“As questões que suscitaram a Reforma quinhentos anos atrás ainda estão muito presentes no século 21 em toda a igreja”, declara o documento, publicado antes do quingentésimo aniversário e assinado por mais de 50 líderes evangélicos.
No dia 24 de outubro de 2016, tornou-se público o manifesto “A Reforma Acabou? Uma Declaração de Convicções Evangélicas”. O documento (ler abaixo) é uma resposta à abordagem assumida, de comum acordo, pela Igreja Católica Romana e algumas igrejas e organizações protestantes e evangélicas.
Elaborado pela Reformanda Initiative, o manifesto declara: “Às vésperas do quingentésimo aniversário da Reforma Protestante, cristãos evangélicos de todo o mundo têm a oportunidade de refletir novamente sobre o legado da Reforma tanto na igreja global de Jesus Cristo como no desenvolvimento do trabalho evangelístico. Após séculos de controvérsias e tensões entre evangélicos e católicos, a cordialidade ecumênica de tempos recentes criou condições propícias para que líderes de ambos os lados afirmassem que a Reforma está em seus momentos finais e que as principais discordâncias teológicas que levaram à ruptura do cristianismo ocidental no século 16 já estão resolvidas.” São exemplos dessa cordialidade o papel ativo que o Papa Francisco desempenhará na Comemoração Ecumênica da Reforma em Lund, Suécia, no dia 31 de outubro deste ano, e as atividades que visam buscar “unidade” e “reconciliação” na Alemanha entre a Igreja Protestante (EKD) e a Igreja Católica Romana.
MAIS INFORMAÇÕES
O documento foi assinado por mais de 50 teólogos evangélicos, líderes de igrejas e líderes de instituições evangélicas de peso. Veja a lista completa de signatários aqui. Você pode baixar o documento “A Reforma Acabou? Uma Declaração de Convicções Evangélicas” em Português, Inglês, Italiano, Eslovaco e Espanhol.
Leia o manifesto abaixo:
A REFORMA ACABOU? 
Uma Declaração de Convicções Evangélicas
Às vésperas do quingentésimo aniversário da Reforma Protestante, 
cristãos evangélicos de todo o mundo têm a oportunidade de refletir 
novamente sobre o legado da Reforma tanto na igreja global de Jesus 
Cristo como no desenvolvimento do trabalho evangelístico. Após séculos 
de controvérsias e tensões entre evangélicos e católicos, a cordialidade
 ecumênica de tempos recentes criou condições propícias para que líderes
 de ambos os lados afirmassem que a Reforma está em seus momentos finais
 e que as principais discordâncias teológicas que levaram à ruptura do 
cristianismo ocidental no século 16 já estão resolvidas.
Por que alguns afirmam que a Reforma acabou
Em apoio à ideia de que a Reforma acabou, são geralmente citadas duas razões principais:
1) Os desafios para os cristãos em todo o mundo (como, por 
exemplo, o secularismo e o Islã) são tão atemorizantes que protestantes e
 católicos não podem mais se dar ao luxo de permanecer divididos. Um 
testemunho unificado, talvez com o Papa como porta-voz, beneficiaria 
grandemente o cristianismo global.
2) As divisões teológicas históricas (por exemplo, a salvação 
somente por meio da fé, a autoridade última da Bíblia, a primazia do 
bispo de Roma) são consideradas questões de diferença legítimas em 
termos de ênfase, mas não são pontos críticos de divisão e contraste que
 impeçam a unidade.
A força cumulativa desses argumentos tem amenizado a compreensão e a 
avaliação de alguns evangélicos acerca da Igreja Católica Romana.
É também importante notar que, no último século, o evangelicalismo 
global tem crescido em uma velocidade avassaladora, enquanto o mesmo não
 ocorre no catolicismo romano. O fato de milhões de católicos 
tornarem-se evangélicos nos últimos anos não passou despercebido por 
líderes católicos romanos, que buscam responder a essa perda de fiéis de
 maneira estratégica: adotando uma linguagem evangélica tradicional 
(conversão, evangelho, missão, misericórdia) e estabelecendo diálogos 
ecumênicos com igrejas que outrora condenaram. Onde antes havia 
perseguição e animosidade, agora há relacionamentos e diálogos mais 
amistosos entre católicos e protestantes. A questão, porém, permanece: 
as diferenças fundamentais entre católicos e protestantes ou evangélicos
 desapareceram?
