseu ficava em Abel-Meolá, mas, em seu ministério itinerante, ele se deslocava de uma cidade para a outra. Em termos humanos, teria ficado mais seguro na cidade fortificada de Samaria, mas o profeta não teve medo, pois sabia que Deus cuidava dele. A chegada de uma companhia de soldados, cavalaria e carros com seus cavaleiros aquela noite não perturbou nem um pouco o profeta. Não era o exército todo, mas sim um grupo grande, como aquele que realizava os ataques na fronteira (v. 23; 5:2; 13:20; 24:2).
Quando os servos de Deus estão dentro de sua vontade e realizando sua obra, tornam-se imortais até que essa obra esteja completa. Os discípulos tentaram dissuadir Jesus a não voltar para Judá, mas ele lhes garantiu que trabalhava dentro de um “cronograma divino” e, portanto, não corria perigo algum (Jo 11:7-10). Somente quando “era chegada a sua hora” (Jo 13:1; 17:1) é que seus inimigos tiveram o poder de prendê-lo e de crucificá-lo. Se o Pai cuida até mesmo de um pardal (Mt 10:29),então certamente está cuidando de seus filhos preciosos.
O DEUS QUE PROTEGE (2 RS 6:15-17)
O jovem acordava cedo – o que é bom sinal, mas ainda era deficiente em sua fé. Vendo a cidade cercada de soldados inimigos, sua reação foi natural e buscou a ajuda de seu senhor.
Uma mulher disse ao evangelista D. L. Moody ter encontrado uma promessa maravilhosa que lhe dava paz quando estava preocupada e citou o Salmo 56:3: “Em me vindo o temor, hei de confiar em ti”. Moody disse que tinha uma promessa ainda melhor para ela e citou Isaías 12:2: “Eis que Deus é minha salvação; confiarei e não temerei”. Ficamos imaginando quais promessas do Senhor vieram à mente e ao coração de Eliseu, pois é a fé na Palavra de Deus que traz paz em meio à tempestade. É possível que se tenha lembrado das palavras de Davi no Salmo 27:3: “Ainda que um exército se acampe contra mim, não se atemorizará o meu coração; e, se estourar contra mim a guerra, ainda assim terei confiança”. Ou talvez as palavras de Moisés em Deuteronômio 20:3, 4 lhe tenham vindo à mente: “Não desfaleça o vosso coração; não tenhais medo, não tremais, nem vos aterrorizeis […] pois o Senhor, vosso Deus, é quem vai convosco a pelejar por vós contra os vossos inimigos, para vos salvar”.
Eliseu não se preocupou com o exército; antes, sua maior preocupação foi com o servo assustado. Ao andar com Eliseu e servir a Deus, o rapaz enfrentaria várias situações difíceis e perigosas e teria de aprender a confiar no Senhor. Nesse caso, provavelmente oraríamos pedindo ao Senhor que desse paz ao coração do jovem ou que acalmasse sua mente, mas Eliseu orou pedindo a Deus que abrisse os olhos do servo. Ele vivia de acordo com as aparências, não pela fé, e não conseguia ver o enorme exército angelical do Senhor cercando a cidade. A fé nos permite ver o exército invisível de Deus (Hb 11:2,7) e crer que ele nos dará a vitória. Jacó teve uma experiência parecida antes de se encontrar com Esaú (Gn 32), e Jesus sabia que, se fosse da vontade de seu Pai, um exército de anjos poderia livrá-lo (Mt 26:53). “Como em redor de Jerusalém estão os montes, assim o Senhor, em derredor do seu povo, desde agora e para sempre” (Sl 125:2). “O anjo do Senhor acampa-se ao redor dos que o temem e os livra” (Sl 34:7). Os anjos são servos do povo de Deus (Hb 1:14), e, até chegarmos ao céu, jamais saberemos exatamente quanto eles nos ajudaram.
