quarta-feira, 25 de maio de 2016

POR QUE HÁ UMA CONVERGÊNCIA ATUAL PARA A FÉ REFORMADA?




Por Michel Augusto

Breve Reflexão Teólogica

A história da igreja é caracterizada por uma dinâmica teológica necessária. Quando nos reportamos ao período atual, verificamos que há uma convergência para a  fé reformada. Por que isso tem acontecido atualmente? É uma questão de “modinha” ou um mero “movimento”? É uma convergência para criar exclusivismos? Qual é o valor prático dessa reviravolta atual? É uma contraposição à todas as demais cosmovisões e uma afirmação arrogante que estamos com a verdade? Em que medida essa convergência é saudável para o povo de Deus?


  1. Sentimento de insegurança no povo de Deus. Pastores e igrejas de formação histórica, conhecidos como o povo da Bíblia, tem como critério de segurança a Palavra de Deus, autoritativa, inerrante, inspirada, única regra de fé e prática. Quando esse sentimento é perturbado, há uma busca por um porto seguro. A fé reformada não busca ser uma categoria exclusivista, mas tem prestado um serviço relevante para o povo de Cristo, por voltar às Escrituras Sagradas em sua totalidade, em contraposição à “neo-ortodoxia de um povo evangélico aberto, isto é, uma neo-ortodoxia disfarçada de pensamento evangélico[1]“, como diz Francis Shaeffer;
  2. Igreja e teologia andando de mãos dadas. O seminário teológico não pode se tornar uma academia independente do povo de Deus, mas deve ser um instrumento de conhecimento para que a fé bíblica se torne o ponto de partida para se analisar o mundo, a sociedade e a cultura. Quando há um desvencilhamento desse aspecto, a teologia começa a prestar um trabalho irrelevante, pois despreza a comunidade cristã como precursora dessa construção e entra num processo de análise e convergência religiosa como ponto de partida e não as Escrituras Sagradas. Justo Gonzalez nos lembra dessa relação, dizendo que o “fazer teológico é um processo para toda a vida e de toda a igreja, e que temos que promover um tipo de educação que ajude toda a igreja a enfrentar as circunstâncias sempre em mutação e os desafios inesperados[2].”
  3. Bíblia e Interpretação: Jesus e Paulo. O método de interpretação histórico-crítico de cunho liberal trouxe uma dicotomia entre Jesus e Paulo, fragmentando o que é normativo para a igreja. O método histórico-gramatical conservador, usado pelos reformados, considera alguns aspectos importantes daquela, como as variações textuais, mas assegura com firmeza a totalidade das Escrituras como Palavra de Deus. As novas perspectivas dos estudos paulinos tem produzido uma nova categoria de liberais que usa o discurso de Jesus, desconsiderando a totalidade das Escrituras. Em virtude disso, os ditos paulinos deixam de ser vistos como inspirados e passam para a categoria antropológica-cultural da igreja neotestamentária. Neste contexto, a caminhada cristã se torna uma hermenêutica da vida, sem a necessidade de doutrinação bíblica em sua totalidade. O princípio “somente as Escrituras” corrige essa rota, buscando convergir todos os assuntos da igreja atual para o campo bíblico, como autoridade final em qualquer assunto;
  4. Dicotomia entre bíblia e teologia prática. A herança liberal deixou um presente de grego para a atualidade: Uma prática cristã com alguns retalhos bíblicos, isto é, uma pragmática religiosa sem compromisso com o discurso escriturístico sagrado em sua inteireza. É claro que ambas disciplinas podem e devem ser estudadas em momentos distintos, mas a prática cristã não pode ser vinculada somente à uma parte, mas às Escrituras Sagradas como um todo, pois elas convergem em Cristo. A praxis evangélica liberal busca referenciais nos Evangelhos, desprezando os escritos apostólicos, justamente pela atuação do método histórico-crítico;
  5. Evangelho social e o flerte com o universalismo da salvação. A injustiça social, desigualdade e as atuais questões de gênero e diversidade religiosa sorrateiramente tem levado muitos ao consenso interreligioso do universalismo da salvação. O discurso da eleição divina se torna um absurdo em virtude do problema do mal e das injustiças. O consenso liberal de “picotar” as cartas dos apóstolos tem formado um conceito do amor de Deus acima de qualquer escolha divina. A soberania e eleição de Deus na salvação é inadmissível num mundo de sofrimento, lutas sociais e raciais. Não podemos ser favoráveis à intolerância religiosa, mas não temos necessidade de buscar a unidade no contexto pagão religioso brasileiro. O processo ecumênico começa de forma atraente, mas os resultados práticos vistos é um diálogo interreligioso salvacionista. É um caminho que promete o retorno, mas por encontrar um discurso menos agressivo, pode desaguar no mar das incertezas religiosas, no famoso discurso do “amor de Deus”;
  6. Evangelismo e ação social. São idênticos? A teologia da libertação desaguou numa ação contra injustiças, apenas, e outras teologias atuais correm o mesmo perigo. Ação social sem evangelização bíblica desagua em luta por direitos e justiça, somente. “É crucial à fé que Deus esteja salvando corpos, não apenas almas – e nos conclama ao serviço tangível ao próximo, especialmente aos pobres e marginalizados da sociedade. No entanto, o perigo é quando queremos deixar uma marca distintiva nesse projeto social.[3]” Desta forma, o nosso desafio é trabalhar ortodoxia e ortopraxia, levando em consideração que uma não vive sem a outra. “Aqueles que se concentram exclusivamente em questões de justiça social se esquecem da afirmação cristã que é “fiel e digna de toda aceitação: Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores”, e da clara comissão dada à igreja de proclamar o arrependimento e o perdão dos pecados.[4]“
