segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Quanto custa ser um Cristão?

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Por Leandro Antonio de Lima

Quanto custa ser um cristão hoje? Em muitos casos pode ser bastante caro. E não estamos falando dos custos do discipulado conforme Jesus descreveu, ou seja, sobre a necessidade de deixar para trás a velha vida, de amar menos os pais ou os amigos, de tomar a cruz e seguir Jesus pelo caminho. Estamos falando de dinheiro mesmo. Custa caro. Em muitas igrejas, em todos os cultos, o momento da entrega dos dízimos e ofertas ocupa uma parcela considerável, com todo tipo de testemunhos sobre as vantagens de fazer grandes ofertas e até apelações sobre invocação de maldições para aqueles que se recusarem a ser fiéis. Há também todo tipo de objetos “abençoados” que se forem adquiridos trarão bênçãos especiais sobre os possuidores, sem falar em todos os “produtos” gospel, como CDs, camisetas, chaveiros, livros, etc. Toda essa apelação tem um argumento muito simples: quanto mais você contribuir com a obra de Deus, mais Deus o abençoará financeiramente.

Jesus ensinava seus discípulos a não se apegarem aos bens materiais e a estarem preparados para enfrentar sofrimentos e privações por causa dele, mas hoje os pregadores proclamam dos púlpitos que os crentes serão prósperos, que terão todos os seus sonhos realizados, que desfrutarão de todo o conforto que esta terra pode oferecer. Hoje os pregadores resumem todo o sofrimento a que Jesus se submeteu desde seu nascimento até à sua terrível morte por crucificação como sendo para fazê-los “felizes”, “prósperos” e “saudáveis”. Esses mesmos pregadores ensinam os crentes a fazerem negócios com Deus, a provar a fidelidade de Deus. O método geralmente é o de depositar uma gorda quantia na conta da igreja e esperar que Deus irá recompensarem dobro ou triplo. Na verdade isto, além de ser uma excelente técnica de arrecadação, é também um excelente método de fazer discípulos de Mamon. Este tipo de pregação que se torna mais comum a cada dia tem criado “crentes” obcecados por dinheiro e felicidade. O apelo que o dinheiro produz dentro de nós é muito grande. Como diz John White, “nenhum cristão diria que o dinheiro é Deus; mesmo assim, creio que carregamos a culpa de adorá-lo” ¹. Ainda mais, quando a pregação o exalta tanto.

Quase sempre quando se fala em contribuição na Igreja, um texto monopoliza as exposições: Malaquias capítulo 3. O famoso e quase onipresente texto do momento da entrega dos dízimos e ofertas descreve uma situação peculiar do povo de Israel. Com as seguintes palavras Deus se dirigiu ao seu povo: “
Porque eu, o SENHOR, não mudo; por isso, vós, ó filhos de Jacó, não sois consumidos. Desde os dias de vossos pais, vos desviastes dos meus estatutos e não os guardastes; tornai-vos para mim, e eu me tornarei para vós outros, diz o SENHOR dos Exércitos; mas vós dizeis: Em que havemos de tornar? Roubará o homem a Deus? Todavia, vós me roubais e dizeis: Em que te roubamos? Nos dízimos e nas ofertas. Com maldição sois amaldiçoados, porque a mim me roubais, vós, a nação toda. Trazei todos os dízimos à casa do Tesouro, para que haja mantimento na minha casa; e provai-me nisto, diz o SENHOR dos Exércitos, se eu não vos abrir as janelas do céu e não derramar sobre vós bênção sem medida. Por vossa causa, repreenderei o devorador, para que não vos consuma o fruto da terra; a vossa vide no campo não será estéril, diz o SENHOR dos Exércitos. Todas as nações vos chamarão felizes, porque vós sereis uma terra deleitosa, diz o SENHOR dos Exércitos” (Ml 3.6-12).

Esse é um texto riquíssimo em que Deus se manifestou ao povo de Israel em sua imensa misericórdia, pois mesmo o povo estando em pecado, Deus não os consumiu. Por causa de sua imutabilidade, Deus continuava amando e tratando com o povo desobediente. Mas em que eles estavam sendo desobedientes? Deus os havia feito voltar do exílio da Babilônia. Era o tempo da reconstrução da nação e do serviço religioso. Mas, o povo estava mais preocupado em reconstruir suas próprias casas e seu conforto familiar. Ao invés de cumprir aquilo que a Lei ordenava a respeito das ofertas e dos sacrifícios, eles estavam manipulando essas coisas, sacrificando animais defeituosos (Ml 1.6-8) e claramente, retendo aquilo que deveria ser entregue na casa de Deus. Por causa disso, Deus reteve sua bênção e não abençoou seus campos, de modo que a produção deles estava muito baixa. Mesmo assim, eles não percebiam que era a mão de Deus. Então, Deus os chamou ao arrependimento e disse que fizessem uma prova. Deus mandou que eles entregassem corretamente os dízimos e ofertas e assim os abençoaria novamente.