O DEUS QUE MOSTRA MISERICÓRDIA (2 RS 6:18-23)
Eliseu não pediu que o Senhor ordenasse ao exército angelical para destruir os soldados insignificantes de Ben-Hadade. Como acontece com as nações nos dias de hoje, a derrota só serve para promover a retaliação, e Ben-Hadade teria mandado outra companhia de soldados. Deus deu a Eliseu um plano muito melhor. Havia acabado de orar pedindo que o Senhor abrisse os olhos de seu servo e, então, orou pedindo que Deus escurecesse a vista dos soldados siros. Os homens não ficaram inteiramente cegos, pois se isso tivesse acontecido, não poderiam ter seguido Eliseu; porém, sua visão foi enevoada de tal modo que puderam ver, mas não compreender. A ilusão deles era que estavam sendo conduzidos à casa de Eliseu quando, na verdade, Eliseu os estava levando para a cidade de Samaria!
Se dependesse do rei Jorão, teria executado todos os soldados siros e assumido o crédito pela grande vitória, mas Eliseu interveio. O rei usou de muita gentileza, chamando Eliseu de “meu pai” (v. 21), uma designação usada pelos servos para se dirigir a seu senhor (5:13), mas, algum tempo depois, o rei quis cortar a cabeça de Eliseu (v. 32)! Como Acabe, seu pai perverso, Jorão poderia matar um inocente num dia e “andar cabisbaixo” diante do Senhor no dia seguinte (1 Rs 21), uma instabilidade típica de pessoas de ânimo dobre (Tg 1:8).
A resposta de Eliseu deixou o rei inteiramente de fora. Acaso Jorão havia derrotado exército em combate? De modo algum! Se houvesse vencido a batalha, teria o direito de executar os prisioneiros, mas se esse não foi o caso, a responsabilidade do rei era lhes dar de comer. Jorão sabia que partilhar uma refeição com eles era o mesmo que fazer uma aliança com os siros (Gn 26:26-31), mas ainda assim obedeceu. Na verdade, fez mais do que o profeta havia pedido – que desse pão e água – e preparou um grande banquete aos soldados.
Salomão escreveu: “Se o que te aborrece tiver fome, dá-lhe pão para comer; se tiver sede, dá-lhe água para beber, porque assim amontoarás brasas vivas sobre a sua cabeça, e o Senhor te retribuirá” (Pv 25:21, 22). Paulo citou essas palavras em Romanos 12:20, 21, aplicando-as aos cristãos de hoje. Ver também as palavras de Jesus em Mateus 5:43-48 e Lucas 6:27-36. O rei Jorão desejava executar os siros, mas Eliseu os “abateu com sua bondade”. Ao comerem juntos, fizeram uma aliança de paz, e as companhias de soldados siros deixaram de atacar as fronteiras de Israel.
Será que esse tipo de abordagem evitaria conflitos nos dias de hoje? Devemos nos lembrar de que Israel era uma nação da aliança e de que o Senhor lutava suas batalhas. Nenhuma nação poderia reivindicar esse tipo de privilégio. Porém, se a bondade substituísse as profundas e tão antigas diferenças étnicas e religiosas entre os povos, bem como o orgulho nacional e a cobiça internacional, sem dúvida haveria menos guerras e bombardeios. O mesmo princípio aplica-se ao fim do divórcio e ao abuso nas famílias, a tumultos e saques em bairros, a agitações em campi universitários e a divisões e conflitos em nossas comunidades. “Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia” (Mt 5:7).
O DEUS QUE É FIEL À SUA ALIANÇA (2 Rs 6:24-33)
Os ataques às fronteiras cessaram, mas Ben-Hadade ll decidiu que era chegada a hora de ir à guerra.1 Os governantes devem provar seu valor ao povo, e derrotar e saquear o inimigo é uma das melhores maneiras de revelar a própria força e sabedoria. Dessa vez, o rei enviou um exército completo, e temos a impressão de que pegou Jorão inteiramente despreparado. Talvez a paz nas fronteiras tenha tranqüilizado Jorão e o levado a crer que a Síria não representava mais uma ameaça. Tudo indica que, em se tratando de assuntos militares, Jorão não era muito perspicaz.
