sexta-feira, 19 de agosto de 2016

Somos uma igreja reformada

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O que é ser um cristão reformado? Talvez, essa definição não seja tão fácil devido à forma tão elástica como alguns desejam dar à identidade reformada.[1] A fim de apresentarmos quem somos não é suficiente apenas descrevermos que historicamente descendemos da Reforma do século XVI. A genealogia da família reformada teve vários desdobramentos, alguns deles se apostataram da teologia reformada, mas Deus preservou uma linhagem fiel. Para provarmos a nossa identidade reformada precisamos justificar o nosso vínculo com o pensamento calvinista original.[2] Creio que podemos aceitar a definição de Joel R. Beeke em dizer que “ser reformado significa enfatizar o abrangente, soberano e amoroso senhorio de Deus sobre todas as coisas: cada área da criação, todos os esforços das criaturas e cada aspecto da vida do crente”.[3] Como cristãos reformados cremos que o nosso Deus criou tudo o que existe, governa todos os eventos pela sua providência, realiza eficazmente a salvação, e conduz tudo para o cumprimento do seu eterno propósito, de modo, que nada foge ao seu absoluto controle. Por isso, todas as demais doutrinas estão centradas em Deus.

O cristão reformado é alguém que vive sob a influência de que a Escritura é a sua única fonte e norma de fé e prática. H. Henry Meeter observa que

o calvinista sustenta que a autoridade da Bíblia é absoluta. Não considera a Bíblia simplesmente como um livro de bons conselhos que o homem pode adotar livremente, se assim o considera conveniente, ou rejeitar se assim lhe parece mais oportuno. A Bíblia é para o calvinista uma norma absoluta à que deve submeter-se totalmente. A Bíblia lhe dita o que deve crer e o que deve fazer; fala com força imperativa. Calvino era muito enfático neste ponto. Se a Bíblia fala, somente há uma alternativa: obedecer.[4]

O cristão reformado não é alguém que cegamente se submete a liderança de homens, instituições ou a movimentos. A sua submissão é ao Senhor Deus que revelou a sua vontade na Escritura Sagrada. Ele somente é sujeito a qualquer autoridade, desde que ela esteja de acordo com a Palavra de Deus. Alguns princípios norteiam o cristão calvinista em relação a Deus, ao próximo e a sua percepção da realidade ao derredor:[5]
  1. Ele mantém uma mentalidade teocêntrica.
  2. Possui um estado de espírito de contrição e de dependência.
  3. É movido por um coração grato dominado pelo contentamento.
  4. Suporta todas as coisas com uma vontade submissa.
  5. Persevera na santidade pela obediência da lei moral.
  6. Visa o propósito de glorificarmos a Deus em todas as esferas da sua vida.

É sempre relevante instruir que somos cristãos reformados e não meros evangélicos. Em meio à atual confusão, bem como as tendências pluralistas e inclusivas do evangelicalismo, precisamos nos distinguir. Vivemos um momento crítico de impureza doutrinária, e vemos ensinos nocivos se infiltrando até nas igrejas de origem reformada. Embora descrevendo o contexto das igrejas evangélicas nos EUA, James M. Boice e Philip G. Ryken diagnosticaram o que também parece ser a tendência do evangelicalismo brasileiro. Mas, infelizmente esta parece ser uma situação que começa a ser a realidade de algumas igrejas presbiterianas no Brasil. Eles denunciaram que

o que uma vez foi falado das igrejas liberais precisa ser dito das igrejas evangélicas: elas buscam a sabedoria do mundo, creem na teologia do mundo, seguem a agenda do mundo, e adotam os métodos do mundo. De acordo com os padrões da sabedoria mundana, a Bíblia torna-se incapaz de alimentar as exigências da vida nestes tempos pós-modernos. Por si mesma, a Palavra de Deus seria insuficiente de alcançar pessoas para Cristo, promover crescimento espiritual, prover um guia prático, ou transformar a sociedade. Deste modo, igrejas acrescentam ao simples ensino da Escritura algum tipo de entretenimento, grupo de terapia, ativismo político, sinais e maravilhosas – ou, qualquer promessa apelando aos consumidores religiosos. De acordo com a teologia do mundo, pecado é meramente uma disfunção e salvação significa desfrutar de uma melhor autoestima. Quando esta teologia adentra a igreja, ela coloca dificuldades em doutrinas essenciais como a propiciação da ira de Deus, substituindo-a por técnicas e práticas de auto-aceitação. A agenda do mundo é a felicidade pessoal, assim, o evangelho é apresentado como um plano para a realização pessoal, em vez de ser a caminhada de um comprometido discipulado. Para terminar, vemos que os métodos do mundo nesta agenda egocêntrica são necessariamente pragmáticos, sendo que as igrejas evangélicas estão se esforçando a todo o custo em refletir o modo como elas operam. Este mundanismo tem produzido o “novo pragmatismo” evangélico.[6]