A Reforma acabou?
A Reforma Protestante, em todas as suas variantes e por vezes tendências
 conflitantes, foi, em última instância, um chamado para (1) resgatar a 
autoridade da Bíblia sobre a igreja e (2) reconhecer novamente o fato de
 que a salvação chega até nós somente por meio da fé.
Há cinco séculos, o catolicismo romano é um sistema religioso que não é 
baseado exclusivamente na Escritura. De acordo com a perspectiva 
católica, a Bíblia é apenas uma fonte de autoridade: não se mantém 
autônoma, nem é a fonte mais importante. De acordo com esta visão, a 
tradição precede a Bíblia, é maior do que a Bíblia e não é revelada 
somente pela Escritura, mas através do ensino contínuo da Igreja e de 
sua agenda atual, de acordo com os tempos. Uma vez que a Escritura não 
tem a última palavra, a doutrina e a prática católicas permanecem 
indeterminadas e, portanto, confusas em sua própria essência.
A promulgação de três dogmas (ou seja, crenças obrigatórias) sem 
qualquer base bíblica ilustra perfeitamente o método teológico do 
catolicismo romano. São eles: o dogma da imaculada conceição de Maria, 
de 1854; o dogma da infalibilidade papal, de 1870; e o dogma da assunção
 corpórea de Maria, de 1950. Esses dogmas não representam o ensinamento 
bíblico e, na verdade, claramente os contradizem. No sistema católico, 
isso não importa, pois não depende da autoridade exclusiva da Escritura.
 Talvez sejam necessários dois milênios para se formular um novo dogma, 
mas, tendo em vista que a Escritura não detém a última palavra, a Igreja
 Católica pode eventualmente adotar tais inovações.
Quanto à doutrina da salvação, muitos têm a impressão de que há uma 
convergência crescente no que diz respeito à justificação pela fé e que 
as tensões entre católicos e evangélicos têm diminuído consideravelmente
 desde o século 16. No Concílio de Trento (1545-1563), a Igreja Católica
 reagiu fortemente contra a Reforma Protestante ao declarar “anátema” 
(amaldiçoados) aqueles que defendessem a justificação somente pela fé, 
ao mesmo tempo em que afirmou o ensino de que a salvação é um processo 
de cooperação com infusão da graça, ao invés de ser um ato alicerçado 
exclusivamente na graça e na fé.
Alguns argumentam que a Declaração Conjunta sobre a Doutrina da 
Justificação, assinada pela Igreja Católica Romana e a Federação Mundial
 Luterana em 1999, uniu a ambos os lados. Conquanto o documento 
favoreça, por vezes, uma tendência mais bíblica no entendimento da 
justificação, explicitamente afirma a visão de justificação do Concílio 
de Trento. A condenação sobre convicções protestantes e/ou evangélicas 
históricas permanece; apenas não se aplica àqueles que afirmam a 
desfocada posição da Declaração Conjunta.
Assim como em Trento, na Declaração Conjunta a justificação é um 
processo representado pelo sacramento da Igreja (o batismo); ela não é 
recebida exclusivamente pela fé. É uma jornada que requer colaboração do
 fiel e uma participação contínua no sistema sacramental. Não há 
qualquer entendimento de que a justiça de Deus é imputada por Cristo ao 
crente; logo, não há qualquer segurança de salvação. Além disso, a visão
 da Igreja Católica Romana é revelada por seu uso contínuo de 
indulgências (ou seja, a remissão da punição temporal por pecado 
atribuído pela Igreja em ocasiões especiais). Foi a teologia das 
indulgências que desencadeou a Reforma, mas esse sistema tem sido 
invocado recentemente pelo Papa Francisco no Ano da Misericórdia 
(2015-2016). Isto mostra que, para a Igreja Católica Romana, a visão 
básica da salvação – que depende da mediação da Igreja, da distribuição 
de graça por meio dos sacramentos, da intercessão dos santos e do 
purgatório – permanece a mesma após a elaboração da Declaração Conjunta.
