terça-feira, 12 de julho de 2016

QUANDO A NOSSA JUSTIÇA SE TORNA IDOLATRIA - O FARISEU E O PUBLICANO



Por  Silas Figueira

Texto base: Lucas 18.9-14

INTRODUÇÃO

Jesus nesta parábola tem a finalidade de nos chamar a atenção para o perigo que corremos de achar que somos melhores do que os outros porque somos religiosos. A religiosidade se torna perigosa quando começamos a nos afastar da humildade que ela deveria nos proporcionar, pois estamos na presença de Deus, e começamos a nos ufanar das nossas “boas” ações. Quando começamos a nos comparar com os demais homens que agem de forma diferente da nossa e achamos que somos melhores que eles. 

Nesta parábola do fariseu e do publicano o Senhor nos apresenta duas pessoas completamente diferentes quando oram. O fariseu nos é apresentado como um homem inchado de orgulho espiritual, enquanto que o publicano é uma pessoa que reconhece o seu estado espiritual defeituoso, ou seja, é um homem de humildade espiritual.

Eles não só eram diferentes na oração, mas também eram duas classes contrárias entre si. Os fariseus eram religiosos, tinham um vasto conhecimento do AT e frequentavam as sinagogas e o templo. Eram conhecidos por seus jejuns e orações públicas e diárias. Já os publicanos – coletores de impostos – eram pessoas mal vistas na sociedade judaica, pois eram judeus que trabalhavam para Roma recolhendo impostos de forma injusta.

Jesus mostra através dessa parábola o fariseu como um religioso hipócrita e o publicano como um religioso autêntico. 
  
Observando esse texto nós percebemos que a justiça própria anda de mãos dadas com a soberba e isso não passa de idolatria, pois a pessoa deixa de estar debaixo da justificação que o Senhor nos dá através de Cristo, e passa a se autojustificar.

Quais as lições que podemos tirar desse texto?

A PRIMEIRA LIÇÃO QUE APRENDO É QUE A NOSSA JUSTIÇA PODE SE TORNAR IDOLATRIA.

A linha divisória entre ser fiel a Deus através do nosso testemunho e a justiça própria é muito tênue. Por isso devemos tomar muito cuidado, pois como nos diz Ec 7.16:

“Não sejas demasiadamente justo, nem exageradamente sábio; por que te destruirias a ti mesmo?”

Por isso devemos tomar todo cuidado, pois a nossa justiça pode se tornar idolatria:

1º Quando pensamos que pela nossa própria justiça iremos para o céu (Lc 18.9). O apóstolo Paulo nos diz assim em Efésios 2.8,9:

“Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie”.

A salvação não está atrelada a méritos humanos, mas ao sacrifício de Jesus na cruz. Eu não sou aceito por Deus por ser bom, mas porque Jesus pagou um alto preço em resgate de nossas vidas. Por isso que há um perigo muito grande na religiosidade, e esse perigo se chama orgulho.

O orgulho religioso mata nossa vida com Deus; ela não nos leva a Deus, mas nos afasta dEle. Ter uma religiosidade acentuada não significa que agradamos a Deus. Essa parábola mostra claramente que a religiosidade que ostentamos em nossa vida não significa nada para Deus se não brotar de um coração sincero e se não for de acordo com a vontade Dele. Observe que o fariseu e o publicano tiveram atitudes de religiosos, pois estavam buscando a Deus em oração, porém, o fariseu, o mais religioso dos dois, é reprovado, pois sua religiosidade e oração eram vazias. O publicano não era considerado um religioso, mas tinha um coração que agradava a Deus.

Confiar em si mesmo é idolatria, pois despreza o que o Senhor realizou por nós quando enviou Seu Filho para nos resgatar; é como se disséssemos para Deus que somos bons demais, que somos excelentes e que se Ele não nos salvar será muita injustiça da parte dEle. E no céu não entra idólatra (Ap 22.15).

Veja o que o Senhor nos fala através de Isaías:

“Mas todos nós somos como o imundo, e todas as nossas justiças, como trapo da imundícia; todos nós murchamos como a folha, e as nossas iniquidades, como um vento, nos arrebatam” (Is 64.6).

A nossa justiça diante de Deus não vale de nada, só iremos para o céu através da Justiça de Jesus e não por causa da nossa.

A nossa justiça pode se tornar idolatria:

2º Quando nos vemos melhores que os outros (Lc 18.9,11). Veja que o texto nos diz que há pessoas que desprezam as outras por se verem justas. Tanto que a palavra “desprezam”, neste caso, significa literalmente “reputavam como nada”. Quantas pessoas hoje têm se desviado das outras por causa do orgulho religioso.