O cerco de Samaria durou tanto tempo que o povo da cidade começou a morrer de fome. Ao que parece, Eliseu havia aconselhado o rei a esperar (v. 33), prometendo que o Senhor faria algo, mas quanto mais esperavam, pior sua situação se tornava. No entanto, é importante lembrar que Deus advertiu que castigaria seu povo se os israelitas não vivessem de acordo com as estipulações de sua aliança. Esses castigos incluíam a derrota militar (Lv 26:17, 25, 33, 36-39; Dt 28:25, 26, 49-52) e a fome (Lv 26:26, 29; Dt 28:1 7, 48), e Israel estava sofrendo com as duas coisas. Se o rei Jorão tivesse chamado o povo ao arrependimento e à oração, a situação teria mudado (2 Cr 7:14). O povo foi degradado a tal ponto que precisou recorrer a alimentos imundos, como cabeça de jumento e esterco de pombos, pagando por eles preços exorbitantes: um quilo de prata pela cabeça de jumento e sessenta gramas de prata pelo esterco.
Pior do que isso, porém, era que os israelitas estavam comendo os próprios filhos, um castigo que também havia sido previsto no caso de o povo transgredir a aliança com Deus (Lv 26:29; Dt 28:53-57). O rei encontrou duas mulheres nessa situação quando estava andando sobre as muralhas e inspecionando a cidade. Uma das mulheres pediu a ajuda do rei, e Jorão pensou que ela queria algo para comer e beber. Na realidade, a resposta do rei colocou a culpa no Senhor e não nos pecados de Israel. Somente Deus poderia encher o chão da eira e o lagar e suprir o alimento e a bebida. Mas aquela mãe não queria comida e bebida, mas sim justiça. A amiga dessa mulher não havia cumprido sua parte no trato e escondera o filho!
Jorão ficou estarrecido que a nação houvesse decaído a esse ponto e rasgou as roupas em público, não como sinal de tristeza e de arrependimento, mas como prova de sua ira contra Deus e Eliseu (ver 5:7). Ao fazê-lo, mostrou que estava usando um pano de saco sob o manto real, mas de que adiantavam panos de saco se não havia humildade nem arrependimento no coração? As palavras que proferiu em seguida deixam claro que Jorão não assumiu qualquer responsabilidade pelo cerco e pela fome e que desejava matar Eliseu. Chegou até a usar o juramento que havia aprendido de Jezabel, sua mãe perversa (v. 31; 1 Rs 19:2). Acabe, o pai de Jorão, chamou Elias de “perturbador de Israel” (1 Rs 18:17), e Jorão culpou Eliseu pela situação calamitosa em que Samaria se encontrava. O rei enviou um mensageiro para prender Eliseu e para que fosse executado.
O profeta não se perturbou nem se preocupou, pois o Senhor sempre dizia a Eliseu tudo o que ele precisava saber. Enquanto o profeta estava sentado em sua casa com os anciãos de Israel, alguns líderes que o haviam procurado para pedir conselho e ajuda, soube que um oficial estava a caminho. Também soube que o próprio rei o seguiria para ter certeza de que a execução seria levada a cabo. Eliseu já havia deixado claro que não aceitava a autoridade do rei de Israel, pois Jorão não era da linhagem de Davi (3:14). Jorão era filho de Acabe, o rei assassino que, juntamente com a esposa, Jezabel, matou os profetas do Senhor que se opuseram à adoração de Baal (1 Rs 18:4). Além disso, mataram seu vizinho, Nabote, para que pudessem confiscar sua propriedade (1 Rs 21).
Eliseu ordenou que os anciãos mantivessem as portas fechadas até que os dois homens estivessem do lado de fora. Ser obrigado a ficar esperando à porta não melhorou em nada o humor do rei, que gritou para Eliseu: “Eis que este mal vem do Senhor; que mais, pois, esperaria eu do Senhor?” (v. 33). Ele deveria ter dito: “Eu sou a causa dessa grande tragédia e me arrependo de meus pecados! Orem por mim!”. Havia uma cláusula na aliança para a confissão e o perdão (Dt 30), caso o rei Jorão e o povo tivessem lançado mão dessa possibilidade. O Senhor é sempre fiel a sua aliança, quer seja para abençoar quando seu povo é obediente quer para disciplinar quando é desobediente.
O DEUS QUE CUMPRE SUAS PROMESSAS (2 RS 7:1-20)