Perspectivas
O que dissemos sobre a Igreja Católica Romana como realidade doutrinal e
 institucional não é necessariamente verdadeiro para indivíduos 
católicos. A graça de Deus está trabalhando em homens e mulheres que se 
arrependem e confiam somente em Deus e que respondem ao seu evangelho, 
vivendo como discípulos cristãos que buscam conhecer a Cristo e fazê-lo 
conhecido.
Entretanto, por conta de suas afirmações dogmáticas flutuantes e de sua 
estrutura política complexa e diplomática, a instituição Igreja Católica
 deve ser examinada com muito mais cautela e prudência. Iniciativas 
atuais para renovar aspectos da vida e adoração católicas (como, por 
exemplo, a acessibilidade à Bíblia, a renovação litúrgica, o papel 
crescente dos leigos e o Movimento Carismático) não indicam, por si 
mesmas, que a Igreja Católica Romana esteja compromissada com uma 
reforma substanciosa em consonância com a Palavra de Deus.
Em nosso mundo globalizado, encorajamos a cooperação entre evangélicos e
 católicos em áreas de preocupação comum, tais como a proteção da vida e
 a promoção da liberdade religiosa. Essa cooperação se estende a pessoas
 de outras orientações religiosas e ideológicas. Em pontos onde valores 
comuns estão em jogo – questões éticas, sociais, culturais e políticas 
–, os esforços colaborativos devem ser encorajados. Todavia, quando se 
trata de cumprir a tarefa missionária de proclamar e viver o evangelho 
de Jesus Cristo em todo o mundo, os evangélicos devem ser cautelosos, 
mantendo padrões bíblicos claros ao formar plataformas e coalizões.
A posição que articulamos aqui é um reflexo de convicções evangélicas 
históricas, junto a uma paixão pela unidade entre crentes em Jesus 
Cristo de acordo com a verdade do evangelho1. As questões que suscitaram
 a Reforma 500 anos atrás ainda estão muito presentes no século 21 em 
toda a igreja. Enquanto acolhemos de bom grado toda oportunidade para 
esclarecê-las, nós evangélicos afirmamos, juntamente com os 
reformadores, as convicções fundamentais de que nossa autoridade final é
 a Bíblia e que somos salvos somente por meio da fé.
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[1] Essas convicções fundamentais são 
expressas em papers oficiais de duas organizações evangélicas mundiais: 
Fraternidade Evangélica Mundial e Movimento Lausanne. Após abordar temas
 como mariologia, autoridade na igreja, o papado e a infalibilidade, 
justificação pela fé, sacramentos e a Eucaristia, e a missão da igreja, 
este foi o pronunciamento da Fraternidade Evangélica Mundial: “A 
cooperação na missão entre evangélicos e católicos está seriamente 
impedida por conta de obstáculos ‘insuperáveis’” (Fraternidade 
Evangélica Mundial, Evangelical Perspective on Roman Catholicism (1986) 
in Paul G. Schrotenboer (ed.), Roman Catholicism. A Contemporary 
Evangelical Perspective (Grand Rapids: Baker Book House 1987) p. 93). A 
mesma visão é refletida no documento de Lausanne intitulado Occasional 
Paper on Christian Witness to Nominal Christians among Roman Catholics, 
de 1980, bem como em uma declaração de John Stott, principal autor do 
Pacto de Lausanne: “Estamos dispostos a cooperar com eles (católicos 
romanos, ortodoxos ou protestantes liberais) em boas obras de compaixão 
cristã e justiça social. É no momento em que somos convidados a 
evangelizar com eles que nos vemos em um duro dilema, pois o testemunho 
comum necessita de uma fé comum e a cooperação no evangelismo depende de
 concordância sobre o conteúdo do evangelho” (Lausanne Committee for 
World Evangelization. “Lausanne Occasional Paper 10 on Christian Witness
 to Nominal Christians among Roman Catholics” (Pattaya, Thailand, 1980);
 John Stott, Make the Truth Known. Maintaining the Evangelical Faith 
Today (Leicester, UK: UCCF Booklets, 1983) p. 3-4.).
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Traduzido por Jonathan Silveira no Teologia Brasileira
Original: Is the reformation over