A pergunta que precisa ser feita é: esse texto pode ser aplicado às igrejas hoje? Primeiramente precisamos dizer que tudo o que foi registrado na Bíblia, como Paulo disse, foi registrado para nossa edificação e advertência (1Co 10.11). Sendo assim, tudo o que está escrito na Bíblia é útil para nós. Mas isso não significa que tudo possa ser aplicado diretamente à nossa situação em todos os seus detalhes. Precisamos considerar os contextos de cada escrito. A necessidade de entregar dízimos e ofertas para a casa de Deus não é algo que se possa discutir. A questão é: qual é a motivação que um crente deve ter ao fazer isso? Nessa passagem, Deus não está mandando todo mundo fazer “prova dele” ao entregar os dízimos e ofertas. Aquilo foi uma questão especial para aquele povo que não estava entregando e também não estava percebendo que por causa disso estava sendo amaldiçoado por Deus. Deus propôs uma prova justamente para que eles percebessem que a infidelidade era a causa da retenção da bênção.

A motivação correta para alguém entregar seus dízimos e ofertas não pode ser o anseio de receber mais. Todo anseio exagerado por lucro tende a ser pecaminoso. Seria totalmente nefasto alimentarmos um sentimento errado diante de Deus ao entregarmos nossos dízimos e ofertas para ele. Então que sentimento devemos nutrir? Primeiramente o de obediência. Se somos chamados a fazer isso, então, cabe a nós obediência. Mas é preciso ir além. O verdadeiro sentimento é o de gratidão. Na verdade, o que faltava ao povo de Judá era justamente gratidão. Deus não os havia libertado do cativeiro da Babilônia? Não os havia devolvido a terra e o próprio templo? Mas eles não percebiam essas coisas.

Paulo em seu tempo já falou de homens que misturavam fé e lucro. Ele alertou Timóteo a respeito de homens “cuja mente é pervertida e privados da verdade, supondo que a piedade é fonte de lucro” (1Tm 6.5). Evidentemente estes homens estavam mais interessados nos ganhos financeiros que podem ser obtidos através da religião, do que em relação ao compromisso com Deus que se requer para uma vida piedosa. Eles pensavam que a piedade podia ser fonte de lucros, e isto também se parece com as pessoas dos dias de hoje que enfrentam todo tipo de “rituais evangélicos” para obterem prosperidade. Paulo entende que a piedade é fonte de lucro sim, mas de outro tipo de lucro, aquele que vem com o contentamento (1Tm 6.6). A lógica de Paulo é muito parecida com a de Jó:
“Porque nada temos trazido para o mundo, nem coisa alguma podemos levar dele. Tendo sustento e com que nos vestir, estejamos contentes”(1Tm 6.7-8).
 
O contentamento é a grande virtude do cristão. É preciso entender o quanto a tentação de obter riquezas pode causar mal à vida do cristão. Paulo diz:
Ora, os que querem ficar ricos caem em tentação, e cilada, e em muitas concupiscências insensatas e perniciosas, as quais afogam os homens na ruína e perdição. Porque o amor do dinheiro é raiz de todos os males; e alguns, nessa cobiça, se desviaram da fé e a si mesmos se atormentaram com muitas dores” (1Tm 6.9-10).
Estes versos deveriam ser afixados em todos os pára-brisas dos carros dos crentes, pois é uma palavra extremamente importante para os nossos dias. Nos alerta sobre coisas terríveis que podem sobrevir àqueles que se enveredam pelo caminho da cobiça e da ganância. É muito importante entender que Paulo está falando de cristãos neste capítulo. Ele percebe claramente que muitos estão tentando servir a Deus e a Mamon conjuntamente, mas ele sabe que afinal, se continuarem nesta prática, servirão apenas a Mamon. Tentação e ciladas sempre estão no caminho de quem tem o desejo de enriquecer. Especialmente o auto-engano se apresenta como uma cilada difícil de evitar. Quem se torna avarento, dificilmente percebe sua própria avareza, pois sempre encontrará álibis para justificá-la. Não é sem motivo que Paulo diz que o amor pelo dinheiro conduz as pessoas a todo tipo de pecados, pois como diz Calvino:
não há males que este não produz farta e diariamente: incontáveis fraudes, falsidades, perjúrio, impostura, extorsão, crueldade, corrupção judicial, contendas, ódio, envenenamentos, homicídios e toda sorte de crimes”²
Calvino está relatando o que era comum em seus dias no século 16, mas parece estar falando de coisas do noticiário de hoje. O maior de todos os perigos e que é também o maior de todos os feitos que Mamon consegue realizar é desviar as pessoas da fé. A advertência de Paulo, portanto, é premente. Amar ao dinheiro desvia as pessoas da fé. Mas é curioso que hoje tantos pregadores dizem que é preciso ter fé para conseguir mais dinheiro.


Notas:
1 John White, Dinheiro não é Deus, p. 14.
2 João Calvino, As Pastorais, p. 170. 1b39


Autor: Leandro Antonio de Lima
Fonte: [ Igreja Presbiteriana de Stº. Amaro 

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