  7. Púlpito e docência. Teólogos e pastores devem ter o mesmo discurso. Teologia e igreja, cátedra e pregação devem ser coerentes na teoria e prática. O ensino do método histórico-crítico tem gerado uma separação entre o docente e o pastor entre o ensino e explanação da Palavra. Quanta hipocrisia e falta de zelo! Que o Senhor tenha misericórdia e traga um despertamento através dessa convergência em torno da fé reformada, como pressuposto de retorno à Bíblia, como Palavra de Deus em sua totalidade. A neo-ortodoxia, com trejeitos evangélicos não converge para as Escrituras Sagradas como única regra de fé e prática, acabando em “rua sem saída”, como diz Schaeffer;
  8. Liberalismo teológico. Não podemos partir do pressuposto de que tudo o que não faz parte da fé reformada, é liberalismo. Isso é um erro crasso! Por outro lado, temos pontos de partida (Cristo, Escrituras, fé, graça, e uma vida em função da glória de Deus), que nos permite fazer uma análise da história da igreja e seus desajustes com a abertura liberal. Assim sendo, surge uma pergunta básica: Qual é a contribuição do liberalismo teológico para a igreja de Cristo? Na Holanda e outros países temos como resultado o fechamento de inúmeras igrejas e seminários. Qual é o valor do método histórico-crítico para o povo de Deus, a não ser o de desfazer e retalhar as Escrituras Sagradas! O liberalismo tem se infiltrado em igrejas, denominações e seminários, percorrendo um longo caminho para não chegar em lugar nenhum, como bichinhos à cata do próprio “rabo”;
  9. Neopentecostalização. Muitos estão fugindo do liberalismo e outros do neopentecostalismo. O pragmatismo religioso atual através da espiritualidade sem entendimento bíblico levou muitos a abandonarem as igrejas históricas em virtude da teologia do resultado instantâneo. O retorno tem se dado numa convergência à fé reformada, como tentativa de respiração de um ar sem as contaminações da busca pelo crescimento numérico desenfreado. É um grito de socorro em meio à selva de pedras, uma tentativa de sobrevivência em relação ao pragmatismo religioso liberal e da teoria da prosperidade neopentecostal;
  10. Pregação. O Sermão Expositivo não é a única forma de pregar o Evangelho, mas uma alternativa indispensável de ensinar as Escrituras no contexto evangélico atual: um contexto de pragmatismo e pluralismo jamais visto na história da igreja. O fruto da separação da pregação do ensino trouxe prejuízos incalculáveis para o povo de Deus. “Deus não é um Deus de pantomina ou de encenação. Sua criação fundamental é um conjunto de revelação verbal e o corpo humano de Jesus Cristo, a Palavra que se fez carne. O trabalho do pregador não é citar a Bíblia como em uma palestra cheia de conselhos pragmáticos, mas expor o texto bíblico, aplicá-lo e exortar o povo a viver de acordo com ele, em união com Cristo e pelo poder do Espírito[5]”;
  11. Aconselhamento. O consultório pastoral deve ter uma ferramenta redentiva: Palavra de Deus. Partimos do pressuposto bíblico que o homem é um ser caído, que carece da glória de Deus. Após ser encontrado pela graça (Ef 2.8), precisa caminhar em santidade, que não é um caminho isolado da graça, mas também não é separado dos preceitos da lei divina. Aconselhar sem esse entendimento nos levará à uma caminho do pressuposto humanista da solução dos problemas, puramente;
  12. Espiritualidade. Vivemos num contexto de muitas espiritualidades. A experiência é muito enfática nas liturgias e prática cristã. O entendimento é reduzido ao campo do ensino, criando uma dicotomia entre teoria e prática. A espiritualidade reformada busca um entendimento bíblico para a prática, evitando as muitas espiritualidades “tupiniquins” como regra;
  13. Musicalidade. A herança do reformador Lutero quanto à musicalidade como Palavra cantada se perdeu gradativamente. Da década de oitenta até os dias atuais, temos enfrentando um pragmatismo na musicalidade igrejeira. As inspirações musicais pessoais cedeu lugar à regra bíblica de cantar as Escrituras Sagradas. Perguntaram para Lutero qual era a parte mais importante do culto. O mesmo respondeu que “o elemento mais importante é a pregação e o ensino da Palavra de Deus[6]“. Considerando que o ensino permeia todo o culto e liturgia, através do sermão e dos cânticos, se houver ensino bíblico nesses dois momentos, o culto será relevante;
  14. Cosmovisão e juventude. Os nossos jovens vivem inúmeros desafios diariamente. Muitos congressos da juventude brasileira tratam de temas ligadas ao “fogo” e deixam de ensinar o caminho da cosmovisão. O poder do Espírito Santos é vital na vida do crente, mas a alienação em torno de temas relevantes, não é o caminho para a juventude. Temos a necessidade de trabalhar a fé conjugada a: universidade, ciência, artes, musicalidade, cosmovisão política, cultura e outros.