É bom destacar que nem todos os fariseus eram orgulhosos assim. Havia alguns que eram humildes e não arrogantes. No entanto, a maioria era assim, tanto que Jesus teve dificuldade em Seu ministério o tempo todo com eles. R. N. Champlin nos conta acerca da oração de um fariseu por volta do ano 70 d.C. Na sua oração o fariseu dizia assim:

“Agradeço-te, ó Senhor, meu Deus, que me tenhas proporcionado um lugar entre aqueles que se assentam na Casa de Estudos, e não entre aqueles que se assentam nas esquinas das ruas; porquanto eu me levanto cedo, como eles se levantam cedo, porém, levanto-me cedo para estudar as palavras da lei, e eles levantam cedo para se ocuparem de coisas inúteis. Eu trabalho, e eles também trabalham, porém, trabalho e recebo uma recompensa, e eles trabalham e não recebem recompensa alguma. Eu vivo e eles vivem também, porém, eu vivo para a vida do mundo vindouro, e eles vivem para o abismo da destruição” [1].

Esse tipo de oração não passa de autojustificação cheia de preconceito e julgamento. Por que digo isso, porque em momento algum há uma interseção por essas pessoas que viviam longe de Deus, segundo o fariseu. Ele se vangloriava do que tinha, mas em momento algum se lamentou da vida daquelas pobres almas.

Na verdade, esse fariseu usava a oração para obter reconhecimento público, não como exercício espiritual para glorificar a Deus [2]. Veja o que o Senhor nos fala em Mt 6.5 e 23.14:

“E, quando orardes, não sereis como os hipócritas; porque gostam de orar em pé nas sinagogas e nos cantos das praças, para serem vistos dos homens. Em verdade vos digo que eles já receberam a recompensa. Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas, porque devorais as casas das viúvas e, para o justificar, fazeis longas orações; por isso, sofrereis juízo muito mais severo!”

O Pastor Marcos de Souza Borges diz que “o preconceito, não só limita os relacionamentos e valores de outros, como os do próprio Evangelho. Impõe-se um padrão de santidade baseado em estereótipos, ritos e práticas externas que são apenas símbolos”. E ele ainda deixa claro que esse tipo de religiosidade é carnal e diabólica. Ele nos diz que “Espiritualidade demais é carnalidade, pois Deus é santo e o diabo é religioso” [3].

A nossa justiça pode se tornar idolatria:

3º Quando tomamos o lugar de Deus (Lc 18.11).  O fariseu orava de si para si... Ele orava para si e não para Deus, em outras palavras, ele falava consigo mesmo, ele não orava. Ele descreveu a si mesmo diante de Deus, e mostrou para si mesmo o quão reto era de acordo com todos os testes que havia imaginado.

Esse tipo de oração, infelizmente, temos ouvido em muitas igrejas. Aliás, nós temos alguns tipos de “orações” bem variadas em nossas igrejas.

Temos a oração testemunho – quando a pessoa aproveita para se exaltar diante das pessoas por algo que recebeu da parte de Deus.

Oração fofoca – quando a pessoa conta na oração um problema que alguém está passando, geralmente algo escandaloso.

Oração anúncio – quando se ora anunciando algum evento da igreja.

Parece brincadeira, mas o que mais temos visto por aí são esses tipos de oração, menos oração. Sempre há alguém orando dessa forma em nossas igrejas e sempre haverá.

A nossa justiça pode se tornar idolatria:

4º Quando nos ufanamos diante das nossas boas ações (Lc 18.11,12). O fariseu mostrou o quanto estava distante de Deus quando exaltou suas próprias obras como sendo, na visão dele, o motivo de Deus o “aceitar” em Sua presença. Porém, ele apenas mostrou o quanto adorava a si mesmo e não a Deus. 

Leon L. Morris diz que “aquilo que o fariseu dizia acerca de si mesmo era verdadeiro. Seu problema não era que não tinha progredido suficientemente ao longo da estrada, era que estava na estrada totalmente errada [...] e que o espírito da sua oração era totalmente errado” [4].

Muitos vão fazer isso, não na oração, mas, diante do Tribunal de Deus, como nos diz Jesus em Mt 7.21-23:

“Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus. Muitos, naquele dia, hão de dizer-me: Senhor, Senhor! Porventura, não temos nós profetizado em teu nome, e em teu nome não expelimos demônios, e em teu nome não fizemos muitos milagres? Então, lhes direi explicitamente: nunca vos conheci. Apartai-vos de mim, os que praticais a iniquidade”.