Somos evangélicos no sentido de crermos no evangelho, todavia, preferimos não ser identificados no uso comum do termo. E, isto pelo simples motivo: para que não sejamos confundidos com esta tendência de desvio do antigo evangelho de Jesus. Os cultos de muitas igrejas evangélicas estão cheios de elementos estranhos, práticas místicas que se assemelham às seitas espíritas, doutrinas de homens e uma ausência da fiel exposição da Escritura, da correta ministração da ceia do Senhor, bem como da zelosa aplicação da disciplina bíblica. Essas comunidades por causa de sua infidelidade ao ensino da Escritura estão se tornando cada vez menos puras.


Mas, por que conhecer a própria identidade? Transcrevo aqui o sábio conselho de Beeke em que ele adverte que
se não conhecermos nossa herança reformada, a ignorância levará à indiferença, e a indiferença ao abandono. Aconselho-o a que estude o pensamento reformado. Mergulhe nos escritos de calvinistas firmes e renomados. [...] Se não apreciarmos a nossa herança reformada, a nossa fé perderá a autenticidade. Ninguém sentirá interesse pelo calvinismo, porque nos faltará paz, alegria e humildade verdadeiras. E, se não vivermos nossa herança reformada, não seremos sal na terra. Quando o sal perde a sua salinidade, não presta para nada, exceto para ser lançado fora e ser pisado pelos homens (Mt 5:13).[7]

Quando vivemos a tradição reformada honramos os milhares de servos que Deus usou para forjá-la. Não adoramos a tradição em si, mas cremos que ela é útil para identificar as nossas origens. Ela tem o papel de preservar a herança que recebemos dos reformadores. Quando subscrevemos estes documentos estendemos a nossa destra para irmãos de diferentes períodos e países que viveram pela fé reformada, e ao lado deles glorificamos ao soberano Deus.


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Notas:
[1] Por exemplo, refiro-me ao que fez John Leith agregando à tradição reformada homens e mulheres, bem como denominações e movimentos doutrinários bem pluralistas que negam a nossa tradição confessional reformada. Veja John Leith, A tradição reformada – uma maneira de ser a comunidade cristã (São Paulo, Associação Evangélica Literária Pendão Real, 1996).
[2] Holmes Rolston III afirmou um afastamento de Calvino e os teólogos de Westminster dizendo que “inovações teológicas eram a obra de seus sucessores” in: John Calvin versus the Westminster Confession (1972), p. 23 citado por Paul Helm, “Calvin and the Covenant: Unity and Continuity” in: The Evangelical Quarterly, p. 66. Entretanto, o que Joel R. Beeke declarou acerca da doutrina da segurança da salvação, também podemos concluir das demais áreas teológicas, que a diferença entre Calvino e o calvinistas posteriores, especialmente os teólogos de Westminster, em relação ao desdobramento teológico da teologia reformada é quantitativamente além, mas não qualitativamente contraditória às de Calvino. Veja Joel R. Beeke, A Busca da Plena Segurança – O Legado de Calvino e Seus Sucessores(São Paulo, Editora Os Puritanos, 1999), pp. 19-20.
[3] Joel R. Beeke, Vivendo para a glória de Deus – uma introdução à fé reformada (São José dos Campos, Editora Fiel, 2010), p. 57.
[4] H. Henry Meeter, The basic ideas of Calvinism (Grand Rapids, Baker Books, 6a.ed. rev., 1990), p. 28.
[5] Adaptado de James M. Boice & Philip G. Ryken, The doctrines of grace – rediscovering the evangelical gospel(Wheaton, Crossway Books, 2002), pp. 179-199.
[6] James M. Boice & Philip G. Ryken, The doctrines of grace – rediscovering the evangelical gospel, pp. 20-21.
[7] Joel R. Beeke, “Prefácio” in: Vivendo para a glória de Deus – uma introdução à fé reformada, p. 16.

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Autor: Rev. Ewerton B. Tokashiki
Fonte: Estudantes de Teologia

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