O posicionamento da fé reformada não é uma auto-intitulação arrogante de infalibilidade do movimento em si, mas uma regência teológica que leva em consideração a totalidade das Escrituras como Sagradas, em contraposição à dinâmica da teologia na história da igreja, partindo do século XVI em oposição ao catolicismo romano quanto à teologia da justificação, quanto ao liberalismo teológico do século XIX e meados do XX e também em muitos aspectos da neo-ortodoxia, que entendemos ser uma teologia evangélica sorrateiramente aberta ao discurso interreligioso.

 ***

Notas bibliográficas

SCHAEFFER, Francis. A igreja do século XXI. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2010, p. 280.

GONZÁLEZ, Justo L. Ministério. Vocação ou profissão. O preparo ministerial ontém, hoje e amanhã. São Paulo: Editora Hagnos, 2012, p. 141-157.

HORTON, Michael. Simplesmente Crente. São José dos Campos: Editora Fiel, 2016, p. 40

STOTT, John. As controvérsias de Jesus. Viçosa, MG: Editora Ultimato, 2015, p. 161.

STRACHAN, Owen. Profetas, sacerdotes e reis. Uma breve teologia bíblica do ministério pastoral. In: VANHOOZER, Kevin; STRACHAN, Owen. O pastor como teólogo público. Recuperando uma visão perdida. São Paulo: Editora Vida Nova, 2016, p. 86.

CÉSAR, Elben M. Conversas com Lutero. História e pensamento. Viçosa, MG: Editora Ultimato, 2006, p. 196.

Sobre o autor

Michel Augusto é casado e pai de dois filhos. Cristão reformado calvinista. Pastor e teólogo. Doutorando em Teologia pelas Faculdades EST (Teologia Prática) – bolsista pela Capes. Mestre em Teologia pelas Faculdades EST (Teologia Prática). Mestre em Teologia, (Novo Testamento) pela Faculdade Teológica Cristã do Brasil. Bacharel em Teologia pelo Seminário Batista (SBJN). Bacharel em Direito pelo Centro Universitário IESB.

É professor de Teologia Prática na FTRB – Faculdade Teológica Reformada de Brasília. Advogado na área de direito eclesiástico. Pastor da Igreja Batista Nacional Deus é Luz. Membro da Ordem de Ministros Batistas Nacionais/DF e OAB/DF.

Áreas de pesquisa: Teologia Prática (homilética – sermão expositivo), Teologia da Musicalidade, Mídia e Religião e Teologia do Novo Testamento.

[1] SCHAEFFER, Francis. A igreja do século XXI. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2010, p. 280.

[2] GONZÁLEZ, Justo L. Ministério. Vocação ou profissão. O preparo ministerial ontém, hoje e amanhã. São Paulo: Editora Hagnos, 2012, p. 141-157.

[3] HORTON, Michael. Simplesmente Crente. São José dos Campos: Editora Fiel, 2016, p. 40

[4] STOTT, John. As controvérsias de Jesus. Viçosa, MG: Editora Ultimato, 2015, p. 161.

[5] STRACHAN, Owen. Profetas, sacerdotes e reis. Uma breve teologia bíblica do ministério pastoral. In: VANHOOZER, Kevin; STRACHAN, Owen. O pastor como teólogo público. Recuperando uma visão perdida. São Paulo: Editora Vida Nova, 2016, p. 86.

[6] CÉSAR, Elben M. Conversas com Lutero. História e pensamento. Viçosa, MG: Editora Ultimato, 2006, p. 196.

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