Queridos, diante de Deus nós somos injustificáveis, no entanto esse fariseu se via em pé de igualdade com Deus.

Nem Jó escapou desse engano doloroso que é a justiça própria. Quando toda aquela provação lhe sobreveio, sua atitude central foi de defender, irredutivelmente, a sua reputação. Apesar de Jó ter um testemunho inquestionável, as obras esmeradas e uma conduta aparentemente irrepreensível, havia algo errado que precisava ser mudado.

A grande mensagem do livro de Jó é que o homem mais justo da face da terra (Jó 1.8) era injusto, devido à sua justiça própria. Não pense você que foi fácil Jó conseguir enxergar isso. Tanto que ele passa o tempo todo se defendendo.
Jô se considerava justo demais e tão perfeito, que se resentiu ao ponto de culpar a Deus pela sua trágica situação. Então, é quando Deus revela a condição da sua justiça própria:

“Acaso, anularás tu, de fato, o meu juízo? Ou me condenarás, para te justificares?” (Jó 40.8 – ARA).
“Você vai pôr em dúvida a minha justiça? Vai condenar-me para justificar-se?” (Jó 40.8 – NVI).
“Será que você está querendo provar que sou injusto, que eu sou culpado, e você é inocente?” (Jó 40.8 – NTLH).

“Porventura também tornarás tu vão o meu juízo, ou tu me condenarás, para te justificares?” (Jó 40.8 – ARCF).

Quanta cegueira havia em Jó! Ele foi uma das pessoas que Deus precisou tratar mais duramente na Bíblia. Uma terrível crise que atingiu sua família, bens, saúde e, principalmente, sua reputação. Antes de Deus revelar sua justiça a Jó, ele precisava quebrar toda aquela casca de justiça própria com a qual sutilmente ele se gloriava.

Só uma provação tão forte como essa poderia levar alguém, que se achava tão infalivelmente justo, a discernir seu próprio orgulho e enxergar a injustiça própria. A Palavra de Deus diz que toda perfeição tem seu limite (Sl 119.96).

Mas depois de ser confrontado pelo Senhor, Jó finalmente entendeu o seu estado e pode se enxergar como na verdade ele era aos olhos de Deus:

“Eu te conhecia só de ouvir, mas agora os meus olhos te veem. Por isso, me abomino e me arrependo no pó e na cinza” (Jó 42.5,6).

Só depois disso que Jó pode orar e abençoar a vida de seus amigos. 

A SEGUNDA LIÇÃO QUE APRENDO É SÓ PODEMOS SER JUSTIFICADOS PELO SENHOR QUANDO RECONHECEMOS E NOS ARREPENDEMOS DOS NOSSOS PECADOS (Lc 18.13,14).

Justificação é o ato (instantâneo, completo e definitivo) JUDICIAL de Deus ao declarar que o pecador (que se arrependeu e creu em Cristo, e à conta da penalidade sobre Este como seu substituto): 1) não mais será punido; 2) será considerado como sendo JUSTO; e 3) está restaurado ao Seu favor.
Somos justificados pelo Senhor:

1º Quando nos apresentamos diante de Deus com humildade.Enquanto a religiosidade do fariseu o afastou de Deus, a humildade do publicano o levou a receber a justificação do Senhor. O publicano sequer tinha coragem de olhar para o céu, mas batia no peito, pois reconhecia o seu pecado. Os adoradores, entre os judeus, usualmente elevavam os olhos, mas aquele publicano sentia vergonha de ser tão ousado na presença de Deus.

Recentemente ouvi uma frase que dizia assim: “Tem gente que é tão humilde que tem orgulho de ser humilde”, não era o caso deste publicano.

Somos justificados pelo Senhor:

2º Quando reconhecemos o nosso pecado. Davi no Salmo 32 nos fala da bem-aventurança de quem recebe o perdão. Foi isso que ocorreu com este publicano.

O publicano agia totalmente contrário do fariseu. Ele depreciava a si mesmo, por avaliar corretamente a sua condição de pecador. Ele não olhou para o fariseu e o acusou de ser também um pecador e muito menos o chamou de santo; ele olhou para dentro de si somente.

Diante de Deus nós só contemplamos os nossos pecados e não os pecados alheios. Veja por exemplo o que ocorreu com Isaías 6.1-5:

“No ano da morte do rei Uzias, eu vi o Senhor assentado sobre um alto e sublime trono, e as abas de suas vestes enchiam o templo. Serafins estavam por cima dele; cada um tinha seis asas: com duas cobria o rosto, com duas cobria os seus pés e com duas voava. E clamavam uns para os outros, dizendo: Santo, santo, santo é o SENHOR dos Exércitos; toda a terra está cheia da sua glória. As bases do limiar se moveram à voz do que clamava, e a casa se encheu de fumaça. Então, disse eu: ai de mim! Estou perdido! Porque sou homem de lábios impuros, habito no meio de um povo de impuros lábios, e os meus olhos viram o Rei, o SENHOR dos Exércitos!”

Diante de Deus eu só posso ver as minhas falhas e não os meus acertos. Diante de Deus temo e tremo. veja por exemplo o que ocorreu com Daniel depois que teve a visão no rio Tigre (Dn 10.4-8). Outro exemplo é a do apóstolo João na ilha de Patmos (Ap 1.12-17).

Diante de Deus somos reputados por nada, mas tem gente que se acha.

Somos justificados pelo Senhor:

3º Quando buscamos a misericórdia de Deus para nossa vida. “Ó Deus sê propício a mim, pecador!”. O publicano batia no peito, num ato de tristeza extrema, que demonstrava a sua sinceridade na oração. Ele quando busca o perdão é porque reconhece o que merece, e ele merecia a condena

Como nos fala o Salmo 51.17:

“Sacrifícios agradáveis a Deus são o espírito quebrantado; coração compungido e contrito, não o desprezarás, ó Deus”. 

Quem busca o perdão de Deus com sinceridade de coração encontra o Senhor pronto a perdoar. Enquanto o publicano sabia da enormidade dos seus pecados, o fariseu não fazia ideia do que havia dentro do seu coração. Warren W. Wiersbe diz que esta é outra versão da história do filho pródigo e de seu irmão mais velho [5].

CONCLUSÃO

O Senhor conclui a sua parábola dizendo: “Digo-vos que este desceu justificado para sua casa, e não aquele; porque todo o que se exalta será humilhado; mas o que se humilha será exaltado” (Lc 18.14).

A petição dele foi aceita. O publicano voltou para casa justificado, ou seja, alcançou o perdão que havia pedido a Deus, pois este se humilhou debaixo da potente mão do Senhor. No entanto, o fariseu nada alcançou, pois não se via como pecador.

O princípio por trás de tudo isto é o que se exalta, será humilhado. Ninguém tem coisa alguma da qual se pode jactar diante de Deus. Por contraste, o que se humilha, será exaltado. O pecador arrependido que humildemente procura a misericórdia de Deus, a achará [6].

Um jovem, recém-formado em seu curso de Teologia, chegou ao púlpito, impecavelmente vestido e mostrando-se muito confiante em si mesmo. Ele começou a pregar o seu primeiro sermão naquela que era a sua primeira igreja e as palavras simplesmente não saíam. Sentindo-se envergonhado e derramando lágrimas, ele deixou a plataforma onde estava pregando. Duas senhoras, já idosas, que estavam sentadas na primeira fila da igreja, comentaram entre si: "Se ele entrasse como ele saiu, ele sairia como ele entrou." Muitas vezes perdemos grandes bênçãos exatamente por nos julgarmos autossuficientes e por acharmos que não dependemos de Deus para nada.

Como você tem se chegado a Deus, como o fariseu ou como o publicano? De acordo com a sua resposta você saberá como retornará para sua casa.
Pense nisso!

Notas:

1 – Champlin, R. N. O Novo Testamento Interpretado – versículo por versículo – Lucas. Editora Candeia, São Paulo, SP. 10ª reimpressão, 1998, p. 175.
2 – Wiersbe, Warren W. Comentário Bíblico Expositivo – Novo Testamento 1. Geográfica, Santo André, SP, 1ª Edição, 2012, p. 323. 
3 – Borges, Marcos de Souza. Cura e edificação do líder, Editora Jocum, Paraná, PR, sexta edição 2013, p. 68.
4 – Morris. L. Leon. Lucas, introdução e comentário. Ed. Mundo Cristão, Edições Vida Nova, Cidade Dutra, SP. 1986, p. 248, 9.
5 – Wiersbe, Warren W. Comentário Bíblico Expositivo – Novo Testamento 1. Geográfica, Santo André, SP, 1ª Edição, 2012, p. 323.
6 – Morris. L. Leon. Lucas, introdução e comentário. Ed. Mundo Cristão, Edições Vida Nova, Cidade Dutra, SP. 1986, p. 249